Clemente
Ganz Lúcio: Trabalho
- Para a sexta-feira ser o novo sábado
A jornada de trabalho é um elemento estruturante da
organização das relações de trabalho, da vida em sociedade e da forma de
produzir economicamente. O contexto situacional presente e prospectivo indica
transformações tecnológicas disruptivas na relação entre trabalho e produto
econômico, mudanças demográficas profundas e desafios ambientais inéditos e
dramáticos.
Nesse período histórico de transformações disruptivas,
a redução da jornada de trabalho se colocará cada vez mais como um elemento
essencial e estratégico para alçar novos patamares de desenvolvimento
econômico, social, cultural e político. A redução da jornada de trabalho será
uma inovação social e econômica, a ser construída por meio do debate político
entre os sindicatos, a sociedade civil organizada, governos e parlamento, assim
como será resultado de processos de diálogo social conduzidos nas negociações
coletivas e materializados em acordos coletivos no âmbito das empresas ou
convenções coletivas setoriais.
Faz pouco mais de 100 anos que a classe trabalhadora
começou a conquistar a semana de 6×1 e de 5×2. Jornadas semanais de 48, 44, 40,
35 horas fazem parte de regulações nacionais e de contratos coletivos,
construídos em processos longos de pactuação e de implementação. Nesse período
de um século, concomitante à redução da jornada de trabalho, se observou
crescimento econômico, incremento da produtividade, aumento dos salários e das
proteções trabalhistas e sociais.
O assunto voltou à pauta do debate público no Brasil,
no contexto da retomada da formulação de projetos e de estratégias de
desenvolvimento industrial e produtivo, de inovação, de incremento da
produtividade, de cooperação econômica entre países. Trabalhar melhor e menos
para todos viverem bem e a economia crescer com sustentabilidade socioambiental
é um objetivo a ser compartilhado.
O debate será longo e a oposição que de partida afirma
a inviabilidade dessa pauta, já tem se colocado da mesma forma no passado.
Nesse último século, os processos deliberativos avançaram e reduziram a jornada
de trabalho, as economias cresceram e a qualidade de vida melhorou.
Um bom caminho é qualificar o debate com argumentos
sólidos que nos permitam identificar as transformações em curso que geram
exigências e oportunidades de outras mudanças e prospectar os desdobramentos
desejados de futuro. Implementar a redução da jornada de trabalho exigirá
planos de mudanças em múltiplas dimensões, implementados ao longo do tempo.
Uma boa contribuição para o debate sobre a redução da
jornada de trabalho está reunida no livro Sexta-Feira é o Novo Sábado
– como uma semana de trabalho de quatro dias poderá salvar a economia1, elaborado pelo
economista Pedro Gomes2. Nesta obra, Gomes
apresenta oito argumentos centrais que sustentam os benefícios dessa mudança
para a economia e a sociedade:
- Estímulo à Demanda: o autor argumenta
que a redução da jornada de trabalho aumentaria o tempo livre dos
trabalhadores, incentivando o consumo de bens e serviços, especialmente nos
setores de lazer, cultura e turismo. Essa elevação na demanda poderia
impulsionar a economia, gerando crescimento econômico e criação de
empregos. No contexto brasileiro, onde o consumo interno é um dos motores
da economia, essa medida poderia fortalecer o mercado doméstico e promover
o desenvolvimento de pequenas e médias empresas.
- Aumento da Produtividade: a literatura
econômica sugere que jornadas de trabalho mais curtas podem levar a um
aumento na produtividade. Trabalhadores mais descansados tendem a ser mais
eficientes e engajados em suas atividades. A implementação de uma semana
de quatro dias poderia resultar em um ambiente de trabalho mais saudável,
reduzindo o absenteísmo e melhorando a qualidade do trabalho realizado.
- Incentivo à Inovação: com menos tempo
disponível, as empresas seriam motivadas a otimizar processos e investir
em tecnologias que aumentem a eficiência. Essa busca por inovação poderia
tornar as empresas mais competitivas no mercado global, promovendo uma
cultura de melhoria contínua e adaptação às mudanças tecnológicas.
- Aumento dos Salários: Gomes indica que
a redução da oferta de trabalho, resultante da diminuição da jornada,
poderia pressionar os salários para cima, especialmente em setores com
alta demanda por mão de obra qualificada. Essa dinâmica poderia contribuir
para a redução das desigualdades salariais e o fortalecimento do poder de
compra dos trabalhadores.
- Redução do Desemprego: A necessidade
de manter os níveis de produção com uma jornada reduzida pode levar as
empresas a contratar mais funcionários, ajudando a diminuir as taxas de
desemprego e reduzir a informalidade e rotatividade.
- Diminuição dos Movimentos Populistas:
Gomes argumenta que a melhoria nas condições de trabalho e o aumento do
bem-estar social podem reduzir o apelo de movimentos populistas que
exploram o descontentamento da população decorrente da precarização,
vulnerabilidade e insegurança no trabalho, com reflexos que poderia
fortalecer as instituições democráticas e promover um ambiente político
mais saudável.
