Celso
Lungaretti: Lula, a ditadura e seus herdeiros
"Quero
agradecer, agora muito mais, porque estou vivo. A tentativa de me envenenar, eu
e o Alckmin, não deu certo."
A
frase do Lula me fez lembrar uma verdadeira pérola da sabedoria popular:
"Pimenta no olho dos outros é colírio".
Pois
o mesmo Lula que ora agradece aos céus por ter sobrevivido aos planos dos
golpistas trapalhões, jamais deu o mesmo valor à vida dos combatentes
executados pela ditadura militar.
Assim,
ignorou olimpicamente o sofrimento das famílias desses mártires brasileiros,
que queriam ao menos ver punidas as bestas-feras que assassinavam prisioneiros
indefesos, torturavam bestialmente cidadãos (inclusive pela mera suspeita de
que fossem subversivos), estupravam quem lhes apetecesse, seviciavam pais na
frente de suas crianças para quebrar-lhes a resistência, davam sumiço em restos
mortais dos opositores, etc., escrevendo uma das páginas mais vergonhosas da
História brasileira.
Como
a anistia de 1979 igualava as vítimas da ditadura a seus carrascos, impedindo
que os torturadores fossem processados pelo festival de horrores que
perpetraram nos anos de chumbo, dois ministros de Lula se dispuseram em 2007 a
lutar pela revisão de tal lei, primeiro passo para os responsáveis por aqueles
crimes hediondos poderem ser alcançados pelo braço da lei.
Sob
pressão de comandantes militares, o então presidente Lula proibiu Tarso Genro
(Justiça) e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) de levantarem a bandeira da
revisão da anistia de 1979 em nome do Executivo.
Determinou
que ambos, ao invés disto, apenas apontassem aos queixosos o caminho dos
tribunais. E que multiplicassem as homenagens oficiais àqueles que haviam
entregado a vida na luta pela liberdade.
Com
isto, a punição criminal dos torturadores ficou inviabilizada para sempre.
Se
os golpistas trapalhões houvessem tido êxito em envenenar Lula, o que
deveríamos fazer: esforçarmo-nos ao máximo para que fossem devidamente punidos
ou bastaria criarmos um monte de homenagens à memória desse presidente que não
ousou confrontar os criminosos do regime anterior?
E
não é de agora que digo isto: cansei de, então, escrever artigos como este,
protestando contra a decisão de Lula de passar pano para tais agentes do
terrorismo de Estado.
E
tem mais: o companheiro Rui Martins e eu lançamos em 2009 a proposta de criação
de uma lei específica para coibir a negação das atrocidades cometidas pelo
regime militar.
Afinal,
número de mortos à parte, não havia diferença qualitativa entre a negação do
Holocausto e a negação da nossa ditadura (que jamais foi uma ditabranda, tal
qual a Folha de S, Paulo pretendeu e outros ditos liberais voltam a afirmar por
aí).
Como
Lula e o PT optaram por tirar o corpo fora, um medíocre deputado fluminense
pôde continuar endeusando os verdugos da ditadura e, em especial, o
torturador-símbolo do Brasil, Brilhante Ustra.
Então,
não é de estranhar que, 15 anos depois, tal aberração gere sequelas como o
plano dos golpistas trapalhões de assassinarem numa fornada só Lula, Alckmin e
Moraes.
O
ovo da serpente eclodiu!
**
Coronel
uruguaio condenado por crimes da ditadura
Operação
Condor: coronel que veio ao RS sequestrar Universindo Dias e Lilian Celiberti
tem nova condenação
A
justiça tardou 46 anos, mas não falhou, no episódio mais famoso de
aprisionamento de militantes antifascistas estrangeiros em território
brasileiro como resultado da famigerada Operação Condor, acordo de cooperação
de ditaduras sul-americanas firmado em 1975.
O
principal responsável, o coronel do Exército uruguaio Eduardo Ferri, foi
condenado à prisão na quarta-feira passada (20), em Montevidéu, pela juíza
Sílvia Urioste, do Tribunal Penal de 27º Turno. Ele tem 77 anos e esta é sua
segunda condenação pela mesma modalidade criminosa.
