Arcabouço: os erros e perigos no
pacote do governo
A economia brasileira registra excelentes resultados
nos indicadores comumente utilizados para avaliar o desempenho econômico. O
crescimento esperado do PIB para 2024 é de 3,5%; ao final de outubro, o nível
do desemprego foi o segundo menor desde 2012 (6,4%); a renda média dos ocupados
aumentou e o mesmo aconteceu com o investimento produtivo, embora este esteja
muito aquém do desejável.
Ainda no rol dos indicadores positivos, a inflação está
dentro da meta e a pobreza diminuiu significativamente. Lula sempre declarou
que seu objetivo primeiro era o combate à pobreza. Segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, a população abaixo da linha de pobreza
adotada pelo Banco Mundial (US$ 6,85 PPC por dia ou R$ 665 por mês) caiu de
31,6% (2022) para 27,4% (2023). Essa proporção foi a menor registrada desde
2012. Já a população em situação de extrema pobreza (US$ 2,15 PPC por dia ou R$
209 por mês) recuou de 5,9% para 4,4%. Além desse percentual ser o menor desde
2012, é a primeira vez que ficou abaixo dos 5,0%.
Contrasta com esses indicadores, a taxa básica de juros
(a taxa básica da economia e a taxa média de juros praticada nas operações
compromissadas com títulos públicos federais) que está nas alturas (11,25%). Ao
lado disso, o dólar ultrapassou, pela primeira vez, a barreira dos R$ 6,00 sem
que as autoridades monetárias tomassem qualquer medida para conter a forte e
rápida desvalorização da moeda nacional.
Tanto a taxa básica de juros como o câmbio são
resultado da orientação do Banco Central (BC). Este, embora se diga
independente, atua em concordância com as posições do chamado “mercado”, nome
assumido pelas finanças. Para esse segmento – e por decorrência o Banco Central
– tudo é motivo para aumentar a taxa de juros: se há pressão inflacionária, não
importando se de oferta e não de demanda, cabe elevar os juros; se o PIB cresce
alguma coisa acima do esperado pelo mercado, há que elevar os juros e,
finalmente, é preciso aumentar os juros porque a dívida pública é elevada e o
“mercado” considera que sua trajetória de expansão está mantida e mesmo
aprofundada.
·
O imperativo do ajuste fiscal
O processo pelo qual o pensamento neoliberal passou a
determinar a política fiscal e monetária no Brasil abarca décadas. Começou com
a abertura da Bolsa ao capital estrangeiro, prosseguiu com a venda dos ativos
públicos (as privatizações dos anos 1990), continuou com o estabelecimento de
regras para a ampliação do gasto (somente possível com a definição de novos
recursos) e pela proibição dos gastos correntes serem financiados com títulos
públicos, e prosseguiu com a realização de reformas da aposentadoria tanto dos
trabalhadores do setor privado como do público.
Essas primeiras medidas ocorreram particularmente
durante o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), mas tanto Lula como Dilma
Rousseff não as reverteram, mesmo que parcialmente, quando assumiram o governo.
Ao contrário, no primeiro governo, Lula teve sucesso em aprovar mudança na
aposentadoria, exatamente nos aspectos que FHC não tinha sido exitoso.
O segundo grande momento do avanço do neoliberalismo
sobre a definição da política fiscal ocorreu em dezembro de 2016, no governo de
Michel Temer, aquele que assumiu a presidência da República quando do impeachment de Dilma Rousseff. A
partir desse momento, e inscrito na Constituição, o gasto público foi congelado
por vinte anos. Ao contrário de outros países, o serviço da dívida pública não
foi incluído nesse congelamento e os gastos sociais o foram.
Esse mecanismo ficou conhecido como “Teto do Gasto”.
Teve como consequência desorganizar o aparelho do Estado e, entre os setores
mais afetados, destacaram-se a Educação e a Saúde públicas. No âmbito da
educação se congelaram os salários, não se realizaram concursos de ingresso,
foram cortadas bolsas e deixadas à mingua a manutenção, afetando a limpeza,
água e eletricidade. Na saúde, atividades de todos os tipos foram
comprometidas, obstaculizando a realização de suas ações e serviços.
O ajuste fiscal no início do terceiro governo Lula
Em 2023, Lula aprovou um novo regime fiscal, o “Novo
Arcabouço Fiscal”. A rigor, como se pode ver em seus parâmetros, houve
flexibilização com relação ao Teto do Gasto, mas a primazia do seu controle foi
mantida e aprofundada.
·
Parâmetros
I. resultado
primário
1. definição da meta para 2023 e para os três anos
seguintes (-0,5%; 0,0%; 0,5% e 1,0%, respectivamente).
2. adoção de intervalos de tolerância nas metas, de
modo que o resultado primário possa estar 0,25 pontos porcentuais do PIB acima
ou abaixo da meta definida.
II. evolução do gasto
1. Crescimento do gasto real limitado a 70% da variação
real dos recursos primários acumulados em 12 meses.
2. Crescimento real do gasto primário limitado ao
intervalo 0,6% a 2,5% anual, isto é, não pode crescer acima de 2,5% e não menos
que 0,6%.
3. Ficam excluídos dessas normas o Fundo Constitucional
do Distrito Federal e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica.
