'Políticos, mesmo
de direita, sabem que imigrantes ajudam a economia e que a Europa precisa
deles'
A imigração é um
tema que vem ocupando cada vez mais espaço nas discussões políticas de países
europeus.
Durante a reunião
dos líderes da União Europeia em meados de outubro em Bruxelas, na Bélgica,
os migrantes voltaram a
dominar a agenda.
Calcula-se que, em
2024, a UE irá receber mais de um milhão de pedidos de asilo – o maior número
desde a crise migratória de 2015.
Naquela época, a
ex-chanceler alemã Angela Merkel pronunciou a frase que a persegue até hoje:
"Wir schaffen das" ("nós conseguimos", em alemão). Ou seja,
ela afirmou que a Alemanha poderia
absorver as ondas de imigrantes que chegavam da África e do Oriente Médio.
Merkel evitou
repetir esta frase posteriormente. De lá para cá, o discurso anti-imigração
ganhou força em muitos países.
Com a guerra na Ucrânia, milhões de
ucranianos emigraram em massa para diversos países da União Europeia e para o
Reino Unido. E centenas de milhares continuam chegando todos os anos, em
embarcações irregulares, da África e do Oriente Médio.
Paralelamente, a
violência contra imigrantes aumenta e os partidos da direita
radical –
que promovem políticas anti-imigratórias, como Alternativa para a
Alemanha, Reunião Nacional na
França e
o Reform UK no Reino Unido – avançam nas urnas.
Consequentemente, a
UE deseja fortalecer suas fronteiras externas e acelerar a deportação dos
solicitantes de asilo que não foram aprovados. E a primeira-ministra italiana
Giorgia Meloni pretende enviar os migrantes resgatados no Mediterrâneo para a
Albânia.
Alemanha, França e
Hungria aumentaram o patrulhamento e o controle de passaportes em algumas das
suas fronteiras terrestres. Já a Polônia pretende criar uma lei temporária para
retirar de pessoas recém-chegadas o direito de pedir asilo.
Para muitos, tudo
isso representa um grande dilema. Eles defendem que a Europa precisa de mais
imigrantes, na verdade, e não de reduzir a imigração.
Com sua baixa taxa
de fertilidade e a crescente aposentadoria dos baby boomers – a
geração nascida entre 1946 e 1964 –, a Europa precisa preencher os postos de
trabalho para manter seu sistema de saúde e bem-estar, segundo o pesquisador
John Springford, do grupo de especialistas The Centre for European Reform
(Centro para a Reforma Europeia), com sede em Londres.
Springford é
especialista em Europa, no mercado de trabalho europeu e na imigração. Ele já
escreveu extensamente sobre estes temas e trabalhou como assessor parlamentar
no Reino Unido.
Em entrevista à BBC
News Mundo (o serviço em espanhol da BBC), o pesquisador defende que o Velho
Continente aceite seu futuro como uma sociedade multicultural e multiétnica.
Caso contrário, precisará se render ao estancamento econômico.
<><> Leia
os principais pontos a seguir.
·
Por
que o tema dos imigrantes domina as reuniões de cúpula da União Europeia?
John
Springford: O debate político na Europa gira atualmente em torno da
imigração irregular de pessoas em busca de asilo e daquelas que chegam em
embarcações ou cruzam as fronteiras de forma irregular.
Este tem sido um
grande problema, desde a crise migratória de 2015.
Naquele ano, um
grande número de pessoas da Síria e de outros países cruzou o mar em
embarcações que saíam da Turquia para a Grécia, enquanto outros viajavam do
norte da África para a Itália e a Espanha.
Este continua a ser
um problema permanente para os políticos europeus. Mas cada vez mais governos
lutam para resolvê-lo, porque ele começa a prejudicar outros tipos de
migrações.
O problema atual
não afeta apenas os solicitantes de asilo, mas também, cada vez mais, as
pessoas que desejam emigrar pela via legal, com vistos de trabalho, para
poderem trabalhar legalmente em um país europeu.
·
Em
2015, alguns países, como a Alemanha e a Suécia, abriram as portas para a
imigração e receberam os imigrantes de braços abertos. Agora, a Europa não
recebe mais imigrantes do que acolheu em 2015. Por que, então, mudou a
percepção sobre a imigração no continente?
