Marcos Paulo Pereira Filho: Lula 3.0 – soluções
temporárias, problemas estruturais
Apesar
das melhorias relevantes na realidade brasileira, antigos problemas continuam a
assombrar o país: a diminuição do desemprego se dá pela geração de empregos
precarizados
A
retomada do lulismo
Com a
terceira vitória do candidato Luis Inácio Lula da Silva em outubro de 2022,
contando com apoio de parcela dos setores populares, radicais de classe média,
setores do establishment político e nos últimos minutos do 2º turno,
representantes da burguesia cosmopolita, o lulismo voltou para administração
pública buscando reverter o quadro de crise que caracterizou o país desde 2015
com sua reedição da década perdida.
Prometendo
retomar a expansão do consumo na sociedade brasileira via investimento público,
o reformismo fraco apoiou a reeleição de Arthur Lira para o comando da
Câmara dos Deputados em troca da aprovação da PEC da Transição, que permitiu o
aumento e/ou reajuste nos programas sociais que caracterizaram os governos
petistas, além das quantias monetárias necessárias para que não houvesse
um shutdown da máquina pública.
Os
investimentos públicos, na ordem de 150 bilhões de reais, junto com os
reajustes acima da inflação no salário mínimo e nas aposentadorias, reanimaram
o keynesianismo moderado que deu sobrevida ao país-ornitorrinco, ocultando sua
lógica de colapso que atravessa a sociedade brasileira desde a década de 1980.
Passados
dois anos desde a expansão fiscal promovida na transição, os indicadores
sociais melhoraram. O desemprego, que no 1º trimestre de 2023 era de 9,4%,
agora, no 3º trimestre de 2024, é de 6,4%, chegando perto do pleno emprego
(levando em consideração a capacidade produtiva de um país na periferia do
capitalismo). A diminuição da insegurança alimentar,
que tinha explodido durante o período mais agudo da pandemia, também aponta
para melhora no quadro social do país.
Apesar
das melhorias relevantes na realidade brasileira, antigos problemas – que se
revestem de novos – continuam a assombrar o país. A diminuição do desemprego
que chega perto da taxa mínima histórica de 2012, se dá, qualitativamente, pela
geração de empregos precarizados, concentrados no setor de serviços, que
demanda apenas ensino médio completo e sua remuneração orbita em torno de dois
salários mínimos. A taxa de informalidade continua beirando os 40%, expressando
o oceano de exército de reserva que continua permitindo uma acumulação
capitalista centrada no rebaixamento dos custos da reprodução da força de
trabalho.
A
retomada dos investimentos públicos via programas sociais e aumento real do salário
mínimo, estimularam uma demanda agregada que se espalhou e criou uma capacidade
de consumo que necessitava da criação de novos postos de trabalho no setor de
vendas e comércio, mas não está associada com o aumento da produtividade do
trabalho, isto é, inovações tecnológicas que permitam a extração da mais-valia
relativa. O diagnóstico é de um crescimento artificial, centrado no consumo das
famílias, mas desatrelado do desenvolvimento das forças produtivas e se
baseando no aprofundamento do extrativismo.
Francisco
de Oliveira em ensaio publicado na piauí em 2007, demonstra, como os governos
petistas, mimetizando a administração de Nelson Mandela, inauguraram no país
uma hegemonia às avessas: os dominados, ao liderarem a direção moral da
sociedade, adotam o programa dos dominadores. Os programas de transferência de
renda atuariam como um administrador da pobreza, retirando da política a
disputa de classes e alçando a miséria às planilhas do Ministério do
Desenvolvimento Social. As disputas em torno de uma transformação radical da
sociedade brasileira, centrada em uma modernização com inclusão social, são
substituídas por uma aliança frágil que remenda a fratura social brasileira.
Escrito
no auge da popularidade do segundo governo Lula, o ensaio se mostra atual para
o novo governo petista: enquanto se expande o valor dos benefícios dos
programas sociais, a estrutura produtiva do país continua decadente: a
desindustrialização é intensificada, os investimentos em infraestrutura
continuam aquém da necessidade para sua modernização, as empresas continuam sem
absorver as pesquisas produzidas nas universidades brasileiras, a qualidade dos
empregos são precárias, o endividamento familiar se põe como regra e a expansão
da produção de commodities serve para engordar as reservas do país.
