Ignorado pela mídia
ocidental, conflito em Moçambique já deixa 1 milhão de deslocados
Em entrevista ao
podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas apontam que uma mistura de
descaso, corrupção e má gestão do governo moçambicano alimentou o sentimento de
exclusão e revolta entre jovens locais, facilitando o aliciamento por grupos
terroristas e permitindo a criação de bases extremistas no país.
Desde 2017, a
província de Cabo Delgado, em Moçambique, é alvo de ataques terroristas que
já causaram a morte de pelo menos mil civis e forçaram o deslocamento
interno de cerca de 1 milhão de pessoas, sendo 80 mil em 2024.
Apesar dos altos
números, o conflito passa fora do radar dos noticiários ocidentais, assim
como outros conflitos que ocorrem ou ocorreram em outras regiões do continente
africano.
Em entrevista
ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas explicam as
raízes do conflito e analisam por que ele não desperta comoção no Ocidente.
Igor Borges Cunha,
analista internacional e pesquisador do Centro Scalabriniano de Estudos
Migratórios (CSEM), explica que o conflito foi fomentado por uma
combinação de fatores políticos, econômicos e sociais que afetam
Moçambique, mas sobretudo o norte do país, que é a região mais empobrecida, com
altos níveis de marginalização social e econômica, e onde está localizada a
província de Cabo Delgado.
"Essa exclusão
criou terreno fértil para esses movimentos que ocorrem em áreas onde o Estado
não tem capacidade de proteger, desenvolver serviços básicos. É muito
importante a gente também ter em mente que a insurgência começou conduzida por
jovens locais, jovens muito descontentes, que começaram a se organizar em
pequenos grupos e que evoluíram para movimentos mais organizados que acabaram
se conectando a redes globais de extremismo, como o Estado Islâmico [Daesh,
grupo terrorista proibido na Rússia e em vários outros países]", explica.
Cunha afirma
que a situação é agravada pelo fato de a região ser rica em recursos
naturais, com enormes reservas de petróleo e gás natural, o que desperta a
cobiça. Ele enfatiza que quando as reservas foram descobertas, a população
local criou a expectativa de que isso traria desenvolvimento econômico, o que
não ocorreu.
"O que
aconteceu foi a chegada de empresas multinacionais e o interesse do governo de
unicamente explorar os recursos sem planos de mudança social para a região.
Esses fatores alimentam muito ressentimento na população local e acabam por dar
uma plataforma para a radicalização desses grupos."
Os ataques são
reivindicados por um
grupo chamado Al-Shabab, mas Cunha destaca que não se trata do grupo de mesmo
nome que atua na Somália. Segundo ele, o Al-Shabab de Cabo Delgado é diferente
e começou com um grupo de jovens descontentes com o governo moçambicano,
que é acusado de corrupção, má gestão e se mantém no poder há décadas por meio
de eleições que opositores acreditam ser fraudulentas.
"Então esses
grupos [de jovens] começaram a ser influenciados pelas ideologias islâmicas
extremistas, que aproveitam a situação de extrema marginalização para criticar
as elites locais e nacionais por corrupção e exclusão e acabam alimentando esse
sentimento de raiva contra o Estado moçambicano", afirma.
Franco Alencastro,
mestre em relações internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro (PUC-Rio) e apresentador do podcast 54 Países, explica que o grupo
que atua na região se chama Ansar al-Sunna, mas foi apelidado de Al-Shabab e
passou a ser conhecido dessa forma, embora tenha poucas ligações diretas
com o grupo que atua na Somália.
"O Ansar
al-Sunna não tem uma ligação direta com o Al-Shabaab, tem já alguns anos que
eles romperam com o Al-Shabaab, mas eles vieram do Quênia para a Tanzânia e,
tendo tido problemas com a lei na Tanzânia, sendo combatidos por ali, migraram
para a região de Cabo Delgado."
Em 2019, o
Al-Shabab moçambicano se alinhou ao Daesh, que havia reivindicado ataques
naquela região pela primeira vez em junho daquele ano, explica Cunha. Ele
afirma que o Daesh frequentemente busca consolidar a sua influência em regiões
ricas de recursos naturais, como é o caso da província de Cabo Delgado, porque
assim eles conseguem financiamento ilegal para suas operações, além de
fortalecer a sua presença em diversos territórios.
"O alinhamento
[com o Daesh] fez com que o Al-Shabab moçambicano ganhasse apoio logístico,
propaganda global, ou seja, a insurgência em Cabo Delgado passou a ser
utilizada para promover o Estado Islâmico como uma entidade que agora está na
África Austral, que agora está ativa na região sul da África", afirma
Cunha, acrescentando que "esse alinhamento conectou Cabo Delgado a um
movimento maior do jihadismo global."
