André Tokarski: Foco em rentabilidade ofusca função social da Petrobras
O
Plano de Negócios da Petrobras (2025-2029), divulgado no dia 21 de novembro,
reafirma o foco da empresa em priorizar investimentos com maior potencial para
geração de valor. Nos próximos cinco anos, a estatal deverá investir US$ 111
bilhões, dos quais cerca de 70% serão destinados para exploração e produção de
petróleo. Dos US$ 77 bilhões previstos para Exploração e Produção (E&P),
US$ 76 bilhões já estão em implantação.
A produção total de óleo e gás operada pela Petrobras
deve chegar a 4,5 milhões de barris de óleo equivalente por dia (boed) em 2029,
enquanto a demanda interna deve permanecer estável em cerca de 2,5 milhões de
boed. Desde 2014, a produção de petróleo no país ultrapassou o consumo e vem
crescendo ano a ano. Em 2024, pela primeira vez na história, o petróleo cru
será o principal produto de exportação do Brasil, superando a soja e o minério
de ferro. Em setembro de 2024, o Brasil exportou US$ 3,2 bilhões de petróleo
cru e importou US$ 1,36 bilhão de derivados.
Tal situação leva o país a um paradoxo: tornou-se
exportador de petróleo cru, mas é dependente da importação de derivados para
garantir o abastecimento do mercado interno de combustíveis. Caso o Brasil
retome uma trajetória de crescimento do PIB a taxas superiores a 3% ao ano,
dependerá ainda mais da importação, deixando a economia nacional vulnerável às
oscilações da cotação do dólar e da variação da cotação do barril do petróleo,
movimentos que podem desencadear uma forte repercussão inflacionária.
A partir da análise dos planos de negócios da Petrobras
divulgados anualmente, entre 2010 e 2014, é possível estabelecer um paralelo
entre as mudanças no padrão dos planos de investimento e as alterações operadas
no sistema de governança da empresa. A título ilustrativo: o Plano de Negócios
2010-2014 previa um investimento nominal de US$ 224 bilhões, sendo 48%
destinados para E&P e 35% para abastecimento (refino, transporte e
comercialização). O PN 2012-2016 previa o investimento de US$ 236,5 bilhões
(valores nominais), sendo 60% para E&P e 27,7% para o abastecimento. Já o
PN 2014-2018 mantém o volume de investimentos na casa dos US$ 220,6 bilhões,
mas eleva para 70% o investimento em E&P e reduz a 18% os recursos para o
abastecimento.
Mesmo com a prioridade do investimento direcionada para
o E&P, a concepção do PN 2014-2018 situava a Petrobras como uma empresa
integrada de energia, prevendo o crescimento da produção de petróleo em linha
com a capacidade de suprir o mercado brasileiro de derivados. Apesar da redução
do percentual de investimento em abastecimento, constava como um dos objetivos
prioritários ampliar a capacidade de refino da empresa para 3,9 milhões de boed
até 2030. A capacidade atual de refino da Petrobras é de 1,8 milhão de boed e a
previsão, até 2029, é de ampliar para 2,1 milhões de boed, ainda abaixo da
demanda do mercado interno.
O PN 2015-2019 promove alterações profundas nos
objetivos e no padrão dos planos de investimento da Petrobras. O Plano
anunciava como objetivos prioritários a desalavancagem da companhia e a geração
de valor para os acionistas. Os investimentos foram reduzidos em 37%, quando
comparados ao Plano anterior, totalizando US$ 130 bilhões. Destes, 83% foram
direcionados ao E&P e apenas 10% ao abastecimento. Os recursos para a
ampliação do parque nacional de refino foram drasticamente reduzidos, ativos
estratégicos da empresa foram vendidos e a prioridade absoluta dos investimentos
se concentrou na Exploração e Produção, segmento com maior taxa de retorno
econômico.
Esse cenário é agravado a partir do impeachment da
presidenta Dilma Rousseff, com a posse de Michel Temer e o início da gestão de
Pedro Parente à frente da Petrobras a partir de maio de 2016. A avalanche de
denúncias de corrupção anunciadas pela chamada “Operação Lava Jato” foi o
ensejo perfeito para a nova gestão implantar uma série de mudanças na
governança corporativa da empresa.
A pretexto de promover melhorias na transparência,
controle e integridade, as alterações estatutárias efetuadas transferiram o
poder de gestão da Petrobras do Estado para os acionistas minoritários.
Operou-se uma transfiguração no padrão de governança da empresa, rompendo o
equilíbrio entre as partes interessadas em lugar do modelo financeiro, ainda
hoje vigente, que privilegia os interesses dos acionistas no curto prazo.
