quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Como alta do dólar impacta dia-a-dia do Brasil e como país pode ser menos refém da moeda americana?

É comum que o brasileiro veja ou escute informações sobre as variações do dólar. Mas, substancialmente, quando a cotação da moeda sobe, qual seu impacto na vida da população brasileira?

"O Brasil, ele é bastante influenciado pelo dólar porque a gente depende muito de tecnologia estrangeira para poder produzir os nossos produtos e principalmente a gente consome muito produto importado final e insumos também importados", explica Silas Souza César, economista e educador pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em entrevista ao Jabuticaba Sem Caroço, podcast da Sputnik Brasil.

Em outras palavras, como o Brasil é um importante importador de manufaturados, que são negociados em dólar, uma vez esses produtos custando mais para importação, maior será o preço pago pelo consumidor final.

Como nossa indústria ainda não é autossuficiente e também necessita de insumos que são comprados em dólar, fica ainda mais difícil se desvencilhar da moeda, "a gente precisa dessa moeda para que a nossa economia rode, para que a nossa economia funcione", explica o professor.

Como o Brasil pode diminuir a cotação do dólar?

dependência do dólar, obviamente, não é exclusividade do Brasil. "O dólar é a moeda das transações comerciais no mundo inteiro. E isso a gente já acompanha há mais de 50 anos, desde 1973 [fim da conversibilidade do dólar em ouro seguida do fim das taxas de câmbio fixas], o próprio acordo de Bretton Woods [1944]", relembra Fernando Sette Junior, economista e professor dos cursos de gestão do Centros Universitários UniBH e Centro Universitário UNA.

Ele explica, portanto, que a cotação do dólar nada mais é do que uma relação entre a quantidade de dólar que entra e sai do Brasil.

"O que permite que mais dólar entre no Brasil? O que permite que mais dólar entre no Brasil é o interesse do investimento estrangeiro, e aí não necessariamente esse investimento em dólar, mas como eu já coloquei, é a principal moeda que a gente tem de transação comercial no mundo, a gente tem que ter essa atratividade de investidores para poder colocar dólar no Brasil", explica.

Por sua vez, para haver investimento estrangeiro, o analista aponta que devem haver condições favoráveis para que os investidores queiram aplicar seu dinheiro no país. Dessa forma, é necessário um financiamento barato do setor privado e que não haja concorrência do setor público, além do governo estar com as contas em dias, evitando, por exemplo, que exista essa concorrência.

"Se há esse receio, tanto do setor privado, investimento no setor privado, quanto do investimento na dívida pública, os investidores internacionais se afastam e aí a cotação do dólar sobe", acrescenta.

A diminuição da cotação do dólar impactaria, diretamente, conforme o professor, no aumento da capacidade produtiva do Brasil, uma vez que, com taxa de juros e inflação mais baixas, os investidores teriam mais motivação para fazerem investimentos de risco.

"Esse aqui é o ponto do Brasil: para eu poder fazer investimento em capacidade produtiva, eu vou ter que correr risco, pode ser que dê certo, pode ser que dê errado, e aí, se a taxa de juros está alta, para que eu vou correr o risco? Eu vou deixar meu dinheiro rendendo naquilo que é livre de risco, que é o que o governo está me pagando", desenha, explicando o parâmetro brasileiro.

Em relação ao atual cenário do Brasil, com o dólar ultrapassando a casa dos R$ 6, embora o país tenha apresentado crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acima do esperado e um país com pleno emprego, a alta do dólar se explica, conforme Setter Júnior, pela especulação.

"Acho que a gente tem uma questão muito mais especulativa do dólar, que o Brasil está sendo um país interessante para se investir, então está entrando o dólar, o que a gente tem é um movimento especulativo muito grande em cima disso e o governo tenta frear o Banco Central através da taxa de juros [...], não está dando para entender por que está batendo R$ 6, sendo que os outros fatores econômicos estão numa toada diferente. E aí, talvez, o que explica o dólar a R$ 6 é essa falta de previsibilidade [...] que o governo não está dando para o mercado", avalia.

Desdolarização é o caminho?

Especulações sobre a possibilidade de países que não têm o dólar como moeda corrente realizarem seus negócios em outra moeda que não o dólar tem aumentado. Na cúpula do BRICS em outubro deste ano, por exemplo, o assunto foi amplamente mencionado pelos líderes de países-membros do bloco.

César acredita que o caminho pode trazer facilidades, mas tende a gerar reações por parte dos EUA.

"Isso, apesar de realmente oferecer praticidade e ganhos de escala bastante interessantes para os países envolvidos, acaba criando uma situação geopolítica de desconforto, principalmente para os Estados Unidos".

Como o dólar é uma moeda que baliza as transações internacionais há mais de 50 anos e trouxe estabilidade para o comércio internacional, segundo o especialista, isso pode criar certo ruído e os preços ficarem reféns disso.

"O esperado é que se a gente sai da moeda padrão, do dólar, então uma menor demanda vai fazê-la mais acessível, o preço dela caia. Mas a gente tem que pôr nessa equação um troço chamado incerteza, então se as incertezas aumentam muito, aí essa demanda que foi, digamos assim, flexibilizada com compra via outras moedas, ela acaba se tornando mais do que compensada por gente que com medo de um cenário muito adverso, de um cenário muito incerto, compra essa moeda para se proteger", avalia.

Em sentido parecido, Sette Júnior acredita que a negociação em outra moeda que não o dólar deva facilitar as relações com outros países, que, num primeiro momento, pode até gerar algum tipo de risco, mas que pode ser equalizado.

"Não acho que a gente chega a ser prejudicado com essa menor dependência do dólar, e na realidade nós vamos continuar muito dependentes ainda, mas a gente tem uma outra alternativa", analisa.

 

¨      Brasil terá o desafio de barganhar com os EUA de Trump sem dar as costas para a China

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas apontam que o Brasil terá de se equilibrar na disputa entre as duas potências, pois embora a relação com a China seja mais promissora, o país ainda é dependente dos EUA na questão financeira.

A China tem se firmado cada vez mais como uma potência rival dos Estados Unidos — muito por conta da postura dos próprios EUA, na verdade — no cenário internacional, com ambos os países competindo acirradamente por influência geopolítica e econômica.

Nessa disputa, Washington e Pequim têm visões distintas sobre a forma de se relacionar com outros países. Enquanto os EUA apostam na pressão econômica e coação bélica, a China opta pela não intervenção e pelo financiamento como forma de estreitar laços e ampliar suas parcerias.

No meio dessa disputa está o Brasil. Embora seja uma das vozes do Sul Global, o país cultiva boa relação com EUA e China, com parcerias estratégicas em ambos os lados. Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas explicam se a relação próxima do Brasil com a China pode levar o governo brasileiro a sofrer retaliação dos EUA, especialmente diante do retorno de Donald Trump à Casa Branca.

Marcos Cordeiro Pires, professor de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), afirma que a pressão dos EUA contra a China cresceu durante a primeira gestão de Trump (2017–2021), continuada pelo governo do atual presidente, Joe Biden, e deve ser ampliada ainda mais no próximo mandato de Trump, a ser iniciado em 20 de janeiro.

Ele afirma que o fato de Trump anunciar Marco Rubio como seu futuro secretário de Estado indica esse aumento de pressão, já que o senador sempre liderou o apoio a todas as sanções e medidas adotadas contra a China. Entretanto ele aponta que, em relação ao Brasil, o primeiro problema será político, uma vez que o retorno de Trump à Casa Branca é visto pela direita radical brasileira como forma de ganhar fôlego.

"Do lado do Brasil, para além dos problemas locais, o que a gente espera é que os grupos de extrema-direita aqui do país consigam ter um fôlego com o apoio ou acesso privilegiado. Não diria nem à Casa Branca, mas ao resort de Mar-a-Lago. Isso poderia trazer constrangimentos políticos para a democracia brasileira, já que esses grupos que já tentaram dar um golpe de Estado, que não foi em grande parte realizado porque não contava com o apoio dos EUA, com um governo radical de direita como o de Donald Trump, esses grupos podem se sentir autorizados para tentar reverter o processo político local."

Somado a isso, Pires afirma que o Brasil deve considerar a pressão dos EUA contra o avanço da presença da China na América do Sul.

"Basta recordar que, alguns dias antes do início da sessão do G20, a representante comercial Katherine Tai, do governo Biden, veio ao Brasil e pressionou contra a assinatura de um acordo de adesão do Brasil à Iniciativa Cinturão e Rota, Belt and Road [popularmente chamada de Nova Rota da Seda]. De fato, o governo Lula [após o G20] informou um monte de sinergias com a China, mas não avançou na formalização da adesão."

Em terceiro lugar, ele alerta para os interesses dos EUA pelos recursos naturais brasileiros, principalmente após a China anunciar a restrição de venda para os EUA de minerais estratégicos para produzir baterias e chips de semicondutores, em resposta à decisão de Biden de restringir a venda de equipamentos e materiais para a produção de chips. Segundo Pires, os EUA podem mirar o Brasil como alternativa para obter o recurso, mas não de maneira positiva.

"Do mesmo jeito que vimos Elon Musk dizendo que deu o golpe com orgulho contra o governo de Evo Morales em 2019, particularmente motivado pelas reservas bolivianas de lítio, não seria muito difícil imaginar que o Brasil, possuindo a segunda maior reserva de terras-raras, empatado com o Vietnã, sendo a primeira a China […], teria um problema grande na competição ou na busca desses recursos naturais."

De acordo com o especialista, isso "é algo que pode nos preocupar, porque muitas vezes se poderia pensar em questões relacionadas ao comércio, mas outras vezes, quando o comércio não funciona, medidas duras ocorrem, como já vimos na história, relacionadas ao petróleo e a outros temas energéticos".

Ele acrescenta que há a questão da influência cultural e ideológica, afirmando que "a elite brasileira adora vender para a China, mas considera que o seu mundo é Miami, Paris ou Londres".

Questionado sobre se o estreitamento de laços com a China — consolidado em reuniões bilaterais após o G20 — pode colocar o Brasil como inimigo dos EUA, Pires descarta a possibilidade e lembra que Brasília ainda é muito dependente de Washington, sobretudo na questão financeira.

"A gente está enfrentando aqui um ataque especulativo contra o governo brasileiro. Então, no período de um ano, ou de menos de um ano, o dólar sai de 4,70 [reais] e vai bater a 6 [reais]. Isso mostra uma vulnerabilidade grande do país, uma dependência grande com relação aos EUA, que concentra o sistema financeiro mundial. Eles têm a própria questão da nossa dívida interna. Não é o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ou [Gabriel] Galípolo, que vai definir essa taxa. Essa taxa é definida pelos credores que estão fora."

Bruno Hendler, professor de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), afirma que o Brasil vai ter que aprender a barganhar com as duas grandes potências.

"Se de um lado se negocia com os EUA, por outro também não pode deixar virar as costas para os americanos e aderir 100% a uma nova ordem chinesa", afirma.

Hendler afirma que, sendo proveniente do mundo dos negócios, Trump domina técnicas de negociação, e sua principal estratégia é a chamada ancoragem, que consiste em firmar uma posição inicial vantajosa em determinado assunto e, depois, ir fazendo poucas concessões, de forma a garantir que o acordo final ainda seja benéfico para si. Segundo ele, é isso o que Trump está fazendo ao ameaçar impor tarifas a adversários, como o BRICS, e aliados, a exemplo de México e Canadá.

O especialista avalia que seria impossível uma taxação de 100% sobre produtos de todos os países do BRICS, mas diz que a ameaça traz consigo o simbolismo da decadência da ordem global liderada pelos EUA.

"O aumento do protecionismo americano tem um simbolismo, um significado muito mais de longa duração, que é o declínio dessa ordem, a crise terminal dessa ordem liberal americana que teve a OMC [Organização Mundial do Comércio] como um de seus pilares."

Ele afirma que a taxação proposta por Trump é um movimento completamente oposto aos princípios de liberalização comercial da OMC, pela qual os norte-americanos projetaram sua influência nos anos 1990 e 2000.

"Eles vão meio que destruindo as próprias instituições que criaram em um movimento de isolacionismo e de protecionismo."

Por outro lado, o especialista avalia que a aproximação do Brasil com a China é juntar a "fome com a vontade de comer".

"Há um pragmatismo, há mais oportunidades representadas pela China hoje do que pelos EUA. Mas há também um compartilhamento de ideias, de defesa de um mundo mais multipolar e tudo mais. […] Olhar para os Estados Unidos e para a Europa, ok, são referências, mas a perspectiva muito mais promissora vem do Oriente, vem da China. E eu acho que essa é a visão que tem se replicado em uma série de administrações públicas, de níveis de administração pública no Brasil, prefeituras, governos de estado e tudo mais, até no governo federal", afirma.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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