quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Covid-19: o que ainda falta entender sobre a infecção?

Há cerca de cinco anos, diversos casos de pneumonia na cidade de Wuhan, na China, chamaram a atenção das autoridades de saúde no mundo. Era o começo da pandemia de um vírus até então desconhecido, o SarS-CoV-2, o causador da Covid-19. Desde então, a ciência e a medicina correram contra o tempo para desenvolver formas de tratamento e prevenção para a nova doença.

No entanto, ainda hoje há lacunas que precisam ser preenchidas. “A Covid-19 ainda é, para o mundo todo, uma infecção recente de um vírus altamente mutagênico, ou seja, com uma capacidade replicativa que foge ao nosso sistema imune. Isso significa que você adquire [a infecção] ou toma vacina contra uma variante, mas depois aparece outra, causando um novo quadro viral”, explica Eliana Bicudo, infectologista e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), à CNN.

A seguir, especialistas listam o que ainda falta saber sobre a Covid-19 e em que pé estão os estudos científicos que investigam essas questões.

<><> Por que algumas pessoas apresentam Covid longa?

A Covid longa, condição caracterizada por sintomas persistentes da doença mesmo após o fim da infecção ativa, é um dos “mistérios” que ainda não estão completamente esclarecidos pela ciência.

“Antes, nós colocávamos tudo em uma mesma caixinha: o sistema imune de uma pessoa é melhor do que outra que teve uma Covid longa ou que desencadeou uma forma grave da doença. Mas quando estudamos a questão da produção de anticorpos, a resposta imune em um paciente grave ou com Covid longa é a mesma, ou até mais alta, da pessoa que só teve um quadro leve”, exemplifica Bicudo. “Então, essa é uma questão ainda mal resolvida”, completa.

Além disso, de acordo com Moacyr Silva, infectologista do Hospital Israelita Albert Einstein, a ciência ainda não consegue explicar quais são os pacientes que desenvolvem Covid longa. “Não se sabe exatamente quem pode evoluir para esse quadro. Geralmente, são os pacientes mais graves, os imunossuprimidos e os idosos, mas ninguém sabe exatamente qual é o fator contribuidor que faz com que esse paciente evolua com sequelas pós-Covid”, esclarece.

<><> O que os estudos já indicam sobre o assunto

Um estudo publicado em 2023 na revista científica JAMA reuniu os 12 principais sintomas que diferenciam a Covid longa da infecção comum. A análise, que contou com a participação de quase 10 mil pessoas dos Estados Unidos, apontou que a Covid longa era mais comum e grave em participantes infectados antes da emergência da variante Ômicron, em novembro de 2021.

Entre os sintomas listados, estavam:

# Mal-estar pós-esforço;

# Fadiga;

# Confusão mental;

# Tontura;

# Alterações gastrointestinais;

# Palpitações cardíacas;

# Problemas com desejo ou capacidade sexual;

# Perda de olfato ou paladar;

# Sede;

# Tosse crônica;

# Dor no peito;

# Movimentos anormais.

Outro trabalho, também publicado em 2023, indicou que três a cada quatro infectados desenvolveram Covid longa nos últimos três anos. O estudo foi desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por meio de questionários online.

A pesquisa também descobriu que pessoas que não completaram o ciclo vacinal contra a Covid-19 –composto pelas primeira e segunda doses da vacina– tiveram 23% mais chance de ter Covid longa. Além disso, condições como obesidade e tabagismo também intensificaram sintomas como dores de cabeça, perda de olfato e paladar e complicações neurológicas.

Um terceiro estudo, realizado por cientistas do Hospital Universitário de Freiburg, na Alemanha, mostrou que pessoas acometidas pela Covid longa demonstraram possuir diferenças no cérebro quando comparadas com pessoas que tiveram infecção comum. Os resultados foram obtidos com o uso de uma técnica de ressonância magnética chamada Imageamento de Microestrutura por Difusão (DMI).

Por que algumas pessoas pegam Covid-19 várias vezes e outras não?

Outra lacuna que ainda falta ser preenchida pela ciência é por que alguns pacientes são mais suscetíveis a reinfecções pela Covid-19 em comparação a outros — e por que algumas pessoas, mesmo convivendo no mesmo ambiente que infectados, não desenvolvem a doença.

“Ainda não se sabe exatamente o que motiva o paciente a ter reinfecções pela Covid. O que já se sabe é que pacientes com imunidade baixa têm [maior risco], mas o porquê de pessoas imunocompetentes, que não possuem nenhuma comorbidade, terem infecção recorrente é uma resposta que ainda não está muito clara na literatura”, afirma Silva.

De acordo com Bicudo, algumas evidências recentes sugerem que fatores genéticos podem estar envolvidos no maior ou menor risco de reinfecções por Covid-19, e, também, na maior probabilidade de ter doença grave ou não.