III. sanção no caso de
descumprimento das normas
1. O crescimento real dos gastos primários deverá se
reduzir em 50% no ano seguinte.
IV. Investimento Públicos
2. Estabelecimento de um piso orçamentário, não
necessariamente exigível.
3. No caso de o resultado primário superar a meta, é permitida a utilização de
parte dos recursos excedentes para investimentos.
Para tentar atingir o déficit zero previsto para 2024,
o governo fez um restrito controle das despesas, adiando ao máximo inclusive
aquelas de caráter social e dirigidas aos mais pobres. Ao final de novembro,
finalmente, apresentou um conjunto de medidas com o objetivo de reduzir o gasto
em R$ 70 bilhões nos próximos dois anos, com o objetivo de garantir as metas de
resultados primários previstas no Arcabouço. Desse conjunto de propostas,
destaco três que afetam diretamente a população mais pobre.
·
Mudança na política de
valorização da salário mínimo
Em 2023 Lula retomou essa política, pois essa havia
sido interrompida por Bolsonaro. Consistia em aumentar o salário mínimo
considerando a inflação e o crescimento real do PIB dos dois últimos anos. Em
seus primeiros governos, todos os estudos mostraram que essa política foi o
principal instrumento para diminuir a desigualdade entre os ocupados e para
aumentar a renda dos mais pobres (dado que a ele corresponde o piso dos
benefícios sociais e que seu valor afeta positivamente a base da pirâmide
salarial). A proposta é manter a regra do crescimento real pelo PIB, mas a
variação estará dentro do marco fiscal, de um máximo de 2,5%.
·
Abono salarial
Hoje é pago anualmente aos trabalhadores do mercado
formal que ganham até dois salários mínimo. A proposta é diminuir, ao longo do
tempo, esse critério de acesso para 1,5 salário mínimo.
·
Benefício de Prestação
Continuada
Pago a pessoas de 65 anos ou mais e a deficientes com renda per capita familiar igual ou inferior
a 25% do salário mínimo. A proposta é incluir, no cálculo da renda per capita, a renda dos cônjuges e
companheiros não conviventes e a renda dos irmãos, filhos e enteados
conviventes (não só os solteiros).
Com essas e outras propostas, a adesão à ideia da
primazia do déficit zero e de superávits se apresenta, agora, em outro nível,
afetando diretamente políticas dirigidas aos mais pobres, e que haviam sido
consideradas marca dos governos anteriores do PT. Em outras palavras, a adesão
à tese da austeridade revela-se em sua totalidade.
A exigência do cumprimento das metas não poupa sequer
as políticas sociais dos que mais necessitam. Uma escolha foi feita. E torna-se
impossível se continuar dizendo que tudo isso decorre da desfavorável
correlação de forças. Há coisas que não se propõe; há limites que não se
transpõe.
¨ Câmara aprova tributação mínima de 15% sobre lucros de
multinacionais
Projeto de Lei
3817/24, que determina tributação mínima de 15% de empresas multinacionais
instaladas no Brasil foi aprovado nesta terça-feira (17) na Câmara do
Deputados, a partir do adicional da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
(CSLL).
As
regras entram em vigor em janeiro de 2025. A taxação valerá para empresas
multinacionais com faturamento superior a 750 milhões de euros (cerca de R$ 4,8
bilhões) por ano, em pelo menos dois dos quatro anos fiscais consecutivos
anteriores à apuração. O texto segue para o Senado.
O governo estima
arrecadar R$ 3,2 bilhões em 2026, R$ 7,2 bilhões em 2027 e R$ 7,7 bilhões
em 2028, quando o taxação deve se estabilizar.
Atualmente, o
Brasil tributa 34% da renda de empresas, somando Imposto de Renda e
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Entretanto, a carga pode cair
para menos de 15% devido a incentivos fiscais e estratégias das
empresas para pagar menos impostos.
Segundo a Receita
Federal, 290 multinacionais no Brasil têm esse faturamento ou mais, 20 de
capital local e as demais totalmente estrangeiras.
De autoria
do deputado José Guimarães (PT-CE), o projeto repete a Medida
Provisória 1262/24, editada pelo governo em outubro, mas que não foi votada.
A medida segue
o acordo global para evitar erosão tributária (Regras GloBE) da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que foi assinado por mais de
140 países.
O objetivo do
acordo é evitar que apenas os países sedes das multinacionais tenham arrecadação
tributária e
garantir que parte dos lucros obtidos por elas no país anfitrião seja pago ao
governo local. Outro motivo é evitar guerra fiscal entre os países.
O projeto também
prorroga até 2029 o desconto de um crédito presumido de 9% sobre o resultado
da Tributação em Bases Universais (TBU), que beneficia as
multinacionais brasileiras com subsidiárias no exterior.
A medida, segundo
Guimarães, corrige possível dupla tributação dessas empresas e ajuda a que
operem em igualdade com concorrentes estrangeiros:
"A manutenção
desses instrumentos não apenas neutraliza as desvantagens impostas às empresas
nacionais, mas também reforça a capacidade do Brasil de competir no cenário
global", afirmou o relator em nota divulgada pela Câmara.
Fonte: Por Rosa Marques, em A Terra é Redonda/Sputnik Brasil
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