Por que o fim de ano pode piorar a saúde mental de quem já
sofre de depressão
O fim do ano é um
período de emoções intensas, marcado tanto por celebrações quanto por reflexões
e cobranças internas.
A psiquiatra Tania
Ferraz Alves, do IPq (Instituto de Psiquiatria da USP), caracteriza as semanas
de dezembro como um período de "aumento significativo de estresse".
"Há cobranças
para finalizar tudo antes do ano acabar, um ambiente de comparação constante
entre as pessoas e muitas celebrações em que se exibe apenas o 'lado A', o que
chamamos de 'lado Instagram' — as conquistas,
as realizações, o sucesso aparente."
"Por outro
lado, ao se comparar com os outros, muitas pessoas focam nas próprias
dificuldades, no que não alcançaram, no que não deu certo, sentindo-se menos
importantes ou até frustradas."
A psiquiatra
explica que os sentimentos de inadequação e a sobrecarga emocional, tão comuns
nessa época, podem atingir qualquer pessoa. No entanto, para quem já enfrenta
um quadro de depressão, esses fatores
podem ser ainda mais intensos e perigosos.
"É uma época
em que muitas vezes as pessoas lidam com uma espécie de balanço do ano,
revisitando conquistas, mas também falhas e desafios. Essa reflexão pode ser
angustiante, principalmente para quem já está vulnerável emocionalmente. O que
era para ser uma celebração se transforma em um período de maior cobrança
interna e sofrimento", comenta.
A demanda por
felicidade imposta socialmente pelas festas, explica Lucas Spanemberg
Psiquiatra e Pesquisador PUC-RS, pode gerar pressão adicional e culpa por não
conseguir corresponder às expectativas. Assim, esse período pode ser
particularmente difícil para quem vive com a doença.
A situação já
ganhou até um nome: a "dezembrite".
Spanemberg aponta
que alguns grupos podem ser ainda mais suscetíveis a crises ou agravamento dos
sintomas nessa época do ano.
"Pessoas que
possuem experiências familiares negativas, como famílias desagregadas, traumas
ou vivências disfuncionais, tendem a ser mais sensíveis. O mesmo ocorre com
quem perdeu alguém próximo no último ano. Passar por datas significativas pela
primeira vez, como o Natal ou o
Réveillon, pode evocar memórias dolorosas e intensificar o sofrimento
emocional."
Além disso, fatores
como noites mal dormidas, excesso de festas, uso de álcool e até mesmo a interrupção
do tratamento medicamentoso — algo que não é incomum nesta época — podem
agravar os sintomas.
"Quando o
estresse típico do período se soma à vulnerabilidade de quem já enfrenta a
depressão, o risco de recaída é real. É fundamental estar atento a esses sinais
e buscar apoio, caso necessário."
Mas nem todo
desânimo, explica a especialista, significa que o quadro de depressão piorou ou
voltou — para aqueles que já estão com a doença controlada.
"É fundamental
diferenciar o que pode ser uma angústia em fazer um balanço da vida, uma
dificuldade, um cansaço que as pessoas têm nesse momento, ou uma recaída."
·
Dá
para evitar crises e recaídas quando se tem depressão?
"O primeiro
passo para quem tem depressão é manter o tratamento em dia. A interrupção de
medicamentos ou da psicoterapia pode aumentar o risco de recaídas. Além disso,
intensificar o suporte psicoterápico (mais sessões de terapia) pode ajudar a
lidar com os sentimentos despertados nesse período", avalia o psiquiatra
Lucas Spanemberg.
Outro ponto é
evitar ceder à pressão social de aparentar felicidade e respeitar os próprios
sentimentos.
Os psiquiatras apontam
que entre as queixas comuns relatadas por pacientes com depressão estão a
antecipação de dor emocional relacionada às festas e a sensação de obrigação em
conviver com pessoas que não trazem boas memórias.
Tânia Ferraz Alves
recomenda avaliar com cuidado o que realmente não se pode perder e o que
poderia causar ainda mais desconforto emocional.
