Psoríase: diagnóstico, acesso a
tratamentos e estigma ainda são desafios na jornada de quem vive com a condição
A psoríase é uma doença
imunomediada sistêmica, crônica que atinge cerca de 2,7 milhões de
brasileiros, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).
No mundo, a prevalência chega a 3% – mais de 125 milhões de pessoas vivem com a
condição. Pela natureza de seus sintomas, que se manifestam em grande parte em
lesões na pele, a psoríase tem um impacto profundo na qualidade de vida do
paciente. Um dos principais desafios está relacionado justamente ao início da
jornada: a média de tempo para receber o diagnóstico é de cinco anos, enquanto
o intervalo entre a descoberta e o início do primeiro tratamento é de cerca de
cinco meses.
É o que aponta a pesquisa PR
– Psoríase Moderada a Grave, desenvolvida pela Ipsos a pedido da Bristol Myers
Squibb (BMS), que buscou entender a relação de pessoas com
psoríase moderada a grave e as respectivas barreiras de acesso aos tratamentos.
O levantamento ouviu 120 pacientes entre 13 de junho e 15 de julho de 2024,
residentes de diferentes regiões do Brasil, atendidos pelos sistemas público e
privado de saúde. Os dados são preocupantes porque demonstram que os pacientes,
que já têm suas vidas muito afetadas pela condição, estão desamparados com a
demora no diagnóstico.
Na fase ativa da doença, os
pacientes costumam manifestar de três a quatro sintomas, sendo os mais
recorrentes coceira, queimação, dor, lesões elevadas, vermelhas e inflamadas,
pele seca a ponto de rachar ou sangrar, além das características placas
escamosas. No entanto, os sintomas não se limitam apenas à pele.
“Embora a manifestação
ocorra principalmente na pele, ela é uma doença sistêmica, ouros órgãos também
são comprometidos. São pacientes que têm mais propensão a doença
cardiovascular, síndrome metabólica, obesidade, hipertensão, aumento de
colesterol e alteração glicêmica”, detalha Patrícia Faustino, diretora médica
associada das áreas de Imunologia e Cardiologia da BMS.
·
Psoríase é uma doença
multifatorial
A medicina ainda não
desvendou por completo as causas do surgimento da doença, mas sabe-se que é uma
combinação de fatores genéticos e ambientais, como explica Ricardo Romiti,
médico dermatologista e coordenador da campanha de psoríase da SBD:
“É uma doença multifatorial.
O paciente apresenta uma predisposição genética, em alguns casos há outros
familiares acometidos pela doença – não é uma doença hereditária, de pai para
filho, mas às vezes você encontra avós, primos, tios acometidos. E há também o
fator desencadeante. A doença costuma surgir na vida adulta e pode acontecer
após um quadro infeccioso, o uso de certas medicações ou um período de
estresse, por exemplo.”
O diagnóstico é
essencialmente clínico, com a avaliação clínica das lesões, investigação do
histórico familiar e, em casos mais raros, com a necessidade de biópsia. José
Célio Peixoto, vice-presidente da Psoríase Brasil, associação de pacientes com
a doença no país, lembra que seus primeiros sintomas apareceram aos 17 anos de
idade, ainda na década de 1970. Naquele tempo, as informações sobre a doença
eram ainda mais limitadas, assim como as opções de tratamento disponíveis.
“Começou com uma caspa. Eu
passava a unha, arrancava e ela continuava lá. Com o tempo, ela foi crescendo
até tomar conta de todo o meu couro cabeludo. Até que procurei um
dermatologista, por sorte experiente, que fez o diagnóstico. Quando ele me
disse que não tem cura, foi um choque muito grande. E não havia medicamentos
eficazes. Tinha pomadas, mas não resolviam”, relembra Peixoto.
Cerca de 3 em cada 4
pacientes são afetados emocionalmente pela psoríase, com grande impacto
negativo na qualidade de vida, destacou o levantamento da Ipsos. Desconforto
físico, baixa autoestima, limitação nas atividades diárias e isolamento social
foram alguns dos desafios listados pelos pacientes.
·
Evolução das soluções contra
a psoríase
Esse impacto tende a
diminuir quando o tratamento é iniciado. E o panorama desta área tem mudado. O
avanço da ciência permitiu que os pesquisadores começassem a desvendar, aos
poucos, quais são os mecanismos envolvidos na doença. Se há algum tempo as
opções eram focadas na terapia tópica, hoje já existe um leque mais variado de
soluções para o manejo da psoríase, de acordo com o perfil de cada paciente.
“Quando a doença é leve, os
tópicos podem ser suficientes para controlar essas lesões. Mas quando a doença
é moderada ou grave, as pomadas e cremes não vão resolver. Partimos, então,
para as chamadas terapias sistêmicas, como a fototerapia, medicamentos
sistêmicos orais convencionais, orais avançados e terapia biológica. Estamos
entrando na era das novas terapias orais avançadas e vemos um espaço cada vez
maior para novas tecnologias”, pontua a diretora médica associada da BMS.
Apesar dos resultados
positivos dos biológicos no controle da doença, algumas barreiras parecem
limitar o acesso daqueles que poderiam se beneficiar dessa classe de terapias.
Dos 120 entrevistados na pesquisa da Ipsos, apenas 33% estão em tratamento com
biológicos. Entre aqueles sob uso de biológicos, a satisfação é alta, mas há
algumas ressalvas em relação à adaptação logística da terapia e a aplicação,
que é feita por via subcutânea, principalmente no início do tratamento.
Neste contexto, em 2023,
a Anvisa aprovou uma terapia avançada oral que funciona inibindo o processo inflamatório que resulta na
psoríase. Para Romiti, o grande trunfo da novidade é a forma simples de
administração do medicamento: “O paciente pode guardar em casa, além de ser uma
alternativa para aquele paciente que tem resistência ao uso de injeção. É uma
medicação que se soma ao nosso arsenal contra a psoríase.”
·
Abordagem holística é
fundamental
Mesmo com os avanços
recentes, a falta de informação sobre a doença ainda se traduz em uma série de
estigmas que afetam a vida de quem convive com a condição. Acreditar que a
psoríase é infecciosa e que pode contaminar os demais é um dos principais
equívocos, por exemplo.
Peixoto lembra que no auge
da atividade da doença, andava sempre de calça e camisa de manga longa para
evitar o preconceito e o constrangimento – ele reside em Fortaleza, CE: “Tenho
muitas deformações nos dedos, nas mãos e nos pés por conta da artrite
psoriática. Na época, eu não tinha nenhuma camisa de manga curta e nem bermuda
no meu guarda-roupa. Pessoalmente, eu não me incomodava muito, mas era uma
forma de ficar na defensiva.”
No levantamento da Ipsos,
ansiedade, estresse e depressão foram as comorbidades mais relatadas pelos
pacientes ouvidos. Por esse motivo, na visão de Romiti, conduzir o tratamento a
partir de uma abordagem holística, prezando não apenas pelo controle dos
sintomas físicos, mas também pelo cuidado psicológico, é fundamental para o
manejo eficaz da condição.
“O paciente precisa de
amparo no seu círculo social. Ainda há muita desinformação sobre a doença e
precisamos reforçar a conscientização a respeito da psoríase. O tratamento
inadequado e a falta de diagnóstico podem provocar quadros de ansiedade e
depressão. Por isso, a doença exige uma abordagem multidisciplinar, que além do
dermatologista inclui também o clínico geral, o psicólogo e mesmo o psiquiatra,
se for o caso. Esse suporte ajuda o paciente a lidar com essa doença crônica”,
diz o coordenador de Psoríase da SBD.
Encontrar uma comunidade com
pessoas que compartilham os mesmos desafios foi um ponto de virada para
Peixoto: “Fui convidado por uma amiga a conhecer um grupo de apoio, fiquei com
aquele endereço guardado por quase um ano, até que decidi dar uma chance. Ver outras
pessoas com os mesmos problemas, as mesmas aflições, foi um remédio para mim.”
·
Capacitação de profissionais
e aumento da conscientização
Os especialistas concordam
que, para avançar no suporte aos pacientes com a doença no Brasil, é preciso
começar pelo acesso à consulta com especialista, assim como investir na
capacitação dos profissionais para que estes sejam aptos a realizar o
diagnóstico.
“No Brasil há mais de 11 mil
profissionais certificados pela SBD, mas muitos destes são focados em estética
e acabam não atendendo doenças sistêmicas”, analisa Romiti. “Esse paciente que
está demorando demais para fazer o diagnóstico provavelmente passa em
especialistas que não conseguem fazer o diagnóstico ou encaminhá-lo de forma
apropriada para um especialista capacitado para isto.”
Para Peixoto, esse tem sido
um dos focos de atuação da associação de pacientes: “É preciso capacitar o
profissional do posto de saúde. Não só o médico, mas também o enfermeiro, o
agente de saúde. Tivemos uma experiência de trabalho nesse sentido no Rio
Grande do Sul, onde capacitamos médicos e enfermeiras. Além de diagnosticar, é
preciso ensiná-los a fazer o encaminhamento correto. Para o paciente com
psoríase moderada ou grave ainda é muito desafiador ser direcionado ao serviço
adequado.”
Ampliar o debate qualificado
sobre a doença é outra frente importante. Romiti, responsável pela campanha da
SBD deste ano sobre a psoríase – outubro é considerado o mês de conscientização
da condição –, explica como é possível transformar a narrativa.
“O principal objetivo dessa
campanha é combater o estigma que a doença acarreta. É realmente esclarecer à
população que a psoríase não é uma doença contagiosa, que existe tratamento e
que hoje, com a modernização das terapias, o manejo pode ser altamente eficaz
para as formas mais graves da doença”, finaliza o especialista.
Fonte: Futuro da
Saúde
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