segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Valério Arcary: Trump é um neofascista?

"A ave de rapina não canta.

A desgraça não marca encontro.

A ignorância e o vento são do maior atrevimento”, Provérbio popular português

##
Abriu-se um debate no mundo, inclusive na esquerda, se Trump é ou não um neofascista. Este debate não é diletantismo. Exige rigor. Quais devem ser os critérios para a classificação de um movimento político social como o MAGA (Make America Great Again) e sua liderança? Devemos ser muito sérios quando estudamos nossos inimigos. Quem não sabe contra quem luta não pode vencer.

A qualificação de qualquer corrente política ou liderança de ultradireita como, sumariamente, fascista pode ser uma generalização apressada, historicamente errada e politicamente ineficaz. O fascismo é um perigo tão sério que devemos ser serenos na sua definição. Toda a extrema-direita é radicalmente reacionária. Mas nem toda a extrema-direita é fascista. É necessário avaliar, ponderar e calibrar com cuidado nossos inimigos.

Mas Trump é um neofascista. Ou um fascista da etapa histórica em que vivemos, depois da restauração capitalista na ex-URSS. Enganam-se os que pensam que se trata de um exagero. Trump é perigosíssimo. Mesmo considerando que seria precipitado julgar a maioria dos seus eleitores como fascistas. O que é qualitativo é que o núcleo dirigente do movimento foi se fascistizando nos últimos anos.

Muitos rejeitam a caracterização de Trump como fascista porque destacam as diferenças históricas. Se formos excessivamente minuciosos até os movimentos políticos e, ainda mais os regimes de Mussolini, Hitler, pior se incluirmos Salazar e Franco, tinham importantes diferenças entre si. Analogias históricas são, realmente, perigosas. Mas, se não forem ligeiras, ou seja, se respeitarem os limites das comparações, descartando o que é secundário, podem ser educativas.

Em primeiro lugar, é evidente que o neofascismo não é uma cópia do fascismo. O fascismo foi considerado pelo marxismo dos anos 20 do século passado, essencialmente, a forma política da contrarrevolução diante do perigo da revolução europeia, ou seja, quando se precipitaram situações revolucionárias que desestabilizaram os regimes democrático-liberais, no contexto da existência da URSS, que inspirava a luta dos trabalhadores pelo poder. Cem anos depois, a URSS não existe e não estamos nem remotamente diante de situações revolucionárias, muito menos nos EUA. A diferença é abismal.

Em segundo lugar, todos os partidos fascistas defendiam a necessidade de um regime ditatorial totalitário. A eliminação das liberdades democráticas dos regimes eleitorais era instrumental para destruir as organizações dos trabalhadores. Mas o fascismo italiano não era igual ao nazismo alemão e sua obsessão antissemita, ou ao franquismo espanhol e a preservação formal da monarquia, ou o salazarismo português e seu fanatismo católico. Cada um tinha suas peculiaridades. Movimentos fascistas em muitas outras nações, inclusive no Brasil, o integralismo, existiram no mesmo período histórico. Mas, apesar de suas nuances, todos eram expressões de uma mesma corrente e merecem a qualificação de fascistas.

Acontece que não estamos em uma etapa semelhante aos anos 30 do século passado, depois da catástrofe da Primeira Guerra Mundial, depois da vitória da revolução russa e da crise de 1929. Não estamos, desde a crise econômica mundial de 2008, diante dos “anos 30 em câmara lenta”. Não há polarização entre revolução e contrarrevolução. Não há perigo real e iminente de uma nova revolução de outubro. Não obstante, à escala mundial, paradoxalmente, assistimos ao reforço de uma extrema-direita com peso de massas e instinto de poder, nos últimos dez anos. Por quê?
O neofascismo em um país central como os EUA não pode ser igual ao neofascismo no Brasil. Tampouco pode ser igual ao fascismo de sociedades europeias dos anos 30. Em primeiro lugar, porque não responde ao perigo de revolução. Responde à disputa pela preservação da supremacia norte-americana no mercado mundial e sistema de Estados envenenando a consciência de dezenas de milhões com um nacionalismo exaltado.

Responde ao ressentimento de setores das camadas médias da classe trabalhadora diante do empobrecimento. Responde ao racismo contra os imigrantes, ao rancor machista contra uma nova onda feminista, à histeria homofóbica contra os LGBT’s, ao negacionismo do aquecimento global.

Trump é um caudilho. Sua candidatura foi a expressão de um movimento de massas reacionário, apoiado por frações da burguesia, diante da lenta, porém, até agora, ininterrupta decadência dos EUA no mundo.

Os modelos teóricos para a métrica de avaliação se um movimento como o MAGA podem ser vários. Mais simples ou mais complexos. Com mais ou menos critérios. Eis um esboço de dez critérios:

a) sua origem social;

b) o que fez ou trajetória;

c) o que defende: sua ideologia ou programa;

d) qual é o seu projeto político?

e) que relação manteve com as instituições, com o Congresso ou com as Forças Armadas, portanto, sua posição diante do regime político?

f) que relação manteve, respectivamente, com a classe dominante, e com a classe trabalhadora?

g) que tipo de partido ou movimento é o seu instrumento de luta?

h) quem o apoia ou qual é sua base social, e a dimensão eleitoral de sua audiência;

i) quais são as suas relações e apoios internacionais;

j) de onde vem o dinheiro ou quais são suas fontes de financiamento;

>>>> Considerando estes dez critérios, podemos concluir que:

1. Trump é milionário, mas de primeira geração, sua origem social foi, para padrões norte-americanos, uma camada burguesa pequena ou média, ainda que próspera do Queens, um subúrbio de Nova York. A procura de ascensão social rápida através de negócios na construção civil e especulação imobiliária foi, durante gerações, comum. Estudou na Wharton School na Pensilvânia, que exigia um desempenho escolar inferior às carreiras de medicina, direito, engenharias. Esta origem de classe explica algumas das obsessões de Trump: o racismo rancoroso, o ressentimento social, o anticomunismo feroz, o nacionalismo suburbano, o fascínio pelo modo de consumo da alta burguesia norte-americana, e o rancor anti-intelectual.

2. Não se deve julgar um líder político somente pelo que diz, mas pelo que faz. A trajetória de Trump, durante os últimos quarenta anos, foi a de um empresário aventureiro exibicionista folclórico e, depois de uma liderança messiânica que assaltou e capturou o partido republicano ao longo de dez anos. Trump nunca foi, intelectualmente, brilhante, como Obama, mas compensou os limites de sua grosseria com uma audácia incontível e uma violência provocadora. Sempre foi um desaforado boçal. Mas não se pode compreender o lugar que ocupa hoje, conquistando incólume um segundo mandato presidencial, depois de ter cometido inúmeros crimes, como o assalto semi-insurrecional contra o Capitólio em janeiro de 2020, sem analisar os descalabros do governo Biden, e a impotência de Kamala Harris para fazer a disputa ideológica durante a campanha.

3. Trump responde à demanda de liderança forte face à decadência dos EUA no mundo; de comando diante das pressões imigratórias que vêm da fronteira do México; de ressentimento diante do desemprego, baixos salários e precários empregos dos trabalhadores de renda média; de ruína de pequenos negócios e peso dos impostos diante da regressão econômica; de pauperização diante da inflação dos custos da habitação, educação, e saúde; de ordem diante do crime organizado; de autoridade diante do impasse da disputa política entre as instituições; de orgulho nacional diante da regressão econômica e ascensão da China. Não fosse isso o bastante, conquistou visibilidade dando expressão à resistência de ambientes sociais atrasados e reacionários à luta do feminismo, do movimento negro e LGBT, ou até dos ecologistas.

4. O projeto político de Trump é um regime bonapartista. Isto significa a subversão do regime presidencialista democrático-liberal estabelecido nos EUA, nos últimos duzentos anos. Bonapartismo, derivado de Bonaparte, inspirado pelo modelo francês, significa um regime autoritário em que a presidência se eleva acima das outras instituições, Congresso e Judiciário, e concentra poderes excepcionais, em nome da defesa da unidade da nação. Essa é a importância do slogan “Make America Great again”. Há vários tipos de bonapartismo. O projeto de Trump, apoiado na mobilização de um movimento de massas de ressentidos e desesperados, sugere o plano de um regime autoritário que, dependendo das condições da luta político-social, pode anular os freios e contrapesos históricos do regime democrático-eleitoral dos EUA.

5. As relações de Trump com as instituições, tanto quanto é possível prever a formação do governo até agora, indica uma forte presença dos quadros que lhe são mais fiéis e leais, diferente da gestão entre 2016/20, quando incorporou lideranças republicanas mais independentes. Trump não é, tampouco, somente um líder autoritário que será neutralizado, facilmente, pela pressão dos principais chefes capitalistas. Depois da vitória eleitoral, com maioria no Congresso para realizar as emendas que desejar na Constituição, pleno suporte no Exército, e cumplicidade da Suprema Corte, Trump estará legitimado para o exercício do poder em condições que ninguém na presidência teve desde Roosevelt na segunda guerra mundial.

6. Trump vem improvisando um plano econômico e social híbrido, ao mesmo tempo, protecionista e ultraliberal, com ênfase na agitação de tarifas alfandegárias, e expulsão de pelo menos onze milhões imigrantes ilegais. Sua estratégia é reposicionar os EUA no mercado mundial contra a China. Esta estratégia é coerente com os planos estratégicos de uma fração capitalista yankee, mas não pode ser aplicada sem que haja grande confronto social, porque há reservas em movimentos sociais, como o sindical, estudantil, feminista, negro, LGBT e ambiental, além de posições institucionais do partido democrata que mantém os governos em Estados tão importantes como a Califórnia, Nova York e Illinois.

7. Trump não se apoia em um partido fascista. Usou como instrumento eleitoral o partido republicano que foi se fascistizando. Mas esta debilidade orgânica foi compensada, amplamente, pela mobilização de um movimento de massas, o MAGA. E não anula sua caracterização como neofascista. Ele poderá construir um partido a partir do controle do Estado.

8. A imensa maioria dos eleitores de Bolsonaro não é fascista. Mas isso não anula que ele seja neofascista. Tampouco quer dizer que um núcleo duro, ainda que minoritário dos seus eleitores, não seja fascista. O que define um movimento, em primeiro lugar, é a sua direção. A audiência alcançada por Trump já é grande e dinâmica o bastante para que esta corrente política seja, neste momento, de longe a maior dos EUA. A previsão das pesquisas de uma eleição disputadíssima não se confirmou. Trump venceu com folga em todos os estados pêndulos, os swing states.

9. Subestimar Trump, ou a capacidade de seu movimento se articular no terreno internacional seria um grave erro. Existe uma Internacional de extrema direita sendo construída no mundo, com financiamento robusto de alguns grandes grupos econômicos, que respondem ao projeto de uma fração capitalista de oferecer resistência à ascensão da China como potência protoimperialista.

10. O financiamento da bilionária campanha eleitoral de Trump repousou no apoio do Vale do Silício, da indústria do petróleo e gás, do complexo militar-industrial, e de Wall Street. Elon Musk foi a figura pública deste engajamento.

Em resumo, o perigo é muito grande. A correlação de forças político-social teve uma fortíssima inflexão reacionária. Vai ser preciso uma luta como nunca vimos.

 

¨      “O sionismo já está interferindo nas eleições presidenciais de 2026”, diz Lejeune Mirhan

No programa Bom Dia 247 da última segunda-feira (25), o professor e sociólogo Lejeune Mirhan fez declarações contundentes sobre o impacto do sionismo no cenário político brasileiro e a influência sobre as eleições presidenciais de 2026. O comentário foi motivado pelo jantar promovido pela Confederação Israelita do Brasil (Conib) no sábado (23), no clube Hebraica, em São Paulo, evento que reuniu lideranças políticas de direita.Dando crédito ao UOL, que trouxe detalhes do jantar, Mirhan ressaltou as declarações do presidente da Conib, Claudio Lottenberg, que afirmou não ter convidado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas indicou que “o futuro presidente do Brasil está nessa sala”. A fala, acompanhada pelo apoio explícito a nomes como os governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) e Claudio Castro (PL-RJ), gerou polêmica e questionamentos sobre a neutralidade da entidade.

“O sionismo já está interferindo nas eleições presidenciais de 2026”, afirmou Mirhan. Ele destacou que, enquanto lideranças da direita buscam apoio em eventos como o da Conib, o presidente Lula adota uma postura solidária ao povo palestino, algo que o diferencia das figuras presentes no jantar. “Fico feliz que o presidente Lula não tenha sido convidado para o jantar da Conib. Ele é solidário ao sofrimento do povo palestino”, pontuou.

