quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

AUMENTA A REPRESSÃO GLOBAL AO ATIVISMO CLIMÁTICO

Estudo revela repressão global ao ativismo climático e ambiental, incluindo assassinatos, prisões e leis antiprotesto. Entenda os riscos.

A informação é de University of Bristol.

Um novo relatório revelou os inúmeros riscos enfrentados por participantes de protestos climáticos e ambientais em todo o mundo — e como mais países estão criminalizando e reprimindo essas atividades em uma tentativa de controlá-las.

O relatório, liderado pela Universidade de Bristol, é o primeiro a examinar estatísticas globais sobre esse tipo de protesto e identificar tendências alarmantes. Ele mostra que mais de 2.000 manifestantes climáticos e ambientais foram mortos nos últimos 12 anos e que uma série de novas legislações antiprotesto foi promulgada.

O documento faz um apelo para que governos, forças policiais e o sistema jurídico ajudem a proteger o direito das pessoas à reunião pacífica e à liberdade de expressão.

O autor principal, Dr. Oscar Berglund, professor sênior de Políticas Públicas e Sociais Internacionais na Escola de Estudos Políticos da Universidade, afirmou: “Esta pesquisa lança uma luz importante sobre como os protestos climáticos e ambientais crescentes estão sendo tratados globalmente. Nossas evidências mostram claramente uma repressão global tanto em democracias liberais quanto em autocracias.

“Isso é preocupante porque foca as políticas estatais em punir a dissidência contra a inação em relação às mudanças climáticas e ambientais, ao invés de tomar medidas adequadas sobre essas questões. Também representa movimentos autoritários inconsistentes com os ideais de sociedades civis vibrantes em democracias liberais.”

Os resultados mostraram que assassinatos e desaparecimentos de ativistas climáticos e ambientais são comuns em muitos países, com a ONG internacional Global Witness relatando pelo menos 2.106 mortes entre 2012 e 2023. O Brasil teve o maior número, com 401 fatalidades, seguido pelas Filipinas com 298, Índia com 86 e Peru com 58.

De acordo com a pesquisa, uma proporção significativa de protestos climáticos e ambientais resultou em prisões. A maior proporção, de um em cada cinco protestos, foi registrada na Austrália, seguida por 17% no Reino Unido — muito acima da média internacional de 6,3%.

Manifestantes não violentos também têm recebido longas penas de prisão como forma de dissuasão. Por exemplo, neste ano, no Reino Unido, muitos ativistas climáticos foram presos, com a sentença mais longa sendo de cinco anos.

O relatório define os protestos ambientais como aqueles voltados para impedir projetos específicos ambientalmente destrutivos, como exploração e extração de combustíveis fósseis, desmatamento, construção de barragens ou mineração. Já os protestos climáticos são descritos como eventos mais urbanos, que tendem a ter demandas políticas mais amplas, como o fim da exploração de petróleo, ou exigências políticas mais abrangentes, como a implementação de um Green New Deal.

Os pesquisadores analisaram dados do Armed Conflict Location & Event Data (ACLED) e da Global Witness para reunir informações globais e explorar tendências, além de novas legislações antiprotesto introduzidas em diferentes partes do mundo.

Foram identificadas quatro principais formas de criminalizar e reprimir protestos climáticos e ambientais: introdução de leis antiprotesto que criminalizam grupos, criação de novos crimes, aumento das punições para crimes existentes, ampliação dos poderes policiais e concessão de impunidade a agentes que prejudicam ativistas. O protesto também é criminalizado por meio de processos judiciais.

O Dr. Berglund explicou: “Isso envolve o uso de legislações existentes, incluindo leis anti terrorismo ou contra o crime organizado, para reprimir protestos. Os protestos climáticos estão sendo despolitizados nos tribunais, proibindo menções às mudanças climáticas ou danos ambientais nos processos ou alterando os procedimentos judiciais para aumentar a probabilidade de condenação dos ativistas.”

A terceira categoria é por meio da ação policial, realizada não apenas por agentes do Estado, como polícia ou militares, mas também por segurança privada, militares ou grupos do crime organizado. Isso inclui tentativas de impedir protestos usando revistas, prisões, violência física e ameaças e intimidações contra manifestantes.

O Dr. Berglund afirmou: “Talvez o mais chocante seja que encontramos assassinatos e desaparecimentos como algo comum em alguns países. De muitas formas, isso é uma extensão das ações policiais, pois são realizadas ou permitidas pelas mesmas autoridades, frequentemente após ameaças de morte e outras formas de intimidação.”

O relatório faz diversas recomendações, incluindo que as autoridades públicas realizem avaliações regulares e publiquem dados demonstrando como suas ações ajudam a proteger o direito à reunião pacífica e à liberdade de expressão. Também solicita o fim do uso de legislações antiterrorismo e contra o crime organizado contra ativistas climáticos e ambientais.

O Dr. Berglund concluiu: “Os marcos dos direitos humanos devem estar no centro das considerações e operações policiais para garantir que o público possa exercer seu direito ao protesto sem impedimentos ou medo.

“Protestos climáticos e ambientais estão se tornando cada vez mais comuns, e por boas razões, à medida que a crise climática se agrava, e as respostas a essas atividades estão evoluindo rapidamente. Mais pesquisas são necessárias para compreender melhor a situação, de modo que medidas adequadas possam ser identificadas e implementadas para proteger os direitos humanos e garantir a segurança dos manifestantes.”

 

¨      O crime organizado transnacional e a luta contra a crise climática. Por Regine Schönenberg

O crime organizado transnacional, tradicionalmente associado ao tráfico de drogas, armas e pessoas, também se revela como uma ameaça crescente à segurança climática global. Regiões críticas para a saúde ambiental do planeta, como a Amazônia brasileira, a Bacia do Congo e florestas do Sudeste Asiático, estão na linha de frente dessa crise. Nessas áreas, crimes ambientais estão profundamente interligados à degradação dos ecossistemas e à erosão da autoridade estatal, criando um terreno fértil para a expansão de redes criminosas que exploram tanto os recursos naturais quanto as populações locais.

De acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), crimes ambientais – incluindo tráfico de vida selvagem, madeira, mineração ilegal e despejo de resíduos tóxicos – movimentam entre US$ 110 bilhões e US$ 281 bilhões anualmente. Essas atividades não apenas destroem ecossistemas vitais, mas também perpetuam fluxos financeiros ilícitos e altos níveis de corrupção.

Na Amazônia brasileira, os exemplos são alarmantes. Um dos casos mais emblemáticos é a mineração ilegal em terras indígenas, frequentemente promovida por redes criminosas que utilizam equipamentos industriais para extrair ouro. Em 2024, uma operação da Polícia Federal revelou o envolvimento de um senador e candidato ao governo do Pará em atividades de mineração clandestina. As terras indígenas, alvos constantes dessas práticas, também são usadas como base para postos de gasolina e farmácias ilegais às vezes até controlados por políticos locais, mascarando operações criminosas mais amplas das frações.

Um dos fatores subjacentes é a grilagem de terras, um processo no qual terras públicas são apropriadas ilegalmente, muitas vezes com uso de violência contra comunidades locais. Empreendedores e políticos corruptos controlam as cadeias de documentação em cartórios privados, permitindo que terras roubadas sejam legalizadas. Esse ciclo não apenas promove a destruição ambiental, mas também gera lucros que são reinvestidos em atividades ilícitas, como o tráfico de drogas e armas.

Assim a expansão da fronteira agrícola também é um motor da destruição. Desde os anos 1990, a chegada da soja e o crescimento da pecuária intensificaram o desmatamento. Grandes latifundiários, frequentemente envolvidos em esquemas criminosos, utilizam a conversão de florestas em pastagens para lavar dinheiro e ampliar suas fortunas.

A ausência do estado em áreas remotas e a convivência de algumas lideranças locais agravam a situação. Um exemplo revelador é o de uma ONG local que apoia mulheres na produção de produtos florestais sustentáveis. Apesar de possuir financiamento externo, o grupo enfrentou barreiras impostas por políticos e bancos regionais ligados ao crime organizado, que bloquearam os recursos destinados ao projeto.

Enfrentar essa crise exige uma abordagem multilateral, integrada e interdisciplinar. A criação de um quarto protocolo para a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (UNTOC), que trate especificamente de crimes ambientais, é uma necessidade urgente. Esse protocolo pode estabelecer definições claras, penalidades apropriadas e ferramentas investigativas robustas para lidar com a complexidade desses crimes.

Além disso, há um movimento crescente para incluir o Ecocídio como crime internacional, reconhecendo a devastação ambiental como uma violação de direitos fundamentais. Essa mudança não apenas responsabilizaria juridicamente os infratores, mas também fortaleceria a proteção legal de ecossistemas essenciais.

No nível local, o fortalecimento da governança é indispensável. Iniciativas comunitárias têm se mostrado cruciais na resistência aos crimes ambientais. Na Colômbia, comunidades indígenas e camponesas usam estratégias como sistemas de alerta precoce, demarcação territorial com bandeiras brancas e práticas de soberania alimentar para proteger suas terras. Na Amazônia, guardiões florestais indígenas têm arriscado suas vidas para expulsar invasores e preservar seus territórios, enfrentando violência e ameaças de morte.

Abordagens inovadoras, como o reconhecimento da natureza como sujeito de direitos, oferecem uma mudança paradigmática na relação entre humanidade e meio ambiente. O pluralismo jurídico, que incorpora visões indígenas e comunitárias sobre o uso e a proteção da terra, pode transformar a forma como tratamos recursos naturais e promovemos a justiça ambiental.

A interseção entre crime organizado e mudanças climáticas transcende fronteiras e requer ações coordenadas. Governos, organizações internacionais e a sociedade civil devem trabalhar juntos para restaurar o equilíbrio entre governança, biodiversidade e resiliência climática.

Os exemplos da Amazônia são emblemáticos dessa convergência de desafios. No entanto, eles também oferecem lições importantes sobre resiliência e inovação comunitária. Ao enfrentarmos essa última fronteira do crime, o futuro do planeta depende de nossa capacidade de responder com coragem, cooperação e compromisso com um novo paradigma de sustentabilidade e justiça.

 

Fonte: EcoDebate/Um só Planeta

 

Nenhum comentário: