quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Hidrogênio verde: projetos 'empacam' na Aneel, mas potencial da fonte de energia atrai investimentos

O Brasil desponta hoje como um potencial líder global no desenvolvimento de projetos sustentáveis, entre eles, os de hidrogênio verde, considerada uma fonte de energia de baixa emissão de carbono e com grande potencial para substituir o uso de combustíveis fósseis e derivados do petróleo. Com a aprovação em agosto, da Lei 14.948, que regulamenta a produção do hidrogênio verde e institui uma certificação voluntária, as expectativas cresceram ainda mais.

Na ocasião, estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) , "Hidrogênio sustentável: perspectivas para o desenvolvimento e potencial para a indústria brasileira", mapeou ao menos 66 projetos de hidrogênio verde em 13 estados brasileiros. Somados, eles têm investimentos previstos de cerca de R$ 189 bilhões. É possível que esses números sejam até maiores, uma vez que a legislação promove segurança jurídica e tende a destravar investimentos.

Contudo, na terça-feira passada (10), uma decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) trouxe à luz a complexidade de áreas ainda incipientes da economia verde. Após votos contrários à aprovação de 13 projetos aprovados na chamada de PDI Estratégico do Hidrogênio, o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, pediu vistas no processo, para tentar encontrar um encaminhamento para a questão e não descartar imediatamente as propostas.

A “questão” se trata do questionamento de outros diretores do órgão sobre os subsídios do governo a esses projetos e quem vai pagar a conta dos investimentos necessários para o país se descarbonizar.. A estimativa trazida na análise dos diretores é que, do R$ 1,49 bilhão previsto de investimento total para o desenvolvimento dos 13 projetos, cerca de R$ 367 milhões serão contrapartidas e o restante, viria, dos cofres públicos, conforme apontou o diretor Fernando Mosna, quando explicou seu voto contrário.

“Estamos falando que seria custeado pelo consumidor de energia cerca de R$ 1,1 bilhão de P&D [Pesquisa e Desenvolvimento] no horizonte de 48 meses, de quatro anos”, disse. Mosna questionou a aprovação dos projetos porque, segundo argumenta, a lei 14.948/2024 atribuiu à Agência Nacional do Petróleo (ANP) a atribuição de regular o hidrogênio, bem como a contratação e fiscalização de atividades integrantes da indústria do petróleo, gás natural. Nesta lógica, ela acredita não fazer sentido os clientes de energia pagarem a conta.

A despeito disso, o potencial do Brasil, que já possui uma matriz elétrica limpa - o principal insumo para a produção de hidrogênio verde - continua sendo atrativo aos investidores.

“O Brasil tem uma energia uma matriz energética bastante limpa e uma expertise na agenda de biocombustíveis, tanto é que é o segundo maior produtor. Ele tem alternativas - eólica, solar, biomassa - e é considerado o país do powershore”, diz ao Um Só Planeta Davi Bomtempo, Superintendente de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI.

Powershoring é a estratégia empresarial de aproximar unidades produtivas de regiões que oferecem energia renovável, segura e a preços competitivos. “Essas condições colocam o Brasil em uma rota de investimento. Muitas plantas estão vindo para cá para usufruir dessas vantagens energéticas.”

No caso do hidrogênio especificamente, Bomtempo pontua que muitos países desenvolvidos, como o bloco europeu, enxergam o hidrogênio como uma alternativa de descarbonização das suas economias, mas eles não vão conseguir suprir essa necessidade sozinhos, eles terão que importar esse ativo energético de algum lugar, para que ele possa atender a sua estratégia.

“Por isso, você precisa desenvolver linhas de financiamento competitivas e de fácil acesso”, diz, citando ainda a necessidade de agendas complementares, infraestrutura, regras claras e segurança jurídica para que o mercado internacional tome decisões de investir no Brasil.

Pensando justamente no potencial exportador do país em hidrogênio verde, desde fevereiro de 2021, o Porto de Pecém (CE) investe no desenvolvimento do Hub de Hidrogênio Verde, em parceria com a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), a Universidade Federal do Ceará (UFC) e o Porto de Roterdã, dono de 30% o complexo de Pecém. Para o ano que vem, está prevista uma expansão da infraestrutura portuária dedicada a esse tipo de produto.

Na visão do diretor comercial e executivo do Porto de Pecém, André Magalhães, a localização dos países mais baixos como Holanda na linha d'água, os coloca como os maiores interessados na solução de redução do CO2. "Eles têm um acordo conosco de comprar um milhão de toneladas de hidrogênio, assim que nossas plantas começarem a produzir”, explica. O Porto de Rotterdam anunciou a intenção de importar cerca de 18 milhões de toneladas de hidrogênio e derivados até 2050.

Nesta quarta (11), Pecém, Roterdã e o porto alemão de Duisport assinaram um memorando de entendimento com o objetivo de expandir o Corredor Verde – que atualmente conecta o Ceará a Rotterdam – até a Alemanha. O acordo foca no transporte de combustíveis alternativos, incluindo e-metanol, amônia verde e outros derivados. Faz parte da estratégia alemã para atingir os objetivos de descarbonização e segurança energética acordados no âmbito da União Europeia.

