5 anos após onda
antineoliberal, Chile continua um país desigual e vê direita fortalecida
Em entrevista ao
podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisam por que os
protestos que varreram o Chile em 2019 fracassaram em seus objetivos de tornar
o país menos desigual e de retirar das mãos da iniciativa privada áreas
críticas como saúde, educação e Previdência.
Em 2019, uma onda
de protestos eclodiu no Chile, com marchas contra o modelo neoliberal vigente
no país. O episódio ficou marcado como estallido social (explosão social, em
tradução livre).
Inicialmente
organizados pelo movimento estudantil, tendo como estopim um aumento nas
tarifas do transporte público, os atos foram conquistando apoio de outros
movimentos. As principais demandas eram mudanças no sistema de
aposentadoria, o estabelecimento da educação pública, uma vez que no Chile o
ensino é privado, e medidas de combate à desigualdade.
Os protestos foram
brutalmente reprimidos pela administração do então presidente, o
direitista Sebastián
Piñera,
deixando um rastro de 34 mortos e mais de 3 mil feridos, dos quais 347
perderam parcial ou totalmente a visão.
Hoje, cinco anos
após o estallido social, o Chile é governado por um presidente de
esquerda, Gabriel
Boric,
mas com a população frustrada quanto aos resultados dos protestos. Segundo o
Centro de Estudos Públicos, 55% da população dizia apoiar as manifestações
em 2019; hoje esse percentual é de apenas 23%. Ademais, foi observado um
fortalecimento da direita nos últimos anos.
Em entrevista
ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisam o que
a jornada de protestos trouxe como resultado para o Chile cinco anos depois.
Victor Farinelli,
chileno e jornalista do portal Opera Mundi, afirma que 18 milhões de chilenos,
ou seja, quase toda a população do país, têm a sensação de que a jornada
de protestos não resultou em nada e que os mesmos problemas seguem vigentes.
"Aquilo foi um
grande momento de esperança de que as coisas fossem mudar. Porque realmente foi
um movimento que mobilizou muita gente. Chegou a ter milhões de pessoas ali no centro
de Santiago, e em outras cidades também houve manifestações. […] Aquilo
mobilizou todo o país, e infelizmente, com o tempo, aquele afã foi perdendo
força. A pandemia também teve alguma responsabilidade em desmobilizar as
pessoas, porque no ano seguinte, em que todo mundo estava na rua, de repente
todo mundo teve que entrar em casa […]. Tudo isso levou o Chile a, cinco anos
depois, estar em uma situação talvez muito parecida com a que tinha antes
daquela revolta", afirma.
Para Farinelli, o
principal problema do Chile segue sendo o neoliberalismo. Ele destaca que o
estallido social tinha demandas claramente antineoliberais, as principais
pautadas na distribuição de renda e no sistema previdenciário chileno, que é
totalmente administrado por empresas privadas. Segundo ele, esses elementos
constituem "a grande razão do endividamento e do empobrecimento das
classes trabalhadoras".
"E quando se
criou a assembleia constituinte, na primeira constituinte que foi eleita em
2021, a grande maioria das pessoas que foram eleitas eram pessoas ligadas a
movimentos que defendiam o fim daquele sistema — aquele não, desse sistema,
porque ele continua vigente […]. Aquela constituinte fracassou; fez um ótimo
texto, mas que acabou sendo rejeitado no plebiscito de 2022."
Ele avalia que a
atual Constituição do Chile, elaborada durante a ditadura de Augusto Pinochet
(1974–1990), tem muitos problemas "e impede, por exemplo, o
investimento público e a própria administração pública de muitas coisas",
pois tem uma cláusula que determina como inconstitucional a atuação do Estado
em algumas áreas, como a Previdência.
"E outras
iniciativas, várias, também não vão para frente por causa de cláusulas como
essa. Então obviamente que, se o Chile conseguisse uma Constituição nova que
derrubasse principalmente essas regras que impedem o Estado de investir e de
atuar em certos setores, abriria muitas possibilidades para que as coisas
começassem a mudar", afirma.
Questionado sobre
as expectativas para as eleições presidenciais de 2025 no país, Farinelli
destaca que qualquer um que se apresente como sucessor de Boric, já que
não há reeleição no Chile, terá de lidar com uma gestão que atualmente é
bastante mal avaliada.
"É preciso ter
um candidato muito forte para que possa conseguir manter essa coalizão no
poder. O nome que muita gente quer que dispute essa eleição é o da Michelle
Bachelet, que já foi presidente em dois mandatos, e ela, sim, teria muita
força. Ela é uma pessoa muito querida. A gente podia comparar a força política
dela com a força política do Lula no Brasil. Se ela voltar, ela tem essa
capacidade de juntar setores a favor dela."
