Mudanças climáticas
impactam saúde de gestantes, crianças e idosos, alerta OMS
Mulheres grávidas,
recém-nascidos, crianças, adolescentes e idosos enfrentam graves complicações
de saúde relacionadas às alterações climáticas. É o que alerta uma nova coleção
de artigos publicados no Journal
of Global Health, no final de maio. O conjunto de estudos é de
autoria de especialistas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de acadêmicos
de todo o mundo.
A coleção, intitulada “Mudanças climáticas ao longo
da vida“, reúne evidências científicas disponíveis sobre os
impactos na saúde causados por diferentes eventos climáticos nas principais
fases da vida. Esses eventos incluem as ondas de
calor, poluição
atmosférica e desastres naturais, como incêndios florestais
e grandes inundações — como as que
atingiram o Rio Grande do Sul.
Em conjunto, os estudos
mostram que as mudanças
climáticas podem levar a complicações graves de
saúde e podem ser, muitas vezes, potencialmente fatais. Apesar disso, esses
riscos ainda têm sido subestimados, principalmente entre os grupos de maior
risco, como crianças, idosos e gestantes.
Os autores dos estudos
observaram, por exemplo, que os nascimentos prematuros têm acontecido com maior
incidência durante as ondas de calor, aumentando o risco de morte infantil.
Segundo a OMS, a cada 1°C adicional na temperatura mínima diária acima de
23,9°C aumenta o risco de mortalidade infantil em até 22,4%.
Além disso, os
pesquisadores ressaltam que o calor
extremo está associado ao maior risco de ataque
cardíaco e dificuldades respiratórias por pessoas
mais velhas.
“Estes estudos mostram claramente que as
alterações climáticas não são uma ameaça distante para a saúde e que certas
populações já estão a pagar um preço elevado”, afirmou Anshu Banerjee, diretor
de Saúde e Envelhecimento Materno, Neonatal, Infantil e Adolescente da OMS.
“Embora a sensibilização para as alterações climáticas tenha aumentado, as
ações para salvaguardar as vidas das pessoas em maior risco mal arranharam a
superfície do que é necessário. Para que a justiça climática seja alcançada,
esta situação deve ser corrigida com urgência.”
Principais riscos
associados aos eventos climáticos adversos
A coleção de estudo
elenca uma série de impactos específicos da saúde física e mental relacionados
a eventos climáticos adversos. É o caso de:
- Temperaturas extremas: associadas a resultados adversos no parto, como nascimentos
prematuros e natimortos, além de hipertensão e diabetes gestacional durante a gravidez. As ondas de
calor também podem afetar a função cognitiva de crianças e adolescentes,
além de aumentar o risco cardiovascular entre os idosos;
- Poluição atmosférica: aumenta a probabilidade de hipertensão arterial durante a
gravidez, baixo peso ao nascer, parto prematuro e atraso no
desenvolvimento cerebral e pulmonar do feto. Também aumenta o risco de
doenças respiratórias entre crianças e idosos;
- Desastres naturais: podem ter impactos negativos na saúde física e mental, além
de aumentar o risco para doenças diarreicas e desnutrição devido à
contaminação da água e à falta de acesso a alimentos causados pelas
inundações e secas. Incêndios florestais também podem aumentar os
distúrbios respiratórios e as taxas de mortalidade cardiovascular em
pessoas idosas.
A OMS afirma que, apesar
de as alterações climáticas poderem afetar negativamente toda a população, as
consequências podem ser mais graves para grupos de pessoas que necessitam de
acesso regular a serviços de saúde e apoio social, como bebês, idosos e
gestantes.
“Há uma necessidade
urgente de mitigar as alterações climáticas, reduzindo as emissões de gases com
efeito de estufa e de construir resiliência climática; tomar medidas
específicas que protejam a saúde nestas várias fases da vida e garantir a
continuidade dos serviços de saúde para aqueles que estão em maior risco quando
ocorrem desastres climáticos”, afirma Anayda Portela, cientista da OMS e autora
dos artigos.
A partir da coleção de
artigos, o objetivo dos pesquisadores é ajudar os governos a abordarem os
riscos e a planejar a tomada de medidas para mitigar os impactos das mudanças
climáticas na saúde. Segundo os autores, atualmente, existem poucas medidas
adaptadas às necessidades específicas das mulheres, bebês, crianças e
adolescentes, assim como pessoas idosas que podem ter restrições de mobilidade
e de cognição.
