Como alta do dólar impacta
dia-a-dia do Brasil e como país pode ser menos refém da moeda americana?
É comum que o
brasileiro veja ou escute informações sobre as variações do dólar. Mas,
substancialmente, quando a cotação da moeda sobe, qual seu impacto na vida da
população brasileira?
"O Brasil, ele
é bastante influenciado pelo dólar porque a gente depende muito de tecnologia
estrangeira para poder produzir os nossos produtos e principalmente a gente
consome muito produto importado final e insumos também importados",
explica Silas Souza César, economista e educador pela Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), em entrevista ao Jabuticaba Sem
Caroço, podcast da Sputnik Brasil.
Em outras palavras,
como o Brasil é um importante importador de manufaturados, que são negociados em
dólar, uma vez esses produtos custando mais para importação, maior será o preço
pago pelo consumidor final.
Como nossa
indústria ainda não é autossuficiente e também necessita de insumos que são
comprados em dólar, fica ainda mais difícil se desvencilhar da moeda, "a
gente precisa dessa moeda para que a nossa economia rode, para que a nossa
economia funcione", explica o professor.
Como o Brasil pode
diminuir a cotação do dólar?
A dependência do dólar, obviamente, não é
exclusividade do Brasil. "O dólar é a moeda das transações comerciais no
mundo inteiro. E isso a gente já acompanha há mais de 50 anos, desde 1973 [fim
da conversibilidade do dólar em ouro seguida do fim das taxas de câmbio fixas],
o próprio acordo de Bretton Woods [1944]", relembra Fernando Sette Junior,
economista e professor dos cursos de gestão do Centros Universitários UniBH e
Centro Universitário UNA.
Ele explica,
portanto, que a cotação do dólar nada mais é do que uma relação entre a
quantidade de dólar que entra e sai do Brasil.
"O que permite
que mais dólar entre no Brasil? O que permite que mais dólar entre no Brasil é
o interesse do investimento estrangeiro, e aí não necessariamente esse investimento
em dólar, mas como eu já coloquei, é a principal moeda que a gente tem de
transação comercial no mundo, a gente tem que ter essa atratividade de
investidores para poder colocar dólar no Brasil", explica.
Por sua vez, para
haver investimento estrangeiro, o analista aponta que devem haver condições
favoráveis para que os investidores queiram aplicar seu dinheiro no país. Dessa
forma, é necessário um financiamento barato do setor privado e que não haja
concorrência do setor público, além do governo estar com as contas em dias,
evitando, por exemplo, que exista essa concorrência.
"Se há esse
receio, tanto do setor privado, investimento no setor privado, quanto do
investimento na dívida pública, os investidores internacionais se afastam e aí
a cotação do dólar sobe", acrescenta.
A diminuição da
cotação do dólar impactaria, diretamente, conforme o professor, no aumento da
capacidade produtiva do Brasil, uma vez que, com taxa de juros e inflação mais baixas, os investidores
teriam mais motivação para fazerem investimentos de risco.
"Esse aqui é o
ponto do Brasil: para eu poder fazer investimento em capacidade produtiva, eu
vou ter que correr risco, pode ser que dê certo, pode ser que dê errado, e aí,
se a taxa de juros está alta, para que eu vou correr o risco? Eu vou deixar meu
dinheiro rendendo naquilo que é livre de risco, que é o que o governo está me
pagando", desenha, explicando o parâmetro brasileiro.
Em relação ao atual
cenário do Brasil, com o dólar ultrapassando
a casa dos R$ 6,
embora o país tenha apresentado crescimento do Produto Interno Bruto (PIB)
acima do esperado e um país com pleno emprego, a alta do dólar se explica,
conforme Setter Júnior, pela especulação.
"Acho que a
gente tem uma questão muito mais especulativa do dólar, que o Brasil está sendo
um país interessante para se investir, então está entrando o dólar, o que a
gente tem é um movimento especulativo muito grande em cima disso e o governo
tenta frear o Banco Central através da taxa de juros [...], não está dando para
entender por que está batendo R$ 6, sendo que os outros fatores econômicos
estão numa toada diferente. E aí, talvez, o que explica o dólar a R$ 6 é essa
falta de previsibilidade [...] que o governo não está dando para o
mercado", avalia.
Desdolarização é o
caminho?
Especulações sobre
a possibilidade de países que não têm o dólar como moeda corrente realizarem
seus negócios em outra moeda que não o dólar tem aumentado. Na cúpula do
BRICS em outubro deste ano, por exemplo, o assunto foi amplamente mencionado
pelos líderes de países-membros do bloco.
César acredita que
o caminho pode trazer facilidades, mas tende a gerar reações por parte dos EUA.
"Isso, apesar
de realmente oferecer praticidade e ganhos de escala bastante interessantes
para os países envolvidos, acaba criando uma situação geopolítica de
desconforto, principalmente para os Estados Unidos".
Como o dólar é uma
moeda que baliza as transações internacionais há mais de 50 anos e trouxe
estabilidade para o comércio internacional, segundo o especialista,
isso pode criar certo ruído e os preços ficarem reféns disso.
"O esperado é
que se a gente sai da moeda padrão, do dólar, então uma menor demanda vai
fazê-la mais acessível, o preço dela caia. Mas a gente tem que pôr nessa
equação um troço chamado incerteza, então se as incertezas aumentam muito, aí
essa demanda que foi, digamos assim, flexibilizada com compra via outras
moedas, ela acaba se tornando mais do que compensada por gente que com medo de
um cenário muito adverso, de um cenário muito incerto, compra essa moeda para
se proteger", avalia.
Em sentido
parecido, Sette Júnior acredita que a negociação em outra
moeda que não o dólar deva
facilitar as relações com outros países, que, num primeiro momento, pode até
gerar algum tipo de risco, mas que pode ser equalizado.
"Não acho que
a gente chega a ser prejudicado com essa menor dependência do dólar, e na
realidade nós vamos continuar muito dependentes ainda, mas a gente tem uma
outra alternativa", analisa.
¨ Brasil terá o desafio de barganhar com os EUA de Trump
sem dar as costas para a China
Em entrevista ao
podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas apontam que o Brasil terá de
se equilibrar na disputa entre as duas potências, pois embora a relação com a
China seja mais promissora, o país ainda é dependente dos EUA na questão
financeira.
A China tem se
firmado cada vez mais como uma potência rival dos Estados Unidos — muito por
conta da postura dos próprios EUA, na verdade — no cenário
internacional, com ambos os países competindo acirradamente por influência
geopolítica e econômica.
Nessa disputa,
Washington e Pequim têm visões distintas sobre a forma de se relacionar com
outros países. Enquanto os EUA apostam na pressão econômica e coação
bélica, a China opta pela não intervenção e pelo financiamento como forma
de estreitar laços e ampliar suas parcerias.
No meio dessa
disputa está o Brasil. Embora seja uma das vozes do Sul Global, o país cultiva
boa relação com EUA e China, com parcerias estratégicas em ambos os lados. Em
entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas explicam
se a relação próxima do Brasil com a China pode levar o governo brasileiro a
sofrer retaliação dos EUA, especialmente diante do retorno de Donald Trump à Casa
Branca.
Marcos Cordeiro
Pires, professor de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista
(Unesp), afirma que a pressão dos EUA contra a China cresceu durante a primeira
gestão de Trump (2017–2021), continuada pelo governo do atual presidente, Joe
Biden, e deve ser ampliada ainda mais no próximo mandato de Trump, a ser iniciado
em 20 de janeiro.
Ele afirma que o
fato de Trump anunciar Marco Rubio como seu futuro secretário de Estado indica
esse aumento de pressão, já que o senador sempre liderou o apoio a todas as
sanções e medidas adotadas contra a China. Entretanto ele aponta que, em
relação ao Brasil, o primeiro problema será político, uma vez que o retorno de
Trump à Casa Branca é visto pela direita radical brasileira como forma de
ganhar fôlego.
"Do lado do
Brasil, para além dos problemas locais, o que a gente espera é que os grupos de
extrema-direita aqui do país consigam ter um fôlego com o apoio ou acesso
privilegiado. Não diria nem à Casa Branca, mas ao resort de
Mar-a-Lago. Isso poderia trazer constrangimentos políticos para a
democracia brasileira, já que esses grupos que já tentaram dar um golpe de
Estado, que não foi em grande parte realizado porque não contava com o apoio
dos EUA, com um governo radical de direita como o de Donald Trump, esses grupos
podem se sentir autorizados para tentar reverter o processo político
local."
Somado a isso,
Pires afirma que o Brasil deve considerar a pressão dos EUA contra o avanço da
presença da China na América do Sul.
"Basta
recordar que, alguns dias antes do início da sessão do G20, a representante
comercial Katherine Tai, do governo Biden, veio ao Brasil e pressionou contra a
assinatura de um acordo de adesão do Brasil à Iniciativa Cinturão e Rota, Belt
and Road [popularmente chamada de Nova Rota da Seda]. De fato, o governo Lula
[após o G20] informou um monte de sinergias com a China, mas não avançou na
formalização da adesão."