Além do próprio hidrogênio como fonte de energia, Magalhães enxerga em outros setores, como a agricultura, um potencial desenvolvedor de novas alternativas verdes. "Quando nós juntamos hidrogênio (H2) mais nitrogênio (N), nós temos amônia, uma das matérias-primas principais do fertilizante. Então, essa já é uma oportunidade que nós temos no Brasil: reduzir a dependência da importação de fertilizantes”, comenta.

O executivo explica que a empresa já mapeou a cadeia que pode ser favorecida com a oferta de fertilizante verde, produzido sem emissão de gás carbônico (CO2). “A soja que, no futuro, pode virar a ‘soja verde’, por usar fertilizante verde, é um exemplo. Mas há outras oportunidades que temos com o hidrogênio", diz Magalhães, se referindo ao rótulo mais sustentável que insumos de baixa emissão de gases de efeito estufa pode dar a produtos brasileiros.

Mesmo assim, pelo levantamento da CNI, é o setor de geração elétrica o líder no investimentos de baixo carbono hoje, com 42 projetos, seguido pelos setores químico e de gases industriais, com cinco projetos cada. Outras áreas estratégicas, como siderurgia, petróleo e gás, e mineração, começam a adotar o hidrogênio verde como alternativa sustentável em seus processos industriais.

O vice-presidente Sênior da Siemens Energy para a América Latina André Clark, entende que a estrutura econômica da indústria brasileira está subutilizada e pronta para aproveitar uma onda de criação de produtos verdes.

“Nós temos uma quantidade de petroquímicas da década de 1970 que, em tamanho, talvez não sejam completamente competitivas contra essas novas petroquímicas do Oriente Médio. Mas, se aproveitarmos o hidrogênio verde para produzir, por exemplo, polímeros verdes ou petroquímicos verdes, pode ter uma renascença industrial no Brasil”, aponta. O mesmo, diz, vale para as usinas de aço, que competem com as chinesas, mas podem usar o hidrogênio verde em substituição ao carvão e produzir aço verde em grande escala para o mercado internacional.

Em julho deste ano, a Siemens Energy firmou contrato com a concessionária alemã EWE para fornecer um sistema de eletrólise de 280 megawatts, parte do projeto "Clean Hydrogen Coastline", na Alemanha. Prevista para 2027, a planta produzirá até 26.000 toneladas de hidrogênio verde por ano, integrando quatro subprojetos da iniciativa. “A fábrica de equipamentos de eletrizadores [sistema de eletrólise] é uma fábrica nova e o modelo alemão, nos últimos 40 anos pós-guerra, tem a produção de equipamentos de alta tecnologia exportados para o planeta”, explica.

 

¨      Desafios do hidrogênio verde passam por vender antes de produzir e baratear custos

Uma das principais discussões em torno da globalização do hidrogênio verde e das demais matrizes de baixo carbono diz respeito às empresas que compram parte dos insumos produzidos por um país, os chamados "off-takers". Para o Brasil, a dificuldade e até incapacidade de alguns países produzirem alternativas energéticas mais limpas em seu próprio território representa uma oportunidade estratégica para firmar parcerias, atrair recursos e fortalecer sua posição no mercado global de energia limpa.

Conduto, alguns grandes desafios ainda precisam ser ultrapassados, como o custo de fontes como o hidrogênio verde (H2V). Ricardo Rüther, professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenador do Grupo Fotovoltaica, explica que, embora o hidrogênio verde seja uma solução limpa e promissora, sua produção ainda é mais cara em comparação com outros combustíveis fósseis. Dessa forma, alerta, o país precisa equilibrar a competitividade econômica e a sustentabilidade ambiental.

“Em termos de estratificação, o Brasil consegue sim se apresentar como um mercado competitivo e ele precisa fazer isso. Porém, quem é que vai aceitar pagar o preço que esse hidrogênio vai custar no mercado mundial”, indaga.

A principal alternativa para o sucesso de encadeamento das produções é o barateamento do H2V. Estima-se que, até 2030, os projetos de produção de hidrogênio com baixa emissão de carbono poderão atrair investimentos globais de aproximadamente US$ 350 bilhões. No Brasil, de acordo com a consultoria Thymos Energia, esse montante deve alcançar cerca de US$ 28 bilhões no mesmo período.

Sobre o barateamento, o professor entende que é necessário olhar além da exportação, e se inspirar em alternativas sustentáveis, a exemplo das que a Europa vem fazendo para conseguir viabilizar financeiramente outras formas de energia.

“O Brasil tem demanda para o hidrogênio verde localmente e para exportação, só que esse hidrogênio verde não atingiu a escala necessária para reduzir os custos aos níveis que a gente precisa para ser economicamente competitivo”, comenta Rüther. Ele adiciona que isso também aconteceu com as energias solar e eólica. “Há 10 anos, a energia solar era a fonte mais cara que existia e, hoje, graças a mecanismos de incentivo governamentais, principalmente na Europa, é a fonte mais barata que existe”.

 

Fonte: Um só Planeta

 

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