Para os pesquisadores,
as medidas devem incluir a preparação de sistemas de acolhimento de crianças,
assistência social e educação para eventos climáticos extremos e aumento das
temperaturas, bem como o envolvimento de pessoas de todas as idades em ações
climáticas.
¨ Estresse
por calor pode afetar bebês após nascimento, sugere estudo
O estresse causado pela
exposição a temperaturas elevadas, chamado estresse térmico, pode afetar o
crescimento do feto durante a gravidez e continuar impactando a saúde do bebê
após o nascimento, até os dois anos. A descoberta é de um novo estudo publicado
na renomada revista científica The Lancet Planetary Health nesta terça-feira
(8).
Esse é o primeiro
trabalho a mostrar que o estresse térmico pode
afetar o desenvolvimento dos bebês após o nascimento e se soma a evidências
anteriores de que as altas temperaturas podem impactar na saúde do feto.
Para chegar às
conclusões, a pesquisa examinou
dados de bebês e suas mães que foram coletados durante um ensaio clínico na
Gâmbia e identificou uma pequena redução no peso ao nascer em relação à idade
gestacional para cada aumento de 1 °C no estresse térmico médio diário durante
o primeiro trimestre da gravidez.
De acordo com o estudo,
nenhum efeito no crescimento relacionado ao estresse pelo calor durante o
segundo trimestre foi observado. Além disso, a pesquisa sugeriu que poderia
haver um aumento na circunferência da cabeça em comparação ao corpo para a
idade gestacional em fetos expostos ao estresse térmico durante o terceiro
trimestre, mas esse achado foi menos confiável, segundo os pesquisadores.
As descobertas do estudo
mostram, ainda, que bebês de até dois anos que foram expostos a altas
temperaturas podem ter pesos e alturas menores para a sua idade. Segundo a
pesquisa, as maiores reduções nessas medidas foram observadas em bebês com
idade entre 6 e 18 meses que tinham experimentado níveis médios diários mais
altos de estresse por calor três meses antes da análise.
De acordo com os
pesquisadores, aos 12 meses de idade, os bebês expostos a um valor médio de
estresse térmico equivalente a 30°C tiveram maior probabilidade de ter peso
reduzido para sua altura e idade, em comparação com aqueles que sofreram
estresse térmico equivalente a 25°C. Os resultados foram encontrados em bebês
do sexo masculino e feminino.
<><> Como o
estudo foi feito?
Os dados do estudo foram
coletados originalmente por meio do ensaio clínico randomizado Early Nutrition
and Immunity Development (ENID), realizado em West Kiang, na Gâmbia, entre
janeiro de 2010 e fevereiro de 2015. Um total de 668 bebês foram acompanhados
durante os primeiros 1.000 dias de vida, sendo 329 (49%) do sexo feminino e 339
(51%) do sexo masculino.
Os pesquisadores
analisaram a relação entre estresse por calor e crescimento fetal com base em
pontuações clinicamente reconhecidas para peso, comprimento e circunferência da
cabeça para idade gestacional. Ele também avaliou o efeito do estresse por
calor no crescimento infantil com base em pontuações de peso e altura de 0 a 2
anos de idade.
Segundo o trabalho, 66
(10%) recém-nascidos pesavam menos de 2,5 kg ao nascer, considerado baixo peso,
enquanto 218 (33%) eram pequenos para a idade gestacional e nove nasceram
prematuros.
“Nosso estudo demonstra
que as crises interligadas de mudanças climáticas, insegurança alimentar e subnutrição
estão afetando desproporcionalmente os mais vulneráveis, incluindo crianças
pequenas”, afirma Ana Bonell, professora assistente da Unidade do Conselho de
Pesquisa Médica da Gâmbia (MRCG), em comunicado à imprensa.
“Essas descobertas se
baseiam em evidências anteriores que mostram que o primeiro trimestre é um período
vulnerável à exposição ao calor e é importante que agora consideremos quais
fatores podem estar contribuindo para o relacionamento”, acrescenta.
<><> O que é
estresse térmico?
O estresse térmico é uma
condição caracterizada por condições climáticas que fazem com que a temperatura
corporal aumente e não consiga se manter nos 36,5°C ideais para o bom
funcionamento do organismo. Um estudo divulgado no ano passado pelo Laboratório
de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(Lasa/UFRJ) mostrou que mais de 38 milhões brasileiros são expostos ao estresse
térmico.