Springford: Angela
Merkel incentivou os migrantes a irem para a Alemanha durante a crise
migratória. Mas este discurso durou muito pouco, cerca de seis meses.
Muitas pessoas
seguiram pela chamada rota dos Bálcãs, da Turquia e do norte da África até a
Grécia e, dali, através dos Bálcãs, para a Alemanha.
Países como a
Hungria não ficaram satisfeitos com os esforços da UE para controlar o fluxo de
migrantes e fecharam rapidamente suas fronteiras. E alguns grupos começaram a
defender que era uma quantidade demasiada de pessoas.
Por fim, chegou-se
a um acordo com a Turquia, oferecendo dinheiro em troca de uma vigilância mais
firme da sua fronteira marítima com a Grécia. Consequentemente, o fluxo de
imigrantes através da Turquia foi reduzido drasticamente em questão de meses.
·
O
senhor acredita que, nos últimos anos, a imigração em massa impulsionou o apoio
à extrema direita na Europa?
Springford: Sim,
a imigração claramente impulsionou o crescimento da direita nacionalista nos
últimos 20 anos. É preciso recordar que, no início dos anos 2000, não era
assim.
Dizem na Europa que
existem imigrantes demais, que ameaçam a cultura nacional ou a economia, mas os
políticos sabem que precisamos deles.
A ultradireita
percebeu o sentimento anti-imigratório e o usou para ganhar mais votos. Por
isso, eles tiveram tanto sucesso em vários países.
·
A
retórica da maioria dos governos diz que é preciso reduzir a imigração, mas eles
continuam permitindo a entrada de milhares e milhares de imigrantes. Por que
isso acontece?
Springford: Os
políticos, incluindo os de direita, sabem que os migrantes ajudam a economia.
Eles sabem que a Europa precisa deles.
Existe entre os
líderes europeus o consenso de que a imigração regular é benéfica. A própria
primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, que tem uma forte postura
anti-imigratória, facilitou a entrada de imigrantes na Itália para trabalhar
legalmente.
A população
europeia está envelhecendo rapidamente e existe um número cada vez maior de
aposentados. Por isso, a força de trabalho da população nativa começou a
diminuir.
A Europa precisa de
mais imigrantes para preencher os postos de trabalho e manter a produção
econômica. Precisamos de pessoas que paguem impostos para manter o sistema de
saúde e as aposentadorias dos idosos.
Existe uma
estratégia para tentar canalizar o descontentamento do público aos imigrantes
que pedem asilo e à imigração irregular, para poder manter os canais abertos
para as pessoas que vêm trabalhar na Europa.
Todos os políticos,
agora, concordam com a necessidade de impor rigorosos controles das fronteiras,
para evitar que as pessoas entrem irregularmente no país. Eles consideram que
isso é essencial para poder manter o consenso político sobre a abertura à
imigração.
Mas existe o risco
de que este consenso possa começar a se desfazer e os governos se vejam
obrigados a reduzir o número de vistos de trabalho.
Giorgia Meloni é de
direita e foi eleita pela sua postura anti-imigração. Ela mantém uma política
de asilo muito rígida, que inclui levar muitas pessoas para a Albânia e
tramitar naquele país os pedidos de asilo.
Mas, ao mesmo
tempo, ela aumentou o número de vistos de trabalho e quer que as pessoas migrem
para a Itália pela via legal.
Esta foi a
estratégia de muitos políticos, incluindo os de direita. Mão forte sobre o
asilo e a imigração irregular, mas tentar paralelamente manter os canais
abertos para a entrada legal de trabalhadores no país.
·
Os
líderes europeus sabem que será difícil fazer o continente prosperar sem a
imigração. Mas, em um contexto em que o discurso anti-imigratório atrai as
massas, como eles podem dizer à população que a Europa precisa de mais
imigrantes?
Springford: Se
os políticos quiserem manter as vias migratórias e os benefícios econômicos
trazidos pelos imigrantes, eles devem apresentar sua defesa com argumentos e
explicar por que a imigração é necessária.