Em terceiro lugar,
ele alerta para os interesses dos EUA pelos recursos naturais brasileiros,
principalmente após a China anunciar a restrição de venda para os EUA de
minerais estratégicos para produzir baterias e chips de semicondutores, em
resposta à decisão de Biden de restringir a venda de equipamentos e materiais
para a produção de chips. Segundo Pires, os EUA podem mirar o Brasil como
alternativa para obter o recurso, mas não de maneira positiva.
"Do mesmo
jeito que vimos Elon Musk dizendo que deu o golpe com orgulho contra o governo
de Evo Morales em 2019, particularmente motivado pelas reservas bolivianas de
lítio, não seria muito difícil imaginar que o Brasil, possuindo a segunda maior
reserva de terras-raras, empatado com o Vietnã, sendo a primeira a China […],
teria um problema grande na competição ou na busca desses recursos
naturais."
De acordo com o
especialista, isso "é algo que pode nos preocupar, porque muitas vezes se
poderia pensar em questões relacionadas ao comércio, mas outras vezes, quando o
comércio não funciona, medidas duras ocorrem, como já vimos na história,
relacionadas ao petróleo e a outros temas energéticos".
Ele acrescenta que
há a questão da influência cultural e ideológica, afirmando que "a
elite brasileira adora vender para a China, mas considera que o seu mundo é
Miami, Paris ou Londres".
Questionado sobre
se o estreitamento de laços com a China — consolidado em reuniões bilaterais
após o G20 — pode colocar o Brasil como inimigo dos EUA, Pires descarta a
possibilidade e lembra que Brasília ainda é muito dependente de
Washington, sobretudo na questão
financeira.
"A gente está
enfrentando aqui um ataque especulativo contra o governo brasileiro. Então, no
período de um ano, ou de menos de um ano, o dólar sai de 4,70 [reais] e vai
bater a 6 [reais]. Isso mostra uma vulnerabilidade grande do país, uma
dependência grande com relação aos EUA, que concentra o sistema financeiro
mundial. Eles têm a própria questão da nossa dívida interna. Não é o presidente
do Banco Central, Roberto Campos Neto, ou [Gabriel] Galípolo, que vai definir
essa taxa. Essa taxa é definida pelos credores que estão fora."
Bruno Hendler,
professor de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM), afirma que o Brasil vai ter que aprender a barganhar com as duas
grandes potências.
"Se de um lado
se negocia com os EUA, por outro também não pode deixar virar as costas para os
americanos e aderir 100% a uma nova ordem chinesa", afirma.
Hendler afirma que,
sendo proveniente do mundo dos negócios, Trump domina técnicas de negociação, e
sua principal estratégia é a chamada ancoragem, que consiste em firmar uma
posição inicial vantajosa em determinado assunto e, depois, ir fazendo poucas
concessões, de forma a garantir que o acordo final ainda seja benéfico para si.
Segundo ele, é isso o que Trump está fazendo ao ameaçar impor tarifas a
adversários, como o BRICS, e aliados, a
exemplo de México e Canadá.
O especialista
avalia que seria impossível uma taxação de 100% sobre produtos de todos os
países do BRICS, mas diz que a ameaça traz consigo o simbolismo da decadência
da ordem global liderada pelos EUA.
"O aumento do
protecionismo americano tem um simbolismo, um significado muito mais de longa
duração, que é o declínio dessa ordem, a crise terminal dessa ordem liberal
americana que teve a OMC [Organização Mundial do Comércio] como um de seus
pilares."
Ele afirma
que a taxação proposta por Trump é um movimento completamente oposto aos
princípios de liberalização comercial da OMC, pela qual os norte-americanos
projetaram sua influência nos anos 1990 e 2000.
"Eles vão meio
que destruindo as próprias instituições que criaram em um movimento de isolacionismo
e de protecionismo."
Por outro lado, o
especialista avalia que a aproximação do Brasil com a China é juntar
a "fome com a vontade de comer".
"Há um
pragmatismo, há mais oportunidades representadas pela China hoje do que pelos
EUA. Mas há também um compartilhamento de ideias, de defesa de um mundo mais
multipolar e tudo mais. […] Olhar para os Estados Unidos e para a Europa, ok,
são referências, mas a perspectiva muito mais promissora vem do Oriente, vem da
China. E eu acho que essa é a visão que tem se replicado em uma série de
administrações públicas, de níveis de administração pública no Brasil,
prefeituras, governos de estado e tudo mais, até no governo federal",
afirma.
Fonte: Sputnik
Brasil
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