segunda-feira, 23 de dezembro de 2024


 

Síria: uma posição internacionalista diante da queda de Assad

Após quase 25 anos no poder, o governo de Bashar al-Assad desmoronou no último dia 8 de dezembro. Al-Assad fugiu para a Rússia quando as milícias islâmicas do Hay’at Tahrir al-Sham (HTS) e outros grupos, como o Exército Nacional Sírio, apoiado pela Turquia, entraram em Damasco. Assim terminaram 12 dias de rápida ofensiva desde a tomada de Alepo por essas forças. Nos primeiros quatro dias após a queda de Assad, Israel bombardeou mais de 500 vezes a Síria, enquanto avança com forças terrestres em território sírio. Turquia e Estados Unidos também buscam capitalizar a nova situação em benefício próprio, embora o futuro da Síria seja totalmente incerto.

Al-Assad assumiu a presidência da Síria em 2000, sucedendo seu pai, Hafez al-Assad, que tomou o poder na década de 1970 por meio de um golpe de Estado. O regime bonapartista do Partido Baath consolidou o seu poder através de determinadas políticas sociais combinadas com uma forte repressão. Esse fato criou uma relação de dependência com os militares e o serviço secreto para manter o poder. Assad, pertencente à minoria alauíta, manteve com mão de ferro um Estado baseado na opressão de outros grupos religiosos e nacionais. As organizações trabalhistas ficaram sob controle estatal, e o Partido Comunista, que rejeitou as mobilizações em massa de 2011 como uma "conspiração imperialista", foi cooptado pelo regime. Mesmo antes da guerra civil, existiam restrições legais ao direito de organização sindical, e a Confederação Geral dos Sindicatos de Trabalhadores (GFTUW) dependia do Partido Baath. Por outro lado, a opressão à nação curda se intensificou durante a ditadura de Bashar al-Assad.

O regime era totalmente reacionário e repressivo, com milhares de presos, torturados e assassinados em prisões como a de Saydnaya, chamada de "o matadouro humano". Por isso, nestes dias, milhares de sírios, dentro e fora de suas fronteiras, têm celebrado a fuga de Assad e a abertura das prisões. Compreendemos sua alegria pela queda de um regime odiado e sua esperança de voltar para casa e desfrutar da libertação, embora, lamentavelmente, não possamos compartilhá-la, já que as forças que derrubaram Al-Assad também são profundamente reacionárias. Seu triunfo não prenuncia nada de bom para a maioria da população síria, dizimada e dilacerada após 13 anos de uma terrível guerra civil e sucessivas intervenções imperialistas.

Os acontecimentos destes dias mostraram que o Exército sírio se encontrava muito fragilizado, tanto material quanto moralmente. A isso se somam as sanções econômicas, a fuga de milhões de pessoas e a destruição de cidades e infraestruturas, que condenaram a população a fome e terríveis sofrimentos. Nessas condições, diante das quais o regime incrementou seus mecanismos repressivos, Assad não conseguiu consolidar sua dominação. E essa fraqueza já não podia ser absorvida por seus aliados, Rússia, Irã e Hezbollah, que o abandonaram. Assad sobreviveu todos esses anos sobretudo pelo apoio da Rússia e do Irã, mas havia perdido o controle de vários territórios na Síria. Nesse cenário, os opositores aproveitaram a fragilidade de Al-Assad para derrotá-lo.

As forças que derrubaram Al-Assad e tomaram o poder em Damasco são um conjunto heterogêneo de facções islâmicas e milícias apoiadas pela Turquia. Esses grupos, que tinham sua base no noroeste e norte do país, são liderados por duas grandes organizações. Hay’at Tahrir al-Sham (HTS) [Organização para a Libertação do Levante], liderada por Mohammed al-Julani, é uma dissidência da Al-Nusra, filial síria da Al-Qaeda. Nos últimos anos, o grupo tem tentado se distanciar publicamente da Al-Qaeda e se apresenta como uma força política mais moderada. Administra de fato a região de Idlib desde 2017, onde gere serviços públicos, educação, saúde, justiça, infraestrutura e finanças. Diversas organizações denunciam execuções extrajudiciais, prisões arbitrárias e detenções ilegais de civis. O HTS mantém o objetivo de impor um Estado islâmico na Síria, embora nos últimos dias tenha afirmado que não reprimirá outros grupos religiosos.

O Exército Nacional Sírio é uma organização que reúne diferentes milícias apoiadas pela Turquia. Além de enfrentar Al-Assad, seu objetivo durante todo esse tempo foi lutar contra as Forças Democráticas Sírias (FDS), uma aliança formada por curdos sírios e outros setores, que controla o nordeste da Síria e é apoiada pelos Estados Unidos.

Na ofensiva contra Al-Assad, uniram-se também outras facções e milícias, como as forças drusas na província de Sueida. Outras forças que participaram da derrocada de Assad foram os islâmicos e salafistas do Ahrar Al Sham, vinculados aos talibãs afegãos. Nas estepes orientais encontram-se milícias do Estado Islâmico (EI), que, embora não tenham participado da tomada de Damasco, poderiam aproveitar o momento para expandir seus territórios. Isso preocupa os EUA, que estão realizando bombardeios na região.

Mohammed al-Bashir, do HTS, assumiu o que chama de um "governo provisório" na Síria, e vários países, como Turquia, Israel e Estados Unidos, estão tentando influenciar na "transição", embora não esteja nada claro como ela irá se desenvolver.

·       Da Primavera Árabe ao longo inferno da guerra civil

Em 2011, um profundo levante popular irrompeu no país, como parte do processo revolucionário da Primavera Árabe, uma onda de rebeliões populares que, com desigualdades, se estendeu por todo o Oriente Médio e norte da África, da Tunísia ao Egito, passando por Bahrein, Líbia, Iêmen e Síria. Na Síria, os manifestantes exigiam a democratização do regime e melhorias nas condições de vida de uma população empobrecida por décadas. Em 2010, quase 30% da população do país vivia abaixo da linha de pobreza devido às políticas neoliberais, e 55% da juventude estava desempregada. Os acontecimentos começaram com um levante popular iniciado em Daraa em março de 2011. A detenção de vários jovens que haviam escrito grafites contra o governo de Assad provocou protestos generalizados. A ira explodiu contra os altos preços do combustível, clamando pela demissão do governador de Homs, conhecido pela repressão e corrupção, e contra as más condições de vida na cidade costeira de Banyas, onde o desemprego era elevado. Ao mesmo tempo, partidários da Irmandade Muçulmana e outros grupos islâmicos radicais, que estavam organizados clandestinamente há muito tempo na Síria, tomaram as ruas. Em pouco tempo, tomaram o controle das praças com suas forças organizadas. No entanto, aqueles protestos foram sufocados em sangue por Al-Assad.

Em setembro de 2011, o regime assassinou mais de 1.500 pessoas para esmagar as mobilizações, chegando a mais de 5.000 mortos, segundo a ONU, no final daquele ano. A repressão violenta de Assad e a interferência de potências regionais como a Turquia e de várias potências imperialistas levaram à arregimentação da resistência através da militarização. Este processo minou o caráter autônomo e de massas, impediu a continuidade do processo revolucionário e deu poder aos movimentos reacionários e aos seus patrocinadores estrangeiros. Desta maneira, a Primavera Síria foi derrotada, dando lugar a uma guerra civil reacionária em várias frentes, que resultou devastadora, deixando centenas de milhares de mortos e milhões de deslocados e refugiados.

Nos primeiros anos da guerra civil, o exército regular de Al-Assad, com o apoio do Irã e da Rússia, enfrentou diversas milícias e facções que, por sua vez, entraram em confronto entre si, patrocinadas por potências regionais – Turquia, Arábia Saudita, Catar – e financiadas pelos Estados Unidos.

A proclamação do califado pelo Estado Islâmico (ISIS) em 2014, com a cidade síria de Raqqa como capital, abriu um novo período (o califado chegou a ocupar 30% da Síria e 40% do Iraque). Os EUA intervieram diretamente à frente de uma coalizão contra o Estado Islâmico em ambos os países, uma intervenção que duraria anos. Embora o califado tenha sido derrotado em 2019, os EUA mantêm uma presença militar no Leste da Síria (além do apoio financeiro e militar que oferecem aos curdos) e, nestes dias, têm bombardeado várias posições das milícias do ISIS.

A Rússia iniciou uma intervenção militar direta na Síria em 2015, em apoio ao governo de Assad. Estabeleceu a base militar em Latakia, que se somou à já existente em Tartous, forneceu forças especiais e privadas, como o Wagner, e realizou bombardeios aéreos que possibilitaram a reconquista de Alepo em 2016. A intervenção do Irã também se intensificou, com financiamento, armas e a presença em campo de milícias pró-iranianas do Hezbollah. Esse apoio foi crucial para a sobrevivência do regime de Al-Assad.

Durante todo esse período, a Turquia foi outro ator chave do conflito, através de milícias de procuração e incursões diretas. A operação "Escudo do Eufrates" em 2016 apontava simultaneamente contra o Estado Islâmico e contra os curdos. Em 2018, realizou a operação "Ramo de Oliveira", cujo objetivo era ocupar a região curda de Afrin com ataques aéreos e tropas terrestres. A Turquia praticamente ocupou Afrin como seu próprio enclave. Destruiu as estruturas democráticas curdas, cedeu a representação política a grupos islâmicos, expulsou parte da população curda e saqueou as posses e propriedades locais, como a colheita de azeite de oliva.

Esses 13 anos de guerra civil e intervenções imperialistas deixaram um saldo devastador para o povo sírio, com cidades inteiras destruídas. A histórica Alepo foi reduzida a ruínas no curso da guerra civil e se tornou uma fossa comum para milhares de sírios. A população continua sem alimentos, atendimento médico e segurança. Em Al Yarmouk, os refugiados palestinos foram bombardeados e condenados à fome pelo exército sírio. De acordo com várias estimativas, pelo menos 500.000 civis morreram no conflito, incluindo dezenas de milhares de crianças. Nesse período, mais de 12 milhões de pessoas foram deslocadas, e 5,2 milhões de sírios buscaram refúgio em países próximos — a Turquia abriga 62,3% deles. As atrocidades de Assad após a Primavera Árabe, a destruição infligida pelas milícias islâmicas do ISIS, os ataques contra os curdos por forças comandadas pela Turquia e os bombardeios da coalizão internacional liderada pelos EUA mergulharam a população em um inferno sem fim.

·       Turquia, Israel e o imperialismo buscam controlar a “transição” e reorganizar o Oriente Médio a seu favor

O Estado de Israel está aproveitando a situação para ampliar seu domínio regional, enquanto continua com o genocídio na Palestina e mantém tropas no Líbano. O exército sionista já anunciou que considera a Síria como seu “quarto front” de guerra, junto com Gaza, Cisjordânia e Líbano. Enquanto bombardeia várias regiões, ingressou em território sírio com tropas terrestres, deslocando tanques a partir das Colinas de Golã. Essa zona faz fronteira com Israel, Síria, Líbano e Jordânia, sendo, portanto, uma posição estratégica importante. Além disso, fornece quase um terço da água de Israel. As forças israelenses ocuparam a região durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, e a anexaram unilateralmente em dezembro de 1981. Donald Trump reconheceu formalmente o controle israelense das Colinas de Golã em 2019. Agora, Israel pretende consolidar sua anexação, expandindo a zona-tampão.

Netanyahu enxerga a queda de Assad como uma expressão de fraqueza do Hezbollah e do Irã e, consequentemente, como uma oportunidade para desenvolver o projeto de criar um “grande Israel”. Ele obteve sucessos táticos importantes na disputa com o Irã, após decapitar o Hezbollah (ainda que os resultados de sua ofensiva terrestre sejam limitados) e golpear severamente o Hamas. E, pela primeira vez, houve troca de ataques militares diretos com o Irã. Com a chegada de Trump à Casa Branca, espera-se capitalizar esses sucessos em um novo equilíbrio regional ainda mais reacionário do que o existente.

A resposta do Irã ainda não está clara. Se continuará com sua “resposta contida” ou se essa ofensiva o pressionará a acelerar o desenvolvimento de armamento nuclear. É um regime debilitado, que se tornou bastante impopular e dividido internamente. A posição interna de Netanyahu também é complicada, tendo que comparecer à justiça por acusações de corrupção relacionadas ao seu governo anterior. Um novo front de guerra também serve como forma de reafirmar seu poder. Mas o Estado sionista não poderia levar adiante o brutal genocídio contra o povo palestino e sua ofensiva na região sem o apoio dos Estados Unidos e dos países europeus, que o financiam e vendem armas. Por isso, “Genocida Joe” ou “Israel assassina, Europa patrocina” são gritos de protesto massivos em manifestações de solidariedade ao povo palestino em Nova York, Paris, Londres ou Madri.

A Turquia também tenta colher benefícios com a queda de Assad. Erdogan tem ambições geopolíticas de influenciar decisivamente a reorganização regional e, internamente, busca condições para forçar uma reeleição, atualmente não permitida. As ações de construtoras e cimenteiras turcas subiram após o anúncio da queda de Assad, mostrando que várias empresas turcas esperam desempenhar um papel estratégico na reconstrução.

Com a queda de Assad, o movimento curdo demonstrou disposição para dialogar com o HTS no poder; no entanto, estão sendo atacados. Nos últimos dias, o Exército Nacional Sírio, controlado pela Turquia, entrou em Minbic e cometeu crimes de guerra. Houve saques na cidade contra a população curda, e casas foram incendiadas. As Forças Democráticas Sírias (FDS), formadas por curdos, concordaram com um cessar-fogo mediado pelos Estados Unidos, o que significa que devem se retirar da região. O cantão multiétnico de Manbij havia sido libertado do autodenominado Estado Islâmico (EI) pelas FDS e pelas unidades de defesa feminina YPJ em 2016, com apoio norte-americano. Erdoğan anunciou repetidamente a intenção de seu país de ocupar uma faixa de 30 quilômetros de profundidade ao longo da fronteira em território sírio. O próximo objetivo seria Kobane, cidade que ganhou fama mundial em 2015, quando o ISIS tentou conquistá-la durante meses, mas falhou devido à resistência curda.

O movimento curdo justifica sua cooperação com os EUA como uma “tática militar”, mas subordinou a luta pela autodeterminação a uma aliança com a maior potência imperialista do planeta, e não se pode ignorar os mecanismos de dependência que surgiram disso. A liderança político-militar curda apresentou seus “parceiros” imperialistas como uma “proteção” contra Assad e, especialmente, contra Erdogan. Embora isso tenha proporcionado um alívio circunstancial, não representa uma solução de longo prazo. Os compromissos com os Estados imperialistas ocidentais, em particular com os EUA, para obter o reconhecimento da “autonomia em Rojava” dificultaram tanto a autodeterminação do povo curdo oprimido quanto as possibilidades de uma mudança social profunda. A situação atual, em que os curdos estão sendo novamente acuados, demonstra que aqueles que apresentaram os Estados imperialistas como protetores ou aliados das nações oprimidas deixaram o povo curdo sem uma estratégia de independência de classe e anti-imperialista.

·       A Europa racista e imperialista quer expulsar os refugiados sírios

Com o fim do regime de Assad na Síria, um debate racista sobre deportações se desenvolveu rapidamente nos países europeus. Os governos se preparam para deportações em massa para a Síria. Na Alemanha, o Escritório Federal de Migração e Refugiados (BAMF) suspendeu, com efeito imediato, todas as solicitações de asilo de refugiados sírios. Contudo, a situação na Síria está longe de ser segura.

Alguns refugiados, sem dúvida, quererão retornar para casa. Afinal, raramente encontraram a proteção que esperavam. Em vez disso, enfrentaram violência racista, campanhas de ódio na mídia e condições de vida e trabalho inseguras. No entanto, também há um número significativo de refugiados que deseja permanecer. Há dezenas de milhares de filhos de refugiados sírios que frequentam escolas, fazem estágios ou já trabalham. Decidir se querem retornar à sua pátria ou permanecer na Europa deve ser exclusivamente uma escolha deles.

Frente à extrema direita, que promove islamofobia e racismo, todos os governos imperialistas adotam uma agenda reacionária. Contudo, os refugiados sírios e de outras nacionalidades fogem das guerras e da miséria provocadas pelas intervenções dessas mesmas potências imperialistas e seus aliados. A classe trabalhadora, nativa e imigrante, precisa combater o racismo e a xenofobia que os capitalistas utilizam para dividi-la. É essencial lutar pela regularização de todos os migrantes, pelo fechamento dos centros de detenção de estrangeiros, pela revogação das leis de imigração e pelo rompimento de todos os acordos da UE com regimes como os da Turquia, Líbia, Tunísia ou Marrocos, que agem como “guardiões” de suas fronteiras.

·       Um mundo cada vez mais turbulento

A queda de al-Assad não pode ser entendida fora de um cenário global turbulento, no marco da crise da ordem mundial sob hegemonia norte-americana. A guerra na Ucrânia exacerbou o militarismo e os choques entre grandes potências. Os imperialismos ocidentais da OTAN têm agido por procuração, apoiando o exército ucraniano em seu enfrentamento com a Rússia, que conta com o apoio do Irã, China e Coreia do Norte.

O conflito escalou nos últimos meses. Após a incursão do exército ucraniano na região russa de Kursk, seguiu-se a autorização dos EUA, da França e do Reino Unido para lançar mísseis de longo alcance da Ucrânia ao território russo. Isso foi respondido com o lançamento de mísseis balísticos experimentais contra a Ucrânia por parte da Rússia.

A guerra implicou um enorme desgaste das forças econômicas e militares tanto para a Ucrânia quanto para a Rússia. No caso de Putin, embora estivesse em posição mais favorável do que Zelensky em uma eventual negociação, os esforços nessa guerra parecem ter tornado impossível continuar sustentando o debilitado exército de Assad na Síria, abrindo um flanco para o avanço da Turquia, Israel e dos Estados Unidos na região. A queda de Assad é um duro golpe para a Rússia e suas ambições geopolíticas, considerando a importância da região como via de saída para o Mediterrâneo e para sua projeção no Sahel. Mas também tendo em conta que a intervenção da Rússia na Síria lhe permitiu exercer pressão sobre as potências ocidentais noutras questões, nomeadamente na crise pós-2014 na Ucrânia.

A chegada de Donald Trump à Casa Branca, em 20 de janeiro próximo, só adiciona incertezas à situação mundial. Toda negociação na Ucrânia será muito difícil e não se pode descartar novas escaladas. Na Europa, os países imperialistas têm avançado no rearmamento, mas o eixo franco-alemão está atravessado por fortes crises políticas e de governo. Se Trump elevar as tarifas, como promete, as economias europeias serão fortemente afetadas, com tendências recessivas, já visíveis na Alemanha.

Por sua vez, as mudanças no cenário regional afetam como nunca o regime dos aiatolás. O Irã entrou em uma fase de profunda incerteza, caracterizada por inúmeros fatores exógenos e endógenos ao sistema político nacional. A queda de Assad e o enfraquecimento da Rússia e do Irã também são más notícias para a China, que vê descarrilar sua estratégia no Oriente Médio. A China havia dado importante apoio a Bashar al-Assad, que visitou o país em 2023 para anunciar uma “parceria estratégica” com Pequim.

Tudo indica que as tendências mais convulsivas da situação internacional se aprofundarão.

·       Uma posição internacionalista e anti-imperialista

Diante da intensificação dos choques entre potências e do aumento das crises, a grande maioria da esquerda internacional tende a situar-se em posições “campistas”, subordinada a diferentes setores capitalistas e imperialistas. Na guerra da Ucrânia, segmentos reformistas como o Die Linke, até organizações menores como a LIT (à qual pertence o PSTU) ou a UIT (à qual pertence a CST), alinharam-se com o campo da OTAN e do exército de Zelensky. Da mesma forma, alguns desses mesmos segmentos apresentam hoje a queda de Assad, pelas mãos de milícias jihadistas e pró-Turquia, com o apoio de EUA e Israel, como resultado de uma “revolução democrática triunfante”. Como se fosse possível haver emancipação para as massas sírias com o apoio do imperialismo e de milícias reacionárias.

No extremo oposto, setores da esquerda populista ou neo-stalinista lamentam a queda da ditadura de Assad, apresentando-o - junto ao resto do “Eixo da Resistência”, liderado pelo reacionário regime iraniano - como uma alternativa progressista e anti-imperialista. Outro argumento é que os inimigos de nossos inimigos deveriam ser nossos aliados, porque desafiam a “hegemonia ocidental”. Isso ignora completamente o caráter de classe dessas potências. Mais do que apoiar a causa palestina ou dos povos oprimidos, essas forças buscam apenas se opor a uma reorganização da região ditada por Israel e Estados Unidos, que as marginalizaria, num momento em que tentam se reconciliar com as monarquias pró-imperialistas do Golfo.

Por nossa parte, como Fração Trotskista-Quarta Internacional, mantivemos uma posição internacionalista, anti-imperialista e de independência de classe diante dos principais acontecimentos da situação mundial. Repudiamos todas as agressões imperialistas na região, como as sanções ou os ataques realizados por Israel (com aval dos EUA) contra o Irã, Líbano e agora na Síria, alegando um suposto “direito à defesa”. Lutamos contra o enclave sionista do Estado de Israel e pela expulsão do imperialismo do Oriente Médio. Mas fazemos isso sem depositar o menor apoio político às burguesias da região nem aos regimes reacionários aliados do Irã.

A Declaração Balfour, de 1917, pela qual os britânicos se comprometiam a promover a colonização sionista da Palestina, e os acordos de Sykes-Picot, entre França e Reino Unido, em 1916, selaram o destino da região sob a opressão imperialista. A divisão das antigas províncias otomanas em zonas de influência para cada potência imperialista está na origem da criação de Síria e Iraque, agrupando diferentes grupos étnicos, nacionais e religiosos. O povo curdo, sem Estado, foi dividido em quatro partes devido aos acordos entre as potências imperialistas. Desde então, a questão curda segue sem solução em quatro países (Turquia, Síria, Iraque e Irã). Por isso, nega-se ao Curdistão o direito à autodeterminação. A criação do Estado de Israel, em 1948, consolidou a presença imperialista, especialmente dos EUA, na região. Mais recentemente, as guerras no Iraque e no Afeganistão aumentaram extraordinariamente o sofrimento das massas, aceleraram processos de fragmentação e crise dos Estados, e reacenderam conflitos entre setores sunitas e xiitas do islã, fomentados de forma reacionária por potências regionais e pelo imperialismo. Nestas guerras, nossa posição partiu da necessária derrota da agressão imperialista.

À medida que crescem as tendências à guerra e as crises dos regimes, apenas a luta da classe trabalhadora, junto ao campesinato, às mulheres e à juventude, pode abrir uma saída progressista no Oriente Médio. Hoje, mais do que nunca, defendemos o direito dos refugiados sírios de decidir se querem retornar à Síria ou permanecer na Europa, com plenos direitos trabalhistas e sociais. Não às deportações! Reivindicamos a necessidade de seguir desenvolvendo o movimento de solidariedade e a luta para acabar com o genocídio na Palestina, pelo desmantelamento do Estado de Israel e por uma Palestina operária e socialista. E declaramos: Fora as mãos do imperialismo, Israel e Turquia da Síria! Pelo direito à autodeterminação do povo curdo.

A luta pelo pão, pela liberdade e pelo fim da guerra está ligada à luta contra o imperialismo e as burguesias locais reacionárias. Portanto, é uma luta por governos de trabalhadores, baseados na democracia da classe trabalhadora e do povo pobre, e por uma Federação de Repúblicas Socialistas na região.

 

Fonte: Esquerda Diário


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