O debate sobre o sistema de governança corporativa da
Petrobras ganha corpo e relevância no início dos anos 2000, após a empresa conseguir
a licença junto à SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos) e o
governo brasileiro vender 17% das ações com direito a voto (ordinárias) na
Bolsa de Nova York (NYSE). A abertura da negociação de ações da estatal
brasileira na NYSE vinculou a empresa à jurisdição da legislação do mercado de
capitais dos Estados Unidos, sob supervisão da SEC, além de continuar
respondendo às normativas do mercado de capitais brasileiro, por meio da
Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº
6404/1976).
Em 2002, em meio a uma série de escândalos corporativos
e fraudes contábeis no mercado financeiro, o Congresso dos Estados Unidos
aprovou a Lei Sabarnes-Oxley (SOX), com o objetivo de criar regras de maior
transparência e controle da governança corporativa de empresas com o capital
aberto. A Petrobras, assim como todas as empresas com ações registradas na SEC,
passou a ser obrigada a aplicar os dispositivos da nova legislação. O processo
de adaptação às exigências da SOX obrigou a empresa a construir um robusto
sistema de governança corporativa.
Nessa primeira fase, do início dos anos 2000 até 2014,
prevaleceu um modelo de governança corporativa que buscou equilibrar o
interesse público e a remuneração dos acionistas privados, num contexto de
crescimento e expansão, particularmente após as descobertas do pré-sal. A
missão da Petrobras abrangia a garantia do abastecimento de combustíveis ao
mercado interno a preços acessíveis, com um robusto plano de investimentos que
combinava a ampliação da produção e do refino com a distribuição crescente de
dividendos aos acionistas.
O empenho da estatal em aprimorar sua governança
corporativa e elevar a qualidade das informações divulgadas ao mercado, aliado
à busca por um modelo de governança que equilibrasse os interesses dos
acionistas privados e da sociedade em geral, foi amplamente reconhecido. Em
2013, um estudo desenvolvido pela Standart e Poors (S&P)[1] reconheceu
a gestão de governança da Petrobras como “Strong”, o mais alto nível de
governança e confiabilidade, sendo que das 310 empresas da América Latina
avaliadas, somente sete receberam essa classificação.
As mudanças no Estatuto Social da Petrobras operadas
entre 2016 e 2019 objetivavam criar obstáculos no sistema de governança para a
realização de atividades econômicas voltadas ao interesse público e que,
eventualmente, não atendessem aos critérios de avaliação técnico-econômica para
projetos de investimento e para os custos/resultados operacionais esperados,
mesmo que estivessem orientados pela União para cumprir objetivos de finalidade
social. Entre essas mudanças estatutárias, ainda vigentes, destacam-se:
1.
a)
A elevação de 25% para 40% na proporção de conselheiros declarados
independentes no Conselho de Administração (CA). Também foi determinado que,
caso o acionista controlador indique um ou mais conselheiros independentes,
estes devem ser selecionados a partir de lista tríplice indicada por empresa
especializada em recrutamento de executivos, sem a possibilidade intervenção da
parte do acionista controlador na lista;
2.
b)
A criação do Comitê dos Minoritários para assessorar o CA, com funções
estratégicas envolvendo a reestruturação acionária e a análise de transações da
empresa com partes relacionadas, tais como: União, suas autarquias, fundações e
empresas públicas ou estatais federais;
3.
c)
A obrigatoriedade de avaliação prévia por parte do Comitê de Minoritários, em
assessoramento ao CA, com base em critérios de avaliação técnico-econômica para
projetos de investimento e para custos/resultados operacionais específicos
praticados pela administração da Companhia, se as obrigações e
responsabilidades a serem assumidas forem diversas às de qualquer outra
sociedade do setor privado que atue no mesmo mercado.
De maneira geral, o PN 2025-2029 preserva a sistemática
de governança voltada aos resultados de curto prazo e à maximização da geração
de valor. É certo que as sociedades de economia mista devem perseguir um
resultado econômico lucrativo, mas a função social da Petrobras não se resume a
distribuir lucros e dividendos aos seus acionistas. O interesse público e o
interesse geral da economia nacional é que devem nortear o planejamento da
empresa, respeitando sua natureza híbrida e conciliando com os direitos dos
acionistas minoritários.
A Petrobras é um instrumento do Estado para a
efetivação de políticas públicas, a despeito da participação privada em seu
capital social. A sociedade de economia mista não é uma mera associação de
capitais públicos e privados para realização de atividade econômica. Não se
move em função da maximização do lucro ou da remuneração máxima aos seus
acionistas.
O planejamento, embora tenha conteúdo técnico, é um
processo político, especialmente nas sociedades onde se busca a transformação
das estruturas econômicas e sociais. O plano estratégico de empresas estatais
deve se orientar pela maximização da eficácia social e não da mera elevação da
distribuição de dividendos aos seus acionistas.
