Rita Coitinho: Mercosul/EU
- um acordo neocolonial
Toda a imprensa
monopolista festejou o acordo Mercosul – União Europeia. Aqui e nos países
vizinhos. O mesmo texto foi bem recebido pela equipe do presidente Lula, no
Brasil, e pelo presidente Milei, na Argentina. Dois presidentes que se
apresentam como opostos perfeitos. Ninguém achou isso estranho?
O economista Paulo
Nogueira Batista Jr., conhecido e reconhecido como um nacionalista da melhor
cepa (hoje em dia é preciso fazer esse tipo de distinção), afirmou em um vídeo, publicado em suas
redes sociais, que o acordo Mercosul – União Europeia é um acordo de caráter
neocolonial. Em excelente artigo publicado
no Opera Mundi, Paulo explica que as “melhorias” no texto do acordo não
foram melhorias, mas meras reduções de danos. Ele tem razão: trata-se de um
acordo ruim para o Brasil e ainda pior para os outros sócios do Mercosul.
Quero acrescentar
mais dois argumentos a esse debate. Uma das maneiras de se analisar as
vantagens e desvantagens de um acordo comercial é buscar entender quais setores
estavam mais interessados em sua aprovação. Do lado europeu, muito tem se
falado acerca da indústria automotiva que, daqui a alguns anos, quando a Europa
tiver completado a sua “transição energética” para o uso de automóveis
elétricos ou de outras tecnologias, terá todas as facilidades para exportar
seus carros movidos a gasolina para o Mercosul. Até lá, a Europa terá
acesso facilitado aos minérios sul-americanos, tão fundamentais para a tal
“transição energética”. Em termos mais simples: minerais fundamentais para a
produção de baterias, essenciais aos automóveis que não queimam combustível
fóssil. O destaque, nesse caso, é o lítio.
Fundamental à tal
“transição energética”, o lítio é um mineral presente no Chile, na Bolívia, na
Argentina e também no Brasil. Em 2023 a Argentina foi o quarto produtor mundial
(o Chile é o terceiro, a Bolívia tem grande potencial mas ainda não está entre
os cinco primeiros). A indústria do lítio expandiu-se muito na Argentina nos
últimos anos, e promete crescer. Para atender aos interesses das empresas
exploradoras, algumas reformas antipopulares já vêm sendo adotadas, ameaçando
inclusive territórios indígenas.
Destacamos dois
grandes conglomerados europeus que já atuam na Argentina no negócio do lítio:
na província de Salta, opera a francesa Eramet, que recentemente abriu uma área
de extração. A petroleira Tecpetrol, da companhia ítalo-argentina Tecpetrol
realiza prospecções na laguna de Guayatayoc – num processo que tem gerado
protestos das comunidades locais, duramente reprimidos pelo Estado.
Javier Milei, cujo
símbolo é uma motosserra, recentemente colocou em marcha o “Régimen de
Incentivos a las Grandes Inversiones” (RIGI), pacote de liberalização
total que retira toda a regulamentação de ordem ambiental e reduz drasticamente
a retenção de impostos sobre a exportação do mineral – mantém “estáveis” as
irrisórias alíquotas por 30 anos. Está, portanto, muito “afinado” com os termos
do acordo com a União Europeia.
Ainda, do lado
europeu, esteve pressionando fortemente para a conclusão do acordo o Conselho
Europeu da Indústria Química. Sim, os produtores de pesticidas, muitos deles
proibidos na União Europeia mas amplamente utilizados no Mercosul (Brasil e
Argentina são os maiores utilizadores desses agrotóxicos), estão entre os
maiores interessados na facilitação do comércio com o Mercosul. Enquanto a
Europa reduz o uso de agrotóxicos internamente, empresas como a Bayer e a BASF,
ambas alemãs, preparam-se para ampliar ainda mais o seu mercado no sul do
mundo. A produção de soja em larga escala funciona na prática como um
arrendamento de terras aos conglomerados de sementes e pesticidas. As terras
são brasileiras, paraguaias e argentinas, assim como a imensa quantidade de
água utilizada nessas lavouras. Mas os insumos, da semente aos diversos
pesticidas, são das empresas estrangeiras. A entrada de (mais) soja no
continente europeu, com menos taxas, ajuda a enriquecer ainda mais os
produtores, mas fundamentalmente serve para ampliar exponencialmente os lucros
da indústria química. O agronegócio é um escandaloso esquema de drenagem de
recursos: os governos nacionais do Mercosul financiam o agro amplamente; os
“produtores” têm a tarefa de colocar no solo nacional as sementes e os químicos
europeus, colher e viabilizar seu transporte para o mundo; em seguida pagam
seus fornecedores de sementes e químicos, usando dinheiro público, e fazem
novos contratos. Com a facilitação da entrada de produtos químicos, os governos
do Mercosul renunciarão ao último (e irrisório) mecanismo de retenção de alguma
renda resultante dos negócios envolvidos na agricultura de larga escala, por
meio das taxas cobradas sobre a importação dos insumos. Estamos, portanto,
diante de uma escandalosa recolonização.
