terça-feira, 3 de dezembro de 2024

O que se sabe sobre os brasileiros mandados de volta pelo Reino Unido em voos bancados pelo governo britânico

O jornal The Guardian publicou neste domingo (1/12) uma reportagem afirmando que centenas de brasileiros, incluindo dezenas de crianças, foram deportados do Reino Unido entre agosto e setembro deste ano.

A informação, no entanto, não foi confirmada pelo Itamaraty. Por meio de nota, o ministério das Relações Exteriores brasileiro afirmou à BBC News Brasil, que o governo do Reino Unido "propôs organizar voos de retorno voluntário ao Brasil" aos imigrantes brasileiros, realizados por companhias aéreas comerciais e bancados pelos britânicos.

A informação sobre o programa consta, inclusive, no site do Itamaraty, assim como o site do Home Office também oferece informações sobre retorno voluntário.

Ainda segundo o Itamaraty, "não se trata de deportação, e sim de decisão voluntária dos participantes de aderir à iniciativa britânica". A organização de retorno desses brasileiros é por meio do Programa de Retorno Voluntário, mantido pelo Home Office, o ministério do Interior britânico.

Segundo o Itamaraty, o programa oferece passagens aéreas e auxílio financeiro para os migrantes que desejam retornar e se restabelecer em seu país de origem.

No entanto, segundo a reportagem do Guardian, as "deportações" dos brasileiros ocorreram em "voos secretos", em meio a medidas contra a migração ilegal intensificadas pelo governo britânico.

A BBC News Brasil procurou o Home Office, mas ainda não recebeu retorno.

Segundo o Itamaraty, o consentimento brasileiro ao programa, que está incorporado aos princípios de assistência consular brasileira, "baseia-se no requisito de que a participação dos nacionais é voluntária e poderá ser revisto, a qualquer tempo, caso esses termos sejam alterados."

Desde março deste ano, o Reino Unido adotou novas regras de imigração, apertando cerco contra imigrantes no país.

A principal mudança foi o aumento do salário mínimo exigido — tanto para conseguir um visto de trabalho quanto para trazer um dependente: 38.700 libras brutas por ano (ou cerca de R$ 297 mil, na cotação atual).

Outros destaques das novas regras de imigração são: estudantes não vão mais poder imigrar com dependentes, exceto se estiverem fazendo cursos de pós-graduação designados como "programas de pesquisa".

Além disso, também não vão mais poder mudar seu visto de estudante para um de trabalho antes da conclusão dos estudos.

O programa de retorno voluntário é feito para imigrantes que não têm permissão para viver no Reino Unido. Para aderir ao programa é preciso responder a alguns critérios, como ter passado o prazo de permanência do visto ou ter feito pedido de asilo ao Reino Unido. Pessoas que desejam retirar pedido de permanência no país ou aquelas que têm um atestado do Home Office confirmando que são vítimas de escravidão moderna também podem ser elegíveis.

O serviço de retorno voluntário também pode fornecer até 3 mil libras (cerca de R$ 23.072 na cotação atual) em suporte financeiro para sair do país. O dinheiro é fornecido por meio de um cartão que só pode ser usado no país de origem.

Os brasileiros estão entre as três nacionalidades que mais retornaram aos seus países de origem no ano passado. Segundo informações contidas no site do Home Office, "no ano que terminou em 30 de setembro de 2023, "as principais nacionalidades entre os retornados foram albanesa (20%), indiana (15%) e brasileira (12%)".

Ainda segundo o ministério dos Interiores britânico, entre junho de 2021 e junho deste ano, a quantidade de retornos voluntários quase triplicou. Já os retornos forçados quase dobraram no mesmo período.

O Itamaraty não respondeu quantos brasileiros voltaram do Reino Unido entre agosto e setembro, por meio do programa. Segundo o The Guardian, foram 600 pessoas, dentre elas, 109 crianças.

•                        'Ilusão'

No ano que terminou em junho de 2023, 1.180.000 pessoas vieram para o Reino Unido com a expectativa de permanecer pelo menos um ano, e cerca de 508.000 partiram.

Isso significa que o saldo migratório — a diferença entre o número de pessoas que chegam e que partem — foi de 672 mil.

Em 2022, o saldo migratório atingiu um recorde de 745.000.

A grande maioria das pessoas que chegou ao Reino Unido era proveniente de países fora da União Europeia.

De acordo com o Itamaraty, existem 230 mil brasileiros vivem atualmente no Reino Unido. É a segunda maio comunidade brasileira na Europa, perdendo somente para Portugal, com 513 mil.

