Em que dia Jesus
nasceu segundo os evangelhos e como se convencionou a data de 25 de dezembro?
Poderia ter sido 13
de abril. Ou em 14 de outubro. Ou 3 de julho...
Também é provável
que, se o monge medieval encarregado de determinar a data de seu nascimento não tivesse
calculado mal, estaríamos em 2026 agora.
É impossível saber
ao certo em que data Jesus de
Nazaré nasceu.
A única fonte que
os historiadores têm para
reconstruir sua vida são os evangelhos, escritos décadas depois de sua morte
por pessoas que nunca o conheceram em vida e que eram propagandistas da fé em
Jesus como messias.
Sua história vem de
segunda, terceira ou quinta mão, narrada por cristãos de primeira geração
interessados, segundo historiadores, na morte e ressurreição de Jesus, não
tanto em seu nascimento.
Os textos dos evangelistas, no entanto,
fornecem pistas para situar Jesus — sobre cuja existência como personagem
histórico há amplo consenso entre os pesquisadores — em um momento específico
da história.
·
As
fontes
As principais
fontes, explica o historiador espanhol Javier Alonso à BBC News Mundo, serviço
de notícias em espanhol da BBC, são os Evangelhos de Mateus e Lucas, escritos
aproximadamente por volta dos anos 80-90 d.C..
Enquanto os textos
mais antigos do Novo Testamento, como o Evangelho
de Marcos e as sete cartas do Apóstolo Paulo de Tarso consideradas autênticas,
não fazem menção de sua juventude, os Evangelhos de Mateus e Lucas incluem o
que é conhecido como a "relatos da infância" de Jesus.
"O problema é
que, do ponto de vista cronológico, eles são incompatíveis", diz Alonso,
que também é filólogo bíblico e semítico.
Marcos afirma que
Jesus nasceu durante o reinado de Herodes, o Grande, pouco antes de sua morte.
"Como agora
sabemos que Herodes morreu em 4 a.C., conforme o Evangelho de Mateus, Jesus
deve ter nascido em 4, 5, 6 ou 7 a.C."
Possivelmente eles
perceberam a incoerência de que Jesus nasceu vários anos antes de Cristo, ou
seja, dele mesmo. Mas paciência, chegaremos lá.
Lucas, porém, não
fala de Herodes, mas relaciona o nascimento de Jesus ao censo de Quirino.
Segundo seu relato, Maria e José, os pais de Jesus, tiveram que viajar da
Galileia a Belém para poderem se registrar no censo.
O evangelista
assegura que se trata do relato feito por Públio Sulpício Quirino, governador
romano da Síria, que naquela época incluía a Judeia, e que o casal teve que
viajar para lá, apesar do avançado estado de gravidez de Maria, porque era o
lugar de nascimento de José.
O censo existiu,
como testemunha o historiador Flavio Josefo, o que nos permite atribuir-lhe uma
data: o ano 6 d.C.
"Ou seja, há
uma diferença de pelo menos dez anos entre Mateus e Lucas", argumenta
Alonso.
A tudo isso devemos
acrescentar mais uma circunstância: a possibilidade de que esses capítulos,
Mateus 1 e 2, e Lucas 1 e 2, tenham sido acrescentados aos respectivos
evangelhos uma vez que já estavam circulando, explica à BBC News Mundo Antonio
Piñero, professor emérito de Filologia Grega da Universidade Complutense de
Madrid, na Espanha, cujo estudo se concentrou na língua e na literatura do
cristianismo primitivo.
"Sabemos que
foram adicionados porque os personagens do evangelho posterior, de Mateus 3 e
Lucas 3, não fazem ideia do que aconteceu nos capítulos anteriores, e até há dados
contraditórios", argumenta Piñero, que garante que os historiadores situam
a redação desses relatos no início do século 2.
Portanto, é
possível que, quando o nascimento e a infância de Jesus foram escritos, mais de
60 anos tenham se passado desde sua morte.
Até então, aponta
Piñero, estima-se que havia cerca de 3 mil cristãos no mundo, espalhados,
aliás, em diferentes comunidades.
·
Então,
qual relato está mais próximo da realidade, Mateus ou Lucas?
Para determinar
isso, os historiadores estudaram as outras âncoras históricas que aparecem nos
Evangelhos, especialmente uma figura central na vida de Jesus: Pôncio Pilatos.
Sabe-se que Jesus
morreu durante o governo do prefeito Pôncio Pilatos, ocorrido de 26 a 36 d.C.,
e que começou a pregar no 15º ano do imperador Tibério, explica Alonso.
"Se prestarmos
atenção em Mateus, e Jesus nascer no ano 4 a.C., faz sentido. Ele morreria no
ano 30 e teria, talvez, 34 anos", argumenta o historiador.
No entanto, se
ouvirmos Lucas, a conta não fecha.
"Por datas, o
que faz sentido é Mateus, ou seja, que Jesus nasceu aproximadamente em 4 a.C.,
nos últimos anos de Herodes, o Grande", diz Javier Alonso.
"Por outro
lado, o censo de Quirino não faz sentido, e entende-se que Lucas o usou como
desculpa para deslocar algumas pessoas que são de Nazaré, no norte de Israel,
para Belém, que é onde o messias tem que nascer, mas nada mais. É um artifício
literário."
Piñero concorda que
se trata de um recurso profético: "Uma vez que se acredita que Jesus é o
messias, concorda-se com a profecia de Miquéias, capítulo 5:1, a de que o
messias virá de Belém, cidade onde nasceu Davi".
A profecia, que
estava no Antigo Testamento, é então cumprida se Jesus nascer em Belém.
·
Existem
mais fontes?
A resposta é não.
Os Evangelhos
oferecem outras âncoras cronológicas que permitem situar Jesus no tempo, mas
não há outros textos onde a sua vida tenha sido registrada.
Flavio Josefo, o
historiador judeu-romano do século 1, "menciona Jesus em sua 'História dos
Judeus', que escreveu por volta do ano 95, mas o faz de maneira geral, não
menciona seu nascimento", explica Piñero.
"Você poderia
saber o dia em que o imperador Augusto nasceu, mas não o de um pregador
galileu, ninguém saberia. E, na realidade, as fontes que temos não foram
escritas até muito mais tarde", acrescenta Alonso.
E por que os
primeiros cristãos não se interessaram pela infância de Jesus?
Como é que Paulo
não contou nada sobre os primeiros anos de sua existência?
Por que Marcos, que
escreveu o primeiro Evangelho cerca de 40 anos após a morte de Jesus, não
menciona seu nascimento?
Segundo Piñero,
deve-se levar em conta que, para os primeiros cristãos, a mensagem de Jesus era
de que a chegada do Reino de Deus era "iminente".
Não era algo que
aconteceria no futuro, no fim dos tempos ou após o julgamento final.
Por isso, não havia
interesse em relembrar momentos ou fatos específicos dos ensinamentos de seu
profeta.
"Para o
cristianismo primitivo, a chegada do Reino era muito iminente, então, por que
se preocupar?", diz o acadêmico.
No entanto, como os
contemporâneos de Jesus morreram e as gerações seguintes perceberam que o Reino
dos céus não viria, surgiu a necessidade de escrever o que se sabia sobre ele
para transmiti-lo às gerações seguintes.
"O nascimento
de Jesus na religião cristã primitiva não tem importância porque a mensagem
original é que Jesus morre pelos pecados da humanidade e ressuscita. E isso é o
triunfo sobre a morte. Tudo o mais é decorativo", argumenta o historiador.
Mas, com o aumento
de sua popularidade, surge a necessidade de conhecer mais sobre o personagem,
para preencher as lacunas da biografia que não estão disponíveis.
"É por isso
que o cristianismo escreve a biografia de Jesus ao contrário. Os textos mais
antigos referem-se à morte e à ressurreição. Depois começam a falar da sua vida
pública, dos três anos de pregação. E os dois textos que falam do nascimento
são os mais recentes, os de Mateus e Lucas."
·
O
Monge Dionísio
Assim, se a
evidência histórica nos aproxima do ano 4 a.C., de onde vem a data do ano 1?
Aqui, um monge bizantino
do século 5, Dionísio, o Magro, entra em cena.
Como explica
Piñero, Dionísio, estando em Roma por volta do ano 497, foi comissionado pelo
Papa para determinar a data da Páscoa a fim de entrar em acordo com as igrejas
orientais.
E, uma vez que a
data da Páscoa foi definida, ele foi convidado a descobrir exatamente quando
Jesus nasceu.
Dionísio era
cronógrafo, ou seja, estudava cronografia a partir dos textos da época.
"Ele não tinha
as fontes que um historiador tem hoje, então fez como Deus o fez entender, e
errou", argumenta Alonso.
O monge determinou
que Jesus nasceu 753 anos após a fundação de Roma, anotando 754 como o ano 1 da
era cristã.
Essa forma de
contar os anos foi imposta ao longo do tempo e, com ela, o erro da data de
nascimento de Jesus.
Naquela época, no
mundo romano, o tempo era medido pelo número de anos do imperador (por exemplo,
o ano 5 de Tibério, ou o ano 4 de Nero) e, em algumas cidades, pela data de sua
fundação, como o caso de Roma.
·
E
25 de dezembro?
Dionísio não teve
nada a ver com isso, porque a data foi estabelecida antes dele.
Trata-se, explica
Piñero, de uma "invenção cristã": o imperador Teodósio Magno
estabeleceu o cristianismo como religião exclusiva do Império Romano após o ano
380 "e quando a Igreja passa de perseguida a perseguidora, trata de
assimilar dentro Cristianismo tanto quanto possível do paganismo."
Em 25 de dezembro,
o império celebrava o festival do "sol invicto", o dia em que Zeus, o
sol, derrotou a escuridão.
Nem mais nem menos
que o solstício de inverno, momento em que os dias começam a ficar mais longos.
O solstício é no
dia 21, "mas os antigos o celebravam no dia 25 porque era a data em que já
se notava que o "sol invencível", ou seja, Zeus, estava vencendo as
trevas.
E quem era o sol
invencível? Bem, Jesus. É por isso que essa data é cristianizada e está
determinado que o nascimento de Jesus foi em 25 de dezembro", explica
Piñero.
Nesse mês
também os romanos
celebravam a Saturnália, festa dedicada ao deus Saturno "em que se
penduravam guirlandas, se distribuíam presentes e até havia árvores como a
nossa no Natal.
"Assim,
copiam-se datas, substituem-se datas e muitos vezes costumes", acrescenta
Alonso.
Portanto, foi só a
partir do século 4 que o nascimento de Jesus começa a ser celebrado.
·
E
quando a data se torna relevante como feriado cristão?
A arte pode servir
de pista, explica o historiador: na igreja de San Vitale em Ravenna, do século
6, da época do imperador Justiniano, "já existem imagens, por exemplo, da
adoração dos Reis, pelo que se dá importância a episódios nos evangelhos
relacionados ao nascimento de Jesus".
Se a data que
celebramos não é realmente aquela em que Jesus nasceu, que outros dados sobre
seu nascimento os historiadores dão como certo?
Piñero considera
que, como os capítulos de Mateus e Lucas nos quais se fala da infância de Jesus
são tão diferentes entre si, "a ponto de parecer que falam de duas pessoas
diferentes", presumivelmente poderíamos considerar no que coincidem como
suposto fato histórico.
Basicamente, que
seus pais se chamavam Maria e José, que era uma família muito religiosa, e que
Jesus era galileu.
Mas Alonso
discorda: "Parecem dois textos quase mitológicos", conclui ele.
Fonte: BBC News
Mundo
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