quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Brasil busca expandir uso de fitoterápicos como opção terapêutica no SUS

As plantas medicinais e os fitoterápicos integram a agenda do Ministério da Saúde há quase 20 anos, mas o Brasil ainda não teve avanços significativos para aumentar a produção e o desenvolvimento do setor. Em 2024, no entanto, o Ministério demonstrou interesse em mudar esse cenário. No final de setembro, foi anunciado um investimento de R$30 milhões para ampliar o acesso a tratamentos com plantas medicinais e fitoterápicos no Sistema Único de Saúde (SUS). O total investido no ano em ações com fitoterápicos, de R$44 milhões, é cinco vezes maior que o destinado em 2023, quando o governo aplicou cerca de R$8,5 milhões.

A meta é alcançar 1.841 municípios até o fim deste ano e expandir a iniciativa para todas as cidades brasileiras até 2027. Em 2024, ainda, foram habilitadas seis novas secretarias de saúde, focadas exclusivamente no modelo de Farmácia Viva, para manipular e ofertar fitoterápicos. O montante liberado em setembro será direcionado aos municípios engajados na promoção do uso desses medicamentos para financiar iniciativas locais que promovam o plantio de plantas medicinais, a aquisição e manipulação de fitoterápicos, a capacitação de profissionais e para apoiar projetos de pesquisa e parcerias com instituições de ensino.

Em maio, o Ministério também retomou o Comitê Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (CNPMF) que estava extinto desde 2019. A iniciativa tem o objetivo de fazer o monitoramento e avaliar a implementação da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Criada em 2006, ela tem como objetivo garantir o acesso seguro e racional desses medicamentos ao SUS, com foco na atenção primária à saúde (APS). Além disso, busca promover e reconhecer as práticas populares e tradicionais, incluir a agricultura familiar nos arranjos produtivos e desenvolver instrumentos de fomento à pesquisa, tecnologias e inovações.

Segundo a pesquisadora do Departamento de Produtos Naturais do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos) da Fiocruz, Maria Behrens, a ampliação do uso de fitoterápicos na rede pública traz muitos benefícios para a saúde e deve ser incentivada. “Esperávamos que a fitoterapia estivesse mais avançada, mas temos visto um aumento no interesse. É um recurso terapêutico de extrema importância que visa restaurar a saúde e pode ser usado como um complemento ao tratamento com medicamento sintético. A planta medicinal é praticamente uma farmácia disponível ali na sua mão, por isso precisamos crescer nessa área”, afirma.

No final de novembro a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), anunciou a abertura de três consultas públicas para fazer uma revisão do marco regulatório de fitoterápicos. O objetivo é substituir a norma atual sobre registro e notificação desses medicamentos para modernizar a produção e o controle de qualidade no setor. Conforme a Anvisa, as propostas tratam do registro simplificado, das proibições e restrições e da lista de resíduos de agrotóxicos a serem avaliados em espécies vegetais cultivadas no Brasil, empregadas na fabricação de fitoterápicos. O período de envio de contribuições é de 6 de dezembro de 2024 a 5 de março de 2025.

Espera-se que a revisão de aspectos regulatórios relacionados à produção e ao controle da qualidade de fitoterápicos industrializados resulte em convergência e aproximação com os requisitos regulatórios internacionais, promovendo um maior acesso interno a produtos com qualidade, segurança e eficácia, e, ao mesmo tempo, tornando os fitoterápicos fabricados no país mais competitivos internacionalmente”, explicou a agência em nota.

<><> Biodiversidade brasileira não se reflete no mercado

O mercado global de plantas medicinais e fitoterapia deve dobrar de tamanho até 2032. Conforme levantamento da Fortune Business Insights, em 2023, o setor foi avaliado em US$216 bilhões e tem projeção de alcançar até US$437 bilhões. O Brasil possui a maior biodiversidade do mundo, com mais de 46 mil espécies vegetais conhecidas, destas cerca de 10 mil possuem propriedades medicinais. No entanto, dados do Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico de 2023 revelam que os fitoterápicos são a categoria com o menor número de produtos autorizados para comercialização no país. Com um total de 149 medicamentos, a área representa apenas 0,6% do faturamento do mercado farmacêutico brasileiro.

