sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Um general preso, um passo num longo caminho necessário

O dia 15 de dezembro de 2024 foi histórico. Não é todo dia que um general de muitas estrelas é preso.

Em Faroeste Caboclo, da Legião Urbana, o anti-herói da fábula brasiliense, João do Santo Cristo, responde, quando é convidado para prestar seus serviços: “E não protejo general de dez estrelas. Que fica atrás da mesa com o cu na mão”.

A casta parasitária militar brasileira é moldada pela impunidade. Casta, pois não se considera parte do povo; é endógena. Parasitária, pois não serve a nada na sociedade, sendo um vetor permanente de corrupção e injustiça. Promovem casamentos entre si; filhos estudam em colégios militares, e famílias convivem nos clubes militares. As filhas de militares muitas vezes nunca se casam para continuar recebendo pensões, o que envolve inúmeros casos de fraudes. Quando expulsos por corrupção ou outros desmandos das Forças Armadas, são considerados “morte ficta” para que suas famílias continuem recebendo suas pensões. A farda tornou-se sinônimo da casta da impunidade no Brasil.

O genocídio protagonizado pelos militares imperiais na Guerra do Paraguai é um exemplo. Na República Velha, tivemos os massacres de brasileiros na Guerra de Canudos (1896-1897), na Guerra do Contestado (1912-1914) e na Guerra contra São Paulo, em 1924, quando os bairros operários da cidade foram bombardeados. Mesmo na chamada Nova República, houve o ataque aos grevistas da CSN em 1988, com o fuzilamento de três jovens operários: Carlos Augusto Barroso (19 anos), Walmir Freitas Monteiro (27 anos) e William Fernandes Leite (22 anos).

Mais recentemente, a ocupação do Haiti (2004-2017), sob orientação direta dos EUA, França e Canadá, mas comandada pelo Exército Brasileiro com apoio das demais Forças Armadas, escancarou o papel subalterno das forças brasileiras como coturno auxiliar do imperialismo. O massacre de Cité Soleil, ou como dizem os haitianos Site Soley, nunca me saiu da cabeça após assistir ao documentário O que se passa no Haiti?, do jornalista Kevin Pina.

Outros militares, como Augusto Heleno, Santos Cruz e até o atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, foram formados na ocupação e na execução de crimes sistemáticos contra a população negra do Haiti. Uma explicação didática do atual general Guilherme Bernardes (na época coronel) no documentário Haiti: estamos cansados, do cientista social e documentarista Daniel Santos mostra como desde 2010 os comandantes brasileiros no Haiti afirmavam que a participação brasileira no Haiti era importante porque preparava o Exército para lidar com a segurança interna nos morros e favelas do Brasil. O general Braga Netto foi o interventor no Rio de Janeiro, foi investigado pela Polícia Federal por suspeita de fraude na compra de coletes balísticos envolvendo uma empresa de envolvida no assassinato, em julho de 2021, de Jovenel Moïse presidente do Haiti. A empresa é a mesma que havia fechado contrato para fornecer coletes a ser usados na intervenção federal de 2018 no estado do Rio de Janeiro. 

Em um momento da formação da deformada e incompleta República brasileira, as revoltas tenentistas surgiram como um suspiro de indignação social diante do Brasil dos conflitos operários e da intensa luta de classes nas áreas urbanas e no interior, onde a injustiça era a regra nas relações políticas dominadas por coronéis e caudilhos. Na longa marcha da Coluna Miguel Costa-Prestes, há relatos da liberação de extensas áreas de latifúndios no interior do Brasil, onde a escravidão ainda persistia nas plantações de mate. Ali talvez tenha ocorrido o último suspiro de compromisso com a nação brasileira.

De lá para cá, a dissidência frente à subserviência aos interesses imperialistas tornou-se exceção. A regra tem sido a covardia corrupta de militares como o comandante do II Exército, general  Amaury Kruel, e suas malas de dólares para trair o presidente João Goulart, ou Eduardo Pazuello, ministro do genocídio da Covid-19 no Brasil e seus esquemas com cloroquina e propinas nas negociações das vacinas, que afetaram a vida de milhares de brasileiros.

A luta de massas na sociedade brasileira pela libertação dos presos políticos e pelo direito ao retorno dos exilados arrancou em plena ditadura e culminou na Lei da Anistia (Lei n. 6.683/1979). Na Assembleia Constituinte de 1988, que, longe de ser “cidadã”, como alguns a chamam, foi incapaz de fazer prevalecer a vontade da maioria dos brasileiros de punição aos crimes da ditadura e garantiu aos criminosos fardados de todas as patentes a impunidade pelos crimes cometidos durante o regime militar. Essa impunidade se perpetua até hoje, com as Polícias Militares, “forças auxiliares” do Exército, que torturam e matam nas favelas, morros e periferias, onde a ditadura nunca acabou.

A Comissão Nacional da Verdade (Lei 12.528/2011) expôs apenas uma parte desses crimes. Incompleta, não puniu nenhum dos responsáveis. Tampouco investigou de forma abrangente os crimes da ditadura, como reivindica a luta pela instalação da Comissão Nacional Indígena da Verdade, necessária para apurar pelo menos 8.350 assassinatos praticados pela ditadura militar. Essa luta é urgente no Brasil do latifúndio fantasiado de agronegócio, que joga veneno sobre as comunidades indígenas e sem-terra, além de atacar com milícias privadas os povos originários. Como explicou o jornalista e militante da memória e da causa indígena Marcelo Zelic (1963-2023), trata-se de “uma emergência civilizatória”.

É necessário punir a cúpula militar. Ela é a origem da impunidade que contamina suas “forças auxiliares”, as Polícias Militares, que matam e violentam o povo brasileiro. A principal razão para desmilitarizar as Polícias Militares é acabar com o sistema de impunidade sustentado pela justiça militar, que permite os inúmeros crimes denunciados diariamente.

Neste dia 15 de dezembro, um general de quatro estrelas foi preso. É pouco. É necessário punir todos os generais, milicianos, empresários, líderes religiosos e políticos que cometeram crimes no governo Bolsonaro e ir além: acabar com a tutela militar sobre a sociedade brasileira, expressa no artigo 142 da Constituição Federal. A tutela militar confere aos militares o poder de pisotear a soberania popular sempre que lhes convém.

Braga Netto é o primeiro comandante fardado de quatro estrelas preso. Mas não deve ser o último. E isso expõe a contradição profunda do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em manter José Múcio como ministro da Defesa, um porta-voz da caserna, e não um ministro comprometido com a democracia e com os direitos do povo brasileiro.

Mais do que nunca, afirmar “sem anistia” é uma tarefa que está ligada à luta para reverter todos os crimes do bolsonarismo contra os direitos. Essa é a vontade de uma expressiva maioria dos que foram às urnas para pôr fim ao ciclo de golpistas que depuseram a presidenta Dilma. É necessário que as forças vivas do povo brasileiro cobrem das instituições – Executivo, Legislativo e Judiciário – a tarefa urgente de revogar as reformas de Temer e Bolsonaro: a Reforma Trabalhista, a Reforma da Previdência, a Lei das Terceirizações e outras medidas, como a liberação de agrotóxicos, isenções e subsídios sem fim para o latifúndio do agronegócio, banqueiros e bilionários. 

Esse Congresso Nacional representa o oposto disso. Ele seria capaz de fazer o que a maioria do povo espera? Creio que não. Para avançar, só uma ruptura verdadeiramente democrática, que mude a correlação de forças e passe a limpo os podres poderes brasileiros, um processo Constituinte que reescreva os direitos nos fundamentos da nação brasileira. 

 

¨      Walter Braga Netto. Por Marcelo Aith

A Polícia Federal prendeu na manhã de sábado (14 de dezembro) o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa (março de 2021 a abril de 2022) e ex-candidato a vice de Jair Bolsonaro na chapa de 2022. Braga Netto é alvo do inquérito que investiga um plano de golpe de Estado. A PF também realizou buscas em sua residência, no Rio de Janeiro. Os mandados de prisão preventiva e busca e apreensão foram expedidos pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, com base na suposta obstrução das investigações.

Segundo as apurações, Braga Netto teria entrado em contato com Mauro Cid para obter informações sobre os dados sigilosos da delação premiada. Com acesso a esses dados, o general teria buscado interferir nas investigações. Ele é um dos indiciados no inquérito sobre a tentativa de golpe ocorrida em 8 de janeiro de 2023.

A prisão é justificada?

A prisão preventiva é uma medida cautelar prevista no Código de Processo Penal (CPP), destinada a garantir a ordem pública e econômica, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal. Trata-se de uma exceção ao princípio da presunção de inocência e, por isso, sua decretação exige o cumprimento rigoroso de requisitos legais e constitucionais.

O artigo 312 do CPP estabelece que a prisão preventiva pode ser decretada nos seguintes casos: (i) Garantia da Ordem Pública e Econômica: Quando houver risco de o acusado continuar a praticar crimes, prejudicando a paz social ou a economia; (ii) Conveniência da Instrução Criminal: Para assegurar que o processo penal não sofra interferências indevidas; (iii) Assegurar a Aplicação da Lei Penal: Quando houver risco de fuga que inviabilize a aplicação da pena.

A Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso LXI, determina que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judicial competente. Assim, a prisão preventiva deve ser devidamente justificada, respeitando os direitos e garantias fundamentais do acusado, e ser aplicada apenas quando outras medidas cautelares não forem suficientes.

A obstrução da instrução probatória é um dos fundamentos mais relevantes para a decretação da prisão preventiva. Ela ocorre quando o investigado tenta dificultar ou impedir a coleta de provas, ameaçando testemunhas ou destruindo evidências. Esse comportamento compromete não apenas o andamento do processo, mas o próprio funcionamento da justiça.

Para justificar a prisão preventiva, o risco à instrução probatória deve ser contemporâneo, ou seja, baseado em indícios atuais e concretos. A contemporaneidade assegura a proporcionalidade e adequação da medida ao contexto dos fatos.

A decretação da prisão preventiva também depende da impossibilidade de aplicação de medidas cautelares alternativas, como prevê o artigo 282, § 6°, combinado com o artigo 319 do CPP. Dessa forma, a prisão preventiva é uma medida extrema e deve ser utilizada com prudência e rigorosa observância dos requisitos legais e constitucionais.

De acordo com a decisão do STF, “os elementos de prova trazidos aos autos pela autoridade policial revelam a efetiva ação dos investigados para obstruir as investigações em curso, mediante obtenção de dados sigilosos em âmbito de acordo de colaboração premiada, cuja descoberta só foi possível em razão da realização de medidas de busca e apreensão anteriormente autorizadas por esta Suprema Corte”.

Além disso, foram apreendidos documentos na sede do Partido Liberal, indicando que os investigados teriam pressionado Mauro Cid, por meio de seu pai, para obter informações sobre o teor de seus depoimentos e para evitar que suas participações nos crimes fossem plenamente reveladas.

Outro ponto relevante apontado pela PF é a existência de provas robustas de que Braga Netto contribuiu para o planejamento e execução de um golpe de Estado, que não se concretizou por fatores externos. A investigação também apurou que o general teria entregue mais de 100 mil reais em uma bolsa de vinhos para financiar ações do grupo conhecido como “Kids Pretos”, que integraria o esquema golpista.

Os requisitos para a prisão preventiva do general Braga Netto estão presentes no caso concreto. Tanto o fumus commissi delicti (indícios de autoria e materialidade) quanto o periculum in mora (risco de continuidade delitiva ou interferência nas investigações) foram exaustivamente demonstrados, conforme as evidências apresentadas pela Polícia Federal.

Assim, a decretação da prisão preventiva, fundamentada na necessidade de assegurar a instrução criminal e evitar a obstrução da justiça, está em conformidade com as previsões legais e constitucionais aplicáveis.

¨      Novo advogado diz que general "é um democrata" e cria tese surreal para "morte" de Lula

Com bom trânsito no Supremo Tribunal Federal (STF) e uma lista de clientes que inclui nomes como Zé Dirceu, Léo Pinheiro - da OAS, pivô do "Triplex do Lula" - e Pedro Guimarães, ex-presidente da Caixa denunciado por assédio, o advogado José Luis Oliveira Lima teve o primeiro encontro com seu novo assessorado, general Walter Braga Netto, nesta quarta-feira (18) no Comando Militar Leste, onde o ex-ministro e candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro (PL) em 2022 está preso.

Juca, como é conhecido, mudou a linha de defesa desenhada pelo antecessor, o advogado Luis Prata, e negou que haja quaisquer possibilidades de Braga Netto firmar um acordo de delação premiada, sinalizando que firmará a nova tese na "inocência" do militar.

"Registro que não há a menor hipótese de fazer um acordo de colaboração premiada”, disse o advogado primeiramente a'O Globo e depois ao Estadão. "O general não praticou crime algum, portanto não fará colaboração".

Indagado se implicaria Bolsonaro, já que há um racha entre a defesa do ex-presidente, que culpa os militares de alta patente, Juca retomou a tese da "inocência" do militar.

"O general não pode implicar ninguém, não participou de nenhum ato ilícito", rebateu.

Indagado sobre a participação do general nas reuniões para planejamento do golpe, o advogado respondeu sinalizando a nova narrativa que tentará impor para defender Braga Netto.

Segundo Juca, "o general Braga Netto é um democrata, não participou de nenhuma reunião golpista".

<><> Assassinato de Lula

A nova estratégia passa por desacreditar Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que segundo o advogado é “um delator com credibilidade zero”.

A nova tese, no entanto, deve se apoiar em parte da delação do tenente-coronel para criar uma narrativa surreal sobre Braga Netto ter sido o anfitrião da facção homicida para planejar os assassinatos de Lula, Geraldo Alckmin (PSB) e Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Segundo o advogado, o encontro na casa de Braga Netto se deu apenas para que o general tirasse uma foto com o coronel Raphael Oliveira, kid preto que também foi preso pelo plano de homicídios.

Cid chega a citar a foto dos dois militares, mas segue dizendo que na sequência foi tramado o planejamento para o assassinato e que Braga Netto entregou dinheiro para financiar os golpistas em uma caixa de vinho.

"É uma mentira essa acusação, o general nunca entregou dinheiro para financiar qualquer tipo de plano. É no mínimo curioso, para ser gentil, que oito meses depois, o colaborador, que já mudou de versão várias vezes, agora traga essa fantasiosa versão", diz Juca, atacando novamente Mauro Cid.

 

Fonte: Por Alexandre Linares,  em Opera Mundi/A Terra é Redonda/Fórum 

 

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