segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Celso Lungaretti: Lula, a ditadura e seus herdeiros

"Quero agradecer, agora muito mais, porque estou vivo. A tentativa de me envenenar, eu e o Alckmin, não deu certo."

A frase do Lula me fez lembrar uma verdadeira pérola da sabedoria popular: "Pimenta no olho dos outros é colírio".

Pois o mesmo Lula que ora agradece aos céus por ter sobrevivido aos planos dos golpistas trapalhões, jamais deu o mesmo valor à vida dos combatentes executados pela ditadura militar.

Assim, ignorou olimpicamente o sofrimento das famílias desses mártires brasileiros, que queriam ao menos ver punidas as bestas-feras que assassinavam prisioneiros indefesos, torturavam bestialmente cidadãos (inclusive pela mera suspeita de que fossem subversivos), estupravam quem lhes apetecesse, seviciavam pais na frente de suas crianças para quebrar-lhes a resistência, davam sumiço em restos mortais dos opositores, etc., escrevendo uma das páginas mais vergonhosas da História brasileira.

Como a anistia de 1979 igualava as vítimas da ditadura a seus carrascos, impedindo que os torturadores fossem processados pelo festival de horrores que perpetraram nos anos de chumbo, dois ministros de Lula se dispuseram em 2007 a lutar pela revisão de tal lei, primeiro passo para os responsáveis por aqueles crimes hediondos poderem ser alcançados pelo braço da lei.

Sob pressão de comandantes militares, o então presidente Lula proibiu Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) de levantarem a bandeira da revisão da anistia de 1979 em nome do Executivo.

Determinou que ambos, ao invés disto, apenas apontassem aos queixosos o caminho dos tribunais. E que multiplicassem as homenagens oficiais àqueles que haviam entregado a vida na luta pela liberdade.

Com isto, a punição criminal dos torturadores ficou inviabilizada para sempre.

Se os golpistas trapalhões houvessem tido êxito em envenenar Lula, o que deveríamos fazer: esforçarmo-nos ao máximo para que fossem devidamente punidos ou bastaria criarmos um monte de homenagens à memória desse presidente que não ousou confrontar os criminosos do regime anterior?

E não é de agora que digo isto: cansei de, então, escrever artigos como este, protestando contra a decisão de Lula de passar pano para tais agentes do terrorismo de Estado.

E tem mais: o companheiro Rui Martins e eu lançamos em 2009 a proposta de criação de uma lei específica para coibir a negação das atrocidades cometidas pelo regime militar.

Afinal, número de mortos à parte, não havia diferença qualitativa entre a negação do Holocausto e a negação da nossa ditadura (que jamais foi uma ditabranda, tal qual a Folha de S, Paulo pretendeu e outros ditos liberais voltam a afirmar por aí).

Como Lula e o PT optaram por tirar o corpo fora, um medíocre deputado fluminense pôde continuar endeusando os verdugos da ditadura e, em especial, o torturador-símbolo do Brasil, Brilhante Ustra.

Então, não é de estranhar que, 15 anos depois, tal aberração gere sequelas como o plano dos golpistas trapalhões de assassinarem numa fornada só Lula, Alckmin e Moraes.

O ovo da serpente eclodiu!

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Coronel uruguaio condenado por crimes da ditadura

Operação Condor: coronel que veio ao RS sequestrar Universindo Dias e Lilian Celiberti tem nova condenação

A justiça tardou 46 anos, mas não falhou, no episódio mais famoso de aprisionamento de militantes antifascistas estrangeiros em território brasileiro como resultado da famigerada Operação Condor, acordo de cooperação de ditaduras sul-americanas firmado em 1975.

O principal responsável, o coronel do Exército uruguaio Eduardo Ferri, foi condenado à prisão na quarta-feira passada (20), em Montevidéu, pela juíza Sílvia Urioste, do Tribunal Penal de 27º Turno. Ele tem 77 anos e esta é sua segunda condenação pela mesma modalidade criminosa.

O chamado sequestro dos uruguaios se constituiu na prisão ilegal, com apoio do Dops gaúcho, do casal Universindo Dias/Lilian Celiberti e de seus dois filhos menores, em novembro de 1978.

A imprensa brasileira descobriu rapidamente o ocorrido e o denunciou com grande destaque, sem, contudo, conseguir evitar que os quatro fossem despachados para o Uruguai.

A repercussão internacional foi tamanha que todos acabaram sobrevivendo, apesar das torturas sofridas pelo casal até ser libertado, em novembro de 1983.

Universindo Dias se tornou historiador renomado e morreu de câncer na medula em 2012, aos 60 anos de idade.

 

•                        Golpismo nas forças armadas é regra, não exceção. Por João Filho

O relatório da investigação sobre a tentativa de golpe da Polícia Federal revelou que o golpe de Jair Bolsonaro só não foi consumado por não ter o apoio de dois dos três chefes das Forças Armadas.

De fato, os ex-comandantes do exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Baptista Júnior, se recusaram a embarcar na canoa golpista na hora H.

Imediatamente, formou-se uma onda de exaltação desses militares na imprensa nacional. As manchetes e os colunistões tradicionalmente dóceis com milicos ressaltaram a firmeza com que os comandantes defenderam a democracia. A CNN chegou a promover um debate na televisão em torno da seguinte pergunta: “Militares salvaram o Brasil do golpe?”. A coisa chegou nesse nível de cinismo.

Ganhou força a tese do ministro da Defesa, José Múcio, de que o golpismo nas Forças Armadas é um caso isolado e não representa a maioria da instituição. É escandaloso que, diante de tudo o que aconteceu no Brasil nos quatro anos da tragédia bolsonarista, há quem acredite que militares indicados por Bolsonaro para chefiar as Forças Armadas possam ser considerados salvadores da democracia.

O golpismo foi uma prática permanente no governo Bolsonaro, que passou o mandato inteiro enfiando a faca no pescoço da democracia. Durante todo esse tempo, Freire Gomes e Baptista Júnior assistiram calados a todos os arroubos antidemocráticos de Bolsonaro e sua quadrilha golpista.

Pelo contrário, o ex-comandante do exército foi quem permitiu que milhares de manifestantes golpistas montassem acampamentos enormes em frente aos quartéis de todo o país logo após a vitória de Lula. Esses acampamentos eram parte fundamental do plano golpista — especialmente o de Brasília — e contaram com todo o apoio do exército.

Em 11 de novembro, Freire Gomes e Baptista Júnior assinaram junto com Almir Ganier — o comandante da Marinha que foi indiciado pela PF — uma nota pública em que criticam o Judiciário e defendem os acampamentos golpistas.

No documento, os movimentos golpistas em frente aos quartéis são chamados de “manifestações populares”. Em 29 de dezembro, quase dois meses depois e três dias antes da posse de Lula, o general Gustavo Henrique Dutra, que estava à frente do Comando Militar do Planalto, determinou o fim do acampamento no quartel de Brasília.

O objetivo era evitar o confronto entre os bolsonaristas e os eleitores de Lula, que começavam a chegar à cidade para a posse do presidente eleito. A PM-DF iniciou então uma operação para desmontar os acampamentos, mas foi recebida com pedras e paus pelos golpistas.

E o que fez o nosso “salvador” Freire Gomes diante disso? Ligou na mesma hora para o general para repreendê-lo. Furioso ao telefone, o comandante do exército chamou seu colega de “irresponsável” e “inconsequente”.

Depois de ser derrotado na eleição, Bolsonaro reuniu chefes militares 14 vezes. Freire Gomes foi o mais assíduo: esteve no Alvorada 12 vezes. Segundo a PF, Freire Gomes recebeu de Bolsonaro duas versões da minuta do golpe e ouviu que o plano golpista previa uma intervenção no TSE e prisão de adversários políticos. Foi aí que Freire Gomes decidiu desembarcar do barco golpista.

Sem apoio internacional, especialmente dos EUA, parecia claro que o golpe não se sustentaria por muito tempo e estaria fadado ao fracasso. Freire Gomes teve mais juízo e amor próprio do que respeito pela democracia.

O ex-comandante está muito longe de ser um valoroso democrata e mais perto de ser um “cagão”, como apontou o general Braga Netto. Nenhum militar vira legalista da noite pro dia.

O fato é que, apesar de não ser um golpista dos mais entusiasmados, Freire Gomes navegou com eles até o último minuto e teve papel central na manutenção dos acampamentos golpistas.

Como se sabe, o episódio de 8 de janeiro foi gestado no acampamento golpista de Brasília, que só permaneceu tanto tempo ali graças à intervenção direta do ex-comandante. É possível dizer, sem medo de errar, que o 8 de janeiro não seria possível sem a contribuição de Freire Gomes.

Esses comandantes participaram de reuniões golpistas, defenderam acampamentos golpistas, tiveram conhecimento do plano para matar presidente, vice-presidente e ministro do Supremo e prevaricaram.

Eles tinham conhecimento que tanto o presidente quanto seus subordinados estavam envolvidos até o osso com um golpe de estado e nada fizeram de concreto até perceberem que poderiam acabar na cadeia.

As Forças Armadas são historicamente comprometidas com o golpismo. A anistia aos criminosos do regime militar permitiu que as Forças Armadas continuassem perpetuando a ideologia reacionária e golpista entre as suas fileiras. Nas escolas do exército, por exemplo, trabalhos de monografia defendem golpes militares e tratam a instituição como um poder moderador. A celebração da data do Golpe de 64 era um evento oficial nos quartéis todos os anos até meados dos anos 2000 e foi retomada em 2019 por ordem do líder da quadrilha golpista Jair Bolsonaro.

Freire Gomes e Baptista também celebraram a data. Eles ainda chamam o golpe de 64 de “revolução”. Não é possível que um militar chegue ao Alto Comando se opondo à essa lógica e estrutura golpista. É uma instituição irremediavelmente comprometida com o golpismo e esse é um problema urgente que a democracia brasileira precisa resolver para não voltar a ser assombrada.

Diante de tudo isso, assistir à imprensa se esforçando para inocentar o alto comando das Forças Armadas causa indignação. O fato de Freire Gomes e Baptista Júnior terem se colocado contra a execução do golpe pode não responsabilizá-los criminalmente, mas jamais poderá absolvê-los histórica e politicamente. Eles ajudaram a levar a democracia até a beira do penhasco e, na hora de empurrá-la, desistiram.

É papel do jornalismo deixar claro o caráter golpista impregnado nas Forças Armadas e o papel do alto comando na sua perpetuação. Mas o que vemos é boa parte do colunismo mainstream virando porta-voz de milico e manchetes passa-pano transformando golpista “cagão” em herói da democracia.

 

•                        Análise jurídica da Operação Contragolpe. Por Marcelo Aith

Nos últimos dias, o Brasil foi surpreendido pela Operação Contragolpe da Polícia Federal que resultou na prisão de quatro militares do Exército ligados às Forças Especiais, conhecidas como "kids pretos", além de um policial federal. Entre os presos estão o general de brigada Mário Fernandes (na reserva), o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, o major Rodrigo Bezerra Azevedo, o major Rafael Martins de Oliveira e o policial federal Wladimir Matos Soares. As prisões foram fundamentadas em uma investigação detalhada que expõe um plano complexo para a execução de um golpe de Estado no Brasil.

Segundo o relatório da investigação, os envolvidos planejavam "restabelecer a lei e a ordem" por meio de ações militares, sob o pretexto de combater uma suposta ameaça à democracia. O objetivo central do plano era controlar os três poderes do país e reverter o resultado das eleições presidenciais de 2022.

O planejamento estratégico dos golpistas incluía a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e ações contra o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente Geraldo Alckmin. Mário Fernandes é apontado como um dos principais articuladores, com o plano denominado "Punhal Verde Amarelo". Havia também a intenção de criar um "Gabinete de Crise" para consolidar o golpe, com a participação de altos militares como Augusto Heleno e Braga Netto.

O relatório da PF também detalha a utilização de técnicas clandestinas para monitorar autoridades, como o ministro Alexandre de Moraes, incluindo tentativas de assassinato. As investigações indicam que militares das Forças Especiais utilizaram tecnologias de anonimização para dificultar a identificação dos envolvidos.

Figuras de alto escalão também aparecem nas investigações. O então presidente Jair Bolsonaro teria revisado uma minuta de decreto para respaldar o golpe, enquanto o general Estevam Theophilo participou de reuniões para discutir o apoio militar necessário. Além disso, agentes da Polícia Federal, como Wladimir Matos Soares, são acusados de fornecer informações sobre a segurança do presidente eleito.

A decisão de decretar a prisão preventiva dos envolvidos foi fundamentada em fatores críticos destacados pela investigação da Polícia Federal e ratificados pelo ministro Alexandre de Moraes. Entre as principais razões estão:

gravidade dos crimes: os investigados são acusados de planejar atos extremamente graves, como tentativa de golpe de Estado, monitoramento e possível assassinato de autoridades e prisão de ministros do STF;

periculosidade dos envolvidos: os investigados são descritos como integrantes de uma organização criminosa com capacidade operacional significativa para executar atos de violência e subversão da ordem democrática;

risco de continuidade das atividades criminosas: a manutenção da liberdade dos investigados representava um risco concreto de continuidade do plano golpista;

obstrução da justiça: havia a possibilidade de destruição de provas e intimidação de testemunhas, justificando a prisão para assegurar a instrução criminal;

planejamento e coordenação militar: o nível elevado de planejamento e coordenação, com técnicas militares e clandestinas, reforçava a necessidade da prisão preventiva para interromper a atuação criminosa.

Essas motivações foram consideradas suficientes pelo ministro Alexandre de Moraes para justificar a medida extrema da prisão preventiva, com o objetivo de proteger a ordem pública e garantir a eficácia da investigação criminal em curso. Está correta a decisão de Moraes?

A decretação da prisão preventiva requer o cumprimento de requisitos legais específicos estabelecidos pelo Código de Processo Penal. No caso envolvendo a tentativa de golpe de Estado, a decisão pela custódia cautelar foi fundamentada em fatores que atendem a esses requisitos. São requisitos legais para prisão preventiva, em síntese:

prova da materialidade e indícios suficientes de autoria: para que a prisão preventiva seja decretada, é necessário que existam provas da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria. No caso em questão, a investigação apresentou evidências robustas de um plano detalhado para desestabilizar o governo e subverter o estado democrático de direito;

garantia da ordem pública: a prisão preventiva pode ser justificada pela necessidade de garantir a ordem pública. No caso, a periculosidade dos investigados e a gravidade das ações planejadas, como o monitoramento e possível assassinato de autoridades, foram considerados ameaças significativas à ordem pública;

conveniência da instrução criminal: outro requisito é a conveniência da instrução criminal, que visa evitar a destruição de provas ou a intimidação de testemunhas. A decisão destacou o risco concreto de obstrução da justiça, caso os investigados permanecessem em liberdade, justificando a prisão preventiva para assegurar a coleta eficaz de provas e;

assegurar a aplicação da Lei Penal: a prisão preventiva pode ser decretada para assegurar que a lei penal seja efetivamente aplicada, especialmente quando há risco de fuga dos investigados. Dado o alto perfil dos envolvidos e a complexidade do plano, a possibilidade de evasão foi considerada um risco real.

A exaustiva investigação da Polícia Federal demonstra que o Brasil esteve à beira de um golpe de Estado. Circunstâncias extraordinárias evitaram a execução do plano e asseguraram a manutenção da democracia. Esse episódio reforça a necessidade de constante vigilância para preservar o estado democrático de direito.

Ditadura militar nunca mais. Viva a democracia!

 

Fonte: Correio da Cidadania/The Intercept

 

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