quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Clemente Ganz Lúcio: Trabalho - Para a sexta-feira ser o novo sábado

A jornada de trabalho é um elemento estruturante da organização das relações de trabalho, da vida em sociedade e da forma de produzir economicamente. O contexto situacional presente e prospectivo indica transformações tecnológicas disruptivas na relação entre trabalho e produto econômico, mudanças demográficas profundas e desafios ambientais inéditos e dramáticos.

Nesse período histórico de transformações disruptivas, a redução da jornada de trabalho se colocará cada vez mais como um elemento essencial e estratégico para alçar novos patamares de desenvolvimento econômico, social, cultural e político. A redução da jornada de trabalho será uma inovação social e econômica, a ser construída por meio do debate político entre os sindicatos, a sociedade civil organizada, governos e parlamento, assim como será resultado de processos de diálogo social conduzidos nas negociações coletivas e materializados em acordos coletivos no âmbito das empresas ou convenções coletivas setoriais.

Faz pouco mais de 100 anos que a classe trabalhadora começou a conquistar a semana de 6×1 e de 5×2. Jornadas semanais de 48, 44, 40, 35 horas fazem parte de regulações nacionais e de contratos coletivos, construídos em processos longos de pactuação e de implementação. Nesse período de um século, concomitante à redução da jornada de trabalho, se observou crescimento econômico, incremento da produtividade, aumento dos salários e das proteções trabalhistas e sociais.

O assunto voltou à pauta do debate público no Brasil, no contexto da retomada da formulação de projetos e de estratégias de desenvolvimento industrial e produtivo, de inovação, de incremento da produtividade, de cooperação econômica entre países. Trabalhar melhor e menos para todos viverem bem e a economia crescer com sustentabilidade socioambiental é um objetivo a ser compartilhado.

O debate será longo e a oposição que de partida afirma a inviabilidade dessa pauta, já tem se colocado da mesma forma no passado. Nesse último século, os processos deliberativos avançaram e reduziram a jornada de trabalho, as economias cresceram e a qualidade de vida melhorou.

Um bom caminho é qualificar o debate com argumentos sólidos que nos permitam identificar as transformações em curso que geram exigências e oportunidades de outras mudanças e prospectar os desdobramentos desejados de futuro. Implementar a redução da jornada de trabalho exigirá planos de mudanças em múltiplas dimensões, implementados ao longo do tempo.

Uma boa contribuição para o debate sobre a redução da jornada de trabalho está reunida no livro Sexta-Feira é o Novo Sábado – como uma semana de trabalho de quatro dias poderá salvar a economia1, elaborado pelo economista Pedro Gomes2. Nesta obra, Gomes apresenta oito argumentos centrais que sustentam os benefícios dessa mudança para a economia e a sociedade:

  • Estímulo à Demanda: o autor argumenta que a redução da jornada de trabalho aumentaria o tempo livre dos trabalhadores, incentivando o consumo de bens e serviços, especialmente nos setores de lazer, cultura e turismo. Essa elevação na demanda poderia impulsionar a economia, gerando crescimento econômico e criação de empregos. No contexto brasileiro, onde o consumo interno é um dos motores da economia, essa medida poderia fortalecer o mercado doméstico e promover o desenvolvimento de pequenas e médias empresas.
  • Aumento da Produtividade: a literatura econômica sugere que jornadas de trabalho mais curtas podem levar a um aumento na produtividade. Trabalhadores mais descansados tendem a ser mais eficientes e engajados em suas atividades. A implementação de uma semana de quatro dias poderia resultar em um ambiente de trabalho mais saudável, reduzindo o absenteísmo e melhorando a qualidade do trabalho realizado.
  • Incentivo à Inovação: com menos tempo disponível, as empresas seriam motivadas a otimizar processos e investir em tecnologias que aumentem a eficiência. Essa busca por inovação poderia tornar as empresas mais competitivas no mercado global, promovendo uma cultura de melhoria contínua e adaptação às mudanças tecnológicas.
  • Aumento dos Salários: Gomes indica que a redução da oferta de trabalho, resultante da diminuição da jornada, poderia pressionar os salários para cima, especialmente em setores com alta demanda por mão de obra qualificada. Essa dinâmica poderia contribuir para a redução das desigualdades salariais e o fortalecimento do poder de compra dos trabalhadores.
  • Redução do Desemprego: A necessidade de manter os níveis de produção com uma jornada reduzida pode levar as empresas a contratar mais funcionários, ajudando a diminuir as taxas de desemprego e reduzir a informalidade e rotatividade.
  • Diminuição dos Movimentos Populistas: Gomes argumenta que a melhoria nas condições de trabalho e o aumento do bem-estar social podem reduzir o apelo de movimentos populistas que exploram o descontentamento da população decorrente da precarização, vulnerabilidade e insegurança no trabalho, com reflexos que poderia fortalecer as instituições democráticas e promover um ambiente político mais saudável.
  • Melhoria na Qualidade de Vida: uma semana de trabalho de quatro dias proporcionaria aos trabalhadores mais tempo para atividades pessoais, lazer e convívio familiar, promovendo um equilíbrio entre vida profissional e pessoal, em uma sociedade mais satisfeita e produtiva, com impactos positivos na saúde mental e física da população.
  • Adaptação às Mudanças Tecnológicas: Com os avanços tecnológicos e a automação, muitos postos de trabalho tradicionais estão sendo transformados ou eliminados. A redução da jornada de trabalho pode ser uma resposta a essas mudanças, permitindo uma redistribuição mais equitativa do trabalho disponível e preparando a força de trabalho para os desafios do futuro.

Tempo livre não é tempo morto para a economia e para a vida das pessoas. A economia cresce e se torna mais criativa porque as pessoas fazem uso desse tempo livre que se transforma em demanda econômica e em bem estar social.

A implementação de uma semana de trabalho de quatro dias no Brasil requer uma análise cuidadosa dos setores econômicos, das condições sociais e das especificidades regionais. Deve fazer parte de acordos sociais que pactuam processos de incremento da produtividade, de difusão da inovação tecnológica, de industrialização, difundidos para todas a economia e com atenção especial para micro e pequenas empresas, que tratam da distribuição dos resultados em melhores empregos e salários e na redução da jornada de trabalho.

 

¨      Escala 6 x 1 - O que trava a mudança no Brasil. Por Raul Sena

Recentemente, tem havido um intenso debate no Brasil sobre a tradicional jornada de trabalho de seis dias por semana, conhecida como escala 6x1. A deputada Erika Hilton angariou assinaturas para uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que acabaria com essa jornada de trabalho. Rumores indicam – já que o texto da PEC ainda não é público – que a proposta é instituir uma escala de trabalho de quatro dias por semana e três de descanso (4x3), mas não há certeza sobre esse ponto, nem se a PEC entrará de fato em tramitação na Câmara dos Deputados. Mas foi o suficiente para se iniciar uma ampla discussão sobre o tema, com opiniões inflamadas de todos os lados.

Como empresário, acredito que essa discussão poderia ser uma oportunidade para se pensar em uma mudança que beneficie tanto colaboradores quanto empresas. Não sou contra a escala 6x1 ou 5x2. Na verdade, acredito que um modelo 4x3 poderia trazer melhorias significativas para a qualidade de vida dos trabalhadores. No entanto, há uma questão muito mais onerosa para as empresas do que as condições de trabalho de seus colaboradores, mas que muitos evitam discutir: os encargos trabalhistas.

Atualmente, os encargos no Brasil representam cerca de 75% do custo total de cada funcionário. Isso significa que, para cada real pago ao trabalhador, quase outro real é destinado a encargos. A complexa legislação trabalhista brasileira impõe uma série de desafios financeiros e burocráticos que pesam consideravelmente sobre as empresas.

Enquanto se discute a jornada de trabalho, pouco se fala em reduzir ou eliminar esses encargos como uma contrapartida para as empresas que investirem em modelos de trabalho mais flexíveis. Se o governo criasse incentivos, como a redução desses tributos para as empresas que adotassem uma escala de trabalho mais equilibrada, acredito que muitos empresários se sentiriam motivados a ampliar suas equipes e implementar práticas mais benéficas a todos.

Essa seria uma solução ganha-ganha: as empresas teriam mais condições de oferecer melhores benefícios e os trabalhadores teriam mais qualidade de vida. Além disso, a mudança poderia gerar uma cadeia positiva de resultados, com mais contratações e redução do desemprego.

No entanto, o cenário atual ainda coloca as empresas como "vilãs" da economia, enquanto a carga tributária e os privilégios do setor público seguem intocados. O governo parece sempre disposto a cortar na carne dos outros, mas raramente revê suas próprias regalias. Prova disso é a dificuldade do Ministério da Fazenda em divulgar um plano realmente robusto de corte de gastos para reduzir o rombo nas contas públicas.

A questão central é que não há uma verdadeira parceria entre o governo e o setor privado. Nunca vemos uma situação em que o Estado diminui os encargos para que as empresas possam investir mais em contratações e melhores condições de trabalho. Pelo contrário, o governo continua a criar condições que afastam investimentos e enfraquecem o setor produtivo.

Por isso, defendo que a discussão sobre o fim da escala 6x1 não seja uma via de mão única, em que apenas as empresas arquem com os custos. Acredito que a melhoria da jornada de trabalho pode significar mais qualidade de vida para os colaboradores, mas o governo precisa fazer sua parte, dando o exemplo. Sem a necessária discussão sobre o custo do Estado brasileiro e a redução da enorme carga tributária que pesa sobre as empresas, não há como, efetivamente, viabilizar uma proposta que é extremamente benéfica para os trabalhadores, mas que tem tudo para existir apenas no imaginário social.

 

Fonte: Outras Palavras/Agencia.pub

 

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