Documentos revelam
a atuação de milícias que agem a mando de grileiros no Maranhão
A morte do sargento
João Almir Pereira da Silva, da Polícia Militar do Maranhão (PMMA), em novembro
de 2023, escancarou a suposta atuação de um grupo miliciano que agia a mando de
grileiros de terras no interior maranhense, em áreas de conflito
fundiário.
A Agência
Pública teve acesso exclusivo aos autos do processo que investiga o
assassinato do sargento e ao inquérito policial militar aberto na época do
crime. Os documentos revelam o envolvimento do grupo de policiais que sofreu a
emboscada em milícias privadas, que estariam atuando a mando de grileiros de
terra na região.
Em 10
de novembro de 2023,
o grupo de policiais sofreu a emboscada que supostamente teria sido organizada
por moradores de um povoado na zona rural da cidade de Barra do Corda, a 460
quilômetros da capital, São Luís, em uma área de disputa por terras.
<><> Por
que isso importa?
·
A
reportagem teve acesso exclusivo aos autos do processo e ao inquérito policial
que investiga a atuação de militares em uma milícia que estaria agindo a mando
de grileiros no Maranhão. O processo contra oito policiais ainda está correndo
no TJMA.
O sargento foi
morto na rodovia estadual MA-012, que liga os povoados da zona rural ao centro
da cidade de Barra do Corda e é rodeada por matas e grandes propriedades
particulares. Na altura do povoado Estevão, o carro – de modelo Hilux – em que
os sargento e outros três policiais militares estavam foi atingido por rajadas
de tiros.
Oito policiais
militares e um auxiliar penitenciário que faziam parte do grupo se tornaram
réus em um processo que corre no Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão
(TJMA). De acordo com o Ministério Público do Estado do Maranhão (MPMA), o
grupo estaria na região a mando de grileiros de terras, ameaçando moradores.
Dois PMs são da reserva remunerada.
Eles são: os
policiais militares Matheus Oliveira Lima, Marcos Barbosa Sousa de Almeida,
Marcondes Gonçalves da Silva Oliveira, Tirso Ramon Carvalho Sturmer, Daniel
Viana de Sousa, Themisto Clecio da Conceição Almeida, João Batista Fernandes
Lima Filho e Antonio Wanderley Mendes Porto, além do auxiliar penitenciário
Jucélio Sinfronio da Silva.
Um ofício emitido
pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDDH) diz que os policiais,
incluindo o sargento assassinado, estiveram no povoado de São Francisco, onde
vivem aproximadamente 55 famílias, na manhã do dia em que a emboscada ocorreu,
com o intuito de expulsar os moradores da área.
“Relatos do
[Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares]
STTR de Barra do Corda confirmam que os referidos milicianos teriam adentrado o
povoado no mesmo dia, no período da manhã, para avisar que retornariam para
expulsar quem ainda estivesse por lá”, diz o documento do CEDDH.
O território vive
uma disputa latifundiária: as famílias que moram no povoado ocupam o local há
pelo menos 70 anos. “[Fazendeiros que ajuizaram ação] Contra o INCRA pretendem
impedir a correção ou cancelamento ambiental rural (CAR) das terras em litígio.
Em relação aos posseiros pretende expulsá-los das terras, muito embora os
mesmos lá ocupem antes mesmo de sua chegada”, informa o Conselho de Direitos
Humanos no mesmo documento.
O vice-presidente
do conselho, Luis Antônio Câmara Pedrosa, disse à Pública que a
emboscada ocorreu no momento em que o grupo de supostos milicianos retornavam
ao povoado para cumprir suas ameaças. “Eles cumpriram a ameaça de que
voltariam. [Mas] não se sabe se eles iam realmente matar todo mundo.”
O fato ocorreu
quando o coronel Paulo Fernando Moura Queiroz comandava a Polícia Militar do
Maranhão. Ele foi afastado da função nesta segunda-feira (16), após uma
denúncia do Fantástico, da TV Globo, ter
revelado uma esquema que o beneficiava na obtenção de placas para taxista para
compras de veículos novos com isenção de impostos.
A Pública solicitou
posicionamento ao Governo do Estado do Maranhão, sob a gestão do governador
Carlos Brandão (PSB), mas não obteve resposta até a publicação desta
reportagem.
·
Milícia
privada
Demorou cerca de
seis horas, segundo o boletim de ocorrência registrado na 15ª Delegacia Regional
de Barra do Corda, que consta nos autos do processo, para que os policiais do
5⁰ Batalhão da PM chegassem até o local da emboscada. Assim que a viatura da
guarnição surgiu no horizonte com o giroflex ligado, os sobreviventes
conseguiram deixar a mata.
