terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Aracy P. S. Balbani: Hipocrisômetro nacional

Muitas pessoas optaram por se alienarem da vida política na campanha das eleições municipais de 2024. Ficaram em cima do muro nas conversas do eleitorado, criticaram os candidatos indistintamente, muitas vezes sem sequer conhecerem todos, ou se abstiveram de votar.

Cidadãos que se declararam eleitores de prefeitos reeleitos, ao sofrerem a insatisfação com a qualidade dos serviços públicos municipais de que necessitavam, pouco mais de 48 horas após o fim da apuração desandaram a reclamar… das escolhas populares na urna eletrônica.

Com certa frequência, blogs progressistas abrem espaço para estudiosos experientes discutirem os custos da dívida pública brasileira, nunca auditada, e do pessoal das Forças Armadas, sobretudo o pagamento de aposentadorias e pensões de militares e a aquisição de próteses penianas, corroendo a verba destinada à defesa nacional.

É interessante que nem os veículos de informação conservadores (emissoras de TV aberta e rádio, jornalões, antigas revistas semanais) nem os eletrônicos progressistas abordaram três tópicos pertinentes à discussão sobre o equilíbrio das contas do governo federal: a volta da cobrança da CPFM, as atividades do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) – órgão ligado ao Ministério da Fazenda que atua nos litígios de natureza fiscal ou aduaneira – e a ação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para ressarcir o SUS pelo atendimento deste aos usuários das operadoras de planos privados de saúde.

Segundo a Agência Senado, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) foi “uma cobrança que incidiu sobre todas as movimentações bancárias – exceto nas negociações de ações na Bolsa, saques de aposentadorias, seguro-desemprego, salários e transferências entre contas correntes de mesma titularidade – e vigorou no Brasil por 11 anos”.

“No final de 2000, o governo decidiu permitir o cruzamento de informações bancárias com as declarações de Imposto de Renda dos contribuintes, de modo a poder identificar discordâncias entre valores declarados à Receita Federal e a movimentação de dinheiro em bancos e possíveis fraudes”.

Também de acordo com a Agência Senado, “a contribuição foi prorrogada diversas vezes. Em outubro de 2007, a Câmara aprovou proposta que estendia a cobrança da CPMF até 2011, mas a iniciativa foi derrotada no Senado dois meses depois. À época, o governo alegou que o fim da CPMF resultaria numa perda de arrecadação de cerca de R$ 40 bilhões em 2008.

De 1997 a 2007, a CPMF arrecadou R$ 223 bilhões. Em 2007, último ano de vigência da contribuição, foram recolhidos R$ 37,2 bilhões, segundo balanço divulgado pela Receita Federal.

O crescimento da receita gerada pela CPMF entre 1998 e 2006 foi de 216,1%, enquanto o montante de tributos administrados pela Receita Federal evoluiu 78,4% no mesmo período, em termos reais”.

Em 2024, quando o mercado financeiro e seus porta-vozes exigem do Governo Federal o austericídio do povo brasileiro, e empresas dos portes mais variados insistem em descontar cheques, até os de valores elevados, na boca do caixa, desprezando as tecnologias bancárias da Ted e do Pix, por que não retomar a cobrança definitiva da CPMF?

Sobre esse assunto, é natural perguntar: onde fica a questão da ética empresarial? A sociedade brasileira e seus representantes legislativos não se importam com a sonegação fiscal e as brechas para a corrupção e a prática de eventuais rachadinhas?

O CARF foi objeto da Operação Zelotes da Polícia Federal, deflagrada em 2015 para investigar denúncias de um esquema de corrupção voltado a anular multas tributárias aplicadas a grandes empresas. O prejuízo inicial estimado com as fraudes chegou a R$ 19 bilhões.

Quase uma década depois, o que ficou comprovado? Quem foi punido? Os cofres do Governo Federal receberam, efetivamente, os tributos devidos pelas empresas investigadas na Operação Zelotes?

Segundo a ANS, a Agência “recebe do Departamento de Informática do SUS (DATASUS) a base de dados com informações sobre os atendimentos ocorridos na rede do SUS e faz a conferência dessas informações com o seu banco de dados de beneficiários de planos de saúde. Após a checagem, uma vez identificado quais beneficiários utilizaram os serviços do SUS, são encaminhadas às operadoras de planos de saúde notificações, denominadas de Aviso de Beneficiário Identificado (ABI), para que efetuem o pagamento dos valores apurados ou apresentem defesa”.