Uma das novidades do PN 2025-2029 foi a retomada da
sistematização e apresentação da visão de longo prazo da empresa com a
apresentação do Plano Estratégico 2050. Tal retomada é relevante porque pode
sinalizar uma superação da visão rentista de curto prazo, focada nos resultados
financeiros da empresa, em benefício de seu papel estratégico de participar
decisivamente na garantia do provimento de energia ao país, num contexto
marcado por conflitos geopolíticos e mudanças tecnológicas na produção
energética.
¨ Investimentos em refino não rompem com a dependência de
importações de derivados. Por Erick Diniz e Adhemar S. Mineiro
O Plano de Negócios
2025-2029 (PN 2025-2029) da Petrobras reflete o compromisso de uma empresa
pública de capital aberto em alinhar seu planejamento aos interesses da
sociedade civil e de seus acionistas. Por ser a maior empresa nacional, recaem
sobre ela expectativas quanto ao seu papel no desenvolvimento econômico e na
promoção de interesses públicos, como a industrialização, a garantia do
abastecimento interno e a efetivação da transição energética. Ainda assim,
apesar de sinalizações importantes apresentadas, as ambições voltadas ao setor
de Refino mostraram-se aquém das necessidades nacionais. A expansão planejada
de capacidade da Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco, aliada à
modesta reestruturação, modernização e ampliação (“revamp”) de outros ativos
conflita com a alta dependência do país em relação à importação de derivados.
Durante a
divulgação do plano, a presidenta Magda Chambriard abordou a necessidade de
garantir um planejamento sólido e a executabilidade das metas e trouxe visões
de longo prazo ao tratar da exploração de novas fronteiras como a Margem
Equatorial e a Bacia de Pelotas, além da versatilidade de investimentos em
favor da transição energética, como Bioquerosene de aviação (BioQAV), Diesel
Verde (HVO) e Diesel com conteúdo renovável (Diesel R). De todo modo, a fala
mais impactante da presidenta reiterou a expertise da empresa no tratamento de
moléculas e não de elétrons, o que poderia sinalizar maior cautela quanto aos
investimentos em rotas eletrolíticas, como a do hidrogênio verde.
Em termos de
investimentos, há a pretensão de alocar US$ 19,6 bilhões totais, nos segmentos
de Refino (US$ 15,2 bilhões), Comercialização e Logística (US$ 3,6 bilhões),
Fertilizantes (US$ 900 milhões), representando um aumento de 17% em relação ao
plano anterior, cujo CAPEX (investimentos em bens de capitais) foi de US$ 17
bilhões. No geral, há avanços para implementação de um portfólio relativo a uma
empresa de energia, com previsão de atuação nos segmentos de fertilizantes e
petroquímica, além de combustíveis de baixo carbono (SAF, HVO, Diesel R e
etanol).
O planejamento para
o setor envolve o aumento de capacidade produtiva, com ampliação da oferta de
lubrificantes e combustíveis, tanto fósseis como renováveis. O PN 2025-2029
indica a ampliação da capacidade de destilação da RNEST, com uma nova unidade
SNOX com capacidade de 27 mil barris por dia (mbpd), o Revamp do Trem 1 (+15
mbpd) e ampliação do Trem 2 (+130 mbpd), totalizando um acréscimo de 172 mil
barris por dia nesse ativo. Com o revamp de outras refinarias, serão
adicionados 120 mbpd, totalizando uma ampliação estimada de 292 mbpd. Com isso,
projeta-se que o parque de refino alcance uma capacidade total de 2.105 mbpd
até 2029, frente à capacidade atual de 1.813 mbpb.
Embora essa
ampliação da capacidade produtiva contribua para o abastecimento nacional, o
plano atual não traz grandes avanços em relação ao anterior, que previa um
aumento de 225 mbpd. Desse modo, muito provavelmente, a situação nacional de
dependência externa de alguns derivados se manterá (e aqui, é particularmente
importante a dependência nas áreas de diesel e GLP).
Quanto aos produtos
do refino, o PN 2025-2029 procura elevar a capacidade de produção de Diesel S10
em 290 mbpd, mantendo a projeção do plano anterior, além de avaliar um
incremento adicional de 70 mbpd. Dos 290 mbpd em implantação, 176 mbpd serão
destinados à conversão de qualidade (S500 para S10), enquanto 114 mbpd
representarão incremento em volume. O plano também prevê o phase
out do Diesel S500, com uma redução progressiva de 31% em 2024 até sua
substituição total pelo Diesel S10 em 2029. Essa busca por alternativas menos
poluentes reforça o compromisso da empresa com a sustentabilidade.
No que tange à
produção de lubrificantes, a Petrobras informa que contribuirá com cerca de 30%
a 40% do fornecimento de óleos básicos e o projeto Boaventura/RJ reduzirá a
necessidade de importação de óleo em cerca de 100 mbpd, avançando na produção
de lubrificantes mais modernos (Grupo II) produzidos pela rota de hidrorrefino
e com menor teor de impurezas. A finalização da Rota 3 e a inauguração do
Complexo de Energias Boaventura trazem perspectivas interessantes para o avanço
do mercado de gás no Rio de Janeiro, além da expansão da produção de lubrificantes
mais modernos. De todo modo, há um longo caminho a ser percorrido até a efetiva
competitividade dos preços do gás natural.
Em relação ao
biorrefino, há metas de ampliação da produção de Diesel R5 e projetos
relacionados à produção de Bioquerosene de Aviação (SAF) e diesel verde (HVO)
pela rota HEFA (via ácidos graxos e ésteres hidroprocessados, utilizando óleos
e gorduras). Estuda-se também a produção de SAF pela rota ATJ (Alcohol to Jet).
As plantas dedicadas ao biorrefino e com carteira em avaliação são:
produção de BioQAV e HVO em Boaventura com 19 mbpd; produção de BioQAV e HVO
via rota ATJ na Replan com 10 mbpd; e potenciais parcerias com a Acelen (20
mpbd) e Riograndense (15 mpbd). A produção de BioQAV e HVO na RPBC está na
carteira de implementação. O Plano anterior trouxe um investimento de US$ 1,5
bilhão para o biorrefino, prioritariamente para projeto de diesel R5, ao passo
que o atual amplia as rotas tecnológicas para o SAF e o HVO, além de tratar a
retomada do mercado de etanol.
No que tange ao
Diesel R5, o plano atual dispõe que a capacidade instalada de produção por
processamento está dividida nos seguintes ativos: 46% na Repar; 21% na Regap;
14% na RPBC; 10% na Reduc; e 9% na Replan, totalizando 63 mpbd. A Petrobras
estima que o potencial aumento da capacidade do coprocessamento dependerá da
regulação, uma vez que a Lei do Combustível do Futuro pretendeu trazer
estratégias voltadas à incipiência dos mercados de SAF e HVO, não tendo tratado
o mercado de diesel com conteúdo renovável. Ademais, a potencial aprovação
legislativa do mercado de carbono nacional pode trazer perspectivas relevantes
para o desenvolvimento e a expansão de produtos mais sustentáveis.
Em relação à
logística, prevê-se a construção de dezesseis novos navios de cabotagem,
investimentos no Terminal Aquaviário do Porto de Santos e construção de novos
dutos de combustíveis para abastecimento do Centro Oeste. O investimento total
é de US$ 3,6 bilhões, com objetivo de ampliar e adequar a infraestrutura
logística de dutos e terminais, a ampliação da frota própria de navios e a
melhoria das operações.
O segmento de
fertilizantes totaliza, no quinquênio, US$ 900 milhões em projetos com a
retomada da construção da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados (UFN-III), em
Três Lagoas (MS), e a reativação da fábrica de fertilizantes Araucária
Nitrogenados S.A. (Ansa) no Paraná. A dependência externa de fertilizantes
ultrapassa 80%, sendo insumo relevante para o desenvolvimento do agropecuário
nacional. Desse modo, a Petrobras amplia o fornecimento de um componente chave
para a economia nacional.
A capacidade de
produção dos ativos da Petrobras chega a 2.820 mil toneladas por ano (kta) de
ureia, 370 kta para amônia verde e 365 kta para agente redutor líquido
automotivo (Arla). A atuação no segmento petroquímico segue em estudos, há
possibilidade de negócios com a Braskem, uso do gás para rota petroquímica em
Boaventura/RJ e produção de hidrocarbonetos leves de refinaria e propeno verde.
É inegável a
contribuição da Petrobras para o abastecimento interno, porém a ampliação de
seu parque de refino prevista no novo plano de negócios é insuficiente para
reduzir a alta dependência de importação de derivados. A superação do perfil
primário exportador, tanto da Petrobras quanto do país, exige investimentos
substanciais em novos ativos, infraestrutura logística e expansão significativa
da capacidade de processamento, condições imprescindíveis para garantir maior
valor agregado à produção interna. Além disso, a instrumentalização de rotas
orgânicas e sintéticas é fundamental para inserir a Petrobras nos promissores
mercados futuros de combustíveis sustentáveis, posicionando a empresa como
agente estratégico da transição energética e do desenvolvimento nacional. Para
tanto, é crucial que a Petrobras amplie de forma mais substantiva os segmentos
que a consolidarão como uma empresa integrada de energia.
Fonte: Le Monde
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