Um general preso,
um passo num longo caminho necessário
O dia 15 de
dezembro de 2024 foi histórico. Não é todo dia que um general de muitas
estrelas é preso.
Em Faroeste
Caboclo, da Legião Urbana, o anti-herói da fábula brasiliense, João do
Santo Cristo, responde, quando é convidado para prestar seus serviços: “E não
protejo general de dez estrelas. Que fica atrás da mesa com o cu na mão”.
A casta parasitária
militar brasileira é moldada pela impunidade. Casta, pois não se considera
parte do povo; é endógena. Parasitária, pois não serve a nada na sociedade,
sendo um vetor permanente de corrupção e injustiça. Promovem casamentos entre
si; filhos estudam em colégios militares, e famílias convivem nos clubes
militares. As filhas de militares muitas vezes nunca se casam para continuar
recebendo pensões, o que envolve inúmeros casos de fraudes. Quando expulsos por
corrupção ou outros desmandos das Forças Armadas, são considerados “morte
ficta” para que suas famílias continuem recebendo suas pensões. A farda
tornou-se sinônimo da casta da impunidade no Brasil.
O genocídio
protagonizado pelos militares imperiais na Guerra do Paraguai é um exemplo. Na
República Velha, tivemos os massacres de brasileiros na Guerra de Canudos
(1896-1897), na Guerra do Contestado (1912-1914) e na Guerra contra São Paulo,
em 1924, quando os bairros operários da cidade foram bombardeados. Mesmo na
chamada Nova República, houve o ataque aos grevistas da CSN em 1988, com o
fuzilamento de três jovens operários: Carlos Augusto Barroso (19 anos), Walmir
Freitas Monteiro (27 anos) e William Fernandes Leite (22 anos).
Mais recentemente,
a ocupação do Haiti (2004-2017), sob orientação direta dos EUA, França e Canadá,
mas comandada pelo Exército Brasileiro com apoio das demais Forças Armadas,
escancarou o papel subalterno das forças brasileiras como coturno auxiliar do
imperialismo. O massacre de Cité Soleil, ou como dizem os haitianos Site
Soley, nunca me saiu da cabeça após assistir ao documentário O que se passa no Haiti?, do jornalista Kevin Pina.
Outros militares,
como Augusto Heleno, Santos Cruz e até o atual governador de São Paulo,
Tarcísio de Freitas, foram formados na ocupação e na execução de crimes
sistemáticos contra a população negra do Haiti. Uma explicação didática do
atual general Guilherme Bernardes (na época coronel) no documentário Haiti: estamos cansados, do cientista
social e documentarista Daniel Santos mostra como desde 2010 os comandantes
brasileiros no Haiti afirmavam que a participação brasileira no Haiti era
importante porque preparava o Exército para lidar com a segurança interna nos
morros e favelas do Brasil. O general Braga Netto foi o interventor no Rio de
Janeiro, foi investigado pela Polícia Federal por suspeita de fraude na compra
de coletes balísticos envolvendo uma empresa de envolvida no assassinato, em
julho de 2021, de Jovenel Moïse presidente do Haiti. A empresa é a mesma que
havia fechado contrato para fornecer coletes a ser usados na intervenção
federal de 2018 no estado do Rio de Janeiro.
Em um momento da
formação da deformada e incompleta República brasileira, as revoltas
tenentistas surgiram como um suspiro de indignação social diante do Brasil dos
conflitos operários e da intensa luta de classes nas áreas urbanas e no
interior, onde a injustiça era a regra nas relações políticas dominadas por
coronéis e caudilhos. Na longa marcha da Coluna Miguel Costa-Prestes, há
relatos da liberação de extensas áreas de latifúndios no interior do Brasil,
onde a escravidão ainda persistia nas plantações de mate. Ali talvez tenha
ocorrido o último suspiro de compromisso com a nação brasileira.
De lá para cá, a
dissidência frente à subserviência aos interesses imperialistas tornou-se
exceção. A regra tem sido a covardia corrupta de militares como o comandante do
II Exército, general Amaury Kruel, e suas
malas de dólares para
trair o presidente João Goulart, ou Eduardo Pazuello, ministro do
genocídio da Covid-19 no
Brasil e seus esquemas com cloroquina e propinas nas negociações das vacinas,
que afetaram a vida de milhares de brasileiros.
A luta de massas na
sociedade brasileira pela libertação dos presos políticos e pelo direito ao
retorno dos exilados arrancou em plena ditadura e culminou na Lei da Anistia
(Lei n. 6.683/1979). Na Assembleia Constituinte de 1988, que, longe de ser
“cidadã”, como alguns a chamam, foi incapaz de fazer prevalecer a vontade da
maioria dos brasileiros de punição aos crimes da ditadura e garantiu aos
criminosos fardados de todas as patentes a impunidade pelos crimes cometidos
durante o regime militar. Essa impunidade se perpetua até hoje, com as Polícias
Militares, “forças auxiliares” do Exército, que torturam e matam nas favelas,
morros e periferias, onde a ditadura nunca acabou.
A Comissão Nacional
da Verdade (Lei 12.528/2011) expôs apenas uma parte desses crimes. Incompleta,
não puniu nenhum dos responsáveis. Tampouco investigou de forma abrangente os
crimes da ditadura, como reivindica a luta pela instalação da Comissão Nacional
Indígena da Verdade, necessária para apurar pelo menos 8.350 assassinatos
praticados pela ditadura militar. Essa luta é urgente no Brasil do latifúndio
fantasiado de agronegócio, que joga veneno sobre as comunidades indígenas e
sem-terra, além de atacar com milícias privadas os povos originários. Como
explicou o jornalista e militante da memória e da causa indígena Marcelo Zelic (1963-2023), trata-se
de “uma emergência civilizatória”.
É necessário punir a
cúpula militar. Ela é a origem da impunidade que contamina suas “forças
auxiliares”, as Polícias Militares, que matam e violentam o povo brasileiro. A
principal razão para desmilitarizar as Polícias Militares é acabar com o
sistema de impunidade sustentado pela justiça militar, que permite os inúmeros
crimes denunciados diariamente.
Neste dia 15 de
dezembro, um general de quatro estrelas foi preso. É pouco. É necessário punir
todos os generais, milicianos, empresários, líderes religiosos e políticos que
cometeram crimes no governo Bolsonaro e ir além: acabar com a tutela militar
sobre a sociedade brasileira, expressa no artigo 142 da Constituição Federal. A
tutela militar confere aos militares o poder de pisotear a soberania popular
sempre que lhes convém.
Braga Netto é o
primeiro comandante fardado de quatro estrelas preso. Mas não deve ser o
último. E isso expõe a contradição profunda do governo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva em manter José Múcio como ministro da Defesa, um porta-voz
da caserna, e não um ministro comprometido com a democracia e com os direitos
do povo brasileiro.
Mais do que nunca,
afirmar “sem anistia” é uma tarefa que está ligada à luta para reverter todos
os crimes do bolsonarismo contra os direitos. Essa é a vontade de uma expressiva
maioria dos que foram às urnas para pôr fim ao ciclo de golpistas que depuseram
a presidenta Dilma. É necessário que as forças vivas do povo brasileiro cobrem
das instituições – Executivo, Legislativo e Judiciário – a tarefa urgente de
revogar as reformas de Temer e Bolsonaro: a Reforma Trabalhista, a Reforma da
Previdência, a Lei das Terceirizações e outras medidas, como a liberação de
agrotóxicos, isenções e subsídios sem fim para o latifúndio do agronegócio,
banqueiros e bilionários.
Esse Congresso
Nacional representa o oposto disso. Ele seria capaz de fazer o que a maioria do
povo espera? Creio que não. Para avançar, só uma ruptura verdadeiramente
democrática, que mude a correlação de forças e passe a limpo os podres poderes
brasileiros, um processo Constituinte que reescreva os direitos nos fundamentos
da nação brasileira.
¨ Walter Braga Netto. Por Marcelo Aith
A Polícia Federal
prendeu na manhã de sábado (14 de dezembro) o general Walter Braga Netto,
ex-ministro da Defesa (março de 2021 a abril de 2022) e ex-candidato a vice de
Jair Bolsonaro na chapa de 2022. Braga Netto é alvo do inquérito que investiga
um plano de golpe de Estado. A PF também realizou buscas em sua residência, no
Rio de Janeiro. Os mandados de prisão preventiva e busca e apreensão foram
expedidos pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes,
com base na suposta obstrução das investigações.
Segundo as
apurações, Braga Netto teria entrado em contato com Mauro Cid para obter
informações sobre os dados sigilosos da delação premiada. Com acesso a esses
dados, o general teria buscado interferir nas investigações. Ele é um dos
indiciados no inquérito sobre a tentativa de golpe ocorrida em 8 de janeiro de
2023.
A prisão é
justificada?
A prisão preventiva
é uma medida cautelar prevista no Código de Processo Penal (CPP), destinada a
garantir a ordem pública e econômica, a instrução criminal ou a aplicação da
lei penal. Trata-se de uma exceção ao princípio da presunção de inocência e,
por isso, sua decretação exige o cumprimento rigoroso de requisitos legais e
constitucionais.
O artigo 312 do CPP
estabelece que a prisão preventiva pode ser decretada nos seguintes casos: (i)
Garantia da Ordem Pública e Econômica: Quando houver risco de o acusado
continuar a praticar crimes, prejudicando a paz social ou a economia; (ii)
Conveniência da Instrução Criminal: Para assegurar que o processo penal não
sofra interferências indevidas; (iii) Assegurar a Aplicação da Lei Penal:
Quando houver risco de fuga que inviabilize a aplicação da pena.
A Constituição
Federal de 1988, no artigo 5º, inciso LXI, determina que ninguém será preso
senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judicial competente. Assim, a prisão preventiva deve ser devidamente justificada,
respeitando os direitos e garantias fundamentais do acusado, e ser aplicada
apenas quando outras medidas cautelares não forem suficientes.
A obstrução da
instrução probatória é um dos fundamentos mais relevantes para a decretação da
prisão preventiva. Ela ocorre quando o investigado tenta dificultar ou impedir
a coleta de provas, ameaçando testemunhas ou destruindo evidências. Esse
comportamento compromete não apenas o andamento do processo, mas o próprio
funcionamento da justiça.
Para justificar a
prisão preventiva, o risco à instrução probatória deve ser contemporâneo, ou
seja, baseado em indícios atuais e concretos. A contemporaneidade assegura a
proporcionalidade e adequação da medida ao contexto dos fatos.
A decretação da
prisão preventiva também depende da impossibilidade de aplicação de medidas
cautelares alternativas, como prevê o artigo 282, § 6°, combinado com o artigo
319 do CPP. Dessa forma, a prisão preventiva é uma medida extrema e deve ser
utilizada com prudência e rigorosa observância dos requisitos legais e
constitucionais.
De acordo com a
decisão do STF, “os elementos de prova trazidos aos autos pela autoridade
policial revelam a efetiva ação dos investigados para obstruir as investigações
em curso, mediante obtenção de dados sigilosos em âmbito de acordo de
colaboração premiada, cuja descoberta só foi possível em razão da realização de
medidas de busca e apreensão anteriormente autorizadas por esta Suprema Corte”.
Além disso, foram
apreendidos documentos na sede do Partido Liberal, indicando que os
investigados teriam pressionado Mauro Cid, por meio de seu pai, para obter
informações sobre o teor de seus depoimentos e para evitar que suas
participações nos crimes fossem plenamente reveladas.
Outro ponto
relevante apontado pela PF é a existência de provas robustas de que Braga Netto
contribuiu para o planejamento e execução de um golpe de Estado, que não se
concretizou por fatores externos. A investigação também apurou que o general
teria entregue mais de 100 mil reais em uma bolsa de vinhos para financiar
ações do grupo conhecido como “Kids Pretos”, que integraria o esquema golpista.
Os requisitos para
a prisão preventiva do general Braga Netto estão presentes no caso concreto.
Tanto o fumus commissi delicti (indícios de autoria e materialidade)
quanto o periculum in mora (risco de continuidade delitiva ou
interferência nas investigações) foram exaustivamente demonstrados, conforme as
evidências apresentadas pela Polícia Federal.
Assim, a decretação
da prisão preventiva, fundamentada na necessidade de assegurar a instrução
criminal e evitar a obstrução da justiça, está em conformidade com as previsões
legais e constitucionais aplicáveis.
¨ Novo
advogado diz que general "é um democrata" e cria tese surreal para
"morte" de Lula
Com bom
trânsito no Supremo Tribunal Federal (STF) e uma lista de clientes que inclui
nomes como Zé Dirceu, Léo Pinheiro - da OAS, pivô do "Triplex do
Lula" - e Pedro Guimarães, ex-presidente da Caixa denunciado por assédio,
o advogado José Luis Oliveira Lima teve o primeiro encontro com seu novo
assessorado, general Walter Braga Netto, nesta quarta-feira (18) no Comando
Militar Leste, onde o ex-ministro e candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro
(PL) em 2022 está preso.
Juca,
como é conhecido, mudou a linha de defesa desenhada pelo antecessor, o advogado
Luis Prata, e negou que haja quaisquer possibilidades de Braga Netto firmar um
acordo de delação premiada, sinalizando que firmará a nova tese na
"inocência" do militar.
"Registro
que não há a menor hipótese de fazer um acordo de colaboração premiada”, disse
o advogado primeiramente a'O Globo e depois ao Estadão. "O general não
praticou crime algum, portanto não fará colaboração".
Indagado
se implicaria Bolsonaro, já que há um racha entre a defesa do ex-presidente,
que culpa os militares de alta patente, Juca retomou a tese da
"inocência" do militar.
"O
general não pode implicar ninguém, não participou de nenhum ato ilícito",
rebateu.
Indagado
sobre a participação do general nas reuniões para planejamento do golpe, o
advogado respondeu sinalizando a nova narrativa que tentará impor para defender
Braga Netto.
Segundo
Juca, "o general Braga Netto é um democrata, não participou de nenhuma
reunião golpista".
<><> Assassinato de Lula
A nova
estratégia passa por desacreditar Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de
Bolsonaro, que segundo o advogado é “um delator com credibilidade zero”.
A nova
tese, no entanto, deve se apoiar em parte da delação do tenente-coronel para
criar uma narrativa surreal sobre Braga Netto ter sido o anfitrião da facção
homicida para planejar os assassinatos de Lula, Geraldo Alckmin (PSB) e
Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Segundo o
advogado, o encontro na casa de Braga Netto se deu apenas para que o general
tirasse uma foto com o coronel Raphael Oliveira, kid preto que também foi preso
pelo plano de homicídios.
Cid chega
a citar a foto dos dois militares, mas segue dizendo que na sequência foi
tramado o planejamento para o assassinato e que Braga Netto entregou dinheiro para
financiar os golpistas em uma caixa de vinho.
"É
uma mentira essa acusação, o general nunca entregou dinheiro para financiar
qualquer tipo de plano. É no mínimo curioso, para ser gentil, que oito meses
depois, o colaborador, que já mudou de versão várias vezes, agora traga essa
fantasiosa versão", diz Juca, atacando novamente Mauro Cid.
Fonte: Por Alexandre Linares, em Opera Mundi/A Terra é Redonda/Fórum
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