terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Psoríase: diagnóstico, acesso a tratamentos e estigma ainda são desafios na jornada de quem vive com a condição

A psoríase é uma doença imunomediada sistêmica, crônica  que atinge cerca de 2,7 milhões de brasileiros, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). No mundo, a prevalência chega a 3% – mais de 125 milhões de pessoas vivem com a condição. Pela natureza de seus sintomas, que se manifestam em grande parte em lesões na pele, a psoríase tem um impacto profundo na qualidade de vida do paciente. Um dos principais desafios está relacionado justamente ao início da jornada: a média de tempo para receber o diagnóstico é de cinco anos, enquanto o intervalo entre a descoberta e o início do primeiro tratamento é de cerca de cinco meses.

É o que aponta a pesquisa PR – Psoríase Moderada a Grave, desenvolvida pela Ipsos a pedido da Bristol Myers Squibb (BMS), que buscou entender a relação de pessoas com psoríase moderada a grave e as respectivas barreiras de acesso aos tratamentos. O levantamento ouviu 120 pacientes entre 13 de junho e 15 de julho de 2024, residentes de diferentes regiões do Brasil, atendidos pelos sistemas público e privado de saúde. Os dados são preocupantes porque demonstram que os pacientes, que já têm suas vidas muito afetadas pela condição, estão desamparados com a demora no diagnóstico.

Na fase ativa da doença, os pacientes costumam manifestar de três a quatro sintomas, sendo os mais recorrentes coceira, queimação, dor, lesões elevadas, vermelhas e inflamadas, pele seca a ponto de rachar ou sangrar, além das características placas escamosas. No entanto, os sintomas não se limitam apenas à pele.

“Embora a manifestação ocorra principalmente na pele, ela é uma doença sistêmica, ouros órgãos também são comprometidos. São pacientes que têm mais propensão a doença cardiovascular, síndrome metabólica, obesidade, hipertensão, aumento de colesterol e alteração glicêmica”, detalha Patrícia Faustino, diretora médica associada das áreas de Imunologia e Cardiologia da BMS.

·        Psoríase é uma doença multifatorial

A medicina ainda não desvendou por completo as causas do surgimento da doença, mas sabe-se que é uma combinação de fatores genéticos e ambientais, como explica Ricardo Romiti, médico dermatologista e coordenador da campanha de psoríase da SBD:

“É uma doença multifatorial. O paciente apresenta uma predisposição genética, em alguns casos há outros familiares acometidos pela doença – não é uma doença hereditária, de pai para filho, mas às vezes você encontra avós, primos, tios acometidos. E há também o fator desencadeante. A doença costuma surgir na vida adulta e pode acontecer após um quadro infeccioso, o uso de certas medicações ou um período de estresse, por exemplo.”

O diagnóstico é essencialmente clínico, com a avaliação clínica das lesões, investigação do histórico familiar e, em casos mais raros, com a necessidade de biópsia. José Célio Peixoto, vice-presidente da Psoríase Brasil, associação de pacientes com a doença no país, lembra que seus primeiros sintomas apareceram aos 17 anos de idade, ainda na década de 1970. Naquele tempo, as informações sobre a doença eram ainda mais limitadas, assim como as opções de tratamento disponíveis.

“Começou com uma caspa. Eu passava a unha, arrancava e ela continuava lá. Com o tempo, ela foi crescendo até tomar conta de todo o meu couro cabeludo. Até que procurei um dermatologista, por sorte experiente, que fez o diagnóstico. Quando ele me disse que não tem cura, foi um choque muito grande. E não havia medicamentos eficazes. Tinha pomadas, mas não resolviam”, relembra Peixoto.

Cerca de 3 em cada 4 pacientes são afetados emocionalmente pela psoríase, com grande impacto negativo na qualidade de vida, destacou o levantamento da Ipsos. Desconforto físico, baixa autoestima, limitação nas atividades diárias e isolamento social foram alguns dos desafios listados pelos pacientes.

·        Evolução das soluções contra a psoríase

Esse impacto tende a diminuir quando o tratamento é iniciado. E o panorama desta área tem mudado. O avanço da ciência permitiu que os pesquisadores começassem a desvendar, aos poucos, quais são os mecanismos envolvidos na doença. Se há algum tempo as opções eram focadas na terapia tópica, hoje já existe um leque mais variado de soluções para o manejo da psoríase, de acordo com o perfil de cada paciente.

“Quando a doença é leve, os tópicos podem ser suficientes para controlar essas lesões. Mas quando a doença é moderada ou grave, as pomadas e cremes não vão resolver. Partimos, então, para as chamadas terapias sistêmicas, como a fototerapia, medicamentos sistêmicos orais convencionais, orais avançados e terapia biológica. Estamos entrando na era das novas terapias orais avançadas e vemos um espaço cada vez maior para novas tecnologias”, pontua a diretora médica associada da BMS.