O
chamado sequestro dos uruguaios se constituiu na prisão ilegal, com apoio do
Dops gaúcho, do casal Universindo Dias/Lilian Celiberti e de seus dois filhos
menores, em novembro de 1978.
A
imprensa brasileira descobriu rapidamente o ocorrido e o denunciou com grande
destaque, sem, contudo, conseguir evitar que os quatro fossem despachados para
o Uruguai.
A
repercussão internacional foi tamanha que todos acabaram sobrevivendo, apesar
das torturas sofridas pelo casal até ser libertado, em novembro de 1983.
Universindo
Dias se tornou historiador renomado e morreu de câncer na medula em 2012, aos
60 anos de idade.
• Golpismo nas forças
armadas é regra, não exceção. Por João Filho
O
relatório da investigação sobre a tentativa de golpe da Polícia Federal revelou
que o golpe de Jair Bolsonaro só não foi consumado por não ter o apoio de dois
dos três chefes das Forças Armadas.
De
fato, os ex-comandantes do exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica,
tenente-brigadeiro Baptista Júnior, se recusaram a embarcar na canoa golpista
na hora H.
Imediatamente,
formou-se uma onda de exaltação desses militares na imprensa nacional. As
manchetes e os colunistões tradicionalmente dóceis com milicos ressaltaram a
firmeza com que os comandantes defenderam a democracia. A CNN chegou a promover
um debate na televisão em torno da seguinte pergunta: “Militares salvaram o
Brasil do golpe?”. A coisa chegou nesse nível de cinismo.
Ganhou
força a tese do ministro da Defesa, José Múcio, de que o golpismo nas Forças
Armadas é um caso isolado e não representa a maioria da instituição. É
escandaloso que, diante de tudo o que aconteceu no Brasil nos quatro anos da
tragédia bolsonarista, há quem acredite que militares indicados por Bolsonaro
para chefiar as Forças Armadas possam ser considerados salvadores da
democracia.
O
golpismo foi uma prática permanente no governo Bolsonaro, que passou o mandato
inteiro enfiando a faca no pescoço da democracia. Durante todo esse tempo,
Freire Gomes e Baptista Júnior assistiram calados a todos os arroubos
antidemocráticos de Bolsonaro e sua quadrilha golpista.
Pelo
contrário, o ex-comandante do exército foi quem permitiu que milhares de
manifestantes golpistas montassem acampamentos enormes em frente aos quartéis
de todo o país logo após a vitória de Lula. Esses acampamentos eram parte
fundamental do plano golpista — especialmente o de Brasília — e contaram com
todo o apoio do exército.
Em
11 de novembro, Freire Gomes e Baptista Júnior assinaram junto com Almir Ganier
— o comandante da Marinha que foi indiciado pela PF — uma nota pública em que
criticam o Judiciário e defendem os acampamentos golpistas.
No
documento, os movimentos golpistas em frente aos quartéis são chamados de
“manifestações populares”. Em 29 de dezembro, quase dois meses depois e três
dias antes da posse de Lula, o general Gustavo Henrique Dutra, que estava à
frente do Comando Militar do Planalto, determinou o fim do acampamento no
quartel de Brasília.
O
objetivo era evitar o confronto entre os bolsonaristas e os eleitores de Lula,
que começavam a chegar à cidade para a posse do presidente eleito. A PM-DF
iniciou então uma operação para desmontar os acampamentos, mas foi recebida com
pedras e paus pelos golpistas.
E o
que fez o nosso “salvador” Freire Gomes diante disso? Ligou na mesma hora para
o general para repreendê-lo. Furioso ao telefone, o comandante do exército
chamou seu colega de “irresponsável” e “inconsequente”.
Depois
de ser derrotado na eleição, Bolsonaro reuniu chefes militares 14 vezes. Freire
Gomes foi o mais assíduo: esteve no Alvorada 12 vezes. Segundo a PF, Freire
Gomes recebeu de Bolsonaro duas versões da minuta do golpe e ouviu que o plano
golpista previa uma intervenção no TSE e prisão de adversários políticos. Foi
aí que Freire Gomes decidiu desembarcar do barco golpista.
