Hidrogênio
verde: projetos 'empacam' na Aneel, mas potencial da fonte de energia atrai
investimentos
O Brasil desponta
hoje como um potencial líder global no desenvolvimento de projetos
sustentáveis, entre eles, os de hidrogênio verde, considerada uma fonte de
energia de baixa emissão de carbono e com grande potencial para substituir o
uso de combustíveis fósseis e derivados do petróleo. Com a aprovação em agosto,
da Lei 14.948, que regulamenta a produção do hidrogênio verde e institui uma
certificação voluntária, as expectativas cresceram ainda mais.
Na ocasião, estudo
da Confederação Nacional da Indústria (CNI) , "Hidrogênio
sustentável: perspectivas para o desenvolvimento e potencial para a indústria
brasileira", mapeou ao menos 66 projetos de hidrogênio verde em 13 estados
brasileiros. Somados, eles têm investimentos previstos de cerca de R$ 189
bilhões. É possível que esses números sejam até maiores, uma vez que a legislação
promove segurança jurídica e tende a destravar investimentos.
Contudo, na
terça-feira passada (10), uma decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel) trouxe à luz a complexidade de áreas ainda incipientes da economia
verde. Após votos contrários à aprovação de 13 projetos aprovados na chamada de
PDI Estratégico do Hidrogênio, o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa,
pediu vistas no processo, para tentar encontrar um encaminhamento para a
questão e não descartar imediatamente as propostas.
A “questão” se
trata do questionamento de outros diretores do órgão sobre os subsídios do
governo a esses projetos e quem vai pagar a conta dos investimentos necessários
para o país se descarbonizar.. A estimativa trazida na análise dos diretores é
que, do R$ 1,49 bilhão previsto de investimento total para o desenvolvimento
dos 13 projetos, cerca de R$ 367 milhões serão contrapartidas e o restante,
viria, dos cofres públicos, conforme apontou o diretor Fernando Mosna, quando
explicou seu voto contrário.
“Estamos falando
que seria custeado pelo consumidor de energia cerca de R$ 1,1 bilhão de P&D
[Pesquisa e Desenvolvimento] no horizonte de 48 meses, de quatro anos”, disse.
Mosna questionou a aprovação dos projetos porque, segundo argumenta, a lei
14.948/2024 atribuiu à Agência Nacional do Petróleo (ANP) a atribuição de
regular o hidrogênio, bem como a contratação e fiscalização de atividades
integrantes da indústria do petróleo, gás natural. Nesta lógica, ela acredita
não fazer sentido os clientes de energia pagarem a conta.
A despeito disso, o
potencial do Brasil, que já possui uma matriz elétrica limpa - o principal
insumo para a produção de hidrogênio verde - continua sendo atrativo aos
investidores.
“O Brasil tem uma
energia uma matriz energética bastante limpa e uma expertise na agenda de
biocombustíveis, tanto é que é o segundo maior produtor. Ele tem alternativas -
eólica, solar, biomassa - e é considerado o país do powershore”, diz ao Um Só Planeta Davi Bomtempo, Superintendente de
Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI.
Powershoring é
a estratégia empresarial de aproximar unidades produtivas de regiões que
oferecem energia renovável, segura e a preços competitivos. “Essas condições
colocam o Brasil em uma rota de investimento. Muitas plantas estão vindo para
cá para usufruir dessas vantagens energéticas.”
No caso do
hidrogênio especificamente, Bomtempo pontua que muitos países desenvolvidos,
como o bloco europeu, enxergam o hidrogênio como uma alternativa de descarbonização
das suas economias, mas eles não vão conseguir suprir essa necessidade
sozinhos, eles terão que importar esse ativo energético de algum lugar, para
que ele possa atender a sua estratégia.
“Por isso, você
precisa desenvolver linhas de financiamento competitivas e de fácil acesso”,
diz, citando ainda a necessidade de agendas complementares, infraestrutura,
regras claras e segurança jurídica para que o mercado internacional tome
decisões de investir no Brasil.
Pensando justamente
no potencial exportador do país em hidrogênio verde, desde fevereiro de 2021, o
Porto de Pecém (CE) investe no desenvolvimento do Hub de Hidrogênio Verde, em
parceria com a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), a
Universidade Federal do Ceará (UFC) e o Porto de Roterdã, dono de 30% o
complexo de Pecém. Para o ano que vem, está prevista uma expansão da
infraestrutura portuária dedicada a esse tipo de produto.
Na visão do diretor
comercial e executivo do Porto de Pecém, André Magalhães, a localização dos
países mais baixos como Holanda na linha d'água, os coloca como os maiores
interessados na solução de redução do CO2. "Eles têm um acordo conosco de
comprar um milhão de toneladas de hidrogênio, assim que nossas plantas
começarem a produzir”, explica. O Porto de Rotterdam anunciou a intenção de
importar cerca de 18 milhões de toneladas de hidrogênio e derivados até 2050.
Nesta quarta (11),
Pecém, Roterdã e o porto alemão de Duisport assinaram um memorando de
entendimento com o objetivo de expandir
o Corredor Verde – que atualmente conecta o Ceará a Rotterdam – até a Alemanha. O acordo foca no
transporte de combustíveis alternativos, incluindo e-metanol, amônia verde e
outros derivados. Faz parte da estratégia alemã para atingir os objetivos de
descarbonização e segurança energética acordados no âmbito da União Europeia.