Em matéria publicada anteriormente na CNN, Pedro Chocair, clínico geral e nefrologista
do Hospital Alemão Oswaldo, explica que excesso de calor provoca sudorese
intensa, dilatação dos vasos periféricos, queda da pressão arterial e suas
consequências.
O estresse térmico pode
causar sintomas como fadiga, dor de cabeça, dor
muscular e manifestações neurológicas, como confusão mental, tonturas e
alterações no sono.
No estudo em questão, a
tensão por calor foi definida usando o Índice de Clima Térmico Universal, que
considera fatores como calor, umidade, velocidade do vento e radiação solar, e
atribui uma temperatura equivalente (°C) com um risco associado de
desenvolvimento de tensão por calor.
Ao longo do estudo, o
nível médio de exposição ao estresse térmico foi de 29,6°C. O máximo diário
mais alto foi de 45,7°C e o mínimo diário mais alto foi de 28,9 °C.
“É provável que o
estresse térmico possa afetar o apetite, a ingestão e a disponibilidade de
alimentos, e também já estamos investigando se pode haver efeitos diretos nas
vias celulares e inflamatórias, aumentando a capacidade já reduzida de mães
grávidas e bebês de regular sua própria temperatura corporal”, afirma Bonell.
“Precisamos explorar
quais populações estão projetadas para sofrer mais estresse por calor e onde
pode estar sendo registrada uma queda no crescimento, para que possamos
desenvolver medidas eficazes de saúde pública. Com as taxas globais de
desperdício infantil permanecendo inaceitavelmente altas e o aquecimento
planetário contínuo, essas descobertas devem estimular ações para melhorar a
saúde infantil”, completa.
Os pesquisadores
enfatizam que mais estudos são necessários para avaliar a relação entre
estresse por calor e impactos na saúde em regiões além da Gâmbia. Além disso,
os dados disponíveis não continham informações sobre práticas alimentares,
infecções maternas ou status socioeconômico, o que também pode impactar o
crescimento fetal e infantil.
¨ Mortes
por calor extremo aumentaram 167% entre idosos nos últimos 33 anos
As ameaças à saúde
causadas pelas mudanças
climáticas atingiram níveis recordes. Globalmente,
em 2023, as mortes relacionadas ao calor extremo entre pessoas com mais de 65
anos aumentaram 167% em
comparação aos óbitos de 1990. O dado é
de relatório divulgado na última terça-feira (29) pela renomada revista
científica The Lancet.
O relatório “The Lancet
Countdown sobre Saúde e Mudanças Climáticas” foi
produzido em colaboração com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e contou com
122 especialistas líderes de 57 instituições acadêmicas e agências da
Organização das Nações Unidas (ONU). O documento foi publicado antes da 29ª
Conferência das Partes da ONU (COP) e fornece a avaliação mais atualizada das
ligações entre saúde e mudanças climáticas.
As mortes relacionadas ao calor em pessoas com mais de 65 anos estão substancialmente acima
das expectativas, de acordo com o relatório. Era esperado que, entre 1990 e
2023, houvesse um aumento de 65% nos óbitos caso as temperaturas não tivessem
mudado — ou seja, contabilizando apenas as mudanças demográficas.
Do ponto de vista do
documento, isso agrava as desigualdades existentes, com o número de dias de
calor extremo sendo maior em países com baixo índice de desenvolvimento humano.
“O balanço deste ano das
ameaças iminentes à saúde causadas pela inação climática revela as descobertas
mais preocupantes até agora em nossos oito anos de monitoramento”, alertou
Marina Romanello, Diretora Executiva do Lancet Countdown
na University College London, em Londres, em comunicado
à imprensa.
“Mais uma vez, o ano passado quebrou recordes
de mudanças climáticas — com ondas de calor extremas, eventos climáticos
mortais e incêndios florestais devastadores afetando pessoas em todo o mundo.
Nenhum indivíduo ou economia no planeta está imune às ameaças à saúde causadas
pelas mudanças climáticas. A expansão implacável de combustíveis fósseis e as
emissões recordes de gases de efeito estufa agravam esses impactos perigosos à
saúde e ameaçam reverter o progresso limitado feito até agora e colocar um
futuro saudável ainda mais fora de alcance.”
Globalmente, pessoas
foram expostas a 1.512 horas a mais de altas temperaturas
O relatório também
mostrou que, em 2023, a população global foi exposta a, em média, uma alta histórica de 1.512 horas de altas
temperaturas, representando um risco moderado de estresse
por calor (ou estresse térmico) ao
realizar exercícios ao ar livre, como caminhar, andar de bicicleta — um aumento
de 27,7% (328 horas) na média anual de 1990-1999.
Segundo o levantamento,
o aumento das temperaturas também levou a um recorde de 512 bilhões de horas
potenciais de trabalho perdidas globalmente em 2023 (um aumento de 49% acima da
média de 1990-1999), com perdas globais potenciais de renda equivalentes a US$
835 bilhões (cerca de R$ 4,8 trilhões) — equivalente a uma proporção substancial
do PIB em países de baixa (7,6%) e média renda (4,4%).
<><> Aumento
dos eventos climáticos extremos e doenças relacionadas
Em relação aos eventos climáticos extremos, o relatório mostrou que, na última década (2014-2023), 61% da área
terrestre global viu um aumento em eventos extremos de precipitação em
comparação com a média de 1961-1990, aumentando o risco de inundações, doenças infecciosas e contaminação da água.
Ondas de calor e secas
também se tornaram mais frequentes e foram responsáveis por 151 milhões de
pessoas a mais sofrendo de insegurança alimentar moderada a grave em 124 países
em 2022, comparando com os números anuais entre 1981 e 2010.
Diante das mudanças
climáticas, a disseminação de doenças infecciosas potencialmente mortais também
cresceu. De acordo com o relatório, o risco de transmissão de dengue por
mosquitos Aedes albopictus aumentou
em 46% e Aedes aegypti em
11% na última década (2014-2023) em comparação com 1951-1960. Em 2023, houve um
recorde de mais de 5 milhões de casos de dengue em mais de 80 países e
territórios.
“Pessoas em todas as
partes do mundo estão sofrendo cada vez mais com os efeitos financeiros e de
saúde das mudanças climáticas, e comunidades desfavorecidas em nações com
recursos limitados são frequentemente as mais afetadas, mas recebem as menores
proteções financeiras e tecnológicas”, diz Wenjia Cai, professor e copresidente
da Lancet Countdown Working Group 4 na Universidade Tsinghua, na China.
“A adaptação não está
conseguindo acompanhar o ritmo das crescentes ameaças à saúde causadas pelas
mudanças climáticas e, com os limites da adaptação se aproximando e a cobertura
universal de saúde ainda sendo um sonho para mais da metade da população
mundial, é necessário apoio financeiro urgente para fortalecer os sistemas de
saúde e proteger melhor as pessoas”, completa.
<><> Mortes
relacionadas à poluição do ar diminuíram
Apesar do recorde nos
riscos à saúde relacionados às mudanças climáticas apresentadas pelo relatório,
as mortes causadas por poluição do ar derivada
de combustíveis fósseis caíram quase 7%: de 2,25 milhões em 2016 para 2,09
milhões em 2021.
Segundo o relatório, 59%
desse declínio é decorrente dos esforços para reduzir a poluição de queima de
carvão, demonstrando o potencial benéfico à saúde da eliminação gradual do
carvão.
Além disso, a parcela de
eletricidade gerada por energias renováveis modernas e limpas quase dobrou em
2021, atingindo 10,5%, em comparação com 5,5% de 2016.
“O progresso em direção
a um futuro equitativo e saudável requer uma transformação global dos sistemas
financeiros, transferindo recursos da economia baseada em combustíveis fósseis
para um futuro de zero emissões”, disse o coautor Anthony Costello,
copresidente do Lancet Countdown.
“Para uma reforma
bem-sucedida, a saúde das pessoas deve ser colocada em primeiro plano na
política de mudança climática para garantir que os mecanismos de financiamento
protejam o bem-estar, reduzam as desigualdades em saúde e maximizem os ganhos
em saúde, especialmente para os países e comunidades que mais precisam.”
Na visão dos autores, as
descobertas apontadas pelo relatório devem forçar uma transformação global dos
sistemas financeiros centrada na saúde, transferindo recursos da economia
baseada em combustíveis fósseis para um futuro de zero emissões. Isso poderá proporcionar
benefícios à saúde e à economia por meio de melhor acesso e segurança
energética, ar e água mais limpos, dietas e estilos de vida mais saudáveis e
oportunidades de emprego mais sustentáveis.
Fonte: CNN Brasil
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