Morar e trabalhar na Inglaterra pode ser o sonho de muitos brasileiros, mas a realidade pode ser diferente daquela imaginada.

Em outubro, a BBC News Brasil revelou a vida precária - com moradias em acampamentos - que muitos brasileiros levam naquele país, chamando o sonho de uma vida melhor de "ilusão".

O maior impacto é o alto custo de vida no Reino Unido, que vive os reflexos de uma crise econômica que teve o auge em 2022, quando a inflação chegou aos dois dígitos, e em 2023, quando o país ficou oficialmente em recessão.

Assim, a maior parte da população foi impactada com altas nos preços dos alimentos, de energia e, em especial, dos aluguéis - que só no último ano subiram 8,4%.

 

•                        Brasileira ganhou R$ 22 mil do governo britânico e não pode retornar por 5 anos

Uma brasileira que aceitou fazer o retorno voluntário de imigrantes ilegais do Reino Unido contou que, ao fechar o acordo, recebeu 3 mil libras (cerca de R$ 22 mil) do governo britânico, retornou ao Brasil em voo comercial, e que não pode retornar ao país por cinco anos.

Uma reportagem do jornal britânico "The Guardian" afirmou que mais de 600 brasileiros -- incluindo 109 crianças -- foram deportados do Reino Unido em três voos secretos do governo, entre agosto e setembro deste ano. A maioria retornou por meio do Programa de Retorno Voluntário (VRS, em sua sigla em inglês), segundo o Ministério do Interior britânico.

Ao g1, Ana Claudia Morais, de São Simão (GO) conta que foi para Londres em abril de 2021 para trabalhar e conseguir dinheiro para construir uma casa no Brasil. Por lá, ficou três anos trabalhando com faxinas, até que soube que estava grávida e decidiu voltar.

Segundo ela, soube por um centro de assistência à brasileiros em Londres que havia a opção de retorno voluntário, em que receberia passagem e uma assistência para voltar. "Eu entrei em contato com a embaixada britânica, pedia a ajuda e eles me responderam com a passagem de volta e o suporte financeiro", conta.

Segundo ela, o pedido foi feito em 30 de julho e a passagem foi dada para 11 de setembro.

"Eu decidi fazer isso porque eu tinha ido ganhar um dinheiro para construir a minha casa que eu não tinha condições aqui no Brasil. Foram três anos mandando o dinheiro para a obra e eu tinha como meta que, assim que acabasse, eu voltaria. Eu tenho dois filhos que ficaram no Brasil. (...). Eles ainda ofereceram 3 mil libras que estavam em um cartão e que daria direito ao saque no Brasil."

Ao aceitar o retorno voluntário, Ana Claudia foi informada que receberia o dinheiro e que seu nome entraria no sistema de imigração do Reino Unido, impedido que ela retornasse ao país em um período mínimo de cinco anos.

"Eles não falaram que isso era uma deportação, até porque tinha até um 'prêmio', mas também não nos disseram qual seria a diferença entre quem aceitou o retorno voluntário de quem era pego ilegal no país e, por isso, deportado."

O Guardian revelou que a repatriação dos brasileiros foi feito em voos secretos. Ana explica que, assim como ela, conhece outras dezenas de pessoas que também pediram no mesmo período o retorno voluntário. No entanto, diferente do que pensou, não foram organizados voos com todos os brasileiros para o retorno, mas eles eram mandados em voos comerciais, nunca em grupos.

No caso dela, voltou em voo comum e havia apenas um outro brasileiro que estava voltando pelo mesmo programa. "Eles separavam as pessoas, colocavam no máximo quatro pessoas por voo, em voos comerciais. Não eram voos fretados."

Ana Claudia conta que ao chegar ao Brasil, eles também pediram que o dinheiro fosse sacado o mais rápido possível e foi o que ela fez. "Eles deram esse dinheiro como que para nos ajudar a nos reestabelecer no país de origem, mas reforçavam que era para tirar tudo no cartão que deram assim que chegasse ao Brasil", diz.

<><> Mais de 600 brasileiros deportados

Mais de 600 brasileiros são deportados do Reino Unido em voos secretos do governo

O governo britânico disse ao "The Guardian" que está intensificando as medidas contra a migração ilegal. Organizações que protegem os direitos de imigrantes latino-americanos no Reino Unido expressaram preocupação, especialmente com o alto número de crianças retiradas do país.