Além do próprio
hidrogênio como fonte de energia, Magalhães enxerga em outros setores, como a
agricultura, um potencial desenvolvedor de novas alternativas verdes.
"Quando nós juntamos hidrogênio (H2) mais nitrogênio (N), nós temos
amônia, uma das matérias-primas principais do fertilizante. Então, essa já é
uma oportunidade que nós temos no Brasil: reduzir a dependência da importação
de fertilizantes”, comenta.
O executivo explica
que a empresa já mapeou a cadeia que pode ser favorecida com a oferta de
fertilizante verde, produzido sem emissão de gás carbônico (CO2). “A soja que,
no futuro, pode virar a ‘soja verde’, por usar fertilizante verde, é um
exemplo. Mas há outras oportunidades que temos com o hidrogênio", diz
Magalhães, se referindo ao rótulo mais sustentável que insumos de baixa emissão
de gases de efeito estufa pode dar a produtos brasileiros.
Mesmo assim, pelo
levantamento da CNI, é o setor de geração elétrica o líder no investimentos de
baixo carbono hoje, com 42 projetos, seguido pelos setores químico e de gases
industriais, com cinco projetos cada. Outras áreas estratégicas, como
siderurgia, petróleo e gás, e mineração, começam a adotar o hidrogênio verde
como alternativa sustentável em seus processos industriais.
O vice-presidente
Sênior da Siemens Energy para a América Latina André Clark, entende que a
estrutura econômica da indústria brasileira está subutilizada e pronta para
aproveitar uma onda de criação de produtos verdes.
“Nós temos uma
quantidade de petroquímicas da década de 1970 que, em tamanho, talvez não sejam
completamente competitivas contra essas novas petroquímicas do Oriente Médio.
Mas, se aproveitarmos o hidrogênio verde para produzir, por exemplo, polímeros
verdes ou petroquímicos verdes, pode ter uma renascença industrial no Brasil”,
aponta. O mesmo, diz, vale para as usinas de aço, que competem com as chinesas,
mas podem usar o hidrogênio verde em substituição ao carvão e produzir aço
verde em grande escala para o mercado internacional.
Em julho deste ano,
a Siemens Energy firmou contrato com a concessionária alemã EWE para fornecer
um sistema de eletrólise de 280 megawatts, parte do projeto "Clean
Hydrogen Coastline", na Alemanha. Prevista para 2027, a planta produzirá
até 26.000 toneladas de hidrogênio verde por ano, integrando quatro subprojetos
da iniciativa. “A fábrica de equipamentos de eletrizadores [sistema de
eletrólise] é uma fábrica nova e o modelo alemão, nos últimos 40 anos
pós-guerra, tem a produção de equipamentos de alta tecnologia exportados para o
planeta”, explica.
¨ Desafios do hidrogênio verde passam por vender antes de
produzir e baratear custos
Uma das principais
discussões em torno da globalização do hidrogênio verde e das demais matrizes
de baixo carbono diz respeito às empresas que compram parte dos insumos
produzidos por um país, os chamados "off-takers". Para o Brasil, a
dificuldade e até incapacidade de alguns países produzirem alternativas
energéticas mais limpas em seu próprio território representa uma oportunidade
estratégica para firmar parcerias, atrair recursos e fortalecer sua posição no mercado
global de energia limpa.
Conduto, alguns
grandes desafios ainda precisam ser ultrapassados, como o custo de fontes como
o hidrogênio verde (H2V). Ricardo Rüther, professor do Departamento de
Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e
coordenador do Grupo Fotovoltaica, explica que, embora o hidrogênio verde seja
uma solução limpa e promissora, sua produção ainda é mais cara em comparação
com outros combustíveis fósseis. Dessa forma, alerta, o país precisa equilibrar
a competitividade econômica e a sustentabilidade ambiental.
“Em termos de
estratificação, o Brasil consegue sim se apresentar como um mercado competitivo
e ele precisa fazer isso. Porém, quem é que vai aceitar pagar o preço que esse
hidrogênio vai custar no mercado mundial”, indaga.
A principal
alternativa para o sucesso de encadeamento das produções é o barateamento do
H2V. Estima-se que, até 2030, os projetos de produção de hidrogênio com baixa
emissão de carbono poderão atrair investimentos globais de aproximadamente US$
350 bilhões. No Brasil, de acordo com a consultoria Thymos Energia, esse
montante deve alcançar cerca de US$ 28 bilhões no mesmo período.
Sobre o
barateamento, o professor entende que é necessário olhar além da exportação, e
se inspirar em alternativas sustentáveis, a exemplo das que a Europa vem
fazendo para conseguir viabilizar financeiramente outras formas de energia.
“O Brasil tem
demanda para o hidrogênio verde localmente e para exportação, só que esse
hidrogênio verde não atingiu a escala necessária para reduzir os custos aos
níveis que a gente precisa para ser economicamente competitivo”, comenta
Rüther. Ele adiciona que isso também aconteceu com as energias solar e eólica.
“Há 10 anos, a energia solar era a fonte mais cara que existia e, hoje, graças
a mecanismos de incentivo governamentais, principalmente na Europa, é a fonte
mais barata que existe”.
Fonte: Um só
Planeta
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