'Não somos ameaça
ao mundo e concordamos com direito à educação para mulheres', diz líder sírio
O líder sírio Ahmed
al-Sharaa diz que o país está exausto pela guerra e não é uma ameaça para os
vizinhos ou para o Ocidente.
Em uma entrevista à
BBC em Damasco, ele pediu que as
sanções à Síria sejam
suspensas.
"Agora, depois
de tudo o que aconteceu, as sanções devem ser suspensas porque elas foram
direcionadas ao antigo regime. A vítima e o opressor não devem ser tratados da
mesma forma", afirmou ele.
Sharaa liderou a
ofensiva-relâmpago que derrubou o
regime de Bashar al-Assad há menos de duas semanas.
Ele é o líder
do Hayat Tahrir
al-Sham (HTS),
o grupo dominante na aliança rebelde, e era conhecido anteriormente pelo nome
de guerra Abu Mohammed al-Jolani.
O líder sírio
também defendeu que o HTS deixe de ser caracterizado como uma organização
terrorista.
O grupo é designado
desse modo pelas Nações Unidas, pelos Estados Unidos, pela União Europeia e
pelo Reino Unido, entre muitos outros, pois começou como uma dissidência da
Al-Qaeda, do qual se separou em 2016.
Sharaa argumenta
que o HTS nunca foi um grupo terrorista.
Segundo ele, a
organização não tinha como alvo civis ou áreas civis. Na verdade, eles se
consideravam vítimas dos crimes do regime de Assad.
O líder também
negou que deseja transformar a Síria em uma nova versão do Afeganistão.
Sharaa afirma que
os dois países são muito diferentes, com tradições distintas. Ele diz que o
Afeganistão é uma sociedade tribal, enquanto na Síria há uma "mentalidade
diferente".
Sharaa também diz
acreditar na educação para mulheres.
"Temos
universidades em Idlib há mais de oito anos", destacou Sharaa,
referindo-se à província noroeste da Síria, que já estava sob controle dos
rebeldes.
"Acho que a
porcentagem de mulheres nas universidades é de mais de 60%", estima ele.
Quando perguntado
se o consumo de álcool seria permitido, Sharaa afirmou: "Há muitas coisas
sobre as quais eu simplesmente não tenho o direito de falar porque são questões
legais."
Ele acrescentou que
haveria um "comitê sírio de especialistas legais para escrever uma
constituição".
"Eles
decidirão. E qualquer governante ou presidente terá que seguir a lei", diz
ele.
Sharaa pareceu
estar relaxado durante toda a entrevista. Ele vestia roupas civis e tentou
contemporizar e acalmar todos que acreditam que seu grupo ainda não rompeu com
o passado extremista.
Muitos sírios não
acreditam nele.
As ações dos novos
governantes da Síria nos próximos meses indicarão o tipo de país que eles
vislumbram — e a maneira como desejam governar o país.
¨ A brutal realidade na cadeia de mulheres iranianas
presas por não cobrir os cabelos
Agachada sozinha no
chão, em uma cela minúscula e sem janelas, Nasim podia ouvir o que parecia ser
outras prisioneiras sendo torturadas. A guarda batia na porta e dizia:
"Está ouvindo essa surra? Prepare-se, você é a próxima".
Ela foi
"interrogada de 10 a 12 horas todos os dias" — e repetidamente
ameaçada de execução.
A cela vazia, com
não mais de dois metros de largura, não tinha cama nem banheiro. A cabeleireira
de 36 anos ficou quatro meses em confinamento solitário ao chegar à
conhecida prisão de Evin, no Irã. As únicas pessoas
que ela via eram seus interrogadores. Ela achou que "morreria e ninguém
saberia".
Reunimos relatos de
várias fontes confiáveis para criar um retrato da vida cotidiana de Nasim e de
outras mulheres, que estão
atualmente detidas na prisão de Evin.
Muitas estavam
entre as dezenas de milhares de pessoas presas em conexão com os protestos
"Mulher, Vida, Liberdade" que se seguiram à morte de Mahsa
Amini, de 22 anos, em setembro de 2022. Mahsa havia sido presa por
supostamente violar as leis
iranianas que exigem que as mulheres usem hijab (véu
islâmico), e morreu sob custódia policial.
Embora as pessoas
tenham falado sobre as condições em Evin depois de terem sido libertadas, é
raro obter detalhes sobre a vida dos detentos enquanto eles ainda estão lá
dentro.
O que ouvimos
revela não só brutalidade, mas um lugar de contrastes complexos, onde as
prisioneiras continuam a fazer campanha pelos direitos das
mulheres e
desafiam as restrições impostas a elas. Há também momentos surpreendentes — uma
detenta, que de vez em quando tem permissão para ficar a sós com o marido,
chegou a engravidar.
Nasim — que
adora rap e maquiagem — foi levada sob custódia em abril de 2023,
depois de participar de protestos com as amigas, uma delas morta na repressão
do governo. Ela sobreviveu aos interrogatórios "pensando naqueles que
morreram nas ruas". As pessoas que viram Nasim quando ela saiu do
confinamento solitário descreveram cortes e hematomas em seu corpo, e como ela
foi torturada para fazer falsas confissões.
Rezvaneh também foi
presa após os protestos, junto ao marido, em 2023. Ambos foram parar em Evin,
que tem alas separadas para homens e mulheres. Os interrogadores disseram que
matariam o marido dela, e "bateriam tanto nele que ele ficaria preto como
carvão, e roxo como uma berinjela".
Após o confinamento
solitário, os interrogatórios e a humilhação, Nasim foi transferida para a ala
feminina, que abriga cerca de 70 pessoas, incluindo Rezvaneh, a maioria das
quais foi presa sob acusações políticas.
É onde a cidadã
britânica-iraniana Nazanin Zaghari-Ratcilffe, que foi autorizada a retornar ao
Reino Unido em 2022, cumpriu quase quatro anos da sua sentença.
A maioria das
mulheres foi condenada devido ao seu ativismo, por crimes que incluem espalhar
propaganda contra o regime e colocar em risco a segurança nacional.
Elas vivem em
quatro celas lotadas, com até 20 pessoas em cada uma, e beliches de três
andares.
A convivência em
alojamentos apertados muitas vezes gera atritos, e, às vezes, brigas — físicas
e verbais — acontecem. Mas as mulheres também criam vínculos fortes.
No inverno,
"todo mundo está congelando", e as mulheres "andam com garrafas
de água quente" para se aquecer. No verão, elas sofrem com o calor.
Há uma pequena área
de cozinha com alguns fogões onde, se elas tiverem dinheiro suficiente para
comprar comida no mercado da prisão, podem cozinhar para si mesmas para
complementar as refeições básicas do presídio que são levadas às suas celas.
Uma área escura e
suja no final de um corredor serve como local para fumar. Um pequeno pátio
cimentado com uma pequena área para plantas e uma rede de vôlei oferece um
pouco de espaço externo.
Elas podem usar
suas próprias roupas, e podem circular livremente pelos alojamentos, que
possuem dois banheiros. Todas as noites, eles fazem fila para usar o banheiro e
escovar os dentes.
Foi ali, depois de
quatro meses na prisão, que Rezvaneh descobriu que estava grávida.
Ela havia lutado
contra a infertilidade durante anos, e havia desistido de ter filhos. Mas, de
acordo com as regras de Evin, ela e o marido — que ainda é prisioneiro na ala
masculina — podiam se encontrar, de vez em quando, de forma reservada. E, em
uma destas ocasiões, ela concebeu.
Quando percebeu que
estava grávida, "chorou vários dias".
Ela descobriu que
"a pior coisa era a pressão mental e as tensões dentro da prisão".
Encontrar um lugar tranquilo nas celas lotadas, onde as pessoas passam a maior
parte do dia sentadas em suas camas, era um desafio constante.
A comida da prisão
a deixava com desejo de suco de maçã, pão e carne, que eram difíceis de
conseguir. Quando ela conseguia comprar carne no mercado da prisão, custava
pelo menos o dobro do preço da carne do lado de fora.
A prisão acabou
permitindo que ela fizesse uma ultrassonografia aos quatro meses de gestação, e
os médicos disseram que ela teria uma menina.
Ao ouvir "cada
batida do coração, o sentimento de esperança se fortalecia". Mas ela temia
que as condições da prisão colocassem em risco a saúde do bebê. Rezvaneh não
estava preocupada apenas com sua alimentação — ela tem epilepsia, e precisava
evitar o estresse. Os médicos da prisão disseram que ela tinha um alto risco de
aborto espontâneo.
Vida, que é
jornalista, adora pintar. Ela usa roupas de cama como telas, e pinta retratos
das outras mulheres.
Um deles, que foi
contrabandeado para fora de Evin, é da prisioneira curda Pakhshan Azizi, que
viajou para áreas curdas do Iraque e da Síria para ajudar as vítimas do grupo
extremista autodenominado Estado Islâmico. Pakhshan foi
condenada à morte, acusada de usar armas para combater o regime iraniano, e há
uma grande preocupação de que esta sentença possa ser executada em breve.
Vida foi avisada
para não desenhar nada com um significado oculto. Em uma das paredes do pátio,
ela pintou tijolos em ruínas com uma floresta verde atrás deles. As autoridades
passaram spray sobre a pintura.
Em um corredor, ela
pintou um guepardo correndo. Algumas das mulheres "sempre diziam que
sentiam uma energia boa com a pintura". Mas, certa noite, as autoridades
"foram lá e pintaram por cima dela" — e restringiram o acesso de Vida
aos materiais de pintura.
No entanto, um de
seus murais foi deixado intacto: ondas azuis enormes do oceano nas paredes do
corredor onde as mulheres vão fumar.
Conseguir
atendimento médico é uma batalha constante para as mulheres. Uma das detentas,
a ativista de direitos humanos e ganhadora
do Prêmio Nobel da Paz Narges Mohammadi, tem problemas
cardíacos e pulmonares que podem ser fatais.
Mas, na prisão, ela
precisou lutar muito para ter acesso a um médico. Os parentes dela disseram que
as autoridades impediram repetidamente o tratamento porque ela se recusou a
usar um lenço na cabeça durante uma consulta médica. As autoridades só cederam
depois que outras prisioneiras entraram em greve de fome por duas semanas.
Narges foi liberada por 21 dias no início de dezembro por motivos médicos.
Atrás das grades,
ela e as outras detentas realizaram protestos, desafiando limites e continuando
a lutar por seus direitos. Embora a lei exija que elas usem lenço na cabeça,
muitas se recusam. E depois de uma longa luta com as autoridades, as mulheres
foram autorizadas a ter cortinas ao redor das camas para que pudessem ter
alguma privacidade, fora da vista das câmeras internas de vigilância.
Uma das coisas mais
difíceis para as mulheres é esperar para ouvir suas sentenças. Os
interrogadores de Nasim a haviam ameaçado com pena de morte, e ela teve que
esperar quase 500 dias para saber seu destino.
Ela encontrou
consolo em suas companheiras de prisão — que ela descreveu como irmãs que dão
vida a ela, e agem como "um bálsamo para as feridas" de suas asas.
Todas as manhãs,
uma de suas amigas abre a cortina da cama, e a faz levantar para tomar café da
manhã.
"Cada dia,
pensamos em algo para fazer, de modo que, ao fim do dia, possamos dizer a nós
mesmas: 'Vivemos hoje'", explica uma de nossas fontes.
Outras passam o
tempo lendo poesia, cantando, jogando cartas e vendo TV — há duas televisões em
que elas podem assistir a canais iranianos que exibem dramaturgia,
documentários e partidas de futebol.
Foram essas
pequenas coisas que mantiveram Nasim firme enquanto aguardava sua sentença, sob
a constante ameaça de execução. Quando a sentença finalmente foi anunciada, ela
foi condenada a seis anos de prisão, 74 chibatadas e 20 anos de exílio em uma
pequena cidade longe de Teerã. Ela foi acusada de distribuir propaganda e
levantar armas contra a República Islâmica.
Apesar da
severidade da sentença, Nasim sentiu que podia respirar novamente, e abraçar a
vida que achava ter perdido.
Três outras
mulheres da ala foram condenadas à morte por levantar armas contra o regime ou
por afiliação a grupos armados. No entanto, uma delas teve sua sentença
anulada.
Mais de 800 pessoas
foram executadas no Irã no ano passado — o maior número em oito anos, de acordo
com a Anistia Internacional. A maioria foi por crimes envolvendo violência e
drogas. Algumas eram mulheres.
Assim, todas as
terças-feiras, as mulheres protestam contra as execuções, cantando no pátio da
prisão, recusando-se a se mover durante toda a noite e fazendo greves de fome.
A campanha se espalhou pelas prisões do Irã, ganhando apoio internacional. No
aniversário da morte de Mahsa Amini, as mulheres queimaram lenços de cabeça em
Evin.
Há repercussões —
de vez em quando, guardas invadem suas celas, e as mulheres são espancadas e
feridas. Elas também podem ser levadas para novos interrogatórios, colocadas
novamente em confinamento solitário ou ter suas ligações telefônicas e visitas
suspensas. A maioria dos guardas são mulheres — e, "às vezes, são gentis,
às vezes, são cruéis e insensíveis, dependendo das ordens que recebem de uma
autoridade superior", diz uma de nossas fontes.
O governo iraniano
nega rotineiramente as denúncias de violações de direitos humanos, dizendo que
as condições dentro da prisão de Evin atendem a todos os padrões necessários, e
que os prisioneiros não são maltratados.
Quando a data do
parto de Rezvaneh estava chegando, as autoridades prisionais permitiram que ela
saísse temporariamente da prisão para dar à luz. Em outubro, ela teve uma
menina.
Mas sua alegria e
alívio pelo nascimento da filha em segurança são misturados com sentimentos de
medo, tristeza e raiva. Seu marido não teve permissão para sair da prisão com
ela, embora ela tenha conseguido levar a filha para visitá-lo em Evin.
E por causa do
estresse, Rezvaneh tem tido dificuldade para produzir leite materno. Ela espera
ser chamada de volta à prisão de Evin, em breve, para cumprir o restante de sua
pena de cinco anos de prisão com a filha bebê — se ela não for libertada mais
cedo, isso pode levar quase quatro anos.
Geralmente, os
bebês podem ficar com as mães na prisão até os dois anos de idade. Depois
disso, costumam ser enviados para um parente próximo ou, se isso não for
possível, podem ser colocados em um abrigo para crianças.
Mas, em vez de
deter as prisioneiras, uma detenta disse que os desafios que elas enfrentam a
tornaram "mais corajosa e mais forte", reforçando sua crença de que
"o futuro é claro: lutar, mesmo na prisão".
Fonte: BBC News
Mundo
Nenhum comentário:
Postar um comentário