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Crise ou colapso da economia mundial? Brasil na encruzilhada
Para
compreensão das mudanças na economia brasileira desde o esgotamento do ciclo
desenvolvimentista, é necessário estender a análise para as transformações na
organização produtiva mundial que alteraram os rumos da acumulação capitalista.
Robert
Kurz (1991), em O Colapso da Modernização, demonstra como essas
transformações operaram dentro do sistema mundial produtor de mercadorias. Com
o desenvolvimento das suas forças produtivas desde o pós-guerra, sobretudo nos
países centrais, houve um aumento da composição orgânica do capital que passou
a dispensar o trabalho vivo do processo produtivo. Esse processo desembocou na
Terceira Revolução Industrial nas décadas de 1970 e 1980, com a microeletrônica
ruindo as bases de reprodução capitalista. Se Marx já havia demonstrado o
processo crítico de reprodução capitalista, pautado em uma constante
desvalorização do valor, substância que rege o modo de produção capitalista, na
qual o aumento do capital constante em relação ao capital variável, ao diminuir
as taxas de extração de mais-valia, leva à uma queda tendencial da taxa de
lucro, o que passamos a compreender a partir do final do século XX é uma
acumulação capitalista que se reproduz pela dessubstancialização do valor,
minando as bases da reprodução capitalista e transformando os trabalhadores de
exército de reserva em população supérflua.
Se a
partir da década de 1970 o setor industrial para de remunerar adequadamente os
capitalistas, com a queda da sua taxa de lucro, o setor financeiro, com o
capital portador de juros, sugere níveis de remuneração individuais maiores. A
migração dos investimentos para o mercado de capitais, por meio do crédito,
realimenta a espiral da crise, com o capital fictício liderando a economia
mundial. A problemática se insere, entretanto, em conceber como o capital
fictício se entrelaça com uma produção de mercadorias que conta com menos valor
em cada unidade produzida, organizando a economia mundial a partir da lógica do
colapso.
No
artigo A produção do espaço na região do MATOPIBA: violência,
transnacionais imobiliárias agrícolas e capital fictício (2017), os autores
concebem como a terra se transformou em um ativo financeiro em busca de
valorização dos capitais com a produção de commodities. A expansão da fronteira
agrícola no Brasil a partir da década de 1970, se caracteriza, nos dias atuais,
pela busca, por parte do mercado financeiro, de remunerar seus capitais com a
produção agropecuária, aumentando a produção e produtividade. O nó gerado,
síntese da acumulação de capital no estágio atual do capitalismo, é que sua
expansão se baseia na diminuição do capital variável do processo produtivo,
simulando um processo de acumulação que não possui suas bases para se
reproduzir.
Podemos
compreender que a economia brasileira, entrelaçada com a economia mundial,
possui dificuldades de passar por mudanças que alterem sua estrutura produtiva
quando a lógica atual de produção de mercadorias se enquadra na sua crise de valorização.
E
enfim, o extrativismo
A
crise da dívida externa na década de 1980 alterou a balança de pagamentos do
país, intensificando o processo inflacionário que corroía a tentativa de
modernização periférica que se sustentava desde a década de 1930. As soluções
encontradas para o novo problema nacional partiram da redefinição da acumulação
de capital no país, com a adoção de políticas econômicas ortodoxas que
estimulavam a produção mineral e agropecuária para formar as divisas
internacionais necessárias para reestruturar a sua dívida externa.
Saskia
Sassen (2016), em seu livro Expulsões, apresenta a relação entre o
pagamento da dívida externa dos países do Sul Global e o aprofundamento do
extrativismo. Para ela, são dois vetores que explicam esse funcionamento: o
enfraquecimento dos Estados Nacionais, com a lógica globalizadora distribuindo
mundialmente as cadeias produtivas, e a abertura dos mercados nacionais para o
pagamento dessas mesmas dívidas como requisito para acessar o crédito dos
organismos multilaterais (FMI e Banco Mundial). A autora compreende que “não se
trata simplesmente da dívida, mas do uso que se faz do problema da dívida para
reorganizar uma economia política” (SASSEN, 2016, p. 108).