O cabo João Batista
Fernandes Lima Filho foi atingido por nove disparos e o soldado Antônio Genecy
Mendes Porto, por um. No entanto, ambos conseguiram deixar o veículo, mas o
sargento Almir não teve a mesma sorte, porque seu carro foi incendiado. O cabo Matheus
Lima foi o único a deixar a Hilux ileso e se abrigar na mata.
De acordo com o
processo, na sequência, um carro modelo S10 também surgiu na rodovia e parou
próximo aos policiais. Nele estavam outros sobreviventes: dois policiais
militares e um auxiliar penitenciário que dirigia o veículo.
Aos PMs que
atenderam a ocorrência, os policiais contaram que foram chamados para levar uma
bateria de carro ao grupo que estava à frente, mas se surpreenderam ao
encontrá-los sob perigo. Mais à frente da rodovia, os policiais encontraram o
corpo do sargento Almir e uma Hilux carbonizados na área de mata.
Outros dois PMs
feridos foram encontrados dentro da mata e levados à Unidade de Pronto
Atendimento (UPA) de Barra do Corda para que fossem atendidos, medicados e tratados.
Já os demais foram encaminhados à delegacia de Barra do Corda para prestar
depoimento.
A versão contada
pelos sobreviventes não convenceu os colegas de farda. Sete policiais foram
presos em flagrante por suspeita de integrarem uma milícia privada. Eles não
estavam em seus horários de serviço e se encontravam distantes do seu batalhão
de origem, que fica em Balsas, município a 350 quilômetros de Barra do Corda,
em uma área conhecida como Matopiba, zona de divisa dos estados do Maranhão,
Tocantins, Piauí e Bahia.
Todos os envolvidos
portavam armas de fogo no momento em que foram localizados. Segundo os
registros do processo, ao todo foram apreendidas oito pistolas, 13
carregadores, 143 munições e dois coletes à prova de balas, sendo um deles de
uso oficial de um dos policiais militares presos durante a ocorrência.
Após o ato de
prisão em flagrante, posteriormente convertida em preventiva, o grupo foi
denunciado pelo MPMA. Uma das testemunhas ouvidas durante a investigação, dizem
os autos, contou que o sargento Almir prestava serviços a um grileiro de terras
conhecido como “Berro Grosso”, que seria Evangelista Araújo Costa, também
denunciado pelo MP.
O processo está em
andamento no TJMA e ainda não houve uma sentença conclusiva sobre o caso.
A Pública procurou
pelas defesas dos policiais citados, mas não obteve resposta até a publicação
desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.
·
Povoado
sofreu retaliação da polícia
“No dia 11 [de
novembro de 2023], foi mobilizada uma grande operação [policial] aqui na região
Eles fizeram uma barbárie. Eles entraram foram rasgando sacos de alimentos,
derramando comida do povo, cortando punho de rede, fazendo coisas absurdas
tocaram o terror”, contou um morador do povoado São Francisco, que falou com a reportagem
por telefone em condição de anonimato.
Ele se refere à uma
operação violenta da PM na comunidade, sob o comando do coronel Paulo Fernando
Moura Queiroz, no dia seguinte à emboscada. O morador ouvido
pela Pública disse que a comunidade sofreu ameaças de um grupo de
milicianos no dia 10 de novembro e que grileiros de terras visitam
constantemente a região.
“Invadiram as casas
sem mandado, revistaram de maneira violenta os imóveis de moradia jogando
utensílios e roupas ao chão; levaram ferramentas de trabalho de um idoso de 70
anos. Vários moradores foram dormir no mato com medo dos policiais voltarem”,
diz um documento do Conselho Estadual de Direitos Humanos.
A Pública tentou
contato com moradores do local, mas não obteve sucesso.
O vice-presidente
do CEDDH contou que esteve no povoado no dia seguinte à operação da PM e o
cenário era de medo. “[No dia da operação] helicópteros ficavam sobrevoando, e
as viaturas embaixo, e os [mais] policiais chegavam. [Tudo] isso sem mandado de
prisão e sem autorização judicial, sem nada. Eles metiam o pé na porta,
arrombavam as casas, botavam armas na cabeça dos moradores, perguntando pelos
supostos atiradores que executaram o policial”, contou.
Além da investida
violenta, os policiais também teriam se apropriado de “bens da comunidade, tipo
motor para puxar água do rio, para poder irrigar a lavoura deles. Eles levaram
dois a quatro motores, roupas das pessoas, roupas íntimas das mulheres que eram
novas, eles botaram dentro do saco e levaram”, disse Pedrosa.
Dois homens, que
eram moradores do povoado, conhecidos como “irmãos caninanas”, foram mortos na
ocasião. De acordo com a PM, eles seriam os suspeitos de orquestrar e executar
a emboscada contra os militares.
A Polícia Militar
do Maranhão não respondeu os questionamentos da reportagem até a publicação.
Fonte: Por Rafael Custódio, da Agencia Pública
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