Eles devem explicar
à população que precisamos dos imigrantes para pagar os aposentados europeus e
porque a força de trabalho local está diminuindo. E também precisamos de
trabalhadores da construção civil e de outros setores nos quais os europeus não
querem trabalhar.
Assim, será
possível evitar qualquer iniciativa da extrema direita para tentar reduzir a
imigração de mão de obra, além da imigração irregular.
O Reino Unido é um
caso interessante porque o país tem estado na vanguarda, em relação à retórica
populista e anti-imigração. E é claro que o Brexit foi intimamente relacionado
à liberdade de circulação e residência da União Europeia.
Houve mentiras na
campanha. Os partidários do Brexit garantiram que a Turquia se uniria ao bloco
e que muitos turcos teriam acesso ao mercado de trabalho do Reino Unido.
Mas, agora, existem
pesquisas de opinião que mostram que cada vez mais britânicos acreditam que a
imigração foi algo bom para a economia e a cultura do país.
Este é o fruto de
uma campanha orquestrada por economistas interessados na imigração no Reino
Unido, que apresentaram provas para refutar certas mentiras, como que os
imigrantes reduzem o salário da população nativa.
Também acredito
que, conforme a sociedade se tornar mais diversificada e existirem mais
imigrantes, as pessoas se tornarão mais tolerantes e irão começar a entender os
benefícios da imigração.
·
O
senhor diria que o futuro da Europa é uma sociedade multiétnica e
multicultural?
Springford: Sim,
a Europa inevitavelmente precisará se tornar mais multicultural, se quiser
manter o seu bem-estar social.
Sua população está
envelhecendo e isso significa que, para poder manter o tamanho da sua força de
trabalho, precisará trazer mais gente de fora da Europa.
Nas décadas de 2000
e 2010, os países da Europa ocidental se beneficiaram de muitos trabalhadores
do leste europeu, que chegaram com a livre circulação e residência da União
Europeia. Isso ajudou a manter a força de trabalho.
Foram pessoas que
se integraram com relativa facilidade. Eles já falavam idiomas europeus, o que
facilita aprender outra língua com mais rapidez. Além disso, eles eram brancos
e, em sua maioria, cristãos.
Mas a migração de
europeus do leste e do sul, que se mudam para outros países da Europa
ocidental, diminuiu muito. Isso ocorreu porque os salários ficaram mais
próximos, o que deixou menos incentivos para que os europeus abandonem seus
países.
A Europa irá
precisar buscar trabalhadores de fora do continente para ocupar os postos de
trabalho necessários, especialmente na área de assistência médica e de idosos.
E também trabalhadores agrícolas, da construção civil e, de forma geral, todo
tipo de emprego, à medida que os profissionais vão se aposentando.
Tudo isso significa
que, inevitavelmente, a fonte desta imigração será a África, a América Latina e
a Ásia, ou seja, haverá mais pessoas que não são brancas, nem cristãs.
Os países europeus
mais prósperos serão os mais capazes de integrar rapidamente seus imigrantes ao
mercado de trabalho, oferecendo boa acolhida, garantindo que seus filhos
recebam boa educação e que também se integrem bem à sociedade.
·
O
que irá acontecer com os países que não conseguirem atrair imigrantes?
Springford: Eles
precisarão criar mais impostos para os trabalhadores, para poder financiar um
bom sistema de saúde e a aposentadoria dos idosos.
Provavelmente,
esses países também passarão a ser menos atrativos para os investidores
estrangeiros, pois haverá menos oferta de trabalhadores para preencher os
cargos necessários para esses investidores.
Talvez eles passem
a ser menos produtivos e menos ricos, pois existem evidências de que a
imigração por motivos profissionais tende a fortalecer a economia e aumentar a
produtividade, devido à maior especialização dentro da economia.
Uma crítica justa é
que as altas taxas de imigração podem causar impactos aos preços da moradia e
pressionar a infraestrutura existente.
Mas existe também o
contrário: se a população diminuir, os preços da moradia também podem sofrer
impactos negativos, provocando deflação, o que também acarreta custos.
Por isso, em muitos
sentidos, é melhor ter um crescimento demográfico contínuo para garantir
investimentos em moradia e no tipo de infraestrutura necessária e, assim,
evitar o estrangulamento dos serviços públicos.
