Telegram promove
conteúdo extremista a usuários, revela estudo obtido pela BBC
A plataforma de rede
social Telegram usa
um algoritmo que promove conteúdo extremista, segundo um novo estudo obtido com
exclusividade pela BBC.
O estudo da
entidade americana em defesa de direitos civis Southern Poverty Law Center
(SPLC) descobriu que o recurso "canais similares", criado no ano
passado, recomenda canais com conteúdo radical até mesmo quando usuários estão
navegando em canais sobre celebridades ou sobre tecnologia.
Um professor
mostrou à BBC que, em poucos instantes, foi capaz de encontrar uma pessoa que
estava disposta a exportar para o Reino Unido uma submetralhadora, por 850
libras (cerca de R$ 6,6 mil).
O Telegram disse que usuários
"apenas recebem conteúdo com o qual escolhem se engajar" e que a
plataforma remove milhões de itens considerados danosos diariamente.
O fundador do
Telegram, o bilionário russo
Pavel Durov,
está sendo investigado na França por não conseguir conter o uso da plataforma
por criminosos. Ele nega todas as acusações.
O Telegram —
conhecido por ser um aplicativo de mensagens que permite bastante sigilo —
possui um bilhão de usuários. Eles podem criar grupos com até 200 mil pessoas.
Pesquisadores da
SPLC investigaram 28 mil canais de Telegram para seu relatório "As
Recomendações Tóxicas do Telegram".
O estudo detectou
que pessoas buscando conteúdos banais recebiam recomendação de conteúdos
radicais. E pessoas que já buscavam conteúdo extremista — como conspirações
antigoverno — recebiam sugestões de conteúdo ainda mais radical, como grupos de
antissemitismo e nacionalismo branco.
A
pesquisadora-chefe Megan Squire fez uma demonstração de como o algoritmo do
Telegram funciona pesquisando por "Donald Trump" em uma conta
recém-criada na plataforma.
Imediatamente
surgiram nas recomendações de "canais semelhantes" vários canais
promovendo a conspiração Q-Anon — que alega falsamente que Trump está em uma
guerra secreta contra pedófilos adoradores de Satanás na elite do governo, do
mundo dos negócios e da mídia.
Outra pesquisa por
"revoltas no Reino Unido" exibiu um meme sobre Adolf Hitler como o
primeiro resultado, seguido por sugestões para uma série de canais
administrados por grupos violentos de direita radical.
"Alguns desses
grupos são bem ativos. Os usuários no Telegram não estão apenas recebendo
memes, eles estão sendo atraídos para eventos reais. Eles estão participando de
eventos presenciais com outras pessoas", disse Squire.
Nas horas após um
ataque com faca em Southport em agosto, que provocou tumultos em todo o Reino
Unido, usuários do Telegram estiveram entre os primeiros que enviaram
convocações para protestos, junto com falsas alegações de que o suposto
agressor era um imigrante que havia solicitado asilo.
Squire disse à BBC
que a pesquisa mostrou que o Telegram virou uma "ameaça digital".
"Em uma escala
de um a 10, o Telegram eu diria que é um 11. Ele está distribuindo enormes
quantidades de conteúdo criminoso e extremista. É extremamente perigoso na
minha opinião", disse ela.
Elies Campo, um
ex-funcionário que fez parte do círculo de decisões do Telegram por seis anos,
disse à BBC que cobrou Pavel Durov sobre material extremista em 2021.
"Sua posição
era que não cabe a uma plataforma como a nossa decidir quem deveria se
manifestar. Estava claro que ele não queria dedicar mais recursos a isso",
disse Campo.
"Acho que se
ele pudesse escolher, escolheria mais uma posição em que não precisasse moderar
nada."
O professor David
Maimon da Georgia State University, que passou seis anos estudando conteúdo
ilegal no Telegram, disse que há dezenas de milhares de canais oferecendo de
tudo — desde ferramentas para golpes até armas.
"O Telegram é
definitivamente uma das plataformas mais importantes que os criminosos estão
usando hoje em dia para atividades criminosas", disse ele.