Os entusiastas do
acordo Mercosul-União Europeia festejam a adoção de algumas cláusulas que
garantiriam a preservação ambiental. No entanto, o capítulo intitulado
“Comércio e Desenvolvimento Sustentável” não tem mais do que algumas
declarações de intenções. Não há reforço de nenhum dos compromissos presentes no
Acordo de Paris, nem cláusulas obrigatórias. Além disso, o capítulo exclui do
mecanismo de solução de controvérsias as medidas relativas ao desenvolvimento
sustentável, que ficariam a cargo de um comitê de especialistas. Na prática, ao
facilitar a exportação de minérios do Mercosul para UÉ e a importação de
pesticidas da UE para o Mercosul, o acordo não apenas não dá garantias de
avanços no combate às mudanças climáticas. Ao contrário: incentiva a ampliação
das áreas de desmatamento para viabilizar a exploração mineral ou o aumento das
áreas de lavoura de transgênicos, o que levará ao aumento drástico dos níveis
de contaminação dos solos e mananciais, além da redução do volume de água doce
dos territórios sul-americanos.
É, sem sombra de
dúvida, um acordo neocolonial. Que Javier Milei esteja entusiasmado não é
nenhum espanto. Milei está prestes a encaminhar mais um “pacotaço” de medidas
de liberalização, transformando a Argentina em um território livre à exploração
neocolonial. Estranho é que governos que se apresentam como democráticos e
populares, eleitos com discurso crítico ao neoliberalismo, tenham aceitado os
termos desse acordo. As forças políticas preocupadas com o desenvolvimento nas
nações do Mercosul, com sua autonomia, soberania e com a reversão da crise
climática precisam, urgentemente, realizar uma ampla campanha popular a fim de
impedir que seja ratificado pelo Congresso Nacional.
¨ Tratado com União Europeia empurra Brasil à condição de
colônia agrícola. Por Jeferson Miola
O avanço do
Consenso de Washington no Brasil no início dos anos 1990 se concretizou com a
decisão das oligarquias dominantes de eleger Fernando Collor de Mello.
A Rede Globo foi
decisiva. Manipulou grosseiramente a edição do último debate de televisão,
ocorrido na antevéspera da eleição de 1989, para prejudicar Lula e eleger
Collor.
Eleito, Collor
prometeu a “modernidade neoliberal”, que consistia na abertura total do mercado
nacional com desregulamentação econômica e livre circulação dos capitais.
O carro importado
simbolizava a “nova era” de “modernização neoliberal”, e marcaria o fim do
“tempo das carroças no Brasil”, como Collor jocosamente se referia aos modelos
de veículos disponíveis no mercado interno.
Agora, mais de 30
anos depois, neste final de 2024 a mídia neoliberal e setores das elites
celebram o tratado de livre-comércio entre a União Europeia/UE e o Mercosul
como se o Brasil finalmente tivesse alcançado a modernidade neoliberal
prometida por Collor.
A CNN
Brasil chegou a festejar que a “Ferrari 296 GTB modelo 2025 ficará R$ 1,5
milhão mais barata com o acordo”.
iCom o tratado, os
ricaços terão de desembolsar “só” R$ 3,39 milhões, e não mais os R$ 4,52
milhões de hoje para adquirir um Lamborghini Huracan Coupê LP 640-2.
A mídia colonizada
e deslumbrada também celebrou que além de carros esportivos de luxo, os
azeites, os vinhos, os queijos e os carros importados da Europa, principalmente
da Alemanha, ficarão mais baratos para o consumidor brasileiro e do Mercosul.
O tratado ainda
percorrerá um longo itinerário nos parlamentos nacionais e nas instituições do
bloco europeu antes de ser assinado e implementado. Afortunadamente por isso
existe a possibilidade real de que possa ser rejeitado, devido à oposição pelo
menos da França e Itália.
O acordo é ruim e
desfavorável ao Brasil e aos vizinhos da região. Agrava o processo de
desindustrialização e reforça a primarização das nossas economias.
O acordo aprofunda
a participação do Brasil e dos países do Mercosul no comércio com a UE como
economias relegadas ao papel de fornecedoras de matérias primas agrícolas e
minerais. E acentua a dependência de importações de bens industrializados das
metrópoles.
A taxa média de
importação do Brasil é de 15%, mas existe, no entanto, uma variação muito
expressiva de alíquotas, em função das competitividades específicas de cada
produto em comparação com os estrangeiros.
Os vinhos, por
exemplo, têm uma taxa de 27%; os carros de luxo podem alcançar 35%; os queijos,
18%; roupas, 20%; produtos químicos, 20%; etc.
Por outro lado, a
tarifa de importação da UE, inferior a 2%, mesmo depois de zerada, terá um
efeito inexpressivo, e não melhorará o padrão –em variedade e volume– de
exportação de produtos industrializados do Brasil e do Mercosul para o bloco
europeu.
Isso tanto é
verdade que o Itamaraty avalia que os produtos que poderão ampliar de modo
residual a participação comercial são os de origem primária, com baixo valor
agregado – carnes, açúcar, arroz, mel. Ainda assim, para isso acontecer, ainda
depende do cumprimento da promessa europeia de aumento das quotas de
importação, o que não está garantido.
Para as economias
periféricas do capitalismo, a tarifa de importação é um instrumento essencial
de proteção dos interesses nacionais e da produção industrial.
É um mecanismo de
proteção das empresas e dos empregos locais dos países menos desenvolvidos
diante da defasagem tecnológica, de produtividade e do poder econômico,
financeiro e industrial em relação às nações capitalistas mais avançadas.
Com a eliminação
das tarifas de importação, os bens e produtos produzidos nos nossos próprios
países pelas indústrias aqui instaladas deixarão de ser consumidos, sendo
substituídos por homólogos desembarcados da Europa. A consequência disso será a
desindustrialização, com a destruição de empresas e empregos nacionais.
Além disso, com a
eliminação de barreiras tarifárias e aduaneiras, as transnacionais europeias
sediadas nos nossos países tenderão, inclusive, considerar conveniente fechar
suas filiais.
E, ao invés de
produzirem e gerarem empregos e renda aqui, as transnacionais aumentarão a
produção e os empregos nas respectivas matrizes para aumentarem a exportação de
produtos que penetrarão com força num mercado [o Mercosul] livre de barreiras
tarifárias.
O Brasil já mantém
hoje um robusto fluxo comercial com os países da União Europeia. Em 2023 o
intercâmbio comercial atingiu 91,7 bilhões de dólares, sendo 46,3 bilhões em
exportações, e 45,4 bilhões de importações – saldo favorável de quase um
bilhão.
Com um comércio tão
intenso e um mercado comunitário regional como o Mercosul, que precisa ser
protegido e expandido, é inexplicável a assinatura deste tratado de
livre-comércio. Os impactos dele são tremendamente negativos para a estrutura
produtiva brasileira e dos vizinhos sul-americanos.
O tratado com a UE
condena o Brasil à primarização econômica, e aprisiona nosso país a um passado
subdesenvolvido, agrícola e colonial.
E abre a porteira
para que outras potências industriais –como China e EUA– reivindiquem as mesmas
condições concedidas aos europeus, o que inviabilizará o desenvolvimento
industrial, científico e tecnológico brasileiro.
¨ Relações externas que amarram economias da América
Latina impedem crescimento sustentado
Cenário
internacional, dependência de demanda externa, aumento do consumo privado como
motor principal. Esses são os fatores que contribuem para a previsão de baixo
crescimento das economias da América Latina e do Caribe para 2024 e 2025.
O relatório
da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) para
2024 e 2025 destaca que a América Latina e o Caribe continuarão em uma
trajetória de baixo crescimento econômico, com projeções de 2,2% em 2024 e 2,4%
em 2025, números semelhantes aos de 2023 (2,3%).
A previsão de
crescimento da economia
latino-americana para
os próximos anos, apresentada pela CEPAL, foi recebida com ceticismo por
especialistas e analistas que a consideram um reflexo das dificuldades
estruturais de uma região marcada pela dependência de fatores externos.
<><> Participação
reduzida
Essa tendência
reflete a participação reduzida da região no crescimento da economia global,
segundo especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
O crescimento
econômico mundial projetado para 2025 é de 3,2%, impulsionado principalmente
pelas economias emergentes da Ásia, com expansão estimada de 5%. Contudo, a
desaceleração dos Estados Unidos e da China, principais parceiros comerciais da
região, tende a reduzir a demanda externa, prejudicando as exportações
latino-americanas.
"Esse contexto
indica que não haverá booms comerciais similares ao efeito China da primeira
década dos anos 2000. Além disso, destacaria um contexto de tendências
protecionistas, especialmente nos EUA, e de menor integração comercial. Diante
disso, a América Latina e o Caribe precisarão buscar estratégias para
fortalecer suas economias internas e diversificar suas exportações",
explicou Diana Chaib, economista e pesquisadora do Centro de
Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais
(Cedeplar/UFMG).
Segundo Fágner João
Maia Medeiros, também pesquisador do mesmo centro que Chaib, a dependência
de demanda externa impacta diretamente o resultado divulgado pela CEPAL.
Ele complementa
dizendo que "o relatório da CEPAL revela que, após a forte contração
econômica causada pela crise da pandemia de COVID-19, a América Latina
conseguiu recuperar os níveis de PIB [produto interno bruto] do quarto
trimestre de 2021, que estavam próximos aos níveis anteriores à crise. Contudo,
ao longo do período de 2015 a 2024, o PIB per capita da região apresentou uma
tendência de queda, com a recuperação deste indicador só ocorrendo no quarto trimestre
de 2024, após 36 trimestres".
Chaib pontua que
"esse fenômeno indica a dificuldade estrutural das economias
latino-americanas em manter um crescimento sustentado e de retomar os níveis de
renda anteriores à crise. Em 2024, o PIB per capita da América Latina
é o mesmo registrado no final de 2015, refletindo uma recuperação lenta e
limitada, com desafios significativos para estimular o crescimento econômico na
região".
Dependência da
exportação de commodities
A doutoranda em
relações internacionais e secretária executiva da Organização Continental
Latino-Americana e Caribenha de Estudantes (Oclae), Amanda Harumy, destacou que
o crescimento projetado para a América Latina é, na verdade, "baixo e não
traz elementos de surpresa, mas sim reforça aspectos estruturais da economia da
região que dificultam o crescimento e a redução da desigualdade social".
Segundo a
internacionalista, a dependência da exportação de commodities continua a ser um
dos principais entraves para uma evolução econômica sólida e resiliente.
"A dependência
do PIB de setores vulneráveis a oscilações internacionais é um problema
grave", afirmou, referindo-se à volatilidade dos preços das commodities,
que afeta diretamente as economias locais.
Ela enfatiza a
"dependência histórica e estrutural" da América Latina de organismos
financeiros internacionais e da dívida externa. "Essas relações, que
amarram as economias da região, são parte de um ciclo vicioso que torna a
superação dessas dificuldades um desafio contínuo", pontuou.
A questão da dívida
externa, somada à dependência de bancos internacionais, perpetua uma
fragilidade econômica que precisa ser revista, de acordo com a especialista.
<><> Novas
lideranças
O impacto das novas
lideranças da América Latina, segundo analistas ouvidos por esta agência, será
decisivo para o futuro econômico da região.
"A
Argentina,
por exemplo, ao apostar [outra vez] na liberalização comercial e
financeira, poderá se tornar ainda mais dependente da demanda externa, que
não apresenta sinais de ser relevante no curto prazo para impulsionar o
crescimento. O Brasil, por sua vez, aposta no plano 'Nova Indústria Brasil',
que busca estimular a industrialização, promover a inovação e fortalecer o
setor produtivo, mas seus resultados dependerão de um ambiente macroeconômico
mais estável e de ações consistentes de implementação", analisou Medeiros.
"Além disso,
será crucial que essas lideranças promovam esforços coordenados para uma melhor
inserção internacional, atraindo volumosos projetos de investimento
da China e
outros parceiros estratégicos, bem como avançando na modernização e ampliação
da infraestrutura regional. Apesar dos desafios estruturais e das incertezas
globais, uma reorientação estratégica, apoiada em políticas econômicas efetivas
e transformações estruturais profundas, é essencial para romper com as
limitações históricas e garantir um crescimento sustentável para a
região", complementou a economista Diana Chaib.
Fonte: Opera Mundi/Viomundo/Sputnik Brasil
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