O mecanismo de ressarcimento tem a finalidade de obrigar as operadoras de planos privados de saúde a prestarem aos usuários aos serviços cobertos pelo contrato. Do contrário, elas ficam com o filé mignon (as mensalidades pagas pelos usuários) e empurram o osso para o SUS e o conjunto dos contribuintes roerem. Cabe a pergunta: esse ressarcimento tem sido feito adequadamente?

Por tudo isso que envolve as contas públicas e está muito nebuloso, depois do impostômetro e do sonegômetro, deduz-se que seria urgente instalar um hipocrisômetro no Brasil. De preferência, sob o controle civil, robusto e à prova de adulteração.

 

¨      Reforma tributária: petroleiros se opõem a isenção bilionária para refinaria

Representantes da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e do Sindicato dos Petroleiros do Amazonas (Sindipetro-AM) pretendem se mobilizar contra a proposta de emenda à reforma tributária apresentada pelo senador Omar Aziz (PSD-AM). O projeto do parlamentar concede benefícios fiscais ao Grupo Atem, que detém a Refinaria de Manaus (Ream) e atua na distribuição de combustíveis. A proposta isenta a refinaria da cobrança de PIS/Cofins e ICMS. Com esses benefícios, o Tesouro Nacional pode deixar de arrecadar cerca de R$ 3,5 bilhões anuais.Segundo o coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar, é "inadmissível que, enquanto os trabalhadores brasileiros, assalariados, honram seus compromissos tributários, o Grupo Atem, que detém o monopólio da Ream, receba isenções fiscais por meio de manobras entre amigos parlamentares conterrâneos".

O valor sobre o impacto fiscal da isenção ao grupo Atem foi publicado inicialmente na coluna de Raquel Landim. A FUP destacou que a "Ream está há nove meses em estado de manutenção, ou seja, sem refinar uma gota de petróleo, operando apenas como terminal logístico". O diretor do Sindipetro-AM, Marcus Ribeiro, classificou o projeto como "oportunismo descarado". A emenda isenta de PIS/Cofins e ICMS a Ream, que está sob o controle do Grupo Atem desde 2022, após a unidade ser privatizada no governo passado. "A emenda dos senadores é uma forma de legitimar as lucrativas isenções tributárias do Grupo Atem", afirma Ribeiro, ressaltando que a compra da Ream foi viabilizada dessa forma, com lucros obtidos a partir das isenções fiscais. "Ou seja, a refinaria foi comprada com dinheiro público", enfatiza. 

<><> O projeto

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou em outubro que o projeto sobre a segunda fase da reforma tributária, que incidirá sobre a renda, deverá ser enviado ao Congresso Nacional em 2025. A primeira etapa da proposta aprovada pelos parlamentares em 2023 alterou o regime de impostos sobre o consumo - 5 impostos cobrados atualmente (IPI, Pis, Cofins, ICMS e ISS) foram extintos, e transformados no Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, com 2 tipos de cobrança (CBS federal e IBS subnacional). A regulamentação da reforma tributária concede tratamento especial a uma série de contribuintes. Os diferentes regimes de tributação vão desde um abatimento de 30% sobre o valor da alíquota até a isenção do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS). O PLP 68/2024, projeto que regulamenta a reforma tributária, foi aprovado pelos senadores na semana passada e retornará à Câmara dos Deputados para nova análise. O PL  foi aprovado pelo Senado na quinta-feira (12), com relatoria do senador Eduardo Braga (MDB-AM), e aguarda deliberação da Câmara dos Deputados.

<><> Benefício tributário

Além de alimentos considerados essenciais (como arroz, feijão, leite, pão francês e carnes), o Senado incluiu na lista de produtos com a isenção itens como a erva-mate, apontado como alimento indispensável na cultura alimentar do Sul do país. Também foram incluídos certos tipos de farinha, como as de mandioca, aveia e trigo. Em relação ao óleo vegetal, a isenção foi prevista apenas para o óleo de babaçu. Essas alterações buscaram atender, entre outras demandas, às peculiaridades da alimentação em diferentes regiões do país. Os senadores retiraram da lista de isenção os óleos de milho, soja e canola — o texto enviado à Câmara prevê redução de 60% na alíquota desses itens.  Outra mudança promovida no Senado foi estender a isenção para o leite em pó e as chamadas fórmulas infantis. Para os defensores da medida, o leite em pó é uma alternativa prática para famílias que têm dificuldades de acesso ao leite fresco, enquanto as fórmulas infantis são consideradas fundamentais para a nutrição de bebês e crianças.

