Comunidade
denuncia fazendeiros por espalhar agrotóxico ao lado de casas e descaracterizar
cemitério em RO
Fazendeiros que cercam a comunidade tradicional
Paulo Leal, em Porto Velho, foram denunciados por
espalhar agrotóxico a menos de 10 metros das residências, além de
descaracterizar o cemitério onde estão enterrados os familiares dos moradores.
🔎 A comunidade Paulo Leal existe desde 1958 e se formou ao redor da
estação ferroviária Teotônio da ferrovia Madeira Mamoré. Localizada a cerca de
25 quilômetros da capital de Rondônia, atualmente 45 famílias vivem nas terras
reconhecidas como tradicionais pelo Ministério Público Federal (MPF).
Vídeos enviados ao g1 pelos
próprios moradores mostram o agrotóxico jorrando de um trator de pulverização
há poucos metros de onde as pessoas moram. Em outro recorte, os animais que têm
contato constantemente com o líquido jogado nas plantas sofrem alterações
físicas visíveis.
As famílias apontam que cinco propriedades
particulares cercam a comunidade e que essas ações na terra da comunidade
acontecem desde 2020. Algumas delas não respeitam as normas para a atividade agropecuária
e ocupam uma área do território que não deveriam.
" A sensação que temos é de que estamos sendo
sufocados, engolidos, com se estivessem tentando apagar a nossa identidade. As
pessoas que estão aqui não são invasoras, moramos há mais de 50 anos nessas
terras e que são regularizadas", disse Francisco Geraldo, um dos
moradores.
O MPF solicitou, em novembro deste ano, que o
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(ibama) apurasse a situação vivenciada pelos moradores. No pedido, o órgão
precisaria:
1. Indicar quais agentes nas proximidades da comunidade estão utilizando
agrotóxicos, comprometendo a saúde dos moradores e causando possíveis infrações
ambientais.
2. Informar ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e à Agência de
Defesa Sanitária Agrosilvopastoril de Rondônia (Idaron) sobre a contaminação
por agrotóxicos, para que os responsáveis sejam devidamente autuados.
3. Notificar as Agências de Vigilância Sanitária de Rondônia e de Porto
Velho sobre o aumento de casos de malária e dengue, permitindo que essas
instituições tomem as providências necessárias.
4. Manter um canal de comunicação aberto com os representantes da
comunidade Paulo Leal, conforme estabelecido pela Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT).
A Rede Amazônica entrou em contato com o Ibama
que disse que as respostas foram encaminhadas para o MPF. O órgão apontou que
as demandas são de competência da Idaron e da Secretaria de Estado do
Desenvolvimento Ambiental (Sedam).
A Idaron, agência que regula o uso de agrotóxico em
todo o Estad, informou que para aplicação tratorizada,( tipo de pulverização de agrotóxico feita
com trator) deve respeitar uma distância mínima de 90 metros de povoações,
cidades, vilas, bairros, moradias isoladas, agrupamentos de animais e áreas de
preservação permanente. Sedam e o Mapa não responderam o
contato do g1.
Outro drama das famílias é o desaparecimento de um
cemitério histórico da comunidade. Eles alegam que o proprietário de uma das
fazendas aumentou sua propriedade indevidamente e tomou a área,
descaracterizando todas as lápides e apagando a história dos antigos
habitantes.
"Esse cemitério á da comunidade, está na área
onde toda a história começou. O fazendeiro modificou a cerca da propriedade
dele e descaracterizou o cemitério", explica Francisco.
Francisco Geraldo mora há 15 anos na comunidade.
Ele relata que assistiu nos últimos quatro anos, pelos fundos de sua casa, a
degradação de uma área que deveria fazer parte das terras garantidas para as
famílias.
"Eles invadiram mais de 100 metros para dentro
da comunidade, lugar onde moram pessoas ligadas aos trabalhadores da
ferroviária. Com o passar dos anos eles foram modificado a cerca e tomando
espaço", disse Francisco.
Ele e outras 20 famílias vivem detrás de uma
floresta derrubada para o a atividade agrícola. Antes era uma plantação de
arroz e pasto para gado. Hoje, a área abriga uma vasta plantação de soja.
O g1 esteve no local e constatou que menos de
dez metros separam a cerca de Francisco das plantas da propriedade vizinha, que
são constantemente banhadas com agrotóxico pelos trabalhadores da fazenda.
Depois do líquido jorrar do trator, o vento que
sopra para a comunidade leva gotículas do agrotóxico usado nas plantas para
dentro das casas. José Pereira, de 69 anos, mora em aos fundos da produção de
soja. O idoso relata que sempre sente alguns desconfortos ao respirar o ar
depois do agrotóxico ser aplicado.
"Nós sentimos sufocamento, formigamento no
nariz e tossimos constantemente, sem contar nas nossas plantas que não
sobrevivem devido ao vento que traz o veneno para cima da gente", contou
José.
Isaura Nascimento cria galinhas em seu quintal. A
moradora contou ao g1 que alguns animais sofreram alterações na
pele e tiveram dificuldades para se movimentar. Nem mesmo os pintinhos
conseguem sobreviver.
“Todo dia eu encontro um pintinho morto no quintal
e eu acho que é por causa do veneno que jogam na soja, porque em outros lugares
isso não acontece", revela a moradora.
¨ Pesquisadoras apresentam resultados de
estudos sobre impacto dos agrotóxicos no Acampamento Leonir Orback, em Goiás
No dia 26 de novembro, o Acampamento Leonir Orback recebeu a Missão
Territorial da “Jornada Contra os Agrotóxicos em Defesa da Vida em Goiás”, um
encontro entre comunidade, pesquisadores, ativistas e jornalistas para debater
como os agrotóxicos têm impactado a vida das famílias locais.
Para este diálogo, foi organizada a Roda de Conversa “Impactos dos
Agrotóxicos nas Comunidades do Campo”, que contou também com a participação de famílias
de outras comunidades, em diferentes regiões do estado, que vivem realidades
semelhantes à do acampamento.
“As pessoas ficam com problemas na pele, diarréia, enjôo, e quando vão
no postinho o médico diz que é virose. Mas a gente, que a acompanha, sabe que é
sempre na época que bate o veneno na soja [em área vizinha]”, contou Nilva
Machado, que abriu a mesa com um breve relato sobre os problemas de saúde
vividos pelas famílias da comunidade.
Para moradores do Leonir Orback, além de um momento de formação, a roda
foi espaço de devolutiva dos resultados de estudos realizadas com material
coletado por pesquisadores de diferentes instituições. A comunidade vem, há
anos, denunciando problemas de saúde desencadeados no período mais intenso de
pulverização nas lavouras vizinhas, localizadas muito próximas às suas casas.
<><> Água com Veneno
Um dos resultados apresentados para a comunidade, foi da análise de duas
amostras de água colhidas em 2022 no acampamento. O estudo foi realizado por
equipe da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e publicado em Vivendo em
Territórios Contaminados: Um dossiê sobre agrotóxicos nas águas do Cerrado,
pela Campanha Cerrado.
Fernanda Savicki, coordenadora da pesquisa, esteve presente no
território para falar sobre os resultados da pesquisa: nas duas amostras
coletadas na comunidade foram encontrados cinco diferentes tipos de substâncias
agrotóxicas, pelo menos duas delas já banidas da União Europeia: a Artrazina e
o Fibronil. Também foram encontrados o Glifosato, o 2.4-D e o Etofenprox,
substâncias também altamente tóxicas às pessoas e ao ambiente.
Estudos científicos associaram o Glifosato, o Fipronil e o 2.4-D ao
desenvolvimento de vários tipos de câncer em seres humanos. A Artrazina, o
Glifosato e o 2.4-D são considerados como desreguladores do sistema endócrino.
De acordo com a legislação brasileiras, estes dois fatores deveriam impedir a
liberação do uso destas substâncias na agricultura, mas o que acontece na
prática, ainda hoje, é que os níveis considerados aceitáveis para presença
dessas substâncias na água de consumo da população são exorbitantes, muito
acima do que é ou já foi aceito na União Europeia, por exemplo.
A Artrazina sequer tem um limite estabelecido
como aceitável no Brasil: a presença deste veneno na água, em qualquer
quantidade, não impede que ela seja considerada adequada para uso humano.