Ainda segundo Mirhan, nomes como Tarcísio de Freitas e Ronaldo Caiado buscam, por meio do apoio sionista, legitimar-se como lideranças da extrema-direita no país. “Tarcísio e Caiado querem ser ungidos pelo sionismo, como os nomes da extrema-direita”, afirmou.

<><> Contexto político do jantar

O jantar da Conib reuniu não apenas governadores como Tarcísio, Caiado e Castro, mas também outras figuras da direita, como o prefeito Ricardo Nunes (MDB-SP), o senador Carlos Viana (Podemos-MG) e a deputada Carla Zambelli (PL-SP). Até mesmo o ministro do Supremo Tribunal Federal André Mendonça, indicado por Jair Bolsonaro, esteve presente.

Apesar de indiciado pela Polícia Federal e inelegível até 2030, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi tema evitado no evento, que preferiu destacar o conflito Israel-Palestina e a necessidade de uma nova liderança da direita. Governadores como Tarcísio criticaram ações do Hamas em 2023 e questionaram a cobertura internacional do conflito, enquanto Caiado reafirmou sua pré-candidatura à presidência em 2026.

As declarações de Lottenberg, ao declarar apoio a lideranças de direita e afirmar que “o futuro presidente está nessa sala”, colocam em xeque a neutralidade política da Conib. Em 2022, a entidade publicou manifesto declarando-se apartidária, mas os recentes movimentos sugerem outra direção.

<><> Impacto na política brasileira

A análise de Lejeune Mirhan reforça a preocupação com a crescente influência externa em questões políticas nacionais e destaca o papel de Lula como contraponto às alianças de direita. “O presidente Lula não se curva a esse tipo de política de alinhamento automático. Ele mantém sua solidariedade ao sofrimento palestino e sua independência nas relações internacionais”, concluiu o analista.

O episódio evidencia o quanto as alianças políticas e internacionais devem influenciar as próximas eleições presidenciais, especialmente em um cenário cada vez mais polarizado.

<><> Confederação Israelita desconsidera Bolsonaro e se aproxima de outros líderes de direita

O presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib), Claudio Lottenberg, declarou apoio explícito a governadores de direita durante um jantar no clube Hebraica, em São Paulo, neste sábado (23), marcado pela presença de figuras de governadores como Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) e Claudio Castro (PL-RJ). 

Sem citar diretamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Lottenberg foi incisivo ao criticar a posição do Brasil no conflito Israel-Palestina e insinuou que o próximo presidente do país estaria presente. “Posso dizer o seguinte: eu não convidei o atual presidente, mas o futuro presidente do Brasil está nessa sala”, afirmou o presidente da Conib, de acordo com o UOL.

Além dos governadores, outros políticos da direita participaram do encontro, como o prefeito Ricardo Nunes (MDB-SP), o senador Carlos Viana (Podemos-MG) e a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP). O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça, indicado para a Corte por Jair Bolsonaro (PL), também esteve presente.

Ainda conforme a reportagem, apesar do tom político, o evento foi marcado pela ausência de defesas diretas a Jair Bolsonaro, indiciado pela Polícia Federal por tentativa de golpe e inelegível até 2030. Tarcísio de Freitas e Claudio Castro, aliados de Bolsonaro, optaram por focar no conflito Israel-Palestina, enquanto Caiado, agora rompido com o ex-mandatário, reafirmou sua candidatura presidencial para 2026.

Tarcísio, em um dos discursos mais aguardados, criticou o ataque do Hamas em 2023 e a cobertura da mídia internacional. Caiado, por sua vez, buscou um tom conciliador em seu discurso e pregou a união da direita no pleito presidencial de 2026.  “Vamos nos unir para vencer essas eleições”, afirmou.

A  Conib, que se define como uma entidade plural e apartidária, vê-se agora em meio a um debate sobre seu alinhamento político. Em 2022, a entidade publicou um manifesto destacando sua neutralidade, mas as declarações de Lottenberg no jantar colocam em xeque essa postura.

Enquanto isso, figuras como Zambelli e outros aliados minimizam os efeitos do indiciamento de Bolsonaro. A deputada afirmou que “indiciamento nada mais é do que encontrar indícios” e que ainda não há condenação.

 

Fonte: Correio da Cidadania/Reuters Brasil 247

 

Nenhum comentário: