Paulo
Kliass: “Dominância fiscal”, o novo espantalho
As forças ocultas do financismo passaram a adotar um
conceito bastante polêmico da macroeconomia conservadora para justificar a
continuidade do desastre perpetrado pela política econômica do governo.
Fernando Haddad cede em tudo o que elas exigem, mas a voracidade dos chacais
nunca é saciada plenamente. Eles sempre querem mais carne e mais sangue. A
intenção é manter de forma permanente um clima de antevéspera do apocalipse,
ameaçando com a presença do bicho do terror logo ali na esquina. Com isso vem a
pressão para que a sociedade aceite o combo de juros nas estrelas e arrocho
fiscal cortando na carne dos mais desfavorecidos. Quantas vezes já não ouvimos
os berros de alerta de que o Brasil iria quebrar caso uma ou outra medida fora
do escopo neoliberal fossem adotadas?
A chantagem das elites do financismo era de que o
Brasil iria quebrar caso Lula fosse eleito presidente da República em 2002.
Naquele período houve uma escalada especulativa do dólar, que chegou a atingir
a cotação recorde de R$ 4,00/US$. Pois Lula venceu, tomou posse e os
indicadores da economia só fizeram melhorar a partir de 2003. Por outro lado,
tínhamos a proposta do senador Paim (PT-RS) de
fixar o salário mínimo em 100 dólares, apresentada em 2003. Se ela fosse
aprovada, os representantes do financismo diziam que o Brasil não suportaria.
Pois o valor mínimo da remuneração do trabalhador chegou a ser bem mais,
próximo a 300 dólares em 2008, e a economia brasileira continuou evoluindo
muito bem, obrigado.
Pois o tema do momento é a questão da austeridade
fiscal. Para o povo da Faria Lima seria fundamental a aprovação de medidas mais
“duras” para reduzir as despesas orçamentárias primárias. Para esse pessoal, se
o Brasil não eliminar do texto constitucional as garantias de pisos de despesas
com saúde e educação, além de desindexar os benefícios previdenciários em
relação ao salário mínimo, o país quebra. Simples assim: chantagem pura! Como
não conseguiram emplacar essa pauta maximalista neste momento, agora eles fazem
pressão para a aprovação do pacote de maldades encaminhado pelo governo ao
Congresso Nacional, a partir de propostas elaboradas por Fernando Haddad. Ao
escapar malandramente do debate a respeito do impacto das despesas financeiras
no equilíbrio fiscal, escudam-se no argumento de que o foco deve se manter na
abordagem “primária”. Ou seja, os R$ 870 bilhões de pagamento de juros da
dívida pública ao longo dos últimos 12 meses ficam de fora de qualquer esforço
de corte, contingenciamento ou limite.
·
Financismo: chantagem para
assegurar ganhos
Pois agora, a bola da vez é a tal da “dominância
fiscal”. Trata-se de um conceito utilizado para descrever situações em que a
política monetária se torna ineficiente para conter o processo inflacionário.
De acordo com esse raciocínio dos manuais do conservadorismo neoclássico, a
autoridade monetária eleva a taxa referencial de juros, mas os preços continuam
a subir. A razão para tal fenômeno seria a continuidade de geração de
desequilíbrio nas contas púbicas – daí o termo dominância fiscal. Como se pode
perceber, a sacada deste argumento da manga da camisa neste momento opera de
forma a justificar a Selic nas alturas e a luta para arrochar ainda mais as
despesas orçamentárias na área social e nos investimentos.
Ocorre que a elevação da taxa pelo Copom e a manutenção
de taxas na ponta para os clientes em níveis ainda mais absurdos, por conta
dos spreads inimagináveis
em qualquer outro país do mundo, não tem resolvido o problema da inflação há um
bom tempo. E a razão para tanto não tem nada a ver com o argumento da
dominância fiscal. Na verdade, a equipe econômica tem utilizado um remédio
inadequado para o problema do paciente. Ao longo dos últimos tempos, o Brasil
não vive uma inflação por excesso de demanda. O índice de inflação tem crescido
por conta dos preços de bens e serviços do lado da oferta. É o caso, por
exemplo, dos alimentos, dos combustíveis, das tarifas de energia elétrica, dos
aluguéis, dos planos de saúde, dos remédios e tantos outros que não respondem a
aumentos nos juros.
·
Selic acima da estratosfera
Mas o pessoal do sistema financeiro não quer abrir mão
de seus ganhos fáceis. Assim, seguem pressionando, por meio de seus escribas de
aluguel nos meios de comunicação, para justificar aumentos ainda maiores na
Selic. A sanha é de tal ordem que eles conseguiram aprovar a elevação absurda
de 1% na reunião mais recente do Copom e já apontam para mais 2% nos próximos
dois encontros. É isso o que se lê no Boletim Focus do Banco Central (BC) –
Selic a 14% no curto prazo. E também é o que está escrito com todas as letras
na Nota divulgada pelo BC logo depois
do encerramento da reunião do colegiado:
(…) “Diante de um cenário mais adverso para a
convergência da inflação, o Comitê antevê, em se confirmando o cenário
esperado, ajustes de mesma magnitude nas
próximas duas reuniões.” (…) [GN]
Ora, como é público e notório que a elevação dos juros
não está provocando quase nenhum efeito sobre a inflação, agora a bola da vez é
a tal da dominância fiscal. Uma lógica e uma narrativa de se tirar o chapéu, em
especial quando veiculada para o grande público leigo nos debates internos das
correntes do pensamento econômico. Afinal, em uma primeira abordagem faz
sentido, assim como parece razoável também a ideia enganadora de que não se
poderia gastar mais do que se recebe. Só que não! A economia de um país – em
especial um com soberania monetária, como o nosso – não pode ser analisada sob
a ótica simplista e reducionista das finanças pessoais ou familiares. A totalidade
das nações chamadas desenvolvidas mantêm déficit fiscal de forma sistemática há
décadas e nem por isso estão à beira da falência. Ou seja, todos estariam
“gastando mais do que recebem” nessa abordagem de economia de boteco.
No caso da aplicação da abordagem da dominância fiscal
para o caso brasileiro atualmente, tampouco o argumento resiste a alguma
análise mais detalhada. O problema da ineficácia da política monetária para
conter preços não tem nada a ver com a questão fiscal. Como já observado, o
problema é o diagnóstico equivocado das causas do crescimento dos preços. Já o
suposto “problema fiscal estrutural” só existe na cabeça de quem pretende
reduzir o Estado à sua dimensão mínima e pretende se aproveitar de um processo
de privatização dos serviços públicos. Os índices de endividamento público
do Brasil são bem menores do que os apresentados por países como Estados
Unidos, Canadá, membros da União Europeia, Japão e outros. Mas a
insistência da Faria Lima em criar esta espécie de antessala do fim do mundo
faz com que a realidade se confunda com os desejos do povo do financismo. São
artigos e colunas nos jornais. São entrevistas com especialistas e economistas,
todos eles provenientes de bancos e instituições financeiras. Todos eles
alertando para a tal da “gravidade da crise fiscal” e que, se nada for feito, o
Brasil vai quebrar.
·
Lula precisa assumir o
comando da economia
O fato concreto é que o Brasil já ocupa a segunda posição no
ranking internacional de países no quesito taxa real de juros (Selic
descontada a inflação). Estamos atrás apenas da Turquia, que passa por um
aperto monetário ainda mais grave do que o nosso. A insistência de Fernando
Haddad em vestir a fantasia do bom mocismo e buscar atender a todas as
reivindicações da Faria Lima tem provocado grandes prejuízos ao país e ao
governo Lula. A insistência em não flexibilizar a meta irrealista de inflação
oferece na bandeja o argumento do financismo para seguir elevando a Selic –
afinal, o crescimento dos preços estaria “descontrolado” (sic). Por outro lado,
a inexplicável obsessão do ministro em cumprir a meta de zerar o déficit
primário também joga água no moinho da estratégia draconiana de cortar e cortar
e cortar as despesas a qualquer custo.
Enfim, o apelo ao conceito de “dominância fiscal” é
apenas um revestimento supostamente sofisticado para perpetuar a política de
mais do mesmo na economia – mais aperto monetário e mais austeridade fiscal
primária. Com a profundidade explicativa de um pires, busca trazer um arcabouço
teórico ultrapassado e que não se aplica em nada para qualquer tipo de diagnóstico
razoável da situação econômica que o Brasil atravessa no momento.
É fundamental que o presidente Lula, logo depois que
autorizado pela equipe médica, assuma para si o comando da agenda econômica.
Caso Haddad continue articulando em nome do presidente, o risco que se
apresenta é justamente o de reforçar o discurso da dominância fiscal. Afinal,
ele foi um dos primeiros a vocalizar os riscos representados pela suposta crise
fiscal. Foi ele o responsável pelo formato austericida do atual Novo Arcabouço
Fiscal. Foi ele quem indicou a Lula o nome de Gabriel Galípolo para presidir o
BC, a partir de janeiro próximo, e está chancelando a mesma política de juros
de Roberto Campos Neto. Ou seja, o ministro da Fazenda personifica os dois
elementos centrais da teoria da dominância fiscal: juros elevados e austeridade
fiscal extrema.
<><> Emendas e fundo partidário ficam
imunes a cortes em meio a esforço fiscal do governo
O Congresso Nacional aprovou
nesta quarta-feira (18) a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025, que
estabelece uma meta fiscal de déficit zero e elimina a previsão de
contingenciamento de emendas parlamentares quando o governo precisar conter
verbas para respeitar regras fiscais.
O texto permite a suspensão
do pagamento das chamadas "emendas Pix" caso não sejam cumpridas
regras como a apresentação de um plano de trabalho detalhado e informações
bancárias. O não cumprimento dessas exigências resultará na interrupção
imediata das transferências até que sejam regularizadas.
No entanto, o relator da proposta,
senador Confúcio Moura (MDB-RO), modificou o trecho que tratava do bloqueio de
emendas parlamentares em geral. A proposta inicial permitia o bloqueio
livremente, mas o texto aprovado determina que ele deve seguir a mesma
proporção aplicada às demais despesas discricionárias, indo na contramão do
esforço fiscal do governo. Essa alteração protege as emendas, mesmo em
situações de risco de descumprimento de regras fiscais, conforme anunciado pelo
relator em um adendo ao parecer.
“Traduzindo em miúdos, se
houver contingenciamento de despesas do Executivo, não incidirá sobre as
emendas parlamentares, é o acordo firmado”, disse o senador, citado pelo Infomoney.
<<<< Fundo
partidário
O Congresso Nacional
rejeitou a proposta do governo de reduzir o reajuste do fundo partidário e
manteve a regra atual, que corrige o valor com base nos valores pagos em 2016.
A proposta governamental, que utilizaria os valores de 2023 como base para o
reajuste, reduziria o aumento de R$ 500 milhões para R$ 160 milhões entre um
ano e outro, segundo técnicos do Congresso citados pela agência O
Estado de São Paulo. No Orçamento de 2025, está previsto R$ 1,3 bilhão para
as legendas.
¨ Somos
reféns do mercado? Por Neiva Ribeiro
Na última semana, em
última reunião presidida por Campos Neto, o Banco Central elevou a taxa básica
de juros, em 1 ponto percentual, para 12,25%, o que colocou o Brasil no segundo
lugar do ranking dos maiores juros reais do planeta com 9,48%. A ata do Copom
menciona que o futuro é mais preciso e mais adverso e, portanto, novos aumentos
devem ocorrer nas próximas reuniões.
O cenário é o mercado
sempre ditando o futuro da política monetária numa espécie de profecia
autorrealizada. Projeta alta do dólar e projeta cenário fiscal adverso
esperando aumento de inflação para ações contracionistas, para ampliar a
taxa de juros. E mesmo quando projeta resultados piores na economia real,
como menor crescimento e perda da dinâmica do emprego, e erra, usa uma
nova narrativa para justificar seu desejo voraz.
O mercado, um ser
fantasmagórico impiedoso, pressiona a situação política, econômica e social.
Somos reféns do mercado? Essa nova pressão está direcionada
diretamente a Gabriel Galipolo, que passará a presidir o Banco
Central no início de 2025, mas também é um recado ao Ministro Haddad, ao
presidente Lula e também ao Congresso.
A Febraban divulgou que
não possui interesse nas altas taxas de juros e spreads bancários. A
Confederação Nacional da Indústria afirmou que a Selic elevada é danosa para o
setor produtivo. Mas o que fazem de fato para um pacto que possa interferir de
maneira a melhorar esta configuração? Ora, o mercado são eles próprios:
banqueiros, investidores, acionistas, donos de títulos da dívida pública
que, independente da conjuntura, seguem ganhando e querendo mais. São o
conjunto de pessoas mais ricas do país.
A economia real, os
trabalhadores, não pode ficar refém desta situação. Não é possível
que a sociedade pague caro pelos efeitos colaterais, desse remédio tão amargo,
como o encarecimento do crédito que impactam o endividamento das famílias e
empresas, dificuldade no financiamento imobiliário, falta de
investimento produtivo que compromete a dinâmica econômica e geração de emprego
e renda.
As alternativas
necessárias precisam ser discutidas com os mais afetados, com participação
popular. Discutir a auditoria da dívida pública, fiscalizar a influência
de poucos agentes no câmbio, rever a meta de inflação e criar
alternativas para que os alimentos mantenham preços estáveis e cheguem com qualidade
na mesa do povo.
Defendemos a
centralidade do trabalho na economia para gerar renda e condições dignas de
vida para toda sociedade. O movimento sindical, ao contrário do mercado, não
joga contra o desenvolvimento do país. Não só apostamos num futuro melhor
como estamos na luta para ganhar esse jogo.
Fonte: Outras
Palavras/Brasil 247/Fórum
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