<><> Redução de 30%

A primeira faixa do regime diferenciado concede um abatimento de 30% sobre as alíquotas de referência para IBS e CBS. Ela beneficia prestadores de serviços que exercem atividades intelectuais de natureza científica, literária ou artística. O benefício vale para 19 setores submetidos à fiscalização de conselhos profissionais. São eles: administradores; advogados; arquitetos e urbanistas; assistentes sociais; bibliotecários; biólogos; contabilistas; economistas; economistas domésticos; profissionais de educação física; engenheiros e agrônomos; estatísticos; zootecnistas; museólogos; químicos; profissionais de relações públicas; técnicos industriais; técnicos agrícolas; e representantes comerciais.A redução de alíquota só se aplica à prestação de serviços realizada por pessoa física com habilitação específica na área. Para receber o benefício, a pessoa jurídica deve cumprir uma série de requisitos — como não ser sócia de outra pessoa jurídica e ter os serviços prestados diretamente pelos sócios com habilitação profissional na atividade-fim.

<><> Redução de 60%

O abatimento de 60% nas alíquotas de IBS e CBS vale para 13 grandes áreas. A primeira delas é a educação. O PLP 68/2024 enumera dez serviços educacionais que podem ser beneficiadas com o desconto. Entre eles, ensino infantil (inclusive creche e pré-escola), ensino fundamental, ensino médio e ensino técnico.O texto concede abatimento de 60% para 36 atividades na área de saúde. A regra vale, por exemplo, para serviços cirúrgicos, ginecológicos e obstétricos, psiquiátricos e aqueles prestados em unidades de terapia intensiva (UTIs). No caso de dispositivos médicos, a proposta contempla 105 diferentes tipos de equipamentos. É o caso de chapas e filmes para raios-X, marcapasso cardíaco, rins artificiais e stent vascular.

Outro rol beneficiado com o desconto de 60% engloba 26 dispositivos de acessibilidade para pessoas com deficiência. São contemplados acessórios e adaptações para automóveis, além de produtos destinados a pessoas com deficiências visual e auditiva — como máquinas de escrever para escrita em braile e mouses de computador controláveis pelo movimento dos olhos.Também ficam reduzidas em 60% as alíquotas incidentes sobre o fornecimento de 81 medicamentos. A regra vale para substâncias registradas na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), fórmulas produzidas por farmácias de manipulação e composições destinadas a pessoas com erros inatos do metabolismo.

Além da isenção para produtos da cesta básica, a reforma tributária assegura desconto de 60% para uma série de alimentos destinados ao consumo humano. A lista com 19 itens inclui biscoitos e bolachas (desde que não adicionados de cacau, recheados, cobertos ou amanteigados), água mineral, mel natural e óleos de soja, milho e canola. No caso dos produtos de higiene pessoal e limpeza para famílias de baixa renda, são sete itens contemplados. Entre eles, sabão, escova e pasta de dentes, papel higiênico, água sanitária e fraldas.

O projeto de lei complementar também prevê desconto de 60% para produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura. A classificação se refere ao produto que não foi submetido a nenhum processo de industrialização nem acondicionado em embalagem de apresentação. O texto admite o desconto para produtos submetidos a secagem, limpeza, debulha de grãos, congelamento e resfriamento. Mas apenas se esses processos sejam destinados somente ao transporte, ao armazenamento ou à exposição para venda. O abatimento de 60% também se aplica a 35 insumos agropecuários e aquícolas — como fertilizantes, inseticidas, sementes, mudas e vacinas. O mesmo desconto vale para 57 tipos de produções nacionais artísticas, culturais, de eventos, jornalísticas e audiovisuais — além da comunicação institucional. Na área de atividades desportivas, a redução de alíquota se aplica à educação desportiva e à exploração do desporto por associações e clubes esportivos — inclusive na venda de ingressos e na transferência de atletas.A última grande área beneficiada com a redução de 60% se refere a bens e serviços à administração pública relativos à soberania e à segurança nacional. São contemplados, por exemplo, serviços destinados às Forças Armadas ou aos órgãos de segurança pública.