O Fipronil está ainda diretamente relacionado com a mortandade em massa
de abelhas, uma grave ameaça à biodiversidade e à produção de alimentos em todo
o mundo. O Etofenprox, além de nocivo às abelhas, também é altamente tóxico
para vidas aquáticas.
Os relatos de moradores de outras comunidades do campo presentes na roda
de conversa mostraram como o problema é uma realidade comum entre famílias do
campo em Goiás. Maria Lúcia, integrante do grupo de mulheres apicultoras do
Assentamento Dom Fernando, localizado em Itaberaí (GO), conta que os casos de
mortandade de abelhas são constantes na região. A agente pastoral Marta Jacinto
também compartilhou um relato sobre a convivência com comunidades de Silvânia
(GO), também rodeadas pelas plantações de soja.
<><> Pesquisa da UFG aponta para intoxicação
Equipe do Laboratório de Mutagênese da Universidade Federal de Goiás
(Labmut/UFG), que realiza estudos de monitoramento do impacto dos agrotóxicos
na saúde de trabalhadores rurais do estado de Goiás, também esteve presente na
Roda de Conversa para apresentar os resultados da análise de material genético
colhido no Acampamento Leonir Orback no último mês de julho.
Ao todo, 43 moradores da comunidade participaram da pesquisa, que
analisou as danos ao material genético colhido associados à exposição a
substâncias agroquímicas. A análise foi apresentadas pela pesquisadora Andreya
Gonçalves e mostra a presença de quebras de DNA, apesar de o tipo de exposição
dos moradores do acampamento ser apenas de forma indireta.
“Pretendemos voltar ao acampamento Leonir para realizar novas coletas.
Para ter um resultado mais preciso, precisamos realizar o Biomonitoramente, com
várias coletas, próximas e distantes dos períodos de pulverização, para tirar
uma conclusão sobre como isso está afetando as pessoas”, explicou Daniela
Mello, coordenadora da pesquisa. De acordo com moradoras do acampamento, os
lavoureiros vizinhos pularam a plantação de milho do último mês de julho, a
chamada Safrinha. Assum, a exposição à pulverização foi menos intensa no
período que o material foi coletado para a pesquisa.
A pesquisa também incluiu a dosagem da enzima Colinesterase nas amostras
de sangue coletadas, exame que faz parte do protocolo de identificação de
intoxicação por agrotóxicos estabelecido pelo Ministério da Saúde. O resultado
apontou para possível episódio de intoxicação de 4 pessoas do acampamento.
<><> Zonas Livres de Agrotóxicos
Roberta Quirino, da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e em Defesa
da Vida, avaliou que, os dados destas pesquisas, que mostram a contaminação de
corpos e territórios, mostram a necessidade de construir ações concretas para
que as violações de direitos relacionadas ao agroquímicos se reduzam. Ela usou
o exemplo do Rio Grande do Sul, onde comunidades conseguiram assegurar, por
lei, os seus terrítórios e áreas de segurança como Zonas Livres de Agrotóxicos.
A criação deste tipo de proteção em áreas onde se produz de modo
agroecológico é um das bandeiras da Campanha, juntamente com o banimento, no
Brasil, das substâncias que já foram proibidas em outros países e regiões pelo
mundo.
Gerailton Ferreira, da CPT Goiás, trouxe uma importante reflexão sobre a
questão dos agrotóxicos, que faz parte de todo um sistema produtivo e econômico
que envenena nossos corações. “Precisamos descontaminar não só o nosso solo e
nossa água, mas a nós mesmas. Infelizmente o sistema conseguiu também
contaminar corações com o ódio. Estamos em um momento em que a gente vê mas não
enxerga, escuta mas não ouve, e ficamos achando que sozinhos conseguimos
superar nossos problemas”, apontou Gerailton, chamando as comunidades para a
ação coletiva organizada.
No dia seguinte à Missão Territorial, a Jornada Contra os Agrotóxicos em
Goiás realizou a Audiência Pública “Impactos dos Agrotóxicos em Goiás”, na
Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, para debater a questão com o
conjunto da sociedade goiana e parlamentares.
Fonte: g1/CPT-GO
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