O
aprofundamento do extrativismo vem de encontro com o início da década de 2000 e
a eleição presidencial do primeiro operário a comandar o país. Os 13 anos
de administração petista se beneficiaram do boom das commodities para
realizar suas políticas sociais. Para além do uso das receitas do Pré-Sal, por
exemplo, para o financiamento de algumas de suas políticas, os governos
estimularam a extração de recursos naturais e a expansão da fronteira
agropecuária pelo país, intensificando o caráter exportador de uma economia
periférica. O Governo Lula III, como reedição do lulismo adaptado às novas
condições de correlação de forças nacionais e internacionais, continua
promovendo essa realidade econômica. O Plano Safra, contando com 400 bilhões de
reais, expressa essa condição que estrutura a atividade produtiva do país.
Para
além dos problemas de ordem econômica, as questões sociais e ambientais foram e
são penalizadas pelo extrativismo. As comunidades indígenas, quilombolas e de
posseiros que ocupam partes do território nacional, vem sofrendo um intenso
processo de expropriação causado pela expansão da fronteira agrícola, marcada
pela grilagem de terras nas novas áreas de produção agropecuária, como a região
do MATOPIBA ou de partes do território amazônico. Essa mesma busca desenfreada
por terras férteis, na Amazônia, vem causando estragos que alguns cientistas
falam de um ponto de não retorno, com o colapso do bioma amazônico trazendo
consequências apocalípticas para o planeta.
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Soluções temporárias
As
tentativas de modernizar o país por parte do novo Governo Lula, apesar de
tímidas, também esbarram nos problemas da acumulação capitalista mundial. Se
existe a formulação ou reedição de novos programas de estímulo à produção
industrial, como o Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) ou o NIB
(Nova Indústria Brasil), seus resultados serão frustrados ao buscar solucionar
os problemas em uma realidade que impede atingir o tempo industrial médio de
produção, isto é, a produtividade dos países centrais, para além da
problemática central de crise da reprodução capitalista que,
contraditoriamente, se realiza por seus próprios mecanismos de valorização, com
a desvalorização do valor.
A
administração petista, com seu reformismo fraco, também apresenta dificuldades
em solucionar, com os limites lógicos impostos pelo estágio atual do
capitalismo, problemas estruturais de comando da economia regida pelo colapso,
mas que apresentam fendas de diminuição de impactos, ou seja, de compra de
tempo, como a criação de novas fontes de valorização que permitiriam trazer
mudanças e fortaleceriam o tecido social brasileiro a médio prazo, como as
tecnologias verdes para a transição energética. Aquilo que se diagnostica são
soluções temporárias que conservam os problemas estruturais da formação social
brasileira, ou em outras palavras, o futuro continua sendo estático.
¨
Alta
do dólar: PF abre esta semana apuração sobre fake news que afetou mercado
A Polícia Federal vai instaurar ainda esta semana apuração sobre a fake
news que movimentou o mercado nacional em dias de agitação extrema por conta da
trajetória da dívida interna e do cenário internacional.
A mentira foi desmentida e revelada no jornal
Conexão GloboNews. Um perfil que simulava pertencimento a casa do mercado
financeiro inventou e atribuiu, na última terça (17), declarações ao futuro
presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo.
A mentira foi replicada por agentes do mercado e
perfis de extrema direita nas redes sociais como se fosse verdade e acabou
ampliando, segundo representação da Advocacia-Geral da União obtida pelo blog, a
pressão sobre o dólar.
Ao pedir a investigação para a PF e a CVM (Comissão
de Valores Mobiliários), a AGU afirmou que “essas afirmações são desprovidas de
fundamento e foram prontamente desmentidas pelo Banco Central, mas geraram
repercussão significativa no mercado financeiro".