Ele mostrou à BBC
como, momentos após postar uma mensagem dizendo que precisava de "uma Uzi
e uma espingarda", um vendedor postou uma foto de uma Uzi e disse que
poderia "entregá-la rapidamente" para um endereço em Belfast, na
Irlanda do Norte, em dois ou três dias.
As autoridades
francesas acusam Pavel Durov de cumplicidade em casos de tráfico de drogas,
crime organizado e compartilhamento de imagens de abuso infantil no Telegram.
Ele está atualmente em liberdade sob fiança e não tem permissão para deixar a
França.
O Telegram diz que
leva conteúdo extremista e ilegal muito a sério e que suas equipes de moderação
e sua ferramenta de inteligência artificial removem milhões de peças de
conteúdo considerado nocivo todos os dias.
Ele diz que seus
usuários recebem apenas o conteúdo que assinam — já que o Telegram não
"injeta ou promove conteúdo".
"O recurso
'sugestões de canal' mostra apenas canais sobre o mesmo tópico que o usuário já
segue. Essa abordagem garante que os usuários sejam apresentados apenas ao
conteúdo com o qual escolheram se envolver. Isso é completamente diferente de
como outras plataformas fazem sugestões", disse a empresa.
O Telegram disse
que "ele não amplifica o conteúdo, mas mostra sugestões baseadas em
tópicos vinculados às escolhas do usuário".
¨ Como Facebook restringiu acesso a notícias de Gaza
durante guerra com Israel
O Facebook restringiu
severamente a capacidade dos veículos de notícias palestinos de alcançar o
público durante a guerra entre Israel e Gaza, de acordo com uma
pesquisa da BBC.
Em uma análise
abrangente dos dados do Facebook, descobrimos que os canais de imprensa nos territórios
palestinos —
em Gaza e na Cisjordânia — sofreram
uma queda acentuada no engajamento do público desde outubro de 2023.
A BBC também teve
acesso a documentos vazados que mostram que o Instagram — outra
plataforma de propriedade da Meta — aumentou a moderação dos comentários de
usuários palestinos após outubro de 2023.
A Meta, dona do
Facebook, afirma que qualquer insinuação de que suprimiu deliberadamente
determinadas vozes é "inequivocamente falsa".
Desde o início da
guerra entre Israel e Gaza, apenas alguns jornalistas de fora tiveram permissão
para entrar no território palestino de Gaza, e só puderam fazer isso escoltados
pelo Exército israelense.
As redes sociais preencheram a
lacuna para aqueles que queriam ouvir mais vozes de dentro de Gaza. As páginas
do Facebook de canais de notícias, como a Palestine TV, a agência de notícias
Wafa e a Palestinian Al-Watan News — que operam a partir do território da
Cisjordânia —, se tornaram uma fonte vital de atualizações para muitas pessoas
ao redor do mundo.
A BBC News Arabic,
serviço de notícias em árabe da BBC, compilou dados de engajamento nas páginas
do Facebook de 20 importantes organizações de imprensa baseadas na Palestina no
ano que antecedeu os ataques do Hamas a Israel
em 7 de outubro de
2023,
e no ano seguinte.
O engajamento é uma
medida importante do impacto que uma conta de rede social está tendo, e de
quantas pessoas estão vendo seu conteúdo. Ele inclui fatores como o número de
comentários, reações e compartilhamentos.
Durante um período
de guerra, é de se esperar que o envolvimento do público aumente. No entanto,
os dados mostraram um declínio de 77% após os ataques do Hamas em 7 de outubro
de 2023.
A Palestine TV tem
5,8 milhões de seguidores no Facebook. Os jornalistas da emissora
compartilharam com a gente estatísticas que mostram uma queda de 60% no número
de pessoas que veem suas publicações.
"A interação
foi totalmente restringida, e nossas postagens deixaram de chegar às
pessoas", diz Tariq Ziad, jornalista do canal de televisão.
