quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Arcabouço: os erros e perigos no pacote do governo

A economia brasileira registra excelentes resultados nos indicadores comumente utilizados para avaliar o desempenho econômico. O crescimento esperado do PIB para 2024 é de 3,5%; ao final de outubro, o nível do desemprego foi o segundo menor desde 2012 (6,4%); a renda média dos ocupados aumentou e o mesmo aconteceu com o investimento produtivo, embora este esteja muito aquém do desejável.

Ainda no rol dos indicadores positivos, a inflação está dentro da meta e a pobreza diminuiu significativamente. Lula sempre declarou que seu objetivo primeiro era o combate à pobreza. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a população abaixo da linha de pobreza adotada pelo Banco Mundial (US$ 6,85 PPC por dia ou R$ 665 por mês) caiu de 31,6% (2022) para 27,4% (2023). Essa proporção foi a menor registrada desde 2012. Já a população em situação de extrema pobreza (US$ 2,15 PPC por dia ou R$ 209 por mês) recuou de 5,9% para 4,4%. Além desse percentual ser o menor desde 2012, é a primeira vez que ficou abaixo dos 5,0%.

Contrasta com esses indicadores, a taxa básica de juros (a taxa básica da economia e a taxa média de juros praticada nas operações compromissadas com títulos públicos federais) que está nas alturas (11,25%). Ao lado disso, o dólar ultrapassou, pela primeira vez, a barreira dos R$ 6,00 sem que as autoridades monetárias tomassem qualquer medida para conter a forte e rápida desvalorização da moeda nacional.

Tanto a taxa básica de juros como o câmbio são resultado da orientação do Banco Central (BC). Este, embora se diga independente, atua em concordância com as posições do chamado “mercado”, nome assumido pelas finanças. Para esse segmento – e por decorrência o Banco Central – tudo é motivo para aumentar a taxa de juros: se há pressão inflacionária, não importando se de oferta e não de demanda, cabe elevar os juros; se o PIB cresce alguma coisa acima do esperado pelo mercado, há que elevar os juros e, finalmente, é preciso aumentar os juros porque a dívida pública é elevada e o “mercado” considera que sua trajetória de expansão está mantida e mesmo aprofundada.

·        O imperativo do ajuste fiscal

O processo pelo qual o pensamento neoliberal passou a determinar a política fiscal e monetária no Brasil abarca décadas. Começou com a abertura da Bolsa ao capital estrangeiro, prosseguiu com a venda dos ativos públicos (as privatizações dos anos 1990), continuou com o estabelecimento de regras para a ampliação do gasto (somente possível com a definição de novos recursos) e pela proibição dos gastos correntes serem financiados com títulos públicos, e prosseguiu com a realização de reformas da aposentadoria tanto dos trabalhadores do setor privado como do público.

Essas primeiras medidas ocorreram particularmente durante o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), mas tanto Lula como Dilma Rousseff não as reverteram, mesmo que parcialmente, quando assumiram o governo. Ao contrário, no primeiro governo, Lula teve sucesso em aprovar mudança na aposentadoria, exatamente nos aspectos que FHC não tinha sido exitoso.

O segundo grande momento do avanço do neoliberalismo sobre a definição da política fiscal ocorreu em dezembro de 2016, no governo de Michel Temer, aquele que assumiu a presidência da República quando do impeachment de Dilma Rousseff. A partir desse momento, e inscrito na Constituição, o gasto público foi congelado por vinte anos. Ao contrário de outros países, o serviço da dívida pública não foi incluído nesse congelamento e os gastos sociais o foram.

Esse mecanismo ficou conhecido como “Teto do Gasto”. Teve como consequência desorganizar o aparelho do Estado e, entre os setores mais afetados, destacaram-se a Educação e a Saúde públicas. No âmbito da educação se congelaram os salários, não se realizaram concursos de ingresso, foram cortadas bolsas e deixadas à mingua a manutenção, afetando a limpeza, água e eletricidade. Na saúde, atividades de todos os tipos foram comprometidas, obstaculizando a realização de suas ações e serviços.

O ajuste fiscal no início do terceiro governo Lula

Em 2023, Lula aprovou um novo regime fiscal, o “Novo Arcabouço Fiscal”. A rigor, como se pode ver em seus parâmetros, houve flexibilização com relação ao Teto do Gasto, mas a primazia do seu controle foi mantida e aprofundada.

·        Parâmetros

 I. resultado primário

1. definição da meta para 2023 e para os três anos seguintes (-0,5%; 0,0%; 0,5% e 1,0%, respectivamente).

2. adoção de intervalos de tolerância nas metas, de modo que o resultado primário possa estar 0,25 pontos porcentuais do PIB acima ou abaixo da meta definida.

II. evolução do gasto

1. Crescimento do gasto real limitado a 70% da variação real dos recursos primários acumulados em 12 meses.

2. Crescimento real do gasto primário limitado ao intervalo 0,6% a 2,5% anual, isto é, não pode crescer acima de 2,5% e não menos que 0,6%.

3. Ficam excluídos dessas normas o Fundo Constitucional do Distrito Federal e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica.

III. sanção no caso de descumprimento das normas

1. O crescimento real dos gastos primários deverá se reduzir em 50% no ano seguinte.
IV. Investimento Públicos

2. Estabelecimento de um piso orçamentário, não necessariamente exigível.
3. No caso de o resultado primário superar a meta, é permitida a utilização de parte dos recursos excedentes para investimentos.

Para tentar atingir o déficit zero previsto para 2024, o governo fez um restrito controle das despesas, adiando ao máximo inclusive aquelas de caráter social e dirigidas aos mais pobres. Ao final de novembro, finalmente, apresentou um conjunto de medidas com o objetivo de reduzir o gasto em R$ 70 bilhões nos próximos dois anos, com o objetivo de garantir as metas de resultados primários previstas no Arcabouço. Desse conjunto de propostas, destaco três que afetam diretamente a população mais pobre.

·        Mudança na política de valorização da salário mínimo

Em 2023 Lula retomou essa política, pois essa havia sido interrompida por Bolsonaro. Consistia em aumentar o salário mínimo considerando a inflação e o crescimento real do PIB dos dois últimos anos. Em seus primeiros governos, todos os estudos mostraram que essa política foi o principal instrumento para diminuir a desigualdade entre os ocupados e para aumentar a renda dos mais pobres (dado que a ele corresponde o piso dos benefícios sociais e que seu valor afeta positivamente a base da pirâmide salarial). A proposta é manter a regra do crescimento real pelo PIB, mas a variação estará dentro do marco fiscal, de um máximo de 2,5%.

·        Abono salarial

Hoje é pago anualmente aos trabalhadores do mercado formal que ganham até dois salários mínimo. A proposta é diminuir, ao longo do tempo, esse critério de acesso para 1,5 salário mínimo.

·        Benefício de Prestação Continuada

Pago a pessoas de 65 anos ou mais e a deficientes com renda per capita familiar igual ou inferior a 25% do salário mínimo. A proposta é incluir, no cálculo da renda per capita, a renda dos cônjuges e companheiros não conviventes e a renda dos irmãos, filhos e enteados conviventes (não só os solteiros).

Com essas e outras propostas, a adesão à ideia da primazia do déficit zero e de superávits se apresenta, agora, em outro nível, afetando diretamente políticas dirigidas aos mais pobres, e que haviam sido consideradas marca dos governos anteriores do PT. Em outras palavras, a adesão à tese da austeridade revela-se em sua totalidade.

A exigência do cumprimento das metas não poupa sequer as políticas sociais dos que mais necessitam. Uma escolha foi feita. E torna-se impossível se continuar dizendo que tudo isso decorre da desfavorável correlação de forças. Há coisas que não se propõe; há limites que não se transpõe.

 

¨      Câmara aprova tributação mínima de 15% sobre lucros de multinacionais

Projeto de Lei 3817/24, que determina tributação mínima de 15% de empresas multinacionais instaladas no Brasil foi aprovado nesta terça-feira (17) na Câmara do Deputados, a partir do adicional da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

As regras entram em vigor em janeiro de 2025. A taxação valerá para empresas multinacionais com faturamento superior a 750 milhões de euros (cerca de R$ 4,8 bilhões) por ano, em pelo menos dois dos quatro anos fiscais consecutivos anteriores à apuração. O texto segue para o Senado.

O governo estima arrecadar R$ 3,2 bilhões em 2026, R$ 7,2 bilhões em 2027 e R$ 7,7 bilhões em 2028, quando o taxação deve se estabilizar.

Atualmente, o Brasil tributa 34% da renda de empresas, somando Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Entretanto, a carga pode cair para menos de 15% devido a incentivos fiscais e estratégias das empresas para pagar menos impostos.

Segundo a Receita Federal, 290 multinacionais no Brasil têm esse faturamento ou mais, 20 de capital local e as demais totalmente estrangeiras.

De autoria do deputado José Guimarães (PT-CE), o projeto repete a Medida Provisória 1262/24, editada pelo governo em outubro, mas que não foi votada.

A medida segue o acordo global para evitar erosão tributária (Regras GloBE) da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que foi assinado por mais de 140 países.

O objetivo do acordo é evitar que apenas os países sedes das multinacionais tenham arrecadação tributária e garantir que parte dos lucros obtidos por elas no país anfitrião seja pago ao governo local. Outro motivo é evitar guerra fiscal entre os países.

O projeto também prorroga até 2029 o desconto de um crédito presumido de 9% sobre o resultado da Tributação em Bases Universais (TBU), que beneficia as multinacionais brasileiras com subsidiárias no exterior.

A medida, segundo Guimarães, corrige possível dupla tributação dessas empresas e ajuda a que operem em igualdade com concorrentes estrangeiros:

"A manutenção desses instrumentos não apenas neutraliza as desvantagens impostas às empresas nacionais, mas também reforça a capacidade do Brasil de competir no cenário global", afirmou o relator em nota divulgada pela Câmara.

 

Fonte: Por Rosa Marques, em A Terra é Redonda/Sputnik Brasil

 

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