“Embora o Banco Central tenha emitido
esclarecimentos para desmentir as declarações atribuídas ao Diretor Gabriel
Galípolo, o conteúdo falso ganhou ampla circulação, sendo compartilhado por
páginas e perfis especializados em análise econômica, com alta visibilidade.
Essa disseminação gerou impactos negativos na cotação do dólar, em um momento
sensível para a política cambial brasileira.”
As postagens falsas foram replicadas por perfis de
gestoras de casas de investimento e economistas com mais de 100 mil seguidores.
Depois de reveladas no Conexão, as postagens originais foram apagadas e, por
fim, o perfil que lançou a fake news simplesmente excluiu sua conta da rede
social X.
A agitação causada pela mentira coincidiu com um
ambiente já de extrema desconfiança do mercado com a solidez do pacote de corte
de gastos lançado pelo governo Lula, com severas críticas à trajetória da
dívida e com as questões que a aproximação da posse de Donald Trump nos Estados
Unidos têm levantado em todo mundo, pressionando sobretudo países emergentes.
¨
Campos
Neto vê saída atípica de dólares no fim do ano
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto,
reafirmou que o câmbio é flutuante no Brasil, ou seja, que a cotação da moeda
norte-americana sobe e desce de acordo com as operações no mercado, mas avaliou
que houve uma saída extraordinária de recursos do país neste fim de ano.
Por isso, explicou que instituição resolveu
intervir com leilões de venda de dólares, como forma de contrabalançar essa
saída "atípica" de divisas do país. Segundo ele, o BC não mudou sua forma de atuar no câmbio, ou
seja, continua sem meta para o dólar.
Campos Neto aproveitou para dar um recado ao
mercado financeiro: disse que o Banco
Central "tem muita reserva [internacional, acima de US$ 370 bilhões] e vai
atuar [no câmbio] se for necessário".
"Entendemos que começou a ter uma saída maior,
atípica, no fim do ano. A parte de dividendos [remessas de empresas ao
exterior], você consegue ver que está acima da média. Mas o lucro foi maior
também, o que aumenta o fluxo", disse Campos Neto.
Segundo ele, além das tradicionais retiradas de recursos
por empresas do país, que se intensificam no fim de cada ano, também está sendo registrado, e monitorado
pelo BC, uma saída maior de recursos pelas pessoas físicas, por meio de
plataformas de bancos.
"Há saída maior de pessoa físicas, por
plataformas, com volumes menores. A gente discute entre a gente e tenta fazer
uma intervenção que se contrabalenceie o fluxo que está vendo [de saída].
Geralmente a gente fatia [as intervenções] em alguns dias, o volume
[equivalente às retiradas]", acrescentou o presidente do Banco Central.
Campos Neto observou que o Banco Central vendeu, no
mercado à vista, US$ 8 bilhões nesta quinta-feira. De acordo com ele, a demanda
foi "muito maior do que o esperado" no leilão inicial do dia, de US$
3 bilhões. Por isso, a autoridade monetária resolveu fazer um nova intervenção,
vendendo adicionais US$ 5 bilhões.
"Estamos mapeando fluxo do dia a dia. O fluxo
maior [de saída de recursos] vai até sexta da semana que vem. A gente vai
continuar monitorando o fluxo, e com volume muito acima da media, o BC precisa
atuar na forma como está atuando. Não tenho como responder o que vai ser feito
no futuro", conclui o presidente do BC.
Ele reiterou, várias vezes, que não ha defesa de
preço do dólar por parte do Banco Central, no regime de câmbio flutuante.
"Mas há a percepção que, se o BC não atuar, pode haver uma
disfuncionalidade de preços [no dólar]. Para isso que existem as
reservas", concluiu Campos Neto.
A alta do dólar, influenciada também por conta de
dúvidas do mercado financeiro sobre as contas públicas, é um fator que tem
pressionado a inflação nos últimos meses. Com dólar mais alto, importados
também encarecem, assim como produtos básicos com cotação internacional, como
alimentos, afetando a vida de toda população.
Fonte:
A Terra é Redonda/g1
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