Sem
apoio internacional, especialmente dos EUA, parecia claro que o golpe não se
sustentaria por muito tempo e estaria fadado ao fracasso. Freire Gomes teve
mais juízo e amor próprio do que respeito pela democracia.
O
ex-comandante está muito longe de ser um valoroso democrata e mais perto de ser
um “cagão”, como apontou o general Braga Netto. Nenhum militar vira legalista
da noite pro dia.
O
fato é que, apesar de não ser um golpista dos mais entusiasmados, Freire Gomes
navegou com eles até o último minuto e teve papel central na manutenção dos
acampamentos golpistas.
Como
se sabe, o episódio de 8 de janeiro foi gestado no acampamento golpista de
Brasília, que só permaneceu tanto tempo ali graças à intervenção direta do
ex-comandante. É possível dizer, sem medo de errar, que o 8 de janeiro não
seria possível sem a contribuição de Freire Gomes.
Esses
comandantes participaram de reuniões golpistas, defenderam acampamentos
golpistas, tiveram conhecimento do plano para matar presidente, vice-presidente
e ministro do Supremo e prevaricaram.
Eles
tinham conhecimento que tanto o presidente quanto seus subordinados estavam
envolvidos até o osso com um golpe de estado e nada fizeram de concreto até
perceberem que poderiam acabar na cadeia.
As
Forças Armadas são historicamente comprometidas com o golpismo. A anistia aos
criminosos do regime militar permitiu que as Forças Armadas continuassem
perpetuando a ideologia reacionária e golpista entre as suas fileiras. Nas
escolas do exército, por exemplo, trabalhos de monografia defendem golpes
militares e tratam a instituição como um poder moderador. A celebração da data
do Golpe de 64 era um evento oficial nos quartéis todos os anos até meados dos
anos 2000 e foi retomada em 2019 por ordem do líder da quadrilha golpista Jair
Bolsonaro.
Freire
Gomes e Baptista também celebraram a data. Eles ainda chamam o golpe de 64 de
“revolução”. Não é possível que um militar chegue ao Alto Comando se opondo à
essa lógica e estrutura golpista. É uma instituição irremediavelmente
comprometida com o golpismo e esse é um problema urgente que a democracia
brasileira precisa resolver para não voltar a ser assombrada.
Diante
de tudo isso, assistir à imprensa se esforçando para inocentar o alto comando
das Forças Armadas causa indignação. O fato de Freire Gomes e Baptista Júnior
terem se colocado contra a execução do golpe pode não responsabilizá-los
criminalmente, mas jamais poderá absolvê-los histórica e politicamente. Eles
ajudaram a levar a democracia até a beira do penhasco e, na hora de empurrá-la,
desistiram.
É
papel do jornalismo deixar claro o caráter golpista impregnado nas Forças
Armadas e o papel do alto comando na sua perpetuação. Mas o que vemos é boa
parte do colunismo mainstream virando porta-voz de milico e manchetes
passa-pano transformando golpista “cagão” em herói da democracia.
• Análise jurídica da
Operação Contragolpe. Por Marcelo Aith
Nos
últimos dias, o Brasil foi surpreendido pela Operação Contragolpe da Polícia
Federal que resultou na prisão de quatro militares do Exército ligados às
Forças Especiais, conhecidas como "kids pretos", além de um policial
federal. Entre os presos estão o general de brigada Mário Fernandes (na
reserva), o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, o major Rodrigo Bezerra
Azevedo, o major Rafael Martins de Oliveira e o policial federal Wladimir Matos
Soares. As prisões foram fundamentadas em uma investigação detalhada que expõe
um plano complexo para a execução de um golpe de Estado no Brasil.
Segundo
o relatório da investigação, os envolvidos planejavam "restabelecer a lei
e a ordem" por meio de ações militares, sob o pretexto de combater uma
suposta ameaça à democracia. O objetivo central do plano era controlar os três
poderes do país e reverter o resultado das eleições presidenciais de 2022.
O
planejamento estratégico dos golpistas incluía a prisão de ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF) e ações contra o presidente eleito Luiz Inácio Lula da
Silva e o vice-presidente Geraldo Alckmin. Mário Fernandes é apontado como um
dos principais articuladores, com o plano denominado "Punhal Verde
Amarelo". Havia também a intenção de criar um "Gabinete de
Crise" para consolidar o golpe, com a participação de altos militares como
Augusto Heleno e Braga Netto.
