segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Comunidade denuncia fazendeiros por espalhar agrotóxico ao lado de casas e descaracterizar cemitério em RO

Fazendeiros que cercam a comunidade tradicional Paulo Leal, em Porto Velho, foram denunciados por espalhar agrotóxico a menos de 10 metros das residências, além de descaracterizar o cemitério onde estão enterrados os familiares dos moradores.

🔎 A comunidade Paulo Leal existe desde 1958 e se formou ao redor da estação ferroviária Teotônio da ferrovia Madeira Mamoré. Localizada a cerca de 25 quilômetros da capital de Rondônia, atualmente 45 famílias vivem nas terras reconhecidas como tradicionais pelo Ministério Público Federal (MPF).

Vídeos enviados ao g1 pelos próprios moradores mostram o agrotóxico jorrando de um trator de pulverização há poucos metros de onde as pessoas moram. Em outro recorte, os animais que têm contato constantemente com o líquido jogado nas plantas sofrem alterações físicas visíveis.

As famílias apontam que cinco propriedades particulares cercam a comunidade e que essas ações na terra da comunidade acontecem desde 2020. Algumas delas não respeitam as normas para a atividade agropecuária e ocupam uma área do território que não deveriam.

" A sensação que temos é de que estamos sendo sufocados, engolidos, com se estivessem tentando apagar a nossa identidade. As pessoas que estão aqui não são invasoras, moramos há mais de 50 anos nessas terras e que são regularizadas", disse Francisco Geraldo, um dos moradores.

O MPF solicitou, em novembro deste ano, que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (ibama) apurasse a situação vivenciada pelos moradores. No pedido, o órgão precisaria:

1.    Indicar quais agentes nas proximidades da comunidade estão utilizando agrotóxicos, comprometendo a saúde dos moradores e causando possíveis infrações ambientais.

2.    Informar ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e à Agência de Defesa Sanitária Agrosilvopastoril de Rondônia (Idaron) sobre a contaminação por agrotóxicos, para que os responsáveis sejam devidamente autuados.

3.    Notificar as Agências de Vigilância Sanitária de Rondônia e de Porto Velho sobre o aumento de casos de malária e dengue, permitindo que essas instituições tomem as providências necessárias.

4.    Manter um canal de comunicação aberto com os representantes da comunidade Paulo Leal, conforme estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Rede Amazônica entrou em contato com o Ibama que disse que as respostas foram encaminhadas para o MPF. O órgão apontou que as demandas são de competência da Idaron e da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam).

A Idaron, agência que regula o uso de agrotóxico em todo o Estad, informou que para aplicação tratorizada,( tipo de pulverização de agrotóxico feita com trator) deve respeitar uma distância mínima de 90 metros de povoações, cidades, vilas, bairros, moradias isoladas, agrupamentos de animais e áreas de preservação permanente. Sedam e o Mapa não responderam o contato do g1.

Outro drama das famílias é o desaparecimento de um cemitério histórico da comunidade. Eles alegam que o proprietário de uma das fazendas aumentou sua propriedade indevidamente e tomou a área, descaracterizando todas as lápides e apagando a história dos antigos habitantes.

"Esse cemitério á da comunidade, está na área onde toda a história começou. O fazendeiro modificou a cerca da propriedade dele e descaracterizou o cemitério", explica Francisco.

Francisco Geraldo mora há 15 anos na comunidade. Ele relata que assistiu nos últimos quatro anos, pelos fundos de sua casa, a degradação de uma área que deveria fazer parte das terras garantidas para as famílias.

"Eles invadiram mais de 100 metros para dentro da comunidade, lugar onde moram pessoas ligadas aos trabalhadores da ferroviária. Com o passar dos anos eles foram modificado a cerca e tomando espaço", disse Francisco.

Ele e outras 20 famílias vivem detrás de uma floresta derrubada para o a atividade agrícola. Antes era uma plantação de arroz e pasto para gado. Hoje, a área abriga uma vasta plantação de soja.

g1 esteve no local e constatou que menos de dez metros separam a cerca de Francisco das plantas da propriedade vizinha, que são constantemente banhadas com agrotóxico pelos trabalhadores da fazenda.

Depois do líquido jorrar do trator, o vento que sopra para a comunidade leva gotículas do agrotóxico usado nas plantas para dentro das casas. José Pereira, de 69 anos, mora em aos fundos da produção de soja. O idoso relata que sempre sente alguns desconfortos ao respirar o ar depois do agrotóxico ser aplicado.

"Nós sentimos sufocamento, formigamento no nariz e tossimos constantemente, sem contar nas nossas plantas que não sobrevivem devido ao vento que traz o veneno para cima da gente", contou José.

Isaura Nascimento cria galinhas em seu quintal. A moradora contou ao g1 que alguns animais sofreram alterações na pele e tiveram dificuldades para se movimentar. Nem mesmo os pintinhos conseguem sobreviver.

“Todo dia eu encontro um pintinho morto no quintal e eu acho que é por causa do veneno que jogam na soja, porque em outros lugares isso não acontece", revela a moradora.

 

¨      Pesquisadoras apresentam resultados de estudos sobre impacto dos agrotóxicos no Acampamento Leonir Orback, em Goiás

No dia 26 de novembro, o Acampamento Leonir Orback recebeu a Missão Territorial da “Jornada Contra os Agrotóxicos em Defesa da Vida em Goiás”, um encontro entre comunidade, pesquisadores, ativistas e jornalistas para debater como os agrotóxicos têm impactado a vida das famílias locais.

Para este diálogo, foi organizada a Roda de Conversa “Impactos dos Agrotóxicos nas Comunidades do Campo”, que contou também com a participação de famílias de outras comunidades, em diferentes regiões do estado, que vivem realidades semelhantes à do acampamento.

“As pessoas ficam com problemas na pele, diarréia, enjôo, e quando vão no postinho o médico diz que é virose. Mas a gente, que a acompanha, sabe que é sempre na época que bate o veneno na soja [em área vizinha]”, contou Nilva Machado, que abriu a mesa com um breve relato sobre os problemas de saúde vividos pelas famílias da comunidade.

Para moradores do Leonir Orback, além de um momento de formação, a roda foi espaço de devolutiva dos resultados de estudos realizadas com material coletado por pesquisadores de diferentes instituições. A comunidade vem, há anos, denunciando problemas de saúde desencadeados no período mais intenso de pulverização nas lavouras vizinhas, localizadas muito próximas às suas casas.

<><> Água com Veneno

Um dos resultados apresentados para a comunidade, foi da análise de duas amostras de água colhidas em 2022 no acampamento. O estudo foi realizado por equipe da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e publicado em Vivendo em Territórios Contaminados: Um dossiê sobre agrotóxicos nas águas do Cerrado, pela Campanha Cerrado.

Fernanda Savicki, coordenadora da pesquisa, esteve presente no território para falar sobre os resultados da pesquisa: nas duas amostras coletadas na comunidade foram encontrados cinco diferentes tipos de substâncias agrotóxicas, pelo menos duas delas já banidas da União Europeia: a Artrazina e o Fibronil. Também foram encontrados o Glifosato, o 2.4-D e o Etofenprox, substâncias também altamente tóxicas às pessoas e ao ambiente.

Estudos científicos associaram o Glifosato, o Fipronil e o 2.4-D ao desenvolvimento de vários tipos de câncer em seres humanos. A Artrazina, o Glifosato e o 2.4-D são considerados como desreguladores do sistema endócrino. De acordo com a legislação brasileiras, estes dois fatores deveriam impedir a liberação do uso destas substâncias na agricultura, mas o que acontece na prática, ainda hoje, é que os níveis considerados aceitáveis para presença dessas substâncias na água de consumo da população são exorbitantes, muito acima do que é ou já foi aceito na União Europeia, por exemplo.

A Artrazina sequer tem um limite estabelecido como aceitável no Brasil: a presença deste veneno na água, em qualquer quantidade, não impede que ela seja considerada adequada para uso humano.

O Fipronil está ainda diretamente relacionado com a mortandade em massa de abelhas, uma grave ameaça à biodiversidade e à produção de alimentos em todo o mundo. O Etofenprox, além de nocivo às abelhas, também é altamente tóxico para vidas aquáticas.

Os relatos de moradores de outras comunidades do campo presentes na roda de conversa mostraram como o problema é uma realidade comum entre famílias do campo em Goiás. Maria Lúcia, integrante do grupo de mulheres apicultoras do Assentamento Dom Fernando, localizado em Itaberaí (GO), conta que os casos de mortandade de abelhas são constantes na região. A agente pastoral Marta Jacinto também compartilhou um relato sobre a convivência com comunidades de Silvânia (GO), também rodeadas pelas plantações de soja.

<><> Pesquisa da UFG aponta para intoxicação

Equipe do Laboratório de Mutagênese da Universidade Federal de Goiás (Labmut/UFG), que realiza estudos de monitoramento do impacto dos agrotóxicos na saúde de trabalhadores rurais do estado de Goiás, também esteve presente na Roda de Conversa para apresentar os resultados da análise de material genético colhido no Acampamento Leonir Orback no último mês de julho.

Ao todo, 43 moradores  da comunidade participaram da pesquisa, que analisou as danos ao material genético colhido associados à exposição a substâncias agroquímicas. A análise foi apresentadas pela pesquisadora Andreya Gonçalves e mostra a presença de quebras de DNA, apesar de o tipo de exposição dos moradores do acampamento ser apenas de forma indireta.

“Pretendemos voltar ao acampamento Leonir para realizar novas coletas. Para ter um resultado mais preciso, precisamos realizar o Biomonitoramente, com várias coletas, próximas e distantes dos períodos de pulverização, para tirar uma conclusão sobre como isso está afetando as pessoas”, explicou Daniela Mello, coordenadora da pesquisa. De acordo com moradoras do acampamento, os lavoureiros vizinhos pularam a plantação de milho do último mês de julho, a chamada Safrinha. Assum, a exposição à pulverização foi menos intensa no período que o material foi coletado para a pesquisa.

A pesquisa também incluiu a dosagem da enzima Colinesterase nas amostras de sangue coletadas, exame que faz parte do protocolo de identificação de intoxicação por agrotóxicos estabelecido pelo Ministério da Saúde. O resultado apontou para possível episódio de intoxicação de 4 pessoas do acampamento.

<><> Zonas Livres de Agrotóxicos

Roberta Quirino, da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e em Defesa da Vida, avaliou que, os dados destas pesquisas, que mostram a contaminação de corpos e territórios, mostram a necessidade de construir ações concretas para que as violações de direitos relacionadas ao agroquímicos se reduzam. Ela usou o exemplo do Rio Grande do Sul, onde comunidades conseguiram assegurar, por lei, os seus terrítórios e áreas de segurança como Zonas Livres de Agrotóxicos.

A criação deste tipo de proteção em áreas onde se produz de modo agroecológico é um das bandeiras da Campanha, juntamente com o banimento, no Brasil, das substâncias que já foram proibidas em outros países e regiões pelo mundo.

Gerailton Ferreira, da CPT Goiás, trouxe uma importante reflexão sobre a questão dos agrotóxicos, que faz parte de todo um sistema produtivo e econômico que envenena nossos corações. “Precisamos descontaminar não só o nosso solo e nossa água, mas a nós mesmas. Infelizmente o sistema conseguiu também contaminar corações com o ódio. Estamos em um momento em que a gente vê mas não enxerga, escuta mas não ouve, e ficamos achando que sozinhos conseguimos superar nossos problemas”, apontou Gerailton, chamando as comunidades para a ação coletiva organizada.

No dia seguinte à Missão Territorial, a Jornada Contra os Agrotóxicos em Goiás realizou a Audiência Pública “Impactos dos Agrotóxicos em Goiás”, na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, para debater a questão com o conjunto da sociedade goiana e parlamentares.

 

Fonte: g1/CPT-GO

 

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