Porém ele afirma
que tudo indica que não está nos planos de Bachelet disputar as eleições,
pois a mídia chilena especula há tempos que ela pretende disputar um cargo
nas Nações Unidas.
"A equipe que
trabalha para ela busca colocar o nome dela como candidata a secretária-geral,
já que a ONU nunca teve uma secretária-geral mulher. E também há tempos que não
tem um secretário-geral da América Latina, ou das Américas em geral. Então ela
seria uma candidata muito forte para substituir o António Guterres."
Ademais, o
movimento estudantil que liderou os protestos em 2019 hoje se encontra rachado.
"Hoje em dia a
extrema-direita conseguiu ganhar alguns espaços dentro dessas organizações,
então não é tão simples como foi em 2019."
<><> Temas
sensíveis assustaram conservadores
Miriam Gomes
Saraiva, do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ), afirma que a desigualdade é hoje o maior problema do
Chile. Segundo ela, o modelo liberal estabelecido na ditadura Pinochet
debilitou serviços sociais, colocando saúde, educação e Previdência nas mãos da
iniciativa privada.
"Acabou a
ditadura, mas o Estado Democrático que veio depois não foi capaz de modificar
essa situação […]. E, claro, passou um tempo [da década] de 1980 até agora,
você tem as primeiras pessoas que já começam a se aposentar depois da
instalação dessa Constituição, e que começam a ter muitas perdas na
aposentadoria, que foi uma das áreas de sofrimento. Muita deficiência na área
de saúde e muita deficiência na área de educação", explica.
Ela aponta que as
condições precárias de aposentadoria são o que levam o Chile a ter um
índice de suicídio entre pessoas da terceira idade muito acima da média
mundial.
"No Chile não
existe aposentadoria pública. A pessoa vai pagando a capitalização durante a
sua vida laboral e depois se aposenta. Mas isso fica na dependência de
aplicações financeiras do banco ao qual a pessoa se vincula. Não tem índices
mais congelados, como, por exemplo, o salário mínimo, salário mínimo e meio,
qualquer coisa assim. Havia muitas perdas depois da aposentadoria. Os ganhos
caíam enormemente. E aí, sim, muitas pessoas não conseguiam bancar os próprios
gastos e acabavam se matando."
Saraiva afirma que
a assembleia constituinte criada na esteira dos protestos de 2019 fracassou
por conta da falta de canal de diálogo entre os membros eleitos e porque,
para além das questões de saúde, educação e Previdência, propôs uma
Constituição abordando temas que são controversos para a maioria da população
chilena.
"Foi uma
Constituição bastante progressista, que mudava as regras da Constituição da
ditadura, mas fazia algumas mudanças também no sentido de questões de gênero,
em questões que no Chile são um problema muito forte — questões das etnias, das
comunidades originárias —, que ocupam um espaço relativamente significativo no
Chile."
Segundo
ela, quando ocorre um movimento forte como o estallido social, uma maioria
calada passa desapercebida, pois fica em casa acompanhando a situação.
"Quando saiu a
Constituição, com esse perfil bastante progressista e bem diferente do que era
a Constituição anterior, essa maioria silenciosa, em parte, se assustou. E a
gente vê também que os setores conservadores muitas vezes não são muito
barulhentos, mas na hora de dar um voto negativo ou, o que muitos fizeram no
caso, não deram votos, se abstiveram, não foram votar, essa Constituição foi
reprovada."
Ela acrescenta que
se o próximo presidente eleito em 2025 for o principal candidato da direita,
José Antonio Kast, que, segundo ela, é pinochetista e pró-ditadura,
provavelmente não vai querer mexer na Constituição atual. Mas se a
esquerda ou a centro-esquerda conseguir eleger um novo presidente, é possível
que ele queira mexer na Constituição.
"É possível
que queira mexer, mas vai fazer certamente uma análise, uma avaliação para ver
se não vai ser um furo a mais. Para mexer na Constituição tem que ter certeza
de que ela vai ser aprovada", afirma.
¨ Economia da Argentina sai da recessão, mas desafios do
governo de Javier Milei permanecem
Após testemunhar
uma expansão de 3,9% do produto interno bruto (PIB) no terceiro trimestre,
analistas de mercado acreditam que o desafio do governo argentino agora é
garantir um crescimento duradouro e sustentável.
A equipe do presidente
argentino Javier
Milei pode comemorar os resultados do desempenho econômico do país em
2024 em seu difícil combate travado contra a recessão que assola o país
desde o final de 2023.
