Polo Norte está em apuros com Ártico cada vez mais quente — e
nós também
O Polo Norte,
tradicionalmente associado, no imaginário popular, à figura do Papai Noel com
suas renas em terras geladas, enfrenta uma realidade alarmante com o aquecimento
global.
Em 2024, a região experimentou o segundo ano mais quente já registrado, com
temperaturas que superaram a média histórica em 1,20°C. Mas, desde a década de
1980, a região ártica tem experimentado um aumento de temperatura quase três
vezes mais rápido do que a média global.
Esse aquecimento
acelerado tem impactos devastadores, desde o derretimento recorde do gelo
marinho, que atingiu a sexta menor extensão já registrada no verão, até a
drástica diminuição das populações de renas, espécies simbólicas da região. À
medida que o gelo derrete e a neve é substituída por superfícies mais escuras,
como a água do mar ou a terra, a capacidade de reflexão do grande "manto
branco" diminui, fazendo com que mais calor seja absorvido, o que, por sua
vez, acelera o aquecimento. Esse ciclo de retroalimentação contribui para a
aceleração do problema.
O cenário é
agravado pela intensificação de incêndios florestais e o derretimento do
permafrost, que liberam enormes quantidades de carbono e metano. Como o Ártico
regula os padrões climáticos e atmosféricos do planeta, mudanças significativas
na região podem afetar o clima de outras partes do mundo, exacerbando a mudança
climática e fenômenos como tempestades, ondas de calor e alterações nos padrões
de precipitação.
Conheça a seguir,
as mudanças preocupantes que têm ocorrido no Ártico, segundo o Arctic
Report Card 2024, relatório anual publicado pela National
Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), que fornece uma análise
detalhada das condições climáticas e ambientais da região.
·
2024: o segundo ano mais
quente da história do Ártico
O Ártico teve o
segundo ano mais quente desde o início dos registros em 1900. No período de
outubro de 2023 a setembro de 2024, as temperaturas na região ficaram 1,20°C
acima da média de 1991–2020. Embora algumas áreas como a Escandinávia, Islândia
e partes da Ásia Oriental tenham apresentado temperaturas mais frias do que a
média, a maior parte do Ártico experimentou calor ‘anômalo’, com destaque para
o leste da América do Norte e trechos da Sibéria, observa o relatório.
Desde a década de
1980, a região aquece quase três vezes mais rápido do que o restante do
planeta, um fenômeno conhecido como “amplificação ártica”. Este fenômeno é
impulsionado pela perda de neve e gelo, associada a alta dos termômetros, o que
reduz a capacidade do Ártico de refletir a luz solar, contribuindo para o
aquecimento adicional da superfície. O relatório também destaca que 2024 é o
11º ano consecutivo em que as temperaturas do Ártico superaram as médias
globais, sendo a última década a mais quente da história da região.
·
Declínio
no rebanho de renas
As populações de
renas no Ártico caíram 65% nas últimas décadas. Embora os ciclos naturais de
crescimento e declínio das populações possam ter influenciado inicialmente essa
baixa, a 'falha' das manadas em se recuperar é atribuída principalmente aos
impactos do aquecimento global, da mineração, da construção de estradas e
outros fatores ligados à atividade humana.
O relatório
apresenta o status de 13 manadas de renas: apenas 2, localizadas na costa norte
do Alasca e do Canadá, estão aumentando e próximas aos números mais altos já
registrados. As demais permanecem bem abaixo dos picos populacionais dos anos
1990, com 3 manadas apresentando um crescimento lento e outras 4 quatro em
declínio contínuo.
A situação mais
alarmante envolve a manada de Bathurst, no Canadá, que não se recuperou, apesar
de esforços de conservação. O relatório sugere que a combinação de dados
científicos modernos com o conhecimento tradicional das comunidades indígenas,
como os Inuit, pode ser crucial para desenvolver estratégias de conservação
eficazes. Compreender como o aquecimento global afeta o habitat desses animais
— incluindo vegetação, pragas e fontes de água — pode ajudar a identificar as
ações prioritárias para garantir a sobrevivência da espécie em um Ártico mais
quente.
·
Cobertura
de gelo alcança a sexta menor extensão
Segundo o Arctic
Report Card de 2024, da NOAA, a quantidade de gelo marinho que cobria o Oceano
Ártico no final da temporada de derretimento do verão, em setembro, foi a sexta
menor já registrada. Este ano marca o 18º consecutivo com os menores níveis de
gelo desde o início dos registros por satélite, há 46 anos. Para piorar, o
relatório destaca que os níveis atuais de gelo no Ártico são os mais baixos em
pelo menos 1.500 anos, com base em reconstruções a partir de dados
paleoclimáticos.
A análise mostra
que a área coberta por gelo em setembro de 2024 foi bem abaixo da linha média
de extensão de gelo observada entre 1991 e 2020, e ainda mais distante da média
de 1981-2010. O "Círculo Cinza", no centro do Ártico, é uma área onde
os satélites não conseguem observar diretamente devido à sua órbita e é
considerada com 15% de cobertura de gelo para os cálculos de extensão total.
O relatório também
aponta que, pela primeira vez, partes da Passagem do Noroeste, uma rota
marítima entre o Atlântico e o Pacífico através do Ártico, se tornaram
navegáveis no verão de 2024 devido à redução recorde do gelo. Embora não seja
uma ocorrência regular, a navegação por essa passagem já não é mais uma
raridade.
Em termos de
extensão total de gelo, o relatório mostra uma queda significativa desde 1979,
quando a área coberta por gelo era de cerca de 8 milhões de quilômetros
quadrados, para cerca de metade desse valor nos
últimos anos. Embora não tenha ocorrido uma "recuperação" do gelo
perdido, a extensão no último período de dez anos tem se mantido estável em
níveis baixos.
·
Verão
mais chuvoso da história do Ártico
O verão de 2024 (de
julho a setembro) foi o mais chuvoso da história no Ártico, com dados que
remontam a 1950. De acordo com o relatório, a
precipitação anual (chuva e neve) tem aumentado ao longo das últimas
décadas na
região especialmente no inverno, entre janeiro e março. Eventos de precipitação
intensa registrados no inverno de 2024 também foram alguns dos mais fortes
desde 1950, afetando principalmente o sul das Ilhas Aleúteas, no Alasca, até o
Mar de Siberia Oriental.
Esta é uma
tendência crescente, com o inverno registrando alta de 2,17% por década em
relação à média de 1991–2020. À medida que o Ártico aquece, a quantidade de
vapor d'água na atmosfera aumentará, facilitando o transporte de umidade das
latitudes mais baixas, o que deverá continuar a elevar as taxas de precipitação
na região. Embora esse aumento seja visível, o relatório também destaca grandes
variações anuais e regionais. Além disso, há uma tendência de transição de
precipitação sólida (neve) para líquida nas partes mais quentes do Ártico,
enquanto nas áreas mais frias espera-se um aumento de neve no futuro.
·
Derretimento começa mais
cedo
Apesar de algumas
áreas do Ártico terem registrado uma duração de cobertura de neve relativamente
longa, os dados de longo prazo indicam que, em média, a neve está derretendo
mais cedo tanto na América do Norte quanto na Eurásia. O relatório apresenta um
mapa que classifica a duração da cobertura de neve durante a temporada
2023-2024 em relação ao histórico de 1998 até o presente.
Áreas em azul claro
indicam os locais que registraram a temporada de neve mais longa nos últimos 26
anos, enquanto as regiões em azul escuro marcaram a duração mais curta. A
maioria das áreas no Canadá experimentou os menores períodos de cobertura de
neve já registrados, enquanto partes da Escandinávia, leste da Sibéria e
algumas áreas do Alasca apresentaram períodos mais longos de neve.
Além disso, a
extensão da cobertura de neve em junho, desde 1967, apresenta uma tendência de
declínio a longo prazo. Embora historicamente grande parte do Ártico
permanecesse coberta por neve até a primavera, os dados indicam que a cobertura
de neve tem diminuído, especialmente na Eurásia e na América do Norte. Entre
2009 e 2023, a neve tem derretido até duas semanas mais cedo do que nas
condições históricas.
A neve no Ártico
desempenha um papel crucial no equilíbrio climático da região. Enquanto
presente, ela reflete cerca de 90% da luz solar que atinge a superfície,
ajudando a manter a região fria e retardando o derretimento do permafrost.
Quando a neve derrete mais cedo, ela afeta o tempo e a quantidade de fluxo dos
rios, além de influenciar a umidade do solo e o risco de incêndios. Outro
impacto significativo é o desalinhamento dos ciclos naturais de animais
adaptados às mudanças sazonais, cujos pelos e penas evoluíram para se ajustar
ao clima gelado.
·
Tundra se torna fonte de
emissões de carbono e metano
A região da tundra
ártica passou a contribuir para o aumento das emissões de dióxido de
carbono e metano na atmosfera. Esse fenômeno é impulsionado pela combinação da
atividade microbiana no permafrost em descongelamento e pelo aumento da
frequência de incêndios florestais, que se tornaram mais comuns na região. Em
2024, as temperaturas do permafrost alcançaram recordes históricos, com quase
metade das estações de monitoramento no Alasca registrando os maiores valores
já observados. Além disso, 2024 foi o segundo ano com maiores emissões de
incêndios florestais ao norte do Círculo Ártico.
O relatório
apresenta um mapa que mostra o equilíbrio de carbono no Ártico nas últimas duas
décadas. Áreas de terra com fluxo positivo de dióxido de carbono, ou seja, que
liberaram carbono para a atmosfera, estão coloridas de roxo. As áreas em roxo
escuro indicam grandes liberações de carbono devido aos incêndios florestais. Já
as regiões em verde, com fluxo negativo de dióxido de carbono, funcionaram como
"sumidouros", ou seja, removeram carbono da atmosfera e o armazenaram
no solo.
De 2001 a 2020, o
Ártico como um todo foi considerado neutro em carbono, mas a tundra, que antes
funcionava como um sumidouro de carbono por milênios, agora se transformou em
uma fonte de dióxido de carbono e continua a ser uma fonte de metano.
O relatório também
explica que as mudanças climáticas têm intensificado incêndios e as emissões de
carbono. Embora a regeneração da vegetação possa reabsorver CO2 da atmosfera ao
longo das décadas seguintes, incêndios mais frequentes e severos, a liberação
de carbono subterrâneo e os impactos a longo prazo do derretimento do solo
estão resultando em emissões líquidas de carbono para a atmosfera em grandes
escalas espaciais, alerta o estudo, o que pode agravar as mudanças climáticas
globais.
·
Futuro
em aberto
Ao enquadrar o
Ártico como parte de um "novo regime", os pesquisadores da NOOA
destacam que a região hoje está dramaticamente diferente em comparação com uma
ou duas décadas atrás, mas isso não deve implicar que o clima do Ártico tenha
se estabilizado devido ao aquecimento causado pelo ser humano. "As
projeções de mudanças climáticas para as próximas décadas são claras: a mudança
continuará", alertam.
E o que fazer a
respeito? Em um sistema terrestre interconectado, governos têm um papel a
desempenhar para reduzir riscos, apoiar a adaptação e promover a colaboração. A
forma mais importante de minimizar os danos futuros é por meio de ações fortes
para mitigar as emissões de gases de efeito estufa ligadas principalmente à
queima de combustíveis fósseis, como petróleo e gás. Os pesquisadores ressaltam
ainda o papel das comunidades tradicionais locais, que estão respondendo
ativamente às mudanças ambientais, utilizando suas habilidades de observação
para ajudar suas comunidades a entender, se preparar e agir.
Fonte: Um só
Planeta
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