Apesar dos resultados positivos dos biológicos no controle da doença, algumas barreiras parecem limitar o acesso daqueles que poderiam se beneficiar dessa classe de terapias. Dos 120 entrevistados na pesquisa da Ipsos, apenas 33% estão em tratamento com biológicos. Entre aqueles sob uso de biológicos, a satisfação é alta, mas há algumas ressalvas em relação à adaptação logística da terapia e a aplicação, que é feita por via subcutânea, principalmente no início do tratamento.

Neste contexto, em 2023, a Anvisa aprovou uma terapia avançada oral que funciona inibindo o processo inflamatório que resulta na psoríase. Para Romiti, o grande trunfo da novidade é a forma simples de administração do medicamento: “O paciente pode guardar em casa, além de ser uma alternativa para aquele paciente que tem resistência ao uso de injeção. É uma medicação que se soma ao nosso arsenal contra a psoríase.”

·        Abordagem holística é fundamental

Mesmo com os avanços recentes, a falta de informação sobre a doença ainda se traduz em uma série de estigmas que afetam a vida de quem convive com a condição. Acreditar que a psoríase é infecciosa e que pode contaminar os demais é um dos principais equívocos, por exemplo.

Peixoto lembra que no auge da atividade da doença, andava sempre de calça e camisa de manga longa para evitar o preconceito e o constrangimento – ele reside em Fortaleza, CE: “Tenho muitas deformações nos dedos, nas mãos e nos pés por conta da artrite psoriática. Na época, eu não tinha nenhuma camisa de manga curta e nem bermuda no meu guarda-roupa. Pessoalmente, eu não me incomodava muito, mas era uma forma de ficar na defensiva.”

No levantamento da Ipsos, ansiedade, estresse e depressão foram as comorbidades mais relatadas pelos pacientes ouvidos. Por esse motivo, na visão de Romiti, conduzir o tratamento a partir de uma abordagem holística, prezando não apenas pelo controle dos sintomas físicos, mas também pelo cuidado psicológico, é fundamental para o manejo eficaz da condição.

“O paciente precisa de amparo no seu círculo social. Ainda há muita desinformação sobre a doença e precisamos reforçar a conscientização a respeito da psoríase. O tratamento inadequado e a falta de diagnóstico podem provocar quadros de ansiedade e depressão. Por isso, a doença exige uma abordagem multidisciplinar, que além do dermatologista inclui também o clínico geral, o psicólogo e mesmo o psiquiatra, se for o caso. Esse suporte ajuda o paciente a lidar com essa doença crônica”, diz o coordenador de Psoríase da SBD.

Encontrar uma comunidade com pessoas que compartilham os mesmos desafios foi um ponto de virada para Peixoto: “Fui convidado por uma amiga a conhecer um grupo de apoio, fiquei com aquele endereço guardado por quase um ano, até que decidi dar uma chance. Ver outras pessoas com os mesmos problemas, as mesmas aflições, foi um remédio para mim.”

·        Capacitação de profissionais e aumento da conscientização

Os especialistas concordam que, para avançar no suporte aos pacientes com a doença no Brasil, é preciso começar pelo acesso à consulta com especialista, assim como investir na capacitação dos profissionais para que estes sejam aptos a realizar o diagnóstico.

“No Brasil há mais de 11 mil profissionais certificados pela SBD, mas muitos destes são focados em estética e acabam não atendendo doenças sistêmicas”, analisa Romiti. “Esse paciente que está demorando demais para fazer o diagnóstico provavelmente passa em especialistas que não conseguem fazer o diagnóstico ou encaminhá-lo de forma apropriada para um especialista capacitado para isto.”

Para Peixoto, esse tem sido um dos focos de atuação da associação de pacientes: “É preciso capacitar o profissional do posto de saúde. Não só o médico, mas também o enfermeiro, o agente de saúde. Tivemos uma experiência de trabalho nesse sentido no Rio Grande do Sul, onde capacitamos médicos e enfermeiras. Além de diagnosticar, é preciso ensiná-los a fazer o encaminhamento correto. Para o paciente com psoríase moderada ou grave ainda é muito desafiador ser direcionado ao serviço adequado.”

Ampliar o debate qualificado sobre a doença é outra frente importante. Romiti, responsável pela campanha da SBD deste ano sobre a psoríase – outubro é considerado o mês de conscientização da condição –, explica como é possível transformar a narrativa.

“O principal objetivo dessa campanha é combater o estigma que a doença acarreta. É realmente esclarecer à população que a psoríase não é uma doença contagiosa, que existe tratamento e que hoje, com a modernização das terapias, o manejo pode ser altamente eficaz para as formas mais graves da doença”, finaliza o especialista.

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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