Em uma análise da
agência de estatísticas do país, ainda na segunda-feira (16), de julho a
setembro, o PIB argentino expandiu 3,9%, o primeiro trimestre de
crescimento após o início da recessão, quando no mesmo período o PIB
havia retraído 2,1%.
Ao completar um ano
de governo, Javier Milei pode comemorar e defender as polêmicas medidas que
adotou ao longo de seu mandato para tentar tirar o país do buraco cada vez mais
profundo em que havia se enfiado. Foram inúmeros cortes de gastos e
medidas vistas como desesperadas para reduzir
o índice inflacionário no país, que já tinha chegado aos três dígitos.
Causada em grande
medida pela emissão de moeda para financiar os gastos do governo, a crise
argentina era alimentada sobretudo por uma forte inflação que ampliou a taxa
de pobreza no
país para 53% no primeiro bimestre de 2024.
De acordo com o
Financial Times (FT), o JPMorgan avaliou que a economia da Argentina deve
terminar 2024 com uma contração anual de 3%, mas que em 2025 um
crescimento de 5,2% tem sido projetado para o país sul-americano,
retomando índices de 2021.
Ainda assim, o
padrão de vida do povo argentino tem sido o ponto-chave para uma avaliação do
sucesso da política econômica do país. Segundo analistas que falaram com a
apuração do FT, garantir que esta recuperação
econômica —
impulsionada em grande medida pelos gastos ao consumidor e exportações
agrícolas e de mineração — seja duradoura, é o maior desafio do governo.
A Argentina ainda
precisa fazer um esforço para suspender os controles de capital e moeda
que impedem a chegada do investimento estrangeiro direto e acabam
fazendo com que o Banco Central não construa reservas robustas.
Na prática, o
crescimento argentino passa pela percepção de que será sentido de formas
diferentes e em diferentes
setores.
Caso esta percepção não seja sentida pelas famílias, é possível que a imagem
política do governo se complique, apesar do sucesso obtido neste trimestre.
¨ Intervenções dos EUA prejudicam dólar muito mais do que
qualquer ação do BRICS, diz analista
As tentativas dos
Estados Unidos, e particularmente do presidente eleito Donald Trump, de manter
à força o dólar como a moeda de reserva mundial apenas prejudicam mais a moeda
norte-americana na situação já desfavorável para ela, opinou o jornalista da
Bloomberg Mihir Sharma.
Há algum tempo,
Trump ameaçou os países do BRICS de impor "tarifas
de 100%" sobre
seus produtos se não abandonassem os planos de criar uma moeda alternativa
ao dólar norte-americano.
Ao mesmo tempo, o
presidente russo Vladimir Putin disse anteriormente que é muito cedo para falar
sobre a criação de uma moeda
única do BRICS.
Em resposta às
preocupações de Trump, que Sharma descreve como luta com "moinhos de vento
imaginários", a África do Sul e a Índia declararam que a associação não
planejava criar uma moeda de substituição ao dólar estadunidense.
Porém, como ressalta o artigo, os
países não desistiram da ideia de realizar o comércio entre os países do BRICS
em suas próprias moedas, com o ministro das Relações Exteriores da Índia,
Subrahmanyam Jaishankar, afirmando que é uma "medida legítima".
Essas palavras se
baseiam em uma série de obstáculos no comércio indiano colocados pela
vontade dos Estados Unidos.
Primeiro, a Índia
teve que terminar o comércio
petrolífero com
a Venezuela, devido às sanções dos EUA contra o país sul-americano.
Depois, a mesma
medida estadunidense afetou as compras indianas do combustível iraniano. E
agora, a Índia está se esforçando para se esquivar da política norte-americana
no comércio com a Rússia.
"Independentemente
de ser fácil ou não, independentemente do que Trump possa dizer ou fazer, os
países do BRICS, e outros como eles, continuarão buscando maneiras
de realizar transações internacionais sem usar dólares", destaca o
artigo.
Ao mesmo tempo, o
especialista admite que esse processo não tem como objetivo prejudicar a moeda
dos EUA, apenas destacar a parte do sistema financeiro mundial que
não se submete a Washington.
Neste contexto, o
autor acredita que seria melhor para o próprio dólar se Trump não ameaçasse e
pressionasse outros Estados, incentivando-os assim a buscar vias
alternativas.
"O exagero,
seja por meio de sanções ad hoc, interferência no [Sistema de] Reserva Federal
[banco central dos EUA], tarifas unilaterais ou confrontos geopolíticos,
representa uma ameaça
muito maior à
moeda norte-americana do que qualquer coisa que os países do BRICS possam
imaginar", concluiu.
Fonte: Sputnik
Brasil
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