"Escolher
eventos que realmente façam sentido, seja pela necessidade - como algo do
trabalho que não se pode perceber, ou pelo desejo de participar, ajuda a evitar
sobrecargas desnecessárias. Nem sempre é saudável se forçar a estar em festas
se isso gera desgaste emocional. Reconhecer os próprios limites, desacelerar e
priorizar o bem-estar são atitudes fundamentais para atravessar o período de
fim de ano."
Outro ponto
importante é evitar tratar o fim de ano como uma corrida contra o tempo,
tentando concluir tudo como se fosse uma competição.
"Não há
problema algum em deixar tarefas para o ano seguinte. Isso pode aliviar a
sensação de sobrecarga e ajudar a lidar melhor com o período de festas."
·
O
papel dos familiares e amigos
Apoio social é
essencial. Quem percebe que um familiar ou amigo está mais sensível, aconselha
Spanemberg, pode fazer uma aproximação acolhedora e genuína.
"Convites para
participação em atividades devem ser feitos com respeito e sem que a pessoa
sinta que estão agindo por pena. O objetivo é promover um sentimento de
pertencimento, sem impor obrigações que possam gerar desconforto."
Por outro lado,
diz, é importante reconhecer que o luto e o sofrimento não são permanentes.
"Entender que
os sentimentos variam e buscar formas de aliviar a dor podem ser passos
importantes. Encorajar a pessoa a identificar atividades que a façam bem e
respeitar seu processo de adaptação são atitudes que fazem diferença."
Quando uma pessoa
está em crise e se sente sobrecarregada, o mais importante é buscar ajuda.
"Isso inclui
passar por um médico, psicólogo ou psiquiatra. Existem serviços de emergência
disponíveis no SUS e em redes particulares, além dos Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS), que oferecem acolhimento. Serviços de saúde permanecem
abertos mesmo durante as festas de fim de ano, garantindo apoio em situações de
urgência", recomenda Alves.
Brasil: um país
cada vez mais depressivo
O Brasil é o país
com a maior prevalência de depressão na América Latina, de acordo com o
relatório "Depressão e outros transtornos mentais", da Organização
Mundial da Saúde (OMS).
Dados do último
mapeamento sobre a doença realizado pela OMS apontam que 5,8% da população
brasileira sofre de depressão, o equivalente a 11,7 milhões de brasileiros.
Em seguida,
aparecem Cuba (5,5%), Barbados (5,4%), Paraguai (5,2%), Bahamas (5,2%), Uruguai
(5%) e Chile (5%).
A nível
continental, o Brasil aparece atrás apenas dos Estados Unidos, onde segundo a
OMS, 5,9% da população sofre de transtornos de depressão.
No país, o número
de diagnósticos tem aumentado nos últimos anos, e um estudo epidemiológico do
Ministério da Saúde indica que cerca de 15,5% da população brasileira pode
sofrer depressão em algum momento da vida.
A OMS aponta que o
número de pessoas que sofrem de doenças mentais comuns está aumentando no mundo
inteiro, principalmente em países de baixa renda.
E alerta que,
apesar da depressão atingir pessoas de todas as idades e nível de renda, o
risco de alguém ficar deprimido aumenta com a pobreza, o desemprego e com fatos
da vida, como a morte de uma pessoa próxima, o fim de um relacionamento,
debilitação física ou problemas causados pelo consumo de álcool ou drogas.
Atualmente, mais de
450 milhões de pessoas são afetadas diretamente por transtornos mentais, a
maioria delas nos países em desenvolvimento, segundo a OMS. As informações
foram divulgadas durante a primeira Cúpula Global de Saúde Mental, realizada em
Atenas, na Grécia.
"Os números da
OMS mostram claramente que o peso da depressão (em termos de perdas para as
pessoas afetadas) vai provavelmente aumentar, de modo que, em 2030, ela será
sozinha a maior causa de perdas (para a população) entre todos os problemas de
saúde", afirmou à BBC o médico Shekhar Saxena, do Departamento de Saúde
Mental da OMS.
Fonte: BBC News
Brasil
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