Qual o real impacto
do acordo Mercosul-UE para a Europa?
Poucos dias após
a União Europeia e o
Mercosul oficializarem a assinatura do acordo de livre comércio entre os
blocos, agricultores
franceses voltaram
às ruas do país em protesto. Dessa vez, tratores interromperam o trânsito de
veículos perto do túnel que conecta a França à Inglaterra.
A ministra do
Comércio da França, Sophie Primas, disse que o acordo com o
bloco do Mercosul —
que reúne Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai — "só compromete a
Comissão, e não os Estados-membros", indicando que o país vai seguir se
opondo à ratificação do tratado, que levou 25 anos para sair do papel.
A principal
reclamação dos agricultores é que o acordo pode aumentar a importação de carne
bovina sul-americana,
bem como de aves e açúcar. Mas especialistas acreditam que as margens dessas
importações são modestas e não representam uma ameaça existencial para o
agronegócio europeu.
Como os produtos
agrícolas produzidos na União Europeia (UE) também
poderão avançar para os mercados do Mercosul, os especialistas acreditam que os
benefícios gerais do acordo superam os ajustes que o mercado interno terá que
fazer para se adaptar. Além disso, o bloco europeu já estipulou salvaguardas
para evitar o impacto inicial da nova regra.
Aumento modesto nas
importações
Segundo o novo
acordo, a UE poderá importar até 99 mil toneladas de carne bovina com tarifas
inferiores a 7,5%. Isso representa apenas 1,6% da produção total de carne dos países do
bloco e
é menos da metade das importações atuais do Mercosul, de 196 mil toneladas.
A mesma regra vale
para aves e açúcar, cujo teto de importação representa 1,4% e 1,2%, da produção
europeia, respectivamente. Para o arroz, o percentual é ainda menor.
O economista
brasileiro e pesquisador do Instituto Universitário Europeu, Bruno Capuzzi,
calcula que o possível aumento nas importações de carne bovina sul-americana
representa apenas um hambúrguer e meio para cada consumidor na União Europeia.
Outros
especialistas também dizem que as 99 mil toneladas não necessariamente levarão
a uma demanda adicional do mercado, porque substituem uma parte das importações
do Mercosul que já existem. Atualmente, os exportadores de carne bovina da
Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai pagam uma média de 40% em tarifas
para entrar no mercado europeu.
"A expectativa
é que, em vez de criar um aumento nas importações, um dos efeitos da nova cota
seja substituir algumas das importações que já existem", disse Christopher
Hegadorn, professor adjunto de política alimentar global na Sciences Po, em
Paris.
Europa costurou
medidas para amenizar impacto do acordo
Em um relatório de
fevereiro, a Comissão admitiu que o tratado pode levar ao aumento de importação
de produtos agropecuários. Especialistas disseram à DW, porém, que a UE
conseguiu instalar várias salvaguardas nos termos do acordo para amenizar o
impacto e garantir ajustes setoriais.
Primeiro, a cota de
99 mil toneladas de carne bovina não virá com isenção total de impostos e este
total será dividido entre os quatro países do Mercosul, entregando a cada um
uma fatia relativamente pequena do mercado.
Em segundo lugar,
os altos padrões sanitários impostos pelo texto devem proteger os produtores
europeus contra o excesso de oferta. Ao assinar o acordo, a presidente da
Comissão Europeia, Ursula Von der
Leyen,
disse que os padrões de saúde e alimentação na União Europeia "permanecem
intocáveis".
A qualidade da carne
brasileira motivou
uma crise após oCEO global do
Carrefour,
Alexandre Bompard, vetar a compra da carne produzida no Brasil.
"Apenas 20%
dos frigoríficos no Brasil estão autorizados a exportar para a UE, pois é
necessária uma certificação individual", disse Capuzzi à DW.
A Comissão também
atuou para costurar o acordo às novas leis
ambientais da UE,
em vigor a partir de 2026, e inseriu um período de transição de cinco anos para
que os produtores europeus possam se adaptar à concorrência
sul-americana.
Em terceiro lugar,
espera-se que o acordo seja implementado gradualmente ao longo de cinco anos
para dar tempo aos produtores europeus se adaptarem.
"Presume-se
que haverá recursos financeiros para ajudar os agricultores afetados a se
adaptarem às mudanças", disse Hegadorn à DW. "Mas isso provavelmente
será discutido na Comissão quando o acordo for ratificado."
Acordo
impulsionaria exportações da UE, segundo estudo
Outro ponto
inserido pelos eurodeputados foi a proteção de mais de 350 produtos com uma
"indicação geográfica", registrados como propriedade comercial dos
agricultores europeus. Isso garante que não haverá imitação de presuntos,
queijos e vinhos produzidos em regiões europeias e vistos como iguarias em
várias nações do Mercosul.
Um estudo recente
da UE sobre o impacto de dez acordos de livre comércio costurados pelo bloco,
incluindo o tratado com o Mercosul, concluiu que o setor agroalimentar da
Europa, "especialmente os de laticínios, carne suína, alimentos
processados e bebidas", terão benefícios.
Se os acordos
comerciais forem concluídos, segundo o estudo, o valor das exportações
agropecuárias da UE aumentaria entre 3,1 bilhões de euros (R$ 19,7 bilhões) e
4,4 bilhões de euros (R$ 27,9 bilhões) até 2032.
O texto pontua que
as exportações de carne bovina da UE também aumentariam, chegando a uma
diferença líquida (exportação menos importação) de 350 mil toneladas, embora
reconheça que existam vulnerabilidades no setor. "A União Europeia
continuará sendo o maior exportador de produtos agrícolas do mundo, mesmo
depois que o acordo comercial do Mercosul for ratificado", disse Capuzzi.
"E ainda será um exportador líquido de carne bovina."
As vantagens
superam os custos?
A Comissão Europeia
defende que o desenvolvimento de novos mercados por meio de relações comerciais
consolida a posição do bloco como o maior exportador mundial de produtos
agroalimentares.
Com o retorno de
Donald Trump à Casa Branca e sua ameaça de
sobretaxar produtos europeus, especialistas acreditam que os acordos
comerciais multilaterais são necessários para expandir a base de consumidores
do bloco. O impacto sobre a carne bovina, as aves e o açúcar, segundo eles,
seria marginal e pode ser atenuado pelo apoio do Estado.
"O acordo
geral UE-Mercosul vai muito além da carne bovina e da agricultura,
estendendo-se a todos os setores industriais e serviços – de A a Z, de
carnes a medicamentos, de veículos a produtos químicos", disse Hegadorn,
da Sciences Po.
"Aqueles que
estão analisando o interesse do bloco da UE como um todo estão otimistas quanto
aos impactos esperados, tanto em termos de benefícios econômicos domésticos e
expansão das opções para o consumidor, quanto por motivos geopolíticos, incluindo
a oferta de um contrapeso para a China e os EUA."
¨ Macron tenta, falha e faz a mesma coisa outra vez. Por
Harrison Stetler
Emmanuel Macron
quer tentar novamente. Ao nomear François Bayrou como primeiro-ministro na
sexta-feira, o presidente da França espera manter o poder por meio de uma
coalizão de governo instável entre os macronistas e
os républicains de centro-direita. E, assim como aconteceu com o
ex-premiê Michel Barnier (de Les Républicains), cujo mandato foi derrubado em
um voto de desconfiança em 4 de dezembro, a nomeação de Bayrou fez com que o
presidente se apoiasse mais uma vez em uma geração mais velha do establishment
político.
Indiscutivelmente,
Bayrou, de setenta e três anos, foi o Macron original, concorrendo à
presidência em 2002, 2007 e 2012 como líder de uma formação centrista que
competiu com os conservadores tradicionais. Desde a eleição de Macron em 2017,
o partido Mouvement Démocrate (MoDem) de Bayrou tem sido um aliado
importante — com um relacionamento que não tem sido isento de atritos. Minutos
antes da nomeação ser oficializada por volta do meio-dia de sexta-feira, a
manchete era que Bayrou não seria selecionado como primeiro-ministro,
assunto de trocas supostamente tensas naquela mesma manhã entre os dois.
As informações que
surgirem da disputa de sexta-feira de manhã entre o presidente e seu novo
premiê certamente fornecerão detalhes interessantes sobre a crise que assola o
campo do presidente. Macron está caracteristicamente determinado a manter o
controle da situação política, apesar da derrota sofrida por sua coalizão nas
eleições parlamentares antecipadas deste verão. Enquanto isso, a autoridade em
erosão de Macron liberou aliados de longa data para disputar mais
agressivamente lugares e posições à medida que uma luta interna pela sucessão
ganha velocidade.
Publicamente,
Bayrou se apresenta como um braço estável. Na transferência do mandato com
Barnier na sexta-feira à noite, Bayrou prometeu trabalhar em direção a uma
“reconciliação necessária” para um país em crise e prometeu “confrontar” o
déficit público da França, que deve atingir 6,2% do PIB em 2024 (mais que o
dobro do máximo nominal europeu), durante as próximas negociações
orçamentárias.
