quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

5 anos após onda antineoliberal, Chile continua um país desigual e vê direita fortalecida

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisam por que os protestos que varreram o Chile em 2019 fracassaram em seus objetivos de tornar o país menos desigual e de retirar das mãos da iniciativa privada áreas críticas como saúde, educação e Previdência.

Em 2019, uma onda de protestos eclodiu no Chile, com marchas contra o modelo neoliberal vigente no país. O episódio ficou marcado como estallido social (explosão social, em tradução livre).

Inicialmente organizados pelo movimento estudantil, tendo como estopim um aumento nas tarifas do transporte público, os atos foram conquistando apoio de outros movimentos. As principais demandas eram mudanças no sistema de aposentadoria, o estabelecimento da educação pública, uma vez que no Chile o ensino é privado, e medidas de combate à desigualdade.

Os protestos foram brutalmente reprimidos pela administração do então presidente, o direitista Sebastián Piñera, deixando um rastro de 34 mortos e mais de 3 mil feridos, dos quais 347 perderam parcial ou totalmente a visão.

Hoje, cinco anos após o estallido social, o Chile é governado por um presidente de esquerda, Gabriel Boric, mas com a população frustrada quanto aos resultados dos protestos. Segundo o Centro de Estudos Públicos, 55% da população dizia apoiar as manifestações em 2019; hoje esse percentual é de apenas 23%. Ademais, foi observado um fortalecimento da direita nos últimos anos.

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisam o que a jornada de protestos trouxe como resultado para o Chile cinco anos depois.

Victor Farinelli, chileno e jornalista do portal Opera Mundi, afirma que 18 milhões de chilenos, ou seja, quase toda a população do país, têm a sensação de que a jornada de protestos não resultou em nada e que os mesmos problemas seguem vigentes.

"Aquilo foi um grande momento de esperança de que as coisas fossem mudar. Porque realmente foi um movimento que mobilizou muita gente. Chegou a ter milhões de pessoas ali no centro de Santiago, e em outras cidades também houve manifestações. […] Aquilo mobilizou todo o país, e infelizmente, com o tempo, aquele afã foi perdendo força. A pandemia também teve alguma responsabilidade em desmobilizar as pessoas, porque no ano seguinte, em que todo mundo estava na rua, de repente todo mundo teve que entrar em casa […]. Tudo isso levou o Chile a, cinco anos depois, estar em uma situação talvez muito parecida com a que tinha antes daquela revolta", afirma.

Para Farinelli, o principal problema do Chile segue sendo o neoliberalismo. Ele destaca que o estallido social tinha demandas claramente antineoliberais, as principais pautadas na distribuição de renda e no sistema previdenciário chileno, que é totalmente administrado por empresas privadas. Segundo ele, esses elementos constituem "a grande razão do endividamento e do empobrecimento das classes trabalhadoras".

"E quando se criou a assembleia constituinte, na primeira constituinte que foi eleita em 2021, a grande maioria das pessoas que foram eleitas eram pessoas ligadas a movimentos que defendiam o fim daquele sistema — aquele não, desse sistema, porque ele continua vigente […]. Aquela constituinte fracassou; fez um ótimo texto, mas que acabou sendo rejeitado no plebiscito de 2022."

Ele avalia que a atual Constituição do Chile, elaborada durante a ditadura de Augusto Pinochet (1974–1990), tem muitos problemas "e impede, por exemplo, o investimento público e a própria administração pública de muitas coisas", pois tem uma cláusula que determina como inconstitucional a atuação do Estado em algumas áreas, como a Previdência.

"E outras iniciativas, várias, também não vão para frente por causa de cláusulas como essa. Então obviamente que, se o Chile conseguisse uma Constituição nova que derrubasse principalmente essas regras que impedem o Estado de investir e de atuar em certos setores, abriria muitas possibilidades para que as coisas começassem a mudar", afirma.

Questionado sobre as expectativas para as eleições presidenciais de 2025 no país, Farinelli destaca que qualquer um que se apresente como sucessor de Boric, já que não há reeleição no Chile, terá de lidar com uma gestão que atualmente é bastante mal avaliada.

"É preciso ter um candidato muito forte para que possa conseguir manter essa coalizão no poder. O nome que muita gente quer que dispute essa eleição é o da Michelle Bachelet, que já foi presidente em dois mandatos, e ela, sim, teria muita força. Ela é uma pessoa muito querida. A gente podia comparar a força política dela com a força política do Lula no Brasil. Se ela voltar, ela tem essa capacidade de juntar setores a favor dela."

Porém ele afirma que tudo indica que não está nos planos de Bachelet disputar as eleições, pois a mídia chilena especula há tempos que ela pretende disputar um cargo nas Nações Unidas.

"A equipe que trabalha para ela busca colocar o nome dela como candidata a secretária-geral, já que a ONU nunca teve uma secretária-geral mulher. E também há tempos que não tem um secretário-geral da América Latina, ou das Américas em geral. Então ela seria uma candidata muito forte para substituir o António Guterres."

Ademais, o movimento estudantil que liderou os protestos em 2019 hoje se encontra rachado.

"Hoje em dia a extrema-direita conseguiu ganhar alguns espaços dentro dessas organizações, então não é tão simples como foi em 2019."

<><> Temas sensíveis assustaram conservadores

Miriam Gomes Saraiva, do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), afirma que a desigualdade é hoje o maior problema do Chile. Segundo ela, o modelo liberal estabelecido na ditadura Pinochet debilitou serviços sociais, colocando saúde, educação e Previdência nas mãos da iniciativa privada.

"Acabou a ditadura, mas o Estado Democrático que veio depois não foi capaz de modificar essa situação […]. E, claro, passou um tempo [da década] de 1980 até agora, você tem as primeiras pessoas que já começam a se aposentar depois da instalação dessa Constituição, e que começam a ter muitas perdas na aposentadoria, que foi uma das áreas de sofrimento. Muita deficiência na área de saúde e muita deficiência na área de educação", explica.

Ela aponta que as condições precárias de aposentadoria são o que levam o Chile a ter um índice de suicídio entre pessoas da terceira idade muito acima da média mundial.

"No Chile não existe aposentadoria pública. A pessoa vai pagando a capitalização durante a sua vida laboral e depois se aposenta. Mas isso fica na dependência de aplicações financeiras do banco ao qual a pessoa se vincula. Não tem índices mais congelados, como, por exemplo, o salário mínimo, salário mínimo e meio, qualquer coisa assim. Havia muitas perdas depois da aposentadoria. Os ganhos caíam enormemente. E aí, sim, muitas pessoas não conseguiam bancar os próprios gastos e acabavam se matando."

Saraiva afirma que a assembleia constituinte criada na esteira dos protestos de 2019 fracassou por conta da falta de canal de diálogo entre os membros eleitos e porque, para além das questões de saúde, educação e Previdência, propôs uma Constituição abordando temas que são controversos para a maioria da população chilena.

"Foi uma Constituição bastante progressista, que mudava as regras da Constituição da ditadura, mas fazia algumas mudanças também no sentido de questões de gênero, em questões que no Chile são um problema muito forte — questões das etnias, das comunidades originárias —, que ocupam um espaço relativamente significativo no Chile."

Segundo ela, quando ocorre um movimento forte como o estallido social, uma maioria calada passa desapercebida, pois fica em casa acompanhando a situação.

"Quando saiu a Constituição, com esse perfil bastante progressista e bem diferente do que era a Constituição anterior, essa maioria silenciosa, em parte, se assustou. E a gente vê também que os setores conservadores muitas vezes não são muito barulhentos, mas na hora de dar um voto negativo ou, o que muitos fizeram no caso, não deram votos, se abstiveram, não foram votar, essa Constituição foi reprovada."

Ela acrescenta que se o próximo presidente eleito em 2025 for o principal candidato da direita, José Antonio Kast, que, segundo ela, é pinochetista e pró-ditadura, provavelmente não vai querer mexer na Constituição atual. Mas se a esquerda ou a centro-esquerda conseguir eleger um novo presidente, é possível que ele queira mexer na Constituição.

"É possível que queira mexer, mas vai fazer certamente uma análise, uma avaliação para ver se não vai ser um furo a mais. Para mexer na Constituição tem que ter certeza de que ela vai ser aprovada", afirma.

 

¨      Economia da Argentina sai da recessão, mas desafios do governo de Javier Milei permanecem

Após testemunhar uma expansão de 3,9% do produto interno bruto (PIB) no terceiro trimestre, analistas de mercado acreditam que o desafio do governo argentino agora é garantir um crescimento duradouro e sustentável.

A equipe do presidente argentino Javier Milei pode comemorar os resultados do desempenho econômico do país em 2024 em seu difícil combate travado contra a recessão que assola o país desde o final de 2023.

Em uma análise da agência de estatísticas do país, ainda na segunda-feira (16), de julho a setembro, o PIB argentino expandiu 3,9%, o primeiro trimestre de crescimento após o início da recessão, quando no mesmo período o PIB havia retraído 2,1%.

Ao completar um ano de governo, Javier Milei pode comemorar e defender as polêmicas medidas que adotou ao longo de seu mandato para tentar tirar o país do buraco cada vez mais profundo em que havia se enfiado. Foram inúmeros cortes de gastos e medidas vistas como desesperadas para reduzir o índice inflacionário no país, que já tinha chegado aos três dígitos.

Causada em grande medida pela emissão de moeda para financiar os gastos do governo, a crise argentina era alimentada sobretudo por uma forte inflação que ampliou a taxa de pobreza no país para 53% no primeiro bimestre de 2024.

De acordo com o Financial Times (FT), o JPMorgan avaliou que a economia da Argentina deve terminar 2024 com uma contração anual de 3%, mas que em 2025 um crescimento de 5,2% tem sido projetado para o país sul-americano, retomando índices de 2021.

Ainda assim, o padrão de vida do povo argentino tem sido o ponto-chave para uma avaliação do sucesso da política econômica do país. Segundo analistas que falaram com a apuração do FT, garantir que esta recuperação econômica — impulsionada em grande medida pelos gastos ao consumidor e exportações agrícolas e de mineração — seja duradoura, é o maior desafio do governo.

A Argentina ainda precisa fazer um esforço para suspender os controles de capital e moeda que impedem a chegada do investimento estrangeiro direto e acabam fazendo com que o Banco Central não construa reservas robustas.

Na prática, o crescimento argentino passa pela percepção de que será sentido de formas diferentes e em diferentes setores. Caso esta percepção não seja sentida pelas famílias, é possível que a imagem política do governo se complique, apesar do sucesso obtido neste trimestre.

 

¨      Intervenções dos EUA prejudicam dólar muito mais do que qualquer ação do BRICS, diz analista

As tentativas dos Estados Unidos, e particularmente do presidente eleito Donald Trump, de manter à força o dólar como a moeda de reserva mundial apenas prejudicam mais a moeda norte-americana na situação já desfavorável para ela, opinou o jornalista da Bloomberg Mihir Sharma.

Há algum tempo, Trump ameaçou os países do BRICS de impor "tarifas de 100%" sobre seus produtos se não abandonassem os planos de criar uma moeda alternativa ao dólar norte-americano.

Ao mesmo tempo, o presidente russo Vladimir Putin disse anteriormente que é muito cedo para falar sobre a criação de uma moeda única do BRICS.

Em resposta às preocupações de Trump, que Sharma descreve como luta com "moinhos de vento imaginários", a África do Sul e a Índia declararam que a associação não planejava criar uma moeda de substituição ao dólar estadunidense.

Porém, como ressalta o artigo, os países não desistiram da ideia de realizar o comércio entre os países do BRICS em suas próprias moedas, com o ministro das Relações Exteriores da Índia, Subrahmanyam Jaishankar, afirmando que é uma "medida legítima".

Essas palavras se baseiam em uma série de obstáculos no comércio indiano colocados pela vontade dos Estados Unidos.

Primeiro, a Índia teve que terminar o comércio petrolífero com a Venezuela, devido às sanções dos EUA contra o país sul-americano.

Depois, a mesma medida estadunidense afetou as compras indianas do combustível iraniano. E agora, a Índia está se esforçando para se esquivar da política norte-americana no comércio com a Rússia.

"Independentemente de ser fácil ou não, independentemente do que Trump possa dizer ou fazer, os países do BRICS, e outros como eles, continuarão buscando maneiras de realizar transações internacionais sem usar dólares", destaca o artigo.

Ao mesmo tempo, o especialista admite que esse processo não tem como objetivo prejudicar a moeda dos EUA, apenas destacar a parte do sistema financeiro mundial que não se submete a Washington.

Neste contexto, o autor acredita que seria melhor para o próprio dólar se Trump não ameaçasse e pressionasse outros Estados, incentivando-os assim a buscar vias alternativas.

"O exagero, seja por meio de sanções ad hoc, interferência no [Sistema de] Reserva Federal [banco central dos EUA], tarifas unilaterais ou confrontos geopolíticos, representa uma ameaça muito maior à moeda norte-americana do que qualquer coisa que os países do BRICS possam imaginar", concluiu.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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