Números de deportação publicados na quinta-feira (28) pelo Ministério do Interior britânico, órgão responsável pelas políticas de migração, mostram que 8.308 retornos forçados e voluntários foram feitos entre julho e setembro de 2024. A quantidade é 16% maior em relação ao mesmo período do ano passado.

A maioria das viagens (6.247) foi voluntária, segundo o relatório. O governo oferece incentivos de até 3mil libras (cerca de R$ 22 mil) para pessoas que aceitam ser deportadas voluntariamente do Reino Unido. Apesar de ter divulgado os números, o Ministério do Interior escondeu que o destino dos voos com quantidade recorde de imigrantes era o Brasil.

Os três voos relatados pelo "Guardian" aconteceram em um período de menos de dois meses -- a reportagem não cita para quais cidades brasileiras foram levados os imigrantes:

•                        Em 9 de agosto, 205 pessoas foram deportadas, entre elas 43 crianças;

•                        Em 23 de agosto, 206 foram deportadas, incluindo 30 crianças;

•                        Em 27 de setembro, foram 218 deportados, 36 deles crianças.

O "The Guardian" menciona que todas as crianças retiradas do país faziam parte de unidades familiares. Muitas delas estavam matriculadas em escolas e passaram a maior parte -- ou toda a vida -- no Reino Unido.

De acordo com a reportagem, as deportações de brasileiros foram classificadas pelo governo como voluntárias e incluíram pessoas que ultrapassaram o prazo de permanência de seus vistos.

“Estamos preocupados com o aumento acentuado nos retornos voluntários de brasileiros no último ano", afirmou a organização Coalition of Latin Americans in the UK (Coalizão de Latino-Americanos no Reino Unido) em comunicado publicado pelo "Guardian". A entidade acrescentou:

"Como a maior comunidade latino-americana no Reino Unido, os brasileiros enfrentam barreiras significativas para acessar informações de alta qualidade e aconselhamento jurídico credenciado, especialmente em seu próprio idioma."

"Muitos chegaram por meio da migração de países da União Europeia. No entanto, as mudanças nas regras de imigração pós-Brexit deixaram centenas deles e seus familiares fora da UE, com risco de terem seus direitos negados devido à desinformação e aos rigorosos requisitos de elegibilidade.”

Com a saída dos britânicos da União Europeia, aprovada em um plebiscito em 2016, pessoas que planejavam se mudar entre países do bloco e o Reino Unido passaram a não ter mais permissão automática para a nova residência. A regra passou a valer em 2021, quando entrou em vigor um acordo para definir os termos do Brexit.

<><> O que diz o governo britânico

Ao "Guardian", um porta-voz do Ministério do Interior britânico disse que o governo está cumprindo um plano de aumentar a deportação de imigrantes ilegais. “Isso reduzirá nossa dependência de hotéis e custos de acomodação, economizando cerca de 4 bilhões de libras nos próximos dois anos."

Em abril deste ano, o Parlamento do Reino Unido aprovou uma lei para permitir que o governo force imigrantes que chegaram de qualquer lugar do mundo e pediram asilo em solo britânico a entrar em um avião que os leve para Ruanda – mesmo que a pessoa nunca tenha pisado em Ruanda.

A medida era uma das principais bandeiras do ex-primeiro-ministro, Rishi Sunak, que é filho de imigrantes indianos. Em junho, o primeiro voo para levar requerentes de asilo para Ruanda foi suspenso, depois que o tribunal europeu de direitos humanos emitiu liminares para impedir a deportação de imigrantes a bordo.

<><> O que diz o Itamaraty

Em nota, o Itamaraty informou que o Reino Unido propôs organizar voos de retorno voluntário ao Brasil, por companhias aéreas comerciais, para brasileiros inscritos no Programa de Retorno Voluntário (VRS, em sua sigla em inglês), mantido pelo Ministério do Interior britânico. Além de auxílio financeiro, o VRS oferece passagens aéreas para os migrantes que desejam retornar aos seus países de origem.

"O processo de retorno voluntário proposto pelo Reino Unido coaduna-se com os princípios da assistência consular brasileira que, em casos específicos, também financia a viagem de brasileiros em situações de desvalimento no exterior, além de contar com parceira de natureza semelhante com a Organização Internacional para Migrações (OIM)", diz o comunicado.

"O consentimento brasileiro ao programa baseia-se no requisito de que a participação dos nacionais é voluntária e poderá ser revista, a qualquer tempo, caso esses termos sejam alterados."

 

Fonte: BBC News Brasil/g1

 

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