No ano passado, os
jornalistas palestinos levantaram temores de que seu conteúdo online estivesse
sendo alvo de shadow banning pela Meta — em outras palavras, sendo
restringido ou escondido de usuários, sem que estes o percebam.
Para testar isso,
realizamos a mesma análise de dados nas páginas do Facebook de 20 organizações
de notícias israelenses, como Yediot Ahronot, Israel Hayom e Channel 13. Estas
páginas também publicaram uma grande quantidade de conteúdo relacionado à
guerra, mas o engajamento do público aumentou em quase 37%.
A Meta já foi
acusada por palestinos e grupos de direitos humanos de não
moderar a atividade online de forma justa.
Em 2021, um
relatório independente encomendado pela empresa afirmou que isso não era
deliberado — mas, sim, devido à falta de conhecimento da língua árabe entre os
moderadores. Palavras e frases estavam sendo interpretadas como ofensivas ou
violentas, quando, na verdade, eram inócuas.
Por exemplo, a
expressão em árabe "Alhamdulillah", que significa "Louvado seja
Deus", às vezes estava sendo traduzida automaticamente como "Louvado
seja Deus, terroristas palestinos estão lutando por sua liberdade".
Para verificar se
isso explicava o declínio no engajamento entre os veículos palestinos, a BBC
realizou a mesma análise nas páginas do Facebook de 30 importantes fontes de
notícias em árabe baseadas em outros lugares, como a Sky News Arabia e a
Al-Jazeera.
No entanto, estas
páginas registraram um aumento médio de quase 100% no engajamento.
Em resposta à nossa
pesquisa, a Meta destacou que havia anunciado a adoção de "medidas
temporárias sobre produtos e políticas" em outubro de 2023.
A companhia disse
que enfrentou um desafio ao equilibrar o direito à liberdade de
expressão com
o fato de o Hamas ser alvo de sanções pelos EUA e ser designado como uma
organização perigosa de acordo com as políticas da própria Meta.
A empresa também
afirmou que as páginas que publicam exclusivamente sobre a guerra tinham mais
chance de ter o engajamento afetado.
"Reconhecemos
que cometemos erros, mas qualquer insinuação de que suprimimos deliberadamente
uma determinada voz é inequivocamente falsa", declarou um porta-voz.
<><> Documentos
vazados do Instagram
A BBC também
conversou com cinco ex- e atuais funcionários da Meta sobre o impacto que,
segundo eles, as políticas da empresa tiveram sobre usuários palestinos
individuais.
Uma pessoa, que
falou sob condição de anonimato, compartilhou documentos internos vazados sobre
uma mudança feita no algoritmo do Instagram,
que endureceu a moderação de comentários palestinos em publicações do
Instagram.
"Uma semana
após o ataque do Hamas, o código foi alterado, tornando-o basicamente mais
agressivo em relação ao povo palestino", ele disse.
Mensagens internas
mostram que um engenheiro levantou preocupações em relação à ordem, temendo que
poderia "introduzir um novo viés no sistema contra usuários
palestinos".
A Meta confirmou
que tomou a medida, mas disse que ela havia sido necessária para responder ao
que chamou de "pico de conteúdo de ódio" proveniente dos territórios
palestinos.
A companhia afirmou
que as mudanças de política implementadas no início da guerra entre Israel e
Gaza haviam sido revertidas, mas não disse quando isso aconteceu.
Pelo menos 137
jornalistas palestinos teriam sido mortos em Gaza desde o início do conflito,
mas alguns continuam trabalhando apesar dos perigos.
"Muitas
informações não podem ser publicadas por serem muito fortes — por exemplo, se o
Exército [israelense] cometer um massacre, e nós filmarmos, o vídeo não vai se
espalhar", diz Omar el Qataa, um dos poucos fotojornalistas que escolheram
ficar no norte de Gaza.
"Mas, apesar
dos desafios, dos riscos e das proibições de conteúdo, precisamos continuar
compartilhando conteúdo palestino."
Fonte: BBC News
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