No entanto, o novo
premiê logo se verá navegando pelos mesmos interesses, pressões e facções
concorrentes de seu antecessor. Mesmo assumindo que os macronistas podem contar
com os votos dos Les Républicains, Bayrou ainda precisa preencher uma
lacuna considerável de apoio na Assembleia Nacional para aprovar um orçamento,
ou pelo menos sobreviver a um voto de desconfiança. A “fundação comum”, como a
coalizão de Barnier foi apelidada, tinha pouco mais de duzentos apoiadores na
câmara baixa, onde 289 parlamentares são necessários para uma maioria absoluta.
A queda de Barnier ocorreu após sua tentativa de usar um poder constitucional
especial, o chamado “49.3”, para adotar um projeto de lei de financiamento da
previdência social sem que houvesse uma votação. A medida foi anulada na moção
de censura de 4 de dezembro apoiada por 331 parlamentares, reunindo
a Nouveau Front Populaire (NFP) de esquerda, mas também Marine Le Pen
e seus aliados de extrema direita.
Pode-se dizer que a
nomeação de Bayrou aproxima um pouco mais o governo do centro após os três
meses de Barnier como premiê. Espera-se que Bayrou tente garantir o apoio
tácito de setores de centro-esquerda do NFP, que é o maior bloco na Assembleia
Nacional. No entanto, ele terá uma margem mínima de manobra. O programa no qual
o NFP foi executado no verão passado pedia a abolição do aumento impopular que
Macron impôs na idade da aposentadoria, juntamente com aumentos de impostos e
um aumento no salário mínimo. Na preparação para a adoção dessa lei em 2023, o
partido MoDem, de Bayrou, transmitiu críticas modestas à iniciativa de
reforma da previdência — principalmente sobre a recusa de Macron em considerar
aumentos nos impostos sobre a folha de pagamento. Na última semana,
o Parti Socialiste, parte do NFP, moderou os apelos por uma revogação
total da reforma da aposentadoria de 2023, pedindo uma suspensão e negociações
sobre novas iniciativas de financiamento. Mas qualquer abertura real à esquerda
provavelmente enfrentaria forte resistência dos legisladores em quem Bayrou
confia e, acima de tudo, de Macron.
Em uma rara reunião
interpartidária no palácio presidencial na última terça-feira, Macron conduziu
negociações com a liderança dos Écologistes, do Parti Communiste
Français (PCF) e do Parti Socialiste — três dos quatro
principais partidos do NFP, ou seja, além da France Insoumise — ao
lado do Les Républicains e dos partidos macronistas. Eles falaram de
um “novo método” de governar. Mas as conversas sobre um governo de unidade
nacional recuaram desde então. Em uma mensagem ao novo premiê logo após sua
nomeação, o Parti Socialiste anunciou que permaneceria na oposição.
Sua principal demanda neste momento parece ser que Bayrou se abstenha de usar o
“49.3”, obrigando-o a ganhar o apoio da centro-esquerda ou da extrema direita
para aprovar a legislação. Para evitar uma paralisação do governo, espera-se
que o parlamento aprove uma lei especial de financiamento para renovar
temporariamente o orçamento de 2024 antes que outro projeto de lei de
financiamento seja proposto no ano novo.
Depois de seguir os
passos do Parti Socialiste ao entrar em
negociações com Macron, os Écologistes e o PCF também parecem
controlar suas expectativas. O secretário nacional do PCF, Fabien
Roussel, chamou a nomeação
de Bayrou de “más
notícias”, embora ele tenha dito mais tarde à emissora LCI que “se não
houver 49.3, não há moção de censura”. Chamando o vai e vem da semana de um
“mau esboço de Vaudeville” em um post no
X/Twitter,
a líder dos Écologistes, Marine Tondelier, também manteve aberto o caminho
para “não desconfiar” do governo de Bayrou, condicionando-o mais explicitamente
a concessões políticas do novo primeiro-ministro. Visando a renúncia de Macron
e eleições presidenciais antecipadas, a França Insubmissa é, até agora, o único
partido no NFP — e a única tendência na Assembleia Nacional — que se
comprometeu com outro voto de desconfiança.
·
Instabilidade
Qualquer coisa que
Bayrou dê à esquerda colocará em risco os laços com Les Républicains.
Ansiosa a longo prazo para se distinguir de Macron, a velha centro-direita
estará atenta a qualquer coisa que possa passar como uma concessão à
centro-esquerda. “Se o próximo governo acabar enfraquecendo a França, seja em
relação à criminalidade e imigração ou agravando o colapso de nossas finanças
públicas, um voto de censura seria uma necessidade”, disse
François-Xavier Bellamy, líder do grupo Les Républicains no
Parlamento Europeu, ao Le Figaro em 11 de dezembro.