Além disso, somente 12 medicamentos fitoterápicos estão incluídos na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) para serem ofertados pelo SUS. Desses, apenas três são originários da flora brasileira: aroeira, com propriedades anti-inflamatórias e antimicrobianas; espinheira-santa, utilizada no tratamento de problemas gástricos, como úlceras e gastrite; e guaco, empregado no tratamento de doenças respiratórias.

Conforme o farmacêutico Nilton Luz, representante do Conselho Federal de Farmácia (CFF) no CNPMF, o Brasil ainda caminha a passos muito lentos na utilização de seu potencial para desenvolver novos produtos de fitoterapia. “Nós vemos um crescimento na área de pesquisa e desenvolvimento tecnológico no Brasil, mas muito voltado a plantas estrangeiras. Se você for a uma drogaria hoje e buscar o arsenal de fitoterápicos disponível para a venda, você vai se deparar com um grande número de espécies estrangeiras. Brasileiras, temos muito pouca coisa”, relata.

Em 2009, o Ministério lançou a Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao Sistema Único de Saúde (ReniSUS) para estimular pesquisas e estudos. Atualmente a lista conta com 71 plantas com potencial medicamentoso que já são utilizadas popularmente e em programas municipais de saúde, mas que ainda não possuem comprovação científica para uso terapêutico.

Segundo Behrens, apesar de o Brasil ser o país que mais publica estudos sobre fitoterapia, a maioria deles não avança para as etapas finais. “Temos muitas pesquisas iniciais, mas para avançar é preciso fazer ensaios pré-clínicos, além de ter boas práticas de laboratório que demandam muito dinheiro. O próprio ensaio clínico é a etapa mais cara do processo. Então muitos pesquisadores, por falta de recursos, não levam os estudos adiante”, explica a pesquisadora.

Outro entrave da ciência sobre fitoterapia se refere à qualidade da matéria prima. Para garantir a reprodutibilidade do fitoterápico, são necessários processos específicos de cultivo das plantas e manutenção de ambientes adequados a fim de evitar contaminações. De acordo com Luz, muitas vezes, as pesquisas precisam que sejam criadas novas tecnologias para colheita ou manejo de plantas. “A evidência científica exige que o medicamento sempre tenha a mesma resposta. Com plantas isso pode ser variável, pois são muitos fatores envolvidos, então é interessante buscar associar cada vez mais essas pesquisas com a indústria farmacêutica que pode contribuir com as soluções tecnológicas”, destaca o farmacêutico.

<><> Benefícios para indústria e sustentabilidade

A ampliação do mercado da fitoterapia também pode trazer benefícios para outros setores econômicos além da indústria farmacêutica. Por exemplo, o uso de plantas medicinais tem se tornado cada vez mais comum na cosmetologia, com aplicações que variam desde óleos essenciais até o desenvolvimento de produtos como maquiagens, cremes e shampoos naturais. Outro setor impactado é o agrícola, pois o aumento da demanda pelas plantas impulsiona a agricultura familiar e arranjos produtivos locais.

A produção de fitoterápicos também pode gerar impactos positivos no meio ambiente. O cultivo de plantas medicinais favorece processos de restauração ambiental com a diminuição do uso de agrotóxicos e também encoraja a preservação das espécies e dos biomas. Nesse sentido, Behrens acredita que a fitoterapia se encaixa nas diretrizes do Complexo Econômico Industrial da Saúde, pois pode ampliar a cadeia produtiva nacional e a prestação de serviços e, por isso, deve ser mais reconhecida. “Precisamos de mais apoio ao desenvolvimento da nossa biodiversidade. As plantas passam por todos os estágios do complexo produtivo, elas são matéria-prima, insumo e produto, congregando diversos atores. Comércio, saúde e qualidade de vida são desencadeados pela planta medicinal”, completa.

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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