¨ Mudanças políticas e protestos contra racismo reduzem
preconceito nos EUA
Ir às ruas
protestar contra o racismo gera, de fato, um efeito de mudança em
preconceituosos? A resposta obtida pelo pesquisador Max Primbs é sim. Ainda que
temporariamente. O psicólogo social da Radboud University Nijmegen, na Holanda,
analisou como as pessoas reagiram às manifestações do Black Lives Matter (BLM)
de 2020, nos Estados Unidos, e concluiu que as reações em razão do assassinato de George Floyd reduziram o
preconceito racial entre os americanos brancos.
“Os protestos
surgiram da noite para o dia e alcançaram uma escala tremenda imediata. O
efeito foi rapidamente visível nos dados: os brancos americanos, de repente,
pensaram muito menos negativamente sobre os negros americanos”, relata Primbs.
Para chegar aos resultados, o pesquisador e a equipe submeteram voluntários a
uma tarefa simples. Pelo computador, os participantes tinham de classificar
algumas palavras como “boas” ou “ruins” pressionando um botão. Seguindo as
mesmas regras, designavam fotos de rostos de pessoas como “negras” ou
“brancas”.
A associação mais
negativa com os negros diminuiu imediatamente após o início dos protestos do
BLM. À medida que a atenção ao movimento diminuiu, porém, o preconceito voltou
a aumentar, quase se igualando ao patamar anterior ao crime contra Floyd
cometido por um policial branco. Essa brecha, aposta Primbs, é uma oportunidade
para ações mais estruturadas, capazes de melhores resultados tanto nos Estados
Unidos quanto em outros países.
Sem subestimar o
efeito Donald Trump, o psicólogo social aposta que um efeito a longo prazo
depende de mudanças políticas. “Ele normalizou a retórica de ódio nos Estados
Unidos, mas os políticos também podem introduzir políticas para promover a
igualdade”, afirma. “Um exemplo disso é um estudo de Eugene Ofosu (pesquisador
da Princeton University, nos Estados Unidos) mostrando que a decisão da Suprema
Corte de legalizar o casamento gay acelerou a diminuição do preconceito
implícito em relação a gays e lésbicas”. Os resultados da pesquisa de Primbs
foram publicados na revista científica Social Psychology and Personality
Bulletin.
¨ CEDEAO estende prazo para que países da Aliança do
Sahel reconsiderem saída do bloco
A Comunidade
Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) dará a Burkina Faso, Mali e
Níger o período de 29 de janeiro a 29 de julho de 2025 para que reconsiderem
sua decisão de sair do bloco.
A decisão veio após
uma reunião dos líderes em Abuja, capital da Nigéria. Segundo as regras do
bloco, a saída desses três países da CEDEAO deveria ocorrer em janeiro de
2025, um ano após eles anunciarem suas decisões de deixar o grupo.
Em setembro de
2023, Mali, Níger e Burkina Faso assinaram um pacto de defesa mútua, criando
a Aliança dos Estados do Sahel (AES). Em 28 de janeiro deste ano, os três
anunciaram a decisão de sair da CEDEAO, grupo formado por ex-colônias
franceses,
britânicas e portuguesas em 1975 com o Tratado de Lagos.
Na época, a
recém-formada Aliança do Sahel denunciou a CEDEAO por estar sob influência
estrangeira e ter "traído
seus princípios fundadores".
"A organização
não prestou assistência aos nossos Estados no âmbito da nossa luta existencial
contra o terrorismo e a insegurança", disseram.
Pelo contrário, a
CEDEAO impôs medidas punitivas, como suspensão da ajuda militar e médica, ao
três países nos anos de 2021, 2022 e 2023 após
a crise de segurança se agravar ao ponto de lideranças militares
assumirem o governo.
Em julho deste ano,
em Niamey, capital do Níger, os líderes do Mali, Níger e Burkina Faso (Asimi
Goita, Abdourahmane Tchiani e Ibrahim Traore, respectivamente) aprofundaram a
relação dos três países ao estabelecer a Confederação
da Aliança dos Estados do Sahel, organismo que visa estabelecer projetos
de infraestrutura, segurança e financeiros em conjunto.
Fonte: BBC News
Mundo/Correio Braziliense/Sputnik Brasil
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