O
relatório da PF também detalha a utilização de técnicas clandestinas para
monitorar autoridades, como o ministro Alexandre de Moraes, incluindo
tentativas de assassinato. As investigações indicam que militares das Forças
Especiais utilizaram tecnologias de anonimização para dificultar a
identificação dos envolvidos.
Figuras
de alto escalão também aparecem nas investigações. O então presidente Jair
Bolsonaro teria revisado uma minuta de decreto para respaldar o golpe, enquanto
o general Estevam Theophilo participou de reuniões para discutir o apoio
militar necessário. Além disso, agentes da Polícia Federal, como Wladimir Matos
Soares, são acusados de fornecer informações sobre a segurança do presidente
eleito.
A
decisão de decretar a prisão preventiva dos envolvidos foi fundamentada em
fatores críticos destacados pela investigação da Polícia Federal e ratificados
pelo ministro Alexandre de Moraes. Entre as principais razões estão:
gravidade
dos crimes: os investigados são acusados de planejar atos extremamente graves,
como tentativa de golpe de Estado, monitoramento e possível assassinato de
autoridades e prisão de ministros do STF;
periculosidade
dos envolvidos: os investigados são descritos como integrantes de uma
organização criminosa com capacidade operacional significativa para executar
atos de violência e subversão da ordem democrática;
risco
de continuidade das atividades criminosas: a manutenção da liberdade dos
investigados representava um risco concreto de continuidade do plano golpista;
obstrução
da justiça: havia a possibilidade de destruição de provas e intimidação de
testemunhas, justificando a prisão para assegurar a instrução criminal;
planejamento
e coordenação militar: o nível elevado de planejamento e coordenação, com
técnicas militares e clandestinas, reforçava a necessidade da prisão preventiva
para interromper a atuação criminosa.
Essas
motivações foram consideradas suficientes pelo ministro Alexandre de Moraes
para justificar a medida extrema da prisão preventiva, com o objetivo de
proteger a ordem pública e garantir a eficácia da investigação criminal em
curso. Está correta a decisão de Moraes?
A
decretação da prisão preventiva requer o cumprimento de requisitos legais
específicos estabelecidos pelo Código de Processo Penal. No caso envolvendo a
tentativa de golpe de Estado, a decisão pela custódia cautelar foi fundamentada
em fatores que atendem a esses requisitos. São requisitos legais para prisão
preventiva, em síntese:
prova
da materialidade e indícios suficientes de autoria: para que a prisão
preventiva seja decretada, é necessário que existam provas da materialidade do
crime e indícios suficientes de autoria. No caso em questão, a investigação
apresentou evidências robustas de um plano detalhado para desestabilizar o
governo e subverter o estado democrático de direito;
garantia
da ordem pública: a prisão preventiva pode ser justificada pela necessidade de
garantir a ordem pública. No caso, a periculosidade dos investigados e a
gravidade das ações planejadas, como o monitoramento e possível assassinato de
autoridades, foram considerados ameaças significativas à ordem pública;
conveniência
da instrução criminal: outro requisito é a conveniência da instrução criminal,
que visa evitar a destruição de provas ou a intimidação de testemunhas. A
decisão destacou o risco concreto de obstrução da justiça, caso os investigados
permanecessem em liberdade, justificando a prisão preventiva para assegurar a
coleta eficaz de provas e;
assegurar
a aplicação da Lei Penal: a prisão preventiva pode ser decretada para assegurar
que a lei penal seja efetivamente aplicada, especialmente quando há risco de
fuga dos investigados. Dado o alto perfil dos envolvidos e a complexidade do
plano, a possibilidade de evasão foi considerada um risco real.
A
exaustiva investigação da Polícia Federal demonstra que o Brasil esteve à beira
de um golpe de Estado. Circunstâncias extraordinárias evitaram a execução do
plano e asseguraram a manutenção da democracia. Esse episódio reforça a
necessidade de constante vigilância para preservar o estado democrático de
direito.
Ditadura
militar nunca mais. Viva a democracia!
Fonte:
Correio da Cidadania/The Intercept
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