Questionado sobre
se é possível classificar os insurgentes de Cabo Delgado como terroristas,
Alencastro lembra que "a definição de terrorista é quase sempre uma
definição política".
"Tem aquela
frase que diz assim: 'Os combatentes da liberdade de uns são os terroristas de
outros e vice-versa' […]. Agora, a situação de Cabo Delgado, ela é um pouco
mais complexa do que isso, não […] daria para dizer que os combatentes lá de
Cabo Delgado são apenas rebeldes. Isso porque, de alguma maneira, uma parte
deles vem de fora. Então eles, na verdade, não estavam nem ligados ao contexto
de Cabo Delgado antes de chegarem ali."
Ao longo dos sete
anos de conflito, o governo de Moçambique tentou conter a insurgência, com
uma estratégia que contava com a presença de tropas estrangeiras no país,
provenientes principalmente de Ruanda e da Comunidade do Desenvolvimento da
África Austral (SADC, na sigla em inglês), conforme Cunha. Ele afirma que essa
estratégia resultou na retomada de algumas áreas controladas pelos insurgentes,
mas a resposta puramente militar tem sido muito criticada.
"Ela não
aborda adequadamente as causas, a raiz do conflito, que […] é exatamente a
marginalização e a exclusão socioeconômica das comunidades locais. Além disso,
é importante dizer que a presença de forças estrangeiras no país levanta
questões sobre a soberania nacional e a sustentabilidade também das operações
de segurança", destaca.
·
Por
que o conflito em Cabo Delgado não desperta comoção mundial?
Cunha afirma que
vários fatores contribuem para que o conflito em Cabo Delgado permaneça
invisível nos noticiários internacionais. Ele explica que "nem dentro
de Moçambique mesmo se fala tanto sobre o tema".
"Se a gente
considerar a África, ocorrem diversos conflitos, como no Sudão do Sul, na
República Democrática do Congo, [com] números de vítimas muito expressivos, mas
mesmo assim não chamam tanta atenção da mídia global. Um conflito que é apagado
pelo próprio imaginário do cidadão moçambicano vai ser menos visível
ainda."
Já no contexto
global, ele afirma que o conflito passa fora do radar pelo fato de a região
norte de Moçambique ser mais afastada
do centro econômico do país, e onde não há muito dinheiro, não há tanta
atenção.
"Cruelmente, é
como se a vida das pessoas que moram no interior de Moçambique valesse menos no
imaginário global ocidental. Porque eles não têm acesso à Internet como nós
temos, disponível 24 horas, eles não estão conseguindo divulgar esse conflito
como outros conflitos estão sendo divulgados, por meio de smartphones e pessoas
que têm acesso à Internet o tempo todo."
Alencastro, por sua
vez, afirma que a mídia tradicional raramente dá espaço a conflitos na
África, por isso muitas vezes esses conflitos sequer são noticiados.
"Então eu acho
que são dois problemas, na verdade. Muitas vezes as pessoas não se interessam,
mas mesmo as pessoas que se interessam não necessariamente conseguem encontrar
conhecimento sobre essas situações que estão acontecendo. E aí, de modo geral,
não gera tanta comoção sobre isso, como seria, por exemplo, a comoção com algum
ataque que aconteça na França, nos EUA, como a gente viu, por exemplo, naquela
época do Charlie Hebdo", explica o especialista.
¨ Sudão: MSF condena ataque violento a hospital em Cartum
Médicos Sem
Fronteiras (MSF) condena de forma veemente a incursão violenta das Forças de
Apoio Rápido (RSF) na sala de emergência do Hospital Universitário Bashair, no
sul de Cartum, no Sudão, em 18 de dezembro. Os agressores dispararam armas
dentro do setor de emergência, fizeram ameaças diretas à equipe médica e
interromperam gravemente um atendimento que salva vidas. MSF pede, com
urgência, que a RSF respeite a neutralidade das instalações médicas e a
segurança dos profissionais de saúde.
Este último ataque
ocorreu depois de um ataque anterior, em 11 de novembro, quando combatentes
armados invadiram o hospital, dispararam tiros e mataram um paciente que
recebia tratamento. Essas repetidas violações da neutralidade das instalações
de saúde e da inviolabilidade do atendimento médico são inaceitáveis.
"Vários soldados da RSF entraram nas salas de emergência, e alguns deles
começaram a atirar contra a equipe médica, ameaçando pacientes e equipes de MSF
e do Ministério da Saúde. Felizmente, ninguém ficou ferido, mas todos foram
extremamente afetados por essa agressão traumática dentro do hospital”, explica
Samuel David Theodore, coordenador de emergência de MSF no Sudão. “Ataques
contra instalações médicas e contra profissionais de saúde são inaceitáveis, os
hospitais devem permanecer como espaços seguros, livres de violência e
intimidação. A equipe não pode ter suas vidas ameaçadas enquanto presta
cuidados.”
O Hospital Universitário Bashair é uma das últimas instalações de saúde em
funcionamento no sul de Cartum em meio ao conflito em andamento. A equipe de
MSF tem mantido as atividades médicas de forma incansável, em condições
excepcionalmente difíceis.
“O Hospital
Universitário Bashair é uma tábua de salvação para milhares de pessoas no sul
de Cartum”, explicou Claire San Filippo, coordenadora de emergência no Sudão.
“O apoio de MSF é essencial para inúmeros homens, mulheres e crianças afetados
por esse conflito devastador. No entanto, a segurança de nossos pacientes e da
equipe é primordial [para seguirmos com este trabalho]. Ataques como esses
comprometem gravemente nossa capacidade de continuar operando”.
Desde o início de junho de 2024, MSF realizou 12.396 consultas de emergência,
2.510 pacientes foram internados na maternidade e 4.490 crianças foram
examinadas para diagnóstico de desnutrição.
¨ Malásia anuncia retomada da busca pelo voo MH370
O governo da
Malásia anunciou nesta sexta-feira (20/12) ter dado sinal verde para a retomada
de operações de busca do voo MH370 da Malaysia Airlines, que desapareceu com 239
pessoas em
março de 2014.
Em uma coletiva de
imprensa, o ministro dos Transportes da Malásia, Anthony Loke, disse que está
negociando um acordo para que a empresa de exploração britânica Ocean Infinity
assuma a busca pelo avião em uma área de 15 mil quilômetros a oeste da Austrália.
Loke chamou as
informações da Ocean Infinity sobre a possível localização do avião de
"confiáveis" e acrescentou que espera assinar um acordo no início de
2025, assim que os termos forem definidos.
"Sem
localização, sem pagamento"
"Essa nova
busca será conduzida sob o princípio de 'sem localização, sem pagamento'. De
acordo com esse princípio, o governo da Malásia não terá que pagar nenhuma taxa
à Ocean Intinity se os destroços não forem encontrados", disse o ministro
em um comunicado transmitido pela televisão malaia.
Loke disse que os
esforços das autoridades malaias para encontrar o avião têm como objetivo
permitir que as famílias possam colocar um ponto final à tragédia.
Ainda segundo o
ministro, a Ocean Infinity receberá 70 milhões de dólares (R$
425 milhões) "se os destroços encontrados forem substanciais".
Dez anos de
mistério
O voo MH370
desapareceu em 8 de março de 2014, cerca de 40 minutos após decolar de Kuala
Lumpur com destino a Pequim, quando, ao deixar o espaço aéreo da Malásia e entrar
no espaço aéreo do Vietnã, desviou-se da rota para o sul do Oceano Índico, sem
causa conhecida até o momento.
A última
transmissão do avião foi cerca de 40 minutos após a decolagem de Kuala Lumpur
para Pequim. Pouco depois, seu transponder foi desligado, dificultando o
rastreamento.
A análise dos dados
de satélite indicou que o avião provavelmente caiu em algum lugar no sul do
Oceano Índico, na costa da Austrália Ocidental.
Destroços, alguns confirmados e outros que
se acredita serem do avião, apareceram ao longo da costa da África e em ilhas do
Oceano Índico.
A bordo do Boeing
777 estavam 153 chineses, 50 malaios (12 dos quais eram tripulantes), sete
indonésios, seis australianos, cinco indianos, quatro franceses, três
americanos, dois neozelandeses, dois ucranianos, dois canadenses, um russo, um
holandês, um taiwanês e dois iranianos.
Inicialmente, a
Malásia, a China e a Austrália realizaram uma busca conjunta de cerca de 120
mil quilômetros quadrados no Oceano Índico, mas encerraram as operações
em janeiro de 2017, sem conseguirem
encontrar os destroços.
A Ocean Infinity
também tentou localizar o avião em uma área de 25 mil quilômetros
quadrados entre janeiro e
junho de 2018,
também sem sucesso.
Fonte: Sputnik
Brasil/MSF/EFE
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