“Existe uma pontinha do vírus, a proteína Spike, que precisa se ligar a uma molécula que chamamos de ‘porta de entrada’, localizada na célula do epitélio nasal. Essa ligação tem que ser forte o suficiente para que o vírus entre na célula nasal e, a partir daí, inicie sua multiplicação. Algumas pessoas parecem ter uma ligação defeituosa ou, até mesmo, nem devem fazer essa ligação. Então, estudos genéticos são os grandes desafios atuais”, explica a infectologista.

<><> O que os estudos já indicam sobre o assunto

Em um estudo recente, publicado em junho deste ano na revista científica Nature, pesquisadores aplicaram o vírus Sars-CoV-2 pelo nariz de 36 voluntários adultos saudáveis sem histórico prévio de Covid-19. Eles realizaram o monitoramento detalhado do sangue e do revestimento do nariz dos participantes, rastreando a infecção e a atividade das células imunológicas. Do total de voluntários, seis desenvolveram a infecção.

Usando tecnologia de sequenciamento unicelular para um conjunto de mais de 600 mil células individuais, os pesquisadores descobriram que as pessoas que não desenvolveram Covid-19 apresentavam respostas imunológicas anteriormente não reconhecidas que lhes permitiam resistir a infecções e doenças virais sustentadas.

Um trabalho brasileiro, conduzido no Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco (CEGH-CEL) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado na Universidade de São Paulo (USP), analisou os chamados “pares sorodiscordantes”. Tratam-se de casais em que apenas um dos cônjuges foi infectado e o outro permaneceu assintomático, apesar de compartilharem a mesma cama sem o uso de proteção especial.

O estudo, publicado na revista Frontiers in Cellular and Infection Microbiology, analisou o material genético de 86 casais, sendo que apenas seis (entre eles Maria Tereza e Marcelo) continuaram sorodiscordantes ao longo da pandemia, com a infecção de um dos cônjuges mais de uma vez.

A partir da análise de células do sangue desses casais em experimentos in vitro, os pesquisadores descobriram que as mulheres resistentes ao vírus tinham expressão aumentada do gene IFIT3 (sigla em inglês para proteína induzida por interferon com repetições de tetratricoptídeo 3) em comparação com os maridos. Já a expressão desse mesmo gene entre mulheres que adquiriram infecções sintomáticas foi baixa, semelhante à do grupo dos maridos.

¨      Covid-19 é menos perigosa agora? Especialistas respondem

Em maio do ano passado, a OMS declarou o fim da emergência pública relacionada à doença, mas será que ela se tornou, de fato, menos perigosa? Do ponto de vista de Eliana Bicudo, infectologista e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), a Covid-19 ainda deve ser uma preocupação da população e de saúde pública.

“A visão de que a Covid-19 é menos perigosa agora é equivocada. Nós ainda temos um número de óbitos elevado, essa é a síndrome respiratória que mais leva ao óbito no Brasil, e isso tem relação com a baixa cobertura vacinal”, alerta a especialista em entrevista à CNN.

 “Se você não tem uma cobertura vacinal importante de todas as pessoas, o vírus circula facilmente entre nós, e a sua capacidade mutagênica [de sofrer mutações genéticas] é tão elevada que ele vai continuar causando doença porque as pessoas não estão imunizadas corretamente”, completa.

Um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em fevereiro deste ano, mostrou que a cobertura vacinal contra a Covid-19 cai conforme aumenta o número de doses e em alguns públicos específicos.

De acordo com o Instituto, quase 94% da população acima de cinco anos tinha tomado, pelo menos, uma dose de vacina contra o coronavírus. Já o esquema básico de duas doses, foi tomado por 88,2% da população nessa faixa etária e por menos de 72% das crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos.

A pesquisa também identificou que quase 30% das pessoas que não completaram o esquema recomendado para o seu grupo alegaram esquecimento ou falta de tempo. Além disso, mais de 25% afirmou que não confia na vacina ou não acha necessário tomar o imunizante.

Dados divulgados pelo Ministério da Saúde em outubro deste ano apontam que quase 80% da população não completou o esquema de vacinação bivalente contra Covid-19.

“Nós podemos explicar a baixa cobertura vacinal pelo fato de que a vacina para Covid-19 ainda é rodeada de fake news. Existe todo um mito em cima dessa vacina especificamente. Além disso, não está tão difundido entre as pessoas que já tomaram a vacina quando elas devem repetir [a dose] e por que é importante repetir, como acontece com a vacina da gripe, por exemplo”, completa Bicudo.

Covid-19 continua causando infecções graves na população mais vulnerável

É importante ressaltar que a vacina contra Covid-19 diminui o risco de infecções graves e, consequentemente, de óbitos pela doença. No entanto, a população mais vulnerável, como idosos e gestantes, ainda são suscetíveis a quadros mais intensos da infecção, conforme aponta Moacyr Silva, infectologista do Hospital Israelita Albert Einstein.

“Não podemos menosprezar ou achar que a Covid-19 não pode ser uma infecção grave. Na verdade, essas pessoas que têm fatores de risco para a evolução desfavorável devem ser tratadas, e já há tratamentos no mercado, como o Paxlovid, para esse tipo de infecção”, afirma o especialista.

“Então, pessoas que são muito idosas ou que tenham imunidade diminuída devem começar o tratamento de forma precoce, para evitar com que tenha um desfecho desfavorável”, orienta.

<><> Novas variantes estão e continuarão surgindo no Brasil e no mundo

Atualmente, segundo Bicudo, a variante da Covid-19 de preocupação, ou seja, aquela que está causando o maior número de infecções, é a JN.1. No entanto, nos países do hemisfério norte, a variante XEC é a mais preocupante.

“Aqui, nós ainda identificamos poucos casos dessa variante, mas temos que nos preparar porque agora, com as festas de Natal e de Ano-Novo, vão aumentar os casos lá e, as pessoas daqui vão viajar para lá e poderão trazer essa variante para cá”, analisa a infectologista.

A especialista explica que, enquanto toda a população não estiver totalmente vacinada contra a Covid-19, novas variantes do vírus vão surgir. “O vírus da Covid-19 tem um RNA mensageiro que é altamente mutante. Então, a capacidade dele de se manter com a mesma linhagem genética é baixa”, explica Bicudo.

Isso significa que, diante de pressões externas, como um sistema imunológico preparado para combater uma variante do vírus [como o sistema imune de alguém vacinado ou que já teve a infecção anteriormente], o vírus vai sofrer mutações para permanecer vivo. É dessa forma que surge uma nova variante, de acordo com a infectologista.

“Uma variante começa a perder força quando ela encontra uma pessoa com sistema imune resistente. Diante disso, o vírus sofre uma pressão seletiva ambiental para desaparecer, mas ele quer continuar vivo. Então, ele passa a sofrer mutações dentro do próprio organismo infectado, enquanto luta para vencer os anticorpos”, explica. “A forma de interromper esse processo é através de vacinas atualizadas e novas campanhas de vacinação”, completa.

 

¨      Sudeste lidera número de casos de Covid-19 no Brasil; entenda por que

Com pouco mais de 15,5 milhões de casos de Covid-19 registrados desde o início da pandemia, a região Sudeste concentra o maior número de casos da doença no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde. Até o início de dezembro, o país já havia atingido a marca de 39 milhões de registros da doença.

Especialistas apontam que a densidade populacional dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro é um dos principais fatores que explicam essa concentração de casos da doença nessa região, mas não é o único motivo.

O Sudeste é a região mais populosa do Brasil, com aproximadamente 88 milhões de habitantes, representando 41,8% da população do país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa alta concentração de pessoas favorece a transmissão do vírus, principalmente em grandes centros urbanos como as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.

“É uma doença de transmissão respiratória. Quanto mais gente você tem ocupando a mesma área, a transmissão é maior”, explica Celso Granato, infectologista e diretor clínico do Grupo Fleury.

Outro fator relevante é a maior quantidade de testes realizados na região. Com infraestrutura de saúde maior em comparação a outras regiões, estados do Sudeste têm mais capacidade de identificar os casos da doença de forma rápida, o que contribui para o aumento das estatísticas oficiais.

 “O risco de subnotificação de casos, especialmente dos mais leves, é um fator que pode impactar os registros e a análise de dados”, acrescenta Filipe Piastrelli, infectologista e coordenador do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

Com mais casos sendo registrados, a região Sudeste também é que mais tem mortes pela doença. Desde o início da pandemia já foram 344.629 óbitos por Covid-19, segundo dados do painel Coronavírus, do Ministério da Saúde.

<><> Mais casos, mas não maior incidência

Se por um lado a região Sudeste é a que mais registrou casos da doença, por outro, ela não é a que maior tem incidência. Isso significa que quando analisamos os números absolutos a cada 100 mil habitantes as regiões Centro-Oeste e Sul lideram o ranking, ficando a região Sudeste em terceiro lugar.

Segundo dados do painel Coronavírus, do Ministério da Saúde, a incidência de casos de Covid-19 a cada 100 mil habitantes é de 28.076, na região Centro-Oeste, de 27.627, na região Sul e de 17.668 no Sudeste.

“Para analisar os dados com maior precisão, é necessário ir além do número absoluto de casos, considerando a taxa de incidência por 100 mil habitantes. Essa taxa é calculada dividindo-se o número absoluto de casos pelo tamanho da população, oferecendo um panorama mais ajustado da situação epidemiológica”, acrescenta Piastrelli.

E a explicação para que essas três regiões estejam no topo do ranking está no clima, segundo os médicos. “São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul são estados que também tem um clima mais rigoroso no inverno, isso ajuda também você a ter mais doença em relação aos estados do Nordeste do Brasil”, explica Granato.

 

Fonte: CNN Brasil

 

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