Brasil
busca expandir uso de fitoterápicos como opção terapêutica no SUS
As
plantas medicinais e os fitoterápicos integram a agenda do Ministério da Saúde
há quase 20 anos, mas o Brasil ainda não teve avanços significativos para
aumentar a produção e o desenvolvimento do setor. Em 2024, no entanto, o
Ministério demonstrou interesse em mudar esse cenário. No final de setembro,
foi anunciado um investimento de R$30 milhões para ampliar o acesso a
tratamentos com plantas medicinais e fitoterápicos no Sistema Único de Saúde
(SUS). O total investido no ano em ações com fitoterápicos, de R$44 milhões, é
cinco vezes maior que o destinado em 2023, quando o governo aplicou cerca de
R$8,5 milhões.
A
meta é alcançar 1.841 municípios até o fim deste ano e expandir a iniciativa
para todas as cidades brasileiras até 2027. Em 2024, ainda, foram habilitadas
seis novas secretarias de saúde, focadas exclusivamente no modelo de Farmácia
Viva, para manipular e ofertar fitoterápicos. O montante liberado em setembro
será direcionado aos municípios engajados na promoção do uso desses
medicamentos para financiar iniciativas locais que promovam o plantio de
plantas medicinais, a aquisição e manipulação de fitoterápicos, a capacitação
de profissionais e para apoiar projetos de pesquisa e parcerias com
instituições de ensino.
Em
maio, o Ministério também retomou o Comitê Nacional de Plantas Medicinais e
Fitoterápicos (CNPMF) que estava extinto desde 2019. A iniciativa tem o
objetivo de fazer o monitoramento e avaliar a implementação da Política
Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Criada em 2006, ela tem como
objetivo garantir o acesso seguro e racional desses medicamentos ao SUS, com
foco na atenção primária à saúde (APS). Além disso, busca promover e reconhecer
as práticas populares e tradicionais, incluir a agricultura familiar nos
arranjos produtivos e desenvolver instrumentos de fomento à pesquisa,
tecnologias e inovações.
Segundo
a pesquisadora do Departamento de Produtos Naturais do Instituto de Tecnologia
em Fármacos (Farmanguinhos) da Fiocruz, Maria Behrens, a ampliação do uso de
fitoterápicos na rede pública traz muitos benefícios para a saúde e deve ser
incentivada. “Esperávamos que a fitoterapia estivesse mais avançada, mas temos
visto um aumento no interesse. É um recurso terapêutico de extrema importância
que visa restaurar a saúde e pode ser usado como um complemento ao tratamento
com medicamento sintético. A planta medicinal é praticamente uma farmácia
disponível ali na sua mão, por isso precisamos crescer nessa área”, afirma.
No
final de novembro a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), anunciou
a abertura de três consultas públicas para fazer uma revisão do marco
regulatório de fitoterápicos. O objetivo é substituir a norma atual sobre
registro e notificação desses medicamentos para modernizar a produção e o
controle de qualidade no setor. Conforme a Anvisa, as propostas tratam do
registro simplificado, das proibições e restrições e da lista de resíduos de
agrotóxicos a serem avaliados em espécies vegetais cultivadas no Brasil,
empregadas na fabricação de fitoterápicos. O período de envio de contribuições
é de 6 de dezembro de 2024 a 5 de março de 2025.
“Espera-se que a revisão de aspectos regulatórios relacionados à
produção e ao controle da qualidade de fitoterápicos industrializados resulte
em convergência e aproximação com os requisitos regulatórios internacionais,
promovendo um maior acesso interno a produtos com qualidade, segurança e
eficácia, e, ao mesmo tempo, tornando os fitoterápicos fabricados no país mais
competitivos internacionalmente”, explicou a agência em nota.
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Biodiversidade brasileira não se reflete no mercado
O
mercado global de plantas medicinais e fitoterapia deve dobrar de tamanho até
2032. Conforme levantamento da Fortune Business Insights, em 2023, o setor foi
avaliado em US$216 bilhões e tem projeção de alcançar até US$437 bilhões. O
Brasil possui a maior biodiversidade do mundo, com mais de 46 mil espécies
vegetais conhecidas, destas cerca de 10 mil possuem propriedades medicinais. No
entanto, dados do Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico de 2023 revelam
que os fitoterápicos são a categoria com o menor número de produtos autorizados
para comercialização no país. Com um total de 149 medicamentos, a área
representa apenas 0,6% do faturamento do mercado farmacêutico brasileiro.
Além
disso, somente 12 medicamentos fitoterápicos estão incluídos na Relação
Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) para serem ofertados pelo SUS.
Desses, apenas três são originários da flora brasileira: aroeira, com
propriedades anti-inflamatórias e antimicrobianas; espinheira-santa, utilizada
no tratamento de problemas gástricos, como úlceras e gastrite; e guaco,
empregado no tratamento de doenças respiratórias.
Conforme
o farmacêutico Nilton Luz, representante do Conselho Federal de Farmácia (CFF)
no CNPMF, o Brasil ainda caminha a passos muito lentos na utilização de seu
potencial para desenvolver novos produtos de fitoterapia. “Nós vemos um
crescimento na área de pesquisa e desenvolvimento tecnológico no Brasil, mas
muito voltado a plantas estrangeiras. Se você for a uma drogaria hoje e buscar
o arsenal de fitoterápicos disponível para a venda, você vai se deparar com um
grande número de espécies estrangeiras. Brasileiras, temos muito pouca coisa”,
relata.