- Melhoria na Qualidade de Vida: uma
semana de trabalho de quatro dias proporcionaria aos trabalhadores mais
tempo para atividades pessoais, lazer e convívio familiar, promovendo um
equilíbrio entre vida profissional e pessoal, em uma sociedade mais satisfeita
e produtiva, com impactos positivos na saúde mental e física da população.
- Adaptação às Mudanças Tecnológicas:
Com os avanços tecnológicos e a automação, muitos postos de trabalho
tradicionais estão sendo transformados ou eliminados. A redução da jornada
de trabalho pode ser uma resposta a essas mudanças, permitindo uma
redistribuição mais equitativa do trabalho disponível e preparando a força
de trabalho para os desafios do futuro.
Tempo livre não é tempo morto para a economia e para a
vida das pessoas. A economia cresce e se torna mais criativa porque as pessoas
fazem uso desse tempo livre que se transforma em demanda econômica e em bem
estar social.
A implementação de uma semana de trabalho de quatro
dias no Brasil requer uma análise cuidadosa dos setores econômicos, das
condições sociais e das especificidades regionais. Deve fazer parte de acordos
sociais que pactuam processos de incremento da produtividade, de difusão da
inovação tecnológica, de industrialização, difundidos para todas a economia e
com atenção especial para micro e pequenas empresas, que tratam da distribuição
dos resultados em melhores empregos e salários e na redução da jornada de
trabalho.
¨
Escala 6 x 1 - O que trava a mudança no
Brasil. Por Raul Sena
Recentemente,
tem havido um intenso debate no Brasil sobre a tradicional jornada de trabalho
de seis dias por semana, conhecida como escala 6x1. A deputada Erika
Hilton angariou assinaturas para uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
que acabaria com essa jornada de trabalho. Rumores indicam – já que o texto da
PEC ainda não é público – que a proposta é instituir uma escala de trabalho de
quatro dias por semana e três de descanso (4x3), mas não há certeza sobre esse
ponto, nem se a PEC entrará de fato em tramitação na Câmara dos Deputados. Mas
foi o suficiente para se iniciar uma ampla discussão sobre o tema, com opiniões
inflamadas de todos os lados.
Como
empresário, acredito que essa discussão poderia ser uma oportunidade para se
pensar em uma mudança que beneficie tanto colaboradores quanto empresas. Não
sou contra a escala 6x1 ou 5x2. Na verdade, acredito que um modelo
4x3 poderia trazer melhorias significativas para a qualidade de vida dos
trabalhadores. No entanto, há uma questão muito mais onerosa para as empresas
do que as condições de trabalho de seus colaboradores, mas que muitos evitam
discutir: os encargos trabalhistas.
Atualmente,
os encargos no Brasil representam cerca de 75% do custo total de cada
funcionário. Isso significa que, para cada real pago ao trabalhador, quase
outro real é destinado a encargos. A complexa legislação trabalhista brasileira
impõe uma série de desafios financeiros e burocráticos que pesam
consideravelmente sobre as empresas.
Enquanto
se discute a jornada de trabalho, pouco se fala em reduzir ou eliminar esses
encargos como uma contrapartida para as empresas que investirem em modelos de
trabalho mais flexíveis. Se o governo criasse incentivos, como a redução desses
tributos para as empresas que adotassem uma escala de trabalho mais equilibrada,
acredito que muitos empresários se sentiriam motivados a ampliar suas equipes e
implementar práticas mais benéficas a todos.
Essa
seria uma solução ganha-ganha: as empresas teriam mais condições de oferecer
melhores benefícios e os trabalhadores teriam mais qualidade de vida. Além
disso, a mudança poderia gerar uma cadeia positiva de resultados, com mais
contratações e redução do desemprego.
No
entanto, o cenário atual ainda coloca as empresas como "vilãs" da
economia, enquanto a carga tributária e os privilégios do setor público seguem
intocados. O governo parece sempre disposto a cortar na carne dos outros, mas
raramente revê suas próprias regalias. Prova disso é a dificuldade do
Ministério da Fazenda em divulgar um plano realmente robusto de corte de gastos
para reduzir o rombo nas contas públicas.
A
questão central é que não há uma verdadeira parceria entre o governo e o setor
privado. Nunca vemos uma situação em que o Estado diminui os encargos para que
as empresas possam investir mais em contratações e melhores condições de
trabalho. Pelo contrário, o governo continua a criar condições que afastam
investimentos e enfraquecem o setor produtivo.
Por
isso, defendo que a discussão sobre o fim da escala 6x1 não seja uma
via de mão única, em que apenas as empresas arquem com os custos. Acredito que
a melhoria da jornada de trabalho pode significar mais qualidade de vida para
os colaboradores, mas o governo precisa fazer sua parte, dando o exemplo. Sem a
necessária discussão sobre o custo do Estado brasileiro e a redução da enorme
carga tributária que pesa sobre as empresas, não há como, efetivamente,
viabilizar uma proposta que é extremamente benéfica para os trabalhadores, mas
que tem tudo para existir apenas no imaginário social.
Fonte: Outras
Palavras/Agencia.pub
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