<><> Isenção 

Oito grupos de contribuintes são beneficiados com a redução a zero das alíquotas de IBS e CBS. A primeira área se refere a 16 dispositivos médicos — entre eles, aparelhos de eletrodiagnóstico, raios ultravioleta ou infravermelhos, artigos ortopédicos e aparelhos para o tratamento de fraturas. O texto contempla ainda sete dispositivos de acessibilidade para pessoas com deficiência. Por exemplo: barras de apoio, cadeiras de rodas e aparelhos para facilitar a audição dos surdos. O projeto também isenta a compra de automóveis nacionais por pessoas com deficiência ou com transtorno do espectro autista. O mesmo benefício é estendido a taxistas profissionais. O projeto traz ainda uma lista de medicamentos que contam com isenção total, entre eles os fornecidos ao programa Farmácia Popular. São produtos relacionados às seguintes linhas de cuidado:

·        tratamentos oncológicos;

·        doenças raras;

·        DST/Aids;

·        doenças negligenciadas;

·        vacinas e soros; e

·        diabetes mellitus.

Entre os produtos de cuidados básicos à saúde menstrual, ficam reduzidas a zero as alíquotas para:

·        tampões higiênicos;

·        absorventes higiênicos internos ou externos, descartáveis ou reutilizáveis;

·        calcinhas absorventes; e

·        coletores menstruais.

O texto também isenta de IBS e CBS produtos hortícolas, frutas e ovos. A última área beneficiada reúne serviços prestados por instituição científica, tecnológica e de inovação (ICT) sem fins lucrativos.

<><> Outros beneficiados

O PLP 68/2024 também isenta de IBS e CBS o transporte coletivo rodoviário de passageiros e o transporte metroviário urbano, semi urbano e metropolitano. O texto ainda reduz em 60% as alíquotas para projetos de recuperação urbana de zonas históricas nos municípios e no Distrito Federal.

<><> Crédito presumido

Outra forma de tratamento diferenciado é a apropriação de crédito presumido. O projeto admite a apropriação de créditos relativos a tributos incidentes sobre as seguintes atividades:

·        transporte de carga de transportador autônomo pessoa física;

·        aquisições de resíduos sólidos para destinação final ambientalmente adequada; e

·        aquisições, para revenda, de bem móvel usado de pessoa física.

<><> Regimes específicos

O PLP 68/2024 prevê dez regimes diferenciados de tributação para áreas específicas. Segundo o consultor Ivan Morais, esses regimes não significam necessariamente a redução de tributos. Mas um modelo adaptado para a cobrança de IBS e CBS em cada um dos segmentos. — São setores tão específicos que não há como aplicar as regras gerais. O setor de energia é extremamente complexo, assim como o setor de finanças. Eles não necessariamente receberão diminuição de alíquota. Mas precisam de regras especiais, que fogem do regramento geral — explica.

A reforma tributária prevê regimes diferenciados para as seguintes atividades:

·        geração, comercialização, distribuição e transmissão de energia elétrica;

·        operações com combustíveis como gasolina, etanol, diesel, biodiesel, querosene de aviação, gás natural e biometano;

·        serviços financeiros, tais como: operações de crédito, câmbio, leasing, administrando de consórcio, ativos virtuais, seguro e resseguro;

·        planos de assistência à saúde, prestados por seguradoras, administradoras de benefícios e cooperativas;

·        loterias em meio físico ou virtual (inclusive fantasy sport);

·        operações com bens imóveis;

·        sociedades cooperativas;

·        bares, restaurantes, hotéis, parques de diversão, parques temáticos, transporte coletivo e agências de turismo;

·        sociedade anônima do futebol (SAF); e

·        missões diplomáticas e repartições consulares. 

<><> Prouni

A reforma tributária também prevê dois regimes diferenciados específicos para a cobrança da CBS. O primeiro se refere ao Programa Universidade para Todos (Prouni). A alíquota é zero vale para serviços de educação de ensino superior por instituição privada de ensino — com ou sem fins lucrativos — durante o período de adesão e vinculação ao Prouni. O outro regime diferenciado específico para a CBS beneficia o setor automotivo. Até 2032, têm direito a crédito presumido projetos ligados à produção de veículos equipados com motor elétrico

 

Fonte: A Terra é Redonda/Agencia Senado

 

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