Por sua vez,
o Rassemblement National e seus aliados não fecharam a porta para
permitir que Bayrou sobrevivesse. A extrema direita rejeitou a primeira moção
de desconfiança contra Barnier promovida pelo NFP em outubro antes de mudar de
lado na semana passada. Enquanto Marine Le Pen foi rápida em criticar Bayrou
como uma “continuação do macronismo”, ela pediu ao novo
premiê que
“ouvisse as oposições para construir um orçamento razoável”. O aliado de Le
Pen, Éric Ciotti, o ex-presidente do Les Républicains que saiu do
partido para apoiar a extrema direita nas eleições deste verão, também indicou
que sua facção não estava comprometida com um voto de censura contra o novo
governo.
Macron teria
concordado na reunião interpartidária de terça-feira que o próximo governo não
poderia mais depender de Le Pen e da extrema direita. A sinceridade desse
sentimento ficará mais clara com a formação do governo de Bayrou nos próximos dias.
Para qualquer apoio contínuo, Les Républicains estará se preparando
para garantir que eles tenham tanta influência quanto sob Barnier. Um indicador
é a possível renovação do ultraconservador Bruno Retailleau como ministro do
interior, cujo papel no último governo era manter o apoio passivo de Le Pen.
Como foi anunciado ao longo dos últimos meses, um novo pacote anti-imigração do
ministério do interior estaria na pauta para o início de 2025. O novo governo
também deve considerar uma reforma para introduzir representação proporcional
nas eleições para a Assembleia Nacional, uma grande demanda da extrema direita.
Outra
variável-chave na estabilidade do governo de Bayrou é o cabo de guerra em
andamento dentro do bloco NFP. Embora esteja cada vez mais isolado na aliança
de esquerda, o France Insoumise criticou seus parceiros por suas
propostas aos macronistas esta semana, acusando-os — e mais especificamente
o Parti Socialiste — de violar o pacto NFP e seu programa de ruptura
com a era Macron. “O país enfrenta uma escolha clara: a continuação das
políticas malfadadas de François Bayrou, ou a ruptura”, reagiu Mathilde
Panot, líder do caucus da France Insoumise, na sexta-feira. “Os parlamentares
enfrentam uma escolha clara: apoiar o resgate de Macron, ou desconfiança.”
Ao pedir outro voto
de desconfiança, o France Insoumise continua sua estratégia para
tentar forçar a renúncia de Macron, abrindo caminho para uma quarta corrida
presidencial do veterano de esquerda Jean-Luc Mélenchon. No entanto, alguns
entre seus parceiros do NFP classificaram isso como uma trajetória imprudente
em um país na corda bamba e com instituições políticas levadas ao limite.
Macron rejeitou
diretamente a ideia de renunciar. Na reunião de 10 de dezembro no palácio
presidencial, ele até expressou sua preferência de que o parlamento não fosse
dissolvido até que seu mandato terminasse em 2027. Mas ele pode não conseguir o
que quer. A última escolha de Macron para premiê — sua quarta em 2024 — não
muda fundamentalmente a matemática na câmara baixa ou as expectativas de uma
nova dissolução e eleições parlamentares para o verão de 2025.
¨ Mais de 50% dos franceses acreditam que Macron não deve
concorrer a um 2º mandato, diz mídia
Um total de 74% dos
franceses desaprova o presidente Emmanuel Macron e 52% dos entrevistados
disseram que um presidente não deve ter o direito de concorrer a mais de um
mandato, de acordo com uma pesquisa realizada pela empresa de pesquisa Odoxa
para o jornal francês La Depeche.
Entre os apoiadores
do partido de direita Reagrupamento
Nacional, 94% desaprovaram as ações do presidente, enquanto 86% dos
apoiadores do partido de esquerda França Insubmissa disseram o mesmo.
Ao mesmo
tempo, 24% dos entrevistados disseram que apoiavam
o atual presidente.
Os franceses
estão extremamente preocupados com a crise política no país e estão
pedindo grandes reformas administrativas, com 56% dos entrevistados acreditando
que uma transição para a Sexta República é necessária, mostrou a pesquisa.
De acordo com a
pesquisa, os apoiadores dos partidos centristas preferem os
ex-primeiros-ministros Michel Barnier e Édouard Philippe. Philippe está
em primeiro
lugar nas preferências políticas francesas com 36% dos
votos, seguido por Marine Le Pen e Jordan Bardella do Reagrupamento
Nacional (35%), enquanto os ex-primeiros-ministros Gabriel Attal e Michel
Barnier são apoiados por 32% e 30%, respectivamente.
Enquanto isso, 24%
dos entrevistados têm uma opinião
positiva do recém-nomeado
primeiro-ministro François Bayrou.
A pesquisa foi
realizada on-line nos dias 11 e 12 de dezembro e envolveu 1.005 pessoas. A margem
de erro não foi fornecida.
Fonte: DW Brasil/Jacobin
Brasil/sputnik Brasil
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