Luiz Roberto Alves: O ódio,
um negócio político
São passados dois anos de um governo sensível a alterações de bases
salariais, tributárias e financeiras, que enfrentou o movimento capitalista
mundial sem humilhação ao deus mercado, que induziu políticas a arrancarem
milhões de mulheres, homens e crianças da miséria, que pensou nas juventudes
que estudam, que ampliou o SUS, grande pacto nacional e que viu estabelecer
direitos às identidades, à investigação científica livre, ao exercício regular
da lei e mesmo à dura crítica em face da anistia banal que normalizou horrores
da ditadura civil-militar.
A despeito dessas ações e políticas, que são avanços e configuram um
programa de trabalho governamental, o ódio, ou melhor, o processo odiento de
“construção” do Brasil contemporâneo segue firme e se reflete claramente nas
pesquisas de opinião, nos arroubos parlamentares e nas modernosas redes
sociais. Não importa o que de novo e bom se instaure ou se realize no país; o
processo odiento nacional se transformou em processo paralelo de comunicação
social. Não, não é um anti-processo como podem pensar colegas especialistas em
comunicação e comunicadores responsáveis.
De fato, é um processo próprio, inteiro em si, pois quando não se faz
similar ao processo de comunicação que instaurou os avanços postos no primeiro
parágrafo deste texto, é superior a ele, seja em momentos eleitorais, seja no
desencadeamento de ações pontuais que remetem ao que foi urdido durante a
campanha eleitoral de 2022 e, a rigor, durante os mandatos de Temer e
Bolsonaro. O ódio se realiza como máquina política.
No entanto, pior será acostumar-se com tal fenômeno.
Compreendê-lo, sem ódio por suposto, é indispensável.
As teorias e as práxis da comunicação das últimas décadas do século XX
mostraram que a mediação social (que age sobre memória, educação, identidades,
costumes, práticas de trabalho, relações amorosas, organização familiar e
comunitária) não é realizada pelas mídias, pelo mercado ou pelos agentes
públicos, ainda que poderosos e interessados em serem as próprias mediações.
Por uma razão inicialmente linguística, quem medeia relações sociais são as
culturas das gentes, esse aprendizado vital, um conjunto cultivado de valores e
símbolos da vida que é pensado e refletido quando da reação a qualquer
informação recebida.
Central para esse entendimento de mediação cultural das sociedades é que
a pessoa a quem se destina uma mensagem não tem, em princípio, obrigação de
descodificar a mensagem segundo significações e sentidos elaborados pelo
emissor. Respeitada a diversidade linguística, a mediação cultural e a
pluralidade comunicativa, capacita-se a pessoa e sua sociedade para o avanço a
diálogos; em consequência, expandem-se culturas em contato e confronto. Tal
processo é o contrário do que ocorre no Brasil hoje, onde aversões,
misantropia, fim-de-papo, gritos de cala-boca, enfim ódio se realizam como
processo que prima pelo paralelismo de poder.
Exemplos cabais dessa atitude navegam nos discursos de deputados como
Abílio Brunini e Nikolas Ferreira, nos quais nenhuma significação aponta para
aberturas e, ao contrário, o tecido irrisório de argumentos produz sistemáticas
oposições a anunciar a breve tomada de poder pela sua organização. Os discursos
de Brunini e Ferreira encampam os berros do PM a chutar um pobre indefeso, caso
recente: “Eu vou matar todo mundo”. Já passou da hora de ir além da conversa
fiada de agentes públicos no sentido de que tal fenômeno é fato isolado.
Ocorre que, a ideia de povo nesses esquálidos discursos parlamentares,
necessariamente, carece de rosto, de personalidade, de diversidade. Serão
fantasmas votantes, ferramentas do ódio. Diferentemente, o que se depreende do
estudo e do trabalho científico é que a diversidade cultural no processo de
informação e comunicação se distingue como valor e desejos de valor, capazes
portanto de estabelecer o debate público.
A Política (com esse P) se instaura nesse movimento. No entanto, esse
valor social é o que se obstaculiza ferrenhamente nos últimos tempos do
parlamento brasileiro, das redes, dos discursos e práticas militares, do mundo
rocambolesco e geralmente irresponsável dos influenciadores e das associações
conjunturais criadas para fomentar o ódio. Até mesmo especialistas em produção
de ódio (que chamam “iscas do ódio”) proliferam nas relações sociais do país a
partir da ótica dos não-poucos que lucram com o ódio. Toda essa gente está a
merecer o poema de combate de José Paulo Paes, Epitáfio de um Banqueiro:
negócio
ego
ócio
cio
(Anatomias, 1967)
O poema expande, neste tempo histórico, a significação de
banqueiro, que avança para muitas bancas e bancadas. Pode-se mesmo ampliar as
semânticas do ódio negocial entre atletas, estudantes e profissionais diversos.
Ouvi atletas dizerem: “Para competir é necessário um pouco de ódio”. Inversão
do conceito de esporte.
Para a ampliação desse processo, convém no Brasil mitigar e sufocar
ações de cidadania em face do negócio do ódio. E a busca de compreendê-lo leva
o analista a fenômenos tidos e havidos para além do tecido político comum, ou
seja, num simbolismo que se poderia denominar a perda da linguagem. O país
assistiu à tremenda dificuldade do capitão ex-presidente em organizar a sua
linguagem oral.
Em Bolsonaro a elocução faz ver e ouvir uma perda significativa de
linguagem, mas ele trabalha com a perda (porque esse é o seu limite
linguístico) e estabelece essa perda como padrão do grito, como jato volumoso,
embora desconexo, que faz transparecer o ódio como palavra de ordem. Ele não
está só, pois aí se organiza uma anti-cultura política, cujo processo de
comunicação se move entre berros e silêncios, criadores, no limite, de lugares
comuns para serem facilmente memorizados.
Evidentemente o ex-presidente é quase analfabeto de escritura, pois esta
é tarefa mais exigente do que ele se dispõe a oferecer, ou lhe seja impossível
executar. Quem o segue, a despeito da tradição de prosear, papiar e conversar
na cultura brasileira, também se acostuma com a perda na linguagem e a
desmesurada ação compensatória. Importa, pois, fazer, explodir, derrubar,
verbos que se conectam às práticas do oficial do exército Jair Bolsonaro noutro
momento conhecido de sua vida.
Do mesmo modo, o que importava era explodir um caminhão talvez no
aeroporto movimentado de Brasília. Nada de linguagem na pessoa que faz de uma
bomba seu travesseiro na frente do STF, cuja triste memória avança na criação
conceitual do ódio por perda. Essa forma de ódio, politizada a partir de
conceitos de família, Deus, liberdade, pátria revela outras perdas: a mínima
elaboração sintática – de fato sofrível e canhestra – que o capitão e muita
gente do seu grupo executam.
Mesmo no 8 de janeiro de 2023 foi possível sentir muito murmúrio, mas
pouca articulação linguística nas milhares de pessoas que estiveram em Brasília
para destruir (e não para falar), o que significou a criação de fatos
irreversíveis, ação clara a favor da construção dialética possível sob forte
perda de linguagem. Um dos maiores símbolos daquele dia foi o olhar da pessoa
para o antigo relógio do Planalto, rápido e decidido: aquilo nada valia, como
nada valia o lugar em que se encontrava. O que valia era o gesto, o fazer
explícito, a derrubada. O hoje réu, Antonio Cláudio, decidiu parar o tempo da
República e, portanto, provocar um tempo contínuo e silencioso a favor do ódio
feito política.
A destruição constrói pontualidades mantenedoras do ódio e dispensa a
racionalidade dos argumentos. Os atos de governança enumerados no início deste
texto ensejariam que, em condições normais de história política, pelo menos 120
milhões de brasileiros e brasileiras demonstrassem sua alegria com os avanços,
pois cada avanço em política pública provê outros valores e conquistas para
cada pessoa que compartilha o universo social da democracia.
Assim se criam compromissos com novas e mais arrojadas conquistas.
Evidentemente não é isso que ocorre quando as pesquisas buscam inferir a
opinião e o estágio de leitura política das gentes, pois o ódio programático é
acionado e pontua cada gesto, o qual também rebate nas redes sociais e
plataformas. Ali a língua de contato é minimalista, pouco articulada em sua
sintaxe, mas feroz, jatos de ódio, jorros ou fluxos de perdas de linguagem como
lucro organizatório.
O berro e seu avatar, a ação violenta, levam a cansaços, ordenam
situações, estimulam os silêncios e inviabilizam conquistas democráticas. E
este, no conjunto, é o desafio central para o governo democrático e, ao mesmo
tempo, incapaz de tratar da informação/comunicação para além de instrumento ou
ferramenta. O grito e os gestos de explosão, em contexto de perda e falta de
linguagem, estes sim são pura instrumentação.
No mundo criado a partir do golpe de meados da década passada até 2022,
tudo e todos se instrumentalizam. Ao contrário, a força da linguagem elaborada
e produtiva, que inicia o processo de comunicação, é valor de referência para o
processo de participação social e para as conquistas da democracia.
Para quem busca tecer relações entre fatos e significações sociais
no tempo-espaço, é bem fácil ver ódio como processo de comunicação, pois ele
está presente na garfada de arroz e feijão, nas negociações da Faria Lima, seus
porta-vozes e associados, na compra e na venda de qualquer coisa, nas relações
entre diferentes e desiguais, na alcaguetagem de disque-disques, inclusive em
salas de aula, na recusa (e na impossibilidade) de discursos orgânicos e
abertos.
Mas o risco maior é que os projetos paralelos de comunicação no país
criem associações de sentidos, troquem figurinhas e se tornem algo assemelhados
no exercício da linguagem. A indistinção é marca do horror.
Segue, pois, que um processo de comunicação em face da Democracia
desejada e necessária só poderá ser construído sob a articulação linguística
racional; ato contínuo, pessoas, grupos e organizações avançam para a ampliação
de direitos objetivos e subjetivos. A democracia carece de muito sentimento. Ao
contrário, o murmúrio, a linguagem rompida que não passa de jargões, o vômito
de paradigmas e palavras de ordem, o silêncio mortífero das cavilações e
quarteladas revelam uma espécie de pacto com o passado, que se quer projetar –
e forjar – um país opaco, sinistro, temeroso, desconjuntado.
Mas não nos esqueçamos: esse mundo conta com razoável apoio intelectual,
com a ignorância de certas mídias e o estímulo interesseiro de supostos
mediadores, os quais dão guarida aos ódios e até mesmo tentam, por interesses
pessoais e grupais, minorar as perdas de linguagem e propor que esse campo
minado do ódio e da morte é um projeto político.
¨ O cartel da Faria Lima e o efeito Trump. Por Luís
Nassif
a Advocacia Geral
da União (AGU) abriu investigações sobre um grupo de operadores que espalharam
mensagens falsas de Gabriel Galípolo pela plataforma X. Foi o primeiro
movimento destinado a atacar o cartel da Faria Lima, embora em cima de sua
manifestação mais grosseira.
É a parte mais
barulhenta – e chata – do microcosmo do mercado, operadores que se comportam
como participantes de Olimpíadas universitárias. São tão chatos quanto qualquer
torcida organizada. Gritam, agridem, dizem besteiras – como a de que é
impossível corrida contra o real em sistema de câmbio flexível -, mas são
apenas chatos.
A parte perigosa é
mais sutil, valeu-se do presidente do Banco Central Roberto Campos Neto para
manifestações terroristas sobre a questão fiscal, criando um terrorismo fiscal
sem precedentes.
O instrumento maior
desta loucura é o sistema de Metas Inflacionárias que literalmente jogou o
controle da moeda para o mercado, com o Banco Central indo a reboque. O BC
deixou de ser autoridade monetária e passou a convalidar o jogo de expectativas
do mercado.
Primeiro,
extirparam todos os instrumentos macroprudenciais de combate à inflação, como
estoques reguladores, administração de preços regulados. Gradativamente, todos
os setores regulados passaram a ser apropriados pelas empresas reguladas –
enquanto o mercado avançava em todos esses campos, adquirindo as principais
empresas.
Depois, um trabalho
de liberalização ampla do capital, permitindo contas em dólares para pessoas
físicas, retenção de dólares por exportadores, controle da mídia pelo mercado,
tornando as moedas nacionais cada vez mais suscetíveis aos movimentos
especulativos internos e aos movimentos internacionais do dólar.
Finalmente, a
imposição de limites férreos aos gastos públicos, com o teto de gastos.
Assumindo um país destroçado, sem controle sobre o Congresso, o governo
Lula supos ser possível enfrentar o mercado dentro das regras de jogo criadas
para o mercado. Substituiu o teto pelo arcabouço, ganhou algum fôlego fiscal na
negociação especial do orçamento até entrar em corner na última semana.
Meio ponto de
inflação acima da meta, 0,25 de estouro da meta fiscal, provocaram terremotos
desproporcionais, sem precedentes, graças à manipulação, pelo cartel, da
opinião pública através da mídia convencional e do esquema de veículos ligados
ao mercado financeiro.
Agora, tem-se a
maior batalha a ser enfrentada. Através do controle da política monetária, o
cartel avança sobre as principais políticas públicas. Primeiro, foi o movimento
que explodiu o dólar nas últimas semanas, alimentado por declarações sucessivas
de Roberto Campos Neto em relação ao quadro fiscal.
Já se sabia que,
mais cedo ou mais tarde, as medidas anunciadas pelo governo Trump
transformariam os Estados Unidos em um sorvedouro de dólares. Alíquotas de
importação manteriam a inflação em níveis considerados elevados, levariam o FED
a aumentar as taxas de juros, atraindo dólares de todos os cantos. O mercado
sempre antecipa movimentos.
Ontem, o presidente
do Fed, Jerome H. Powell, fez um balanço otimista: “A economia dos EUA tem sido
simplesmente notável”, graças a um conjunto de medidas tomadas pela
administração Biden. As vendas estão robustas, os preços das ações subindo, o
investimento doméstico na produção de chips deu novo ânimo à economia
norte-americana.
Mas, e pelo “mas”
entra o mercado, houve uma gripe aviária que aumentou os preços dos ovos e há
as ameaças de aumento de tarifas de importação pela administração Trump.
Foi o que bastou
para o Fed diminuir o ritmo de queda dos juros para 4,4%, menos que os 5,3% de
três meses atrás, mas ainda mais alto do que em qualquer outro momento do
governo Trump 1, e provocar um terremoto nos ativos norte-americanos.
O índice S&P
500 caiu quase 3%. O índice Dow Jones caiu pelo 10º dia consecutivo, a maior
sequência de quedas desde outubro de 1974.
Em cima do
terrorismo alimentado pelo mercado brasileiro, veio o terrorismo criado pelas
indecisões do FED. Bastou isso para o dólar explodir no país, deixando o
governo de joelhos.
Agora, tem-se o
seguinte jogo:
# O cartel criou o
movimento inicial de desestabilização, com o terrorismo fiscal. Montou a
primeira onda que foi sendo alimentada com manchetes terroristas dos jornais.
# O Banco Central
reagiu, elevando a Selic em um ponto, e definindo previamente mais dois pontos
de alta para o próximo semestre.
As discussões sobre
o tal ajuste fiscal mudam de patamar. Não se discute mais ou menos 0,25 ponto.
Taxas de juros real de 10% tornam o fiscal literalmente inviável. Ai vem o
terrorismo da tal “dominância fiscal”, o momento em que a receita fiscal não
pode dar mais conta do custo dos juros.
No início dos anos
80 o mundo experimentou o choque de juros dos Estados Unidos, literalmente
quebrando o Brasil.
Hoje o país tem uma
situação econômica muito mais confortável, com reservas cambiais robustas. Mas
com vulnerabilidades políticas.
A explosão do dólar
é apenas o instrumento de chantagem do cartel. Nos próximos dias, o rei do
Brasil, André Esteves, se reunirá com seu principal agente político, Arthur
Lira, para impor suas condições. Só assim, o cartel reduzirá sua pressão
O país assistirá de
joelhos sua vitória enquanto a mídia continuará nesse baile louco de enaltecer
as loucuras de Milei na Argentina.
Todos esses
movimentos tornarão o sistema de Metas Inflacionárias gradativamente inviável.
A globalização financeira será desmontada, antes que desmonte as economias
nacionais.
Resta saber quanto
tempo levará para o Banco Central e as autoridades monetárias brasileiras
acordarem para o novo mundo que vem pela frente.
Como preparativo,
seria interessante que a AGU e a Polícia Federal convidassem para vir ao Brasil
os investigadores britânicos que desmontaram o cartel da Libor. As autoridades
precisarão aprender como tratar crimes financeiros sofisticados.
Fonte: A Terra é Redonda/Jornal GGN
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