O que se
sabe sobre os brasileiros mandados de volta pelo Reino Unido em voos bancados
pelo governo britânico
O
jornal The Guardian publicou neste domingo (1/12) uma reportagem afirmando que
centenas de brasileiros, incluindo dezenas de crianças, foram deportados do
Reino Unido entre agosto e setembro deste ano.
A
informação, no entanto, não foi confirmada pelo Itamaraty. Por meio de nota, o
ministério das Relações Exteriores brasileiro afirmou à BBC News Brasil, que o
governo do Reino Unido "propôs organizar voos de retorno voluntário ao
Brasil" aos imigrantes brasileiros, realizados por companhias aéreas
comerciais e bancados pelos britânicos.
A
informação sobre o programa consta, inclusive, no site do Itamaraty, assim como
o site do Home Office também oferece informações sobre retorno voluntário.
Ainda
segundo o Itamaraty, "não se trata de deportação, e sim de decisão
voluntária dos participantes de aderir à iniciativa britânica". A
organização de retorno desses brasileiros é por meio do Programa de Retorno
Voluntário, mantido pelo Home Office, o ministério do Interior britânico.
Segundo
o Itamaraty, o programa oferece passagens aéreas e auxílio financeiro para os
migrantes que desejam retornar e se restabelecer em seu país de origem.
No
entanto, segundo a reportagem do Guardian, as "deportações" dos
brasileiros ocorreram em "voos secretos", em meio a medidas contra a
migração ilegal intensificadas pelo governo britânico.
A
BBC News Brasil procurou o Home Office, mas ainda não recebeu retorno.
Segundo
o Itamaraty, o consentimento brasileiro ao programa, que está incorporado aos
princípios de assistência consular brasileira, "baseia-se no requisito de
que a participação dos nacionais é voluntária e poderá ser revisto, a qualquer
tempo, caso esses termos sejam alterados."
Desde
março deste ano, o Reino Unido adotou novas regras de imigração, apertando
cerco contra imigrantes no país.
A
principal mudança foi o aumento do salário mínimo exigido — tanto para
conseguir um visto de trabalho quanto para trazer um dependente: 38.700 libras
brutas por ano (ou cerca de R$ 297 mil, na cotação atual).
Outros
destaques das novas regras de imigração são: estudantes não vão mais poder
imigrar com dependentes, exceto se estiverem fazendo cursos de pós-graduação
designados como "programas de pesquisa".
Além
disso, também não vão mais poder mudar seu visto de estudante para um de
trabalho antes da conclusão dos estudos.
O
programa de retorno voluntário é feito para imigrantes que não têm permissão
para viver no Reino Unido. Para aderir ao programa é preciso responder a alguns
critérios, como ter passado o prazo de permanência do visto ou ter feito pedido
de asilo ao Reino Unido. Pessoas que desejam retirar pedido de permanência no
país ou aquelas que têm um atestado do Home Office confirmando que são vítimas
de escravidão moderna também podem ser elegíveis.
O
serviço de retorno voluntário também pode fornecer até 3 mil libras (cerca de
R$ 23.072 na cotação atual) em suporte financeiro para sair do país. O dinheiro
é fornecido por meio de um cartão que só pode ser usado no país de origem.
Os
brasileiros estão entre as três nacionalidades que mais retornaram aos seus
países de origem no ano passado. Segundo informações contidas no site do Home
Office, "no ano que terminou em 30 de setembro de 2023, "as
principais nacionalidades entre os retornados foram albanesa (20%), indiana
(15%) e brasileira (12%)".
Ainda
segundo o ministério dos Interiores britânico, entre junho de 2021 e junho
deste ano, a quantidade de retornos voluntários quase triplicou. Já os retornos
forçados quase dobraram no mesmo período.
O
Itamaraty não respondeu quantos brasileiros voltaram do Reino Unido entre
agosto e setembro, por meio do programa. Segundo o The Guardian, foram 600
pessoas, dentre elas, 109 crianças.
• 'Ilusão'
No
ano que terminou em junho de 2023, 1.180.000 pessoas vieram para o Reino Unido
com a expectativa de permanecer pelo menos um ano, e cerca de 508.000 partiram.
Isso
significa que o saldo migratório — a diferença entre o número de pessoas que
chegam e que partem — foi de 672 mil.
Em
2022, o saldo migratório atingiu um recorde de 745.000.
A
grande maioria das pessoas que chegou ao Reino Unido era proveniente de países
fora da União Europeia.
De
acordo com o Itamaraty, existem 230 mil brasileiros vivem atualmente no Reino
Unido. É a segunda maio comunidade brasileira na Europa, perdendo somente para
Portugal, com 513 mil.
Morar
e trabalhar na Inglaterra pode ser o sonho de muitos brasileiros, mas a
realidade pode ser diferente daquela imaginada.
Em
outubro, a BBC News Brasil revelou a vida precária - com moradias em
acampamentos - que muitos brasileiros levam naquele país, chamando o sonho de
uma vida melhor de "ilusão".
O
maior impacto é o alto custo de vida no Reino Unido, que vive os reflexos de
uma crise econômica que teve o auge em 2022, quando a inflação chegou aos dois
dígitos, e em 2023, quando o país ficou oficialmente em recessão.
Assim,
a maior parte da população foi impactada com altas nos preços dos alimentos, de
energia e, em especial, dos aluguéis - que só no último ano subiram 8,4%.
• Brasileira ganhou R$ 22
mil do governo britânico e não pode retornar por 5 anos
Uma
brasileira que aceitou fazer o retorno voluntário de imigrantes ilegais do
Reino Unido contou que, ao fechar o acordo, recebeu 3 mil libras (cerca de R$
22 mil) do governo britânico, retornou ao Brasil em voo comercial, e que não
pode retornar ao país por cinco anos.
Uma
reportagem do jornal britânico "The Guardian" afirmou que mais de 600
brasileiros -- incluindo 109 crianças -- foram deportados do Reino Unido em
três voos secretos do governo, entre agosto e setembro deste ano. A maioria
retornou por meio do Programa de Retorno Voluntário (VRS, em sua sigla em
inglês), segundo o Ministério do Interior britânico.
Ao
g1, Ana Claudia Morais, de São Simão (GO) conta que foi para Londres em abril
de 2021 para trabalhar e conseguir dinheiro para construir uma casa no Brasil.
Por lá, ficou três anos trabalhando com faxinas, até que soube que estava
grávida e decidiu voltar.
Segundo
ela, soube por um centro de assistência à brasileiros em Londres que havia a
opção de retorno voluntário, em que receberia passagem e uma assistência para
voltar. "Eu entrei em contato com a embaixada britânica, pedia a ajuda e
eles me responderam com a passagem de volta e o suporte financeiro",
conta.
Segundo
ela, o pedido foi feito em 30 de julho e a passagem foi dada para 11 de
setembro.
"Eu
decidi fazer isso porque eu tinha ido ganhar um dinheiro para construir a minha
casa que eu não tinha condições aqui no Brasil. Foram três anos mandando o
dinheiro para a obra e eu tinha como meta que, assim que acabasse, eu voltaria.
Eu tenho dois filhos que ficaram no Brasil. (...). Eles ainda ofereceram 3 mil
libras que estavam em um cartão e que daria direito ao saque no Brasil."
Ao
aceitar o retorno voluntário, Ana Claudia foi informada que receberia o
dinheiro e que seu nome entraria no sistema de imigração do Reino Unido,
impedido que ela retornasse ao país em um período mínimo de cinco anos.
"Eles
não falaram que isso era uma deportação, até porque tinha até um 'prêmio', mas
também não nos disseram qual seria a diferença entre quem aceitou o retorno
voluntário de quem era pego ilegal no país e, por isso, deportado."
O
Guardian revelou que a repatriação dos brasileiros foi feito em voos secretos.
Ana explica que, assim como ela, conhece outras dezenas de pessoas que também
pediram no mesmo período o retorno voluntário. No entanto, diferente do que
pensou, não foram organizados voos com todos os brasileiros para o retorno, mas
eles eram mandados em voos comerciais, nunca em grupos.
No
caso dela, voltou em voo comum e havia apenas um outro brasileiro que estava
voltando pelo mesmo programa. "Eles separavam as pessoas, colocavam no
máximo quatro pessoas por voo, em voos comerciais. Não eram voos
fretados."
Ana
Claudia conta que ao chegar ao Brasil, eles também pediram que o dinheiro fosse
sacado o mais rápido possível e foi o que ela fez. "Eles deram esse
dinheiro como que para nos ajudar a nos reestabelecer no país de origem, mas
reforçavam que era para tirar tudo no cartão que deram assim que chegasse ao
Brasil", diz.
<><>
Mais de 600 brasileiros deportados
Mais
de 600 brasileiros são deportados do Reino Unido em voos secretos do governo
O
governo britânico disse ao "The Guardian" que está intensificando as
medidas contra a migração ilegal. Organizações que protegem os direitos de
imigrantes latino-americanos no Reino Unido expressaram preocupação,
especialmente com o alto número de crianças retiradas do país.
Números
de deportação publicados na quinta-feira (28) pelo Ministério do Interior
britânico, órgão responsável pelas políticas de migração, mostram que 8.308
retornos forçados e voluntários foram feitos entre julho e setembro de 2024. A
quantidade é 16% maior em relação ao mesmo período do ano passado.
A
maioria das viagens (6.247) foi voluntária, segundo o relatório. O governo
oferece incentivos de até 3mil libras (cerca de R$ 22 mil) para pessoas que
aceitam ser deportadas voluntariamente do Reino Unido. Apesar de ter divulgado
os números, o Ministério do Interior escondeu que o destino dos voos com
quantidade recorde de imigrantes era o Brasil.
Os
três voos relatados pelo "Guardian" aconteceram em um período de
menos de dois meses -- a reportagem não cita para quais cidades brasileiras
foram levados os imigrantes:
• Em 9 de agosto, 205
pessoas foram deportadas, entre elas 43 crianças;
• Em 23 de agosto, 206
foram deportadas, incluindo 30 crianças;
• Em 27 de setembro, foram
218 deportados, 36 deles crianças.
O
"The Guardian" menciona que todas as crianças retiradas do país
faziam parte de unidades familiares. Muitas delas estavam matriculadas em
escolas e passaram a maior parte -- ou toda a vida -- no Reino Unido.
De
acordo com a reportagem, as deportações de brasileiros foram classificadas pelo
governo como voluntárias e incluíram pessoas que ultrapassaram o prazo de
permanência de seus vistos.
“Estamos
preocupados com o aumento acentuado nos retornos voluntários de brasileiros no
último ano", afirmou a organização Coalition of Latin Americans in the UK
(Coalizão de Latino-Americanos no Reino Unido) em comunicado publicado pelo
"Guardian". A entidade acrescentou:
"Como
a maior comunidade latino-americana no Reino Unido, os brasileiros enfrentam
barreiras significativas para acessar informações de alta qualidade e
aconselhamento jurídico credenciado, especialmente em seu próprio idioma."
"Muitos
chegaram por meio da migração de países da União Europeia. No entanto, as
mudanças nas regras de imigração pós-Brexit deixaram centenas deles e seus
familiares fora da UE, com risco de terem seus direitos negados devido à
desinformação e aos rigorosos requisitos de elegibilidade.”
Com
a saída dos britânicos da União Europeia, aprovada em um plebiscito em 2016,
pessoas que planejavam se mudar entre países do bloco e o Reino Unido passaram
a não ter mais permissão automática para a nova residência. A regra passou a
valer em 2021, quando entrou em vigor um acordo para definir os termos do
Brexit.
<><>
O que diz o governo britânico
Ao
"Guardian", um porta-voz do Ministério do Interior britânico disse
que o governo está cumprindo um plano de aumentar a deportação de imigrantes
ilegais. “Isso reduzirá nossa dependência de hotéis e custos de acomodação,
economizando cerca de 4 bilhões de libras nos próximos dois anos."
Em
abril deste ano, o Parlamento do Reino Unido aprovou uma lei para permitir que
o governo force imigrantes que chegaram de qualquer lugar do mundo e pediram
asilo em solo britânico a entrar em um avião que os leve para Ruanda – mesmo
que a pessoa nunca tenha pisado em Ruanda.
A
medida era uma das principais bandeiras do ex-primeiro-ministro, Rishi Sunak,
que é filho de imigrantes indianos. Em junho, o primeiro voo para levar
requerentes de asilo para Ruanda foi suspenso, depois que o tribunal europeu de
direitos humanos emitiu liminares para impedir a deportação de imigrantes a
bordo.
<><>
O que diz o Itamaraty
Em
nota, o Itamaraty informou que o Reino Unido propôs organizar voos de retorno
voluntário ao Brasil, por companhias aéreas comerciais, para brasileiros
inscritos no Programa de Retorno Voluntário (VRS, em sua sigla em inglês),
mantido pelo Ministério do Interior britânico. Além de auxílio financeiro, o
VRS oferece passagens aéreas para os migrantes que desejam retornar aos seus
países de origem.
"O
processo de retorno voluntário proposto pelo Reino Unido coaduna-se com os
princípios da assistência consular brasileira que, em casos específicos, também
financia a viagem de brasileiros em situações de desvalimento no exterior, além
de contar com parceira de natureza semelhante com a Organização Internacional
para Migrações (OIM)", diz o comunicado.
"O
consentimento brasileiro ao programa baseia-se no requisito de que a
participação dos nacionais é voluntária e poderá ser revista, a qualquer tempo,
caso esses termos sejam alterados."
Fonte:
BBC News Brasil/g1
Nenhum comentário:
Postar um comentário