Covid-19:
o que ainda falta entender sobre a infecção?
Há cerca de cinco
anos, diversos casos de pneumonia na cidade de Wuhan, na China, chamaram a
atenção das autoridades de saúde no mundo. Era o começo da pandemia de um vírus
até então desconhecido, o SarS-CoV-2, o causador da Covid-19. Desde
então, a ciência e a medicina correram contra o tempo para desenvolver formas
de tratamento e prevenção para a nova doença.
No entanto, ainda hoje
há lacunas que precisam ser preenchidas. “A Covid-19 ainda é, para o mundo
todo, uma infecção recente de um vírus altamente mutagênico, ou seja, com uma
capacidade replicativa que foge ao nosso sistema imune. Isso significa que você
adquire [a infecção] ou toma vacina contra uma variante, mas depois aparece
outra, causando um novo quadro viral”, explica Eliana Bicudo, infectologista e
consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), à CNN.
A seguir,
especialistas listam o que ainda falta saber sobre a Covid-19 e em que pé
estão os estudos científicos que investigam essas questões.
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Por que algumas pessoas apresentam Covid longa?
A Covid longa,
condição caracterizada por sintomas persistentes da doença mesmo após o fim da
infecção ativa, é um dos “mistérios” que ainda não estão completamente
esclarecidos pela ciência.
“Antes, nós
colocávamos tudo em uma mesma caixinha: o sistema imune de uma pessoa é melhor
do que outra que teve uma Covid longa ou que desencadeou uma forma grave da
doença. Mas quando estudamos a questão da produção de anticorpos, a resposta
imune em um paciente grave ou com Covid longa é a mesma, ou até mais alta, da
pessoa que só teve um quadro leve”, exemplifica Bicudo. “Então, essa é uma
questão ainda mal resolvida”, completa.
Além disso, de
acordo com Moacyr Silva, infectologista do Hospital Israelita Albert Einstein,
a ciência ainda não consegue explicar quais são os pacientes que desenvolvem
Covid longa. “Não se sabe exatamente quem pode evoluir para esse quadro.
Geralmente, são os pacientes mais graves, os imunossuprimidos e os idosos, mas
ninguém sabe exatamente qual é o fator contribuidor que faz com que esse
paciente evolua com sequelas pós-Covid”, esclarece.
<><> O
que os estudos já indicam sobre o assunto
Um estudo publicado
em 2023 na revista científica JAMA reuniu os 12
principais sintomas que diferenciam a Covid longa da infecção comum. A análise, que
contou com a participação de quase 10 mil pessoas dos Estados Unidos, apontou
que a Covid longa era mais comum e grave em participantes infectados antes da
emergência da variante Ômicron, em novembro de 2021.
Entre os sintomas
listados, estavam:
# Mal-estar
pós-esforço;
# Fadiga;
# Confusão mental;
# Tontura;
# Alterações
gastrointestinais;
# Palpitações
cardíacas;
# Problemas com
desejo ou capacidade sexual;
# Perda de olfato
ou paladar;
# Sede;
# Tosse crônica;
# Dor no peito;
# Movimentos
anormais.
Outro trabalho,
também publicado em 2023, indicou que três
a cada quatro infectados desenvolveram Covid longa nos últimos três anos. O estudo foi
desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por meio de questionários
online.
A pesquisa também
descobriu que pessoas que não completaram o ciclo vacinal contra a Covid-19
–composto pelas primeira e segunda doses da vacina– tiveram 23% mais chance de
ter Covid longa. Além disso, condições como obesidade e tabagismo também
intensificaram sintomas como dores de cabeça, perda de olfato e paladar e
complicações neurológicas.
Um terceiro estudo,
realizado por cientistas do Hospital Universitário de Freiburg, na Alemanha,
mostrou que pessoas acometidas pela Covid longa demonstraram possuir
diferenças no cérebro quando
comparadas com pessoas que tiveram infecção comum. Os resultados foram obtidos
com o uso de uma técnica de ressonância magnética chamada Imageamento de
Microestrutura por Difusão (DMI).
Por que algumas
pessoas pegam Covid-19 várias vezes e outras não?
Outra lacuna que
ainda falta ser preenchida pela ciência é por que alguns pacientes são mais
suscetíveis a reinfecções pela Covid-19 em comparação a outros — e por que
algumas pessoas, mesmo convivendo no mesmo ambiente que infectados, não
desenvolvem a doença.
“Ainda não se sabe
exatamente o que motiva o paciente a ter reinfecções pela Covid. O que já se
sabe é que pacientes com imunidade baixa têm [maior risco], mas o porquê de
pessoas imunocompetentes, que não possuem nenhuma comorbidade, terem infecção
recorrente é uma resposta que ainda não está muito clara na literatura”, afirma
Silva.
De acordo com
Bicudo, algumas evidências recentes sugerem que fatores genéticos podem estar
envolvidos no maior ou menor risco de reinfecções por Covid-19, e, também, na
maior probabilidade de ter doença grave ou não.
“Existe uma
pontinha do vírus, a proteína Spike, que precisa se ligar a uma molécula que
chamamos de ‘porta de entrada’, localizada na célula do epitélio nasal. Essa
ligação tem que ser forte o suficiente para que o vírus entre na célula nasal
e, a partir daí, inicie sua multiplicação. Algumas pessoas parecem ter uma
ligação defeituosa ou, até mesmo, nem devem fazer essa ligação. Então, estudos
genéticos são os grandes desafios atuais”, explica a infectologista.
<><> O
que os estudos já indicam sobre o assunto
Em um estudo
recente, publicado
em junho deste ano na revista científica Nature, pesquisadores
aplicaram o vírus Sars-CoV-2 pelo nariz de 36 voluntários adultos saudáveis sem
histórico prévio de Covid-19. Eles realizaram o monitoramento detalhado do
sangue e do revestimento do nariz dos participantes, rastreando a infecção e a
atividade das células imunológicas. Do total de voluntários, seis desenvolveram
a infecção.
Usando tecnologia
de sequenciamento unicelular para um conjunto de mais de 600 mil células
individuais, os pesquisadores descobriram que as pessoas que não desenvolveram
Covid-19 apresentavam respostas imunológicas anteriormente não
reconhecidas que
lhes permitiam resistir a infecções e doenças virais sustentadas.
Um trabalho
brasileiro, conduzido no Centro de Estudos do Genoma Humano e de Células-Tronco
(CEGH-CEL) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP
sediado na Universidade de São Paulo (USP), analisou os chamados “pares
sorodiscordantes”. Tratam-se de casais em que apenas um dos cônjuges foi
infectado e o outro permaneceu assintomático, apesar de compartilharem a mesma
cama sem o uso de proteção especial.
O estudo, publicado
na revista Frontiers
in Cellular and Infection Microbiology, analisou o material genético de 86
casais, sendo que apenas seis (entre eles Maria Tereza e Marcelo) continuaram
sorodiscordantes ao longo da pandemia, com a infecção de um dos cônjuges mais
de uma vez.
A partir da análise
de células do sangue desses casais em experimentos in vitro, os pesquisadores
descobriram que as mulheres resistentes ao vírus tinham expressão aumentada do
gene IFIT3 (sigla em inglês para proteína induzida por interferon com
repetições de tetratricoptídeo 3) em comparação com os maridos. Já a expressão
desse mesmo gene entre mulheres que adquiriram infecções sintomáticas foi
baixa, semelhante à do grupo dos maridos.
¨ Covid-19 é menos perigosa agora? Especialistas
respondem
Em maio do ano
passado, a OMS declarou o fim da emergência pública relacionada à doença, mas
será que ela se tornou, de fato, menos perigosa? Do ponto de vista de Eliana
Bicudo, infectologista e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia
(SBI), a Covid-19 ainda deve ser uma preocupação da população e de saúde
pública.
“A visão de que a
Covid-19 é menos perigosa agora é equivocada. Nós ainda temos um número de
óbitos elevado, essa é a síndrome respiratória que mais leva ao óbito no Brasil,
e isso tem relação com a baixa cobertura vacinal”, alerta a especialista em
entrevista à CNN.
“Se você não tem uma cobertura vacinal
importante de todas as pessoas, o vírus circula facilmente entre nós, e a sua
capacidade mutagênica [de sofrer mutações genéticas] é tão elevada que ele vai
continuar causando doença porque as pessoas não estão imunizadas corretamente”,
completa.
Um levantamento
feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em
fevereiro deste ano, mostrou que a cobertura
vacinal contra a Covid-19 cai conforme aumenta o número de doses e em
alguns públicos específicos.
De acordo com o
Instituto, quase 94% da população acima de cinco anos tinha tomado, pelo menos,
uma dose de vacina contra o coronavírus. Já o esquema básico de duas doses, foi
tomado por 88,2% da população nessa faixa etária e por menos de 72% das
crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos.
A pesquisa também
identificou que quase 30% das pessoas que não completaram o esquema recomendado
para o seu grupo alegaram esquecimento ou falta de tempo. Além disso, mais de
25% afirmou que não confia na vacina ou não acha necessário tomar o imunizante.
Dados divulgados
pelo Ministério da Saúde em outubro deste ano apontam que quase 80%
da população não completou o esquema de vacinação bivalente contra Covid-19.
“Nós podemos
explicar a baixa cobertura vacinal pelo fato de que a vacina para Covid-19
ainda é rodeada de fake news. Existe todo um mito em cima dessa vacina
especificamente. Além disso, não está tão difundido entre as pessoas que já
tomaram a vacina quando
elas devem repetir [a dose] e por que é importante repetir, como acontece com
a vacina
da gripe,
por exemplo”, completa Bicudo.
Covid-19 continua
causando infecções graves na população mais vulnerável
É importante
ressaltar que a vacina contra Covid-19 diminui o risco de infecções
graves e, consequentemente, de óbitos pela doença. No entanto, a população
mais vulnerável, como idosos e gestantes, ainda são suscetíveis a quadros mais
intensos da infecção, conforme aponta Moacyr Silva, infectologista do Hospital
Israelita Albert Einstein.
“Não podemos
menosprezar ou achar que a Covid-19 não pode ser uma infecção grave. Na
verdade, essas pessoas que têm fatores de risco para a evolução desfavorável
devem ser tratadas, e já há tratamentos no mercado, como o Paxlovid, para esse
tipo de infecção”, afirma o especialista.
“Então, pessoas que
são muito idosas ou que tenham imunidade diminuída devem começar o tratamento
de forma precoce, para evitar com que tenha um desfecho desfavorável”, orienta.
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Novas variantes estão e continuarão surgindo no Brasil e no mundo
Atualmente, segundo
Bicudo, a variante da Covid-19 de preocupação, ou seja, aquela que está
causando o maior número de infecções, é a JN.1. No entanto, nos países do
hemisfério norte, a variante
XEC é
a mais preocupante.
“Aqui, nós ainda
identificamos poucos casos dessa variante, mas temos que nos preparar porque
agora, com as festas de Natal e de Ano-Novo, vão aumentar os casos lá e, as
pessoas daqui vão viajar para lá e poderão trazer essa variante para cá”,
analisa a infectologista.
A especialista
explica que, enquanto toda a população não estiver totalmente vacinada
contra a Covid-19, novas variantes do vírus vão surgir. “O vírus da Covid-19
tem um RNA mensageiro que é altamente mutante. Então, a capacidade dele de se
manter com a mesma linhagem genética é baixa”, explica Bicudo.
Isso significa que,
diante de pressões externas, como um sistema imunológico preparado para
combater uma variante do vírus [como o sistema imune de alguém vacinado ou que
já teve a infecção anteriormente], o vírus vai sofrer mutações para permanecer
vivo. É dessa forma que surge uma nova variante, de acordo com a
infectologista.
“Uma variante
começa a perder força quando ela encontra uma pessoa com sistema imune
resistente. Diante disso, o vírus sofre uma pressão seletiva ambiental para
desaparecer, mas ele quer continuar vivo. Então, ele passa a sofrer mutações
dentro do próprio organismo infectado, enquanto luta para vencer os
anticorpos”, explica. “A forma de interromper esse processo é através de
vacinas atualizadas e novas campanhas de vacinação”, completa.
¨ Sudeste lidera número de casos de Covid-19 no Brasil;
entenda por que
Com pouco mais de
15,5 milhões de casos de Covid-19 registrados desde o início da pandemia, a
região Sudeste concentra o maior número de casos da doença no Brasil, segundo
dados do Ministério da Saúde. Até o início de dezembro, o país já havia
atingido a marca de 39 milhões de registros da doença.
Especialistas
apontam que a densidade populacional dos estados de São Paulo, Minas Gerais e
Rio de Janeiro é um dos principais fatores que explicam essa concentração de
casos da doença nessa região, mas não é o único motivo.
O Sudeste é a
região mais populosa do Brasil, com aproximadamente 88 milhões de habitantes,
representando 41,8% da população do país, segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Essa alta concentração de pessoas favorece a
transmissão do vírus, principalmente em grandes centros urbanos como as cidades
de São Paulo e Rio de Janeiro.
“É uma doença de
transmissão respiratória. Quanto
mais gente você tem ocupando a mesma área, a transmissão é maior”, explica
Celso Granato, infectologista e diretor clínico do Grupo Fleury.
Outro fator
relevante é a maior quantidade de testes realizados na região. Com
infraestrutura de saúde maior em comparação a outras regiões, estados do
Sudeste têm mais capacidade de identificar os casos da doença de forma rápida,
o que contribui para o aumento das estatísticas oficiais.
“O risco de subnotificação de casos,
especialmente dos mais leves, é um fator que pode impactar os registros e a
análise de dados”, acrescenta Filipe Piastrelli, infectologista e coordenador
do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Com mais casos
sendo registrados, a região Sudeste também é que mais tem mortes pela doença.
Desde o início da pandemia já foram 344.629 óbitos por Covid-19, segundo dados
do painel Coronavírus, do Ministério da Saúde.
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Mais casos, mas não maior incidência
Se por um lado a
região Sudeste é a que mais registrou casos da doença, por outro, ela não é a
que maior tem incidência. Isso significa que quando analisamos os números
absolutos a cada 100 mil habitantes as regiões Centro-Oeste e Sul lideram o
ranking, ficando a região Sudeste em terceiro lugar.
Segundo dados do
painel Coronavírus, do Ministério da Saúde, a incidência de casos de Covid-19 a
cada 100 mil habitantes é de 28.076, na região Centro-Oeste, de 27.627, na
região Sul e de 17.668 no Sudeste.
“Para analisar os
dados com maior precisão, é necessário ir além do número absoluto de casos,
considerando a taxa de incidência por 100 mil habitantes. Essa taxa é calculada
dividindo-se o número absoluto de casos pelo tamanho da população, oferecendo
um panorama mais ajustado da situação epidemiológica”, acrescenta Piastrelli.
E a explicação para
que essas três regiões estejam no topo do ranking está no clima, segundo os
médicos. “São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul são estados que
também tem um clima mais rigoroso no inverno, isso ajuda também você a ter mais
doença em relação aos estados do Nordeste do Brasil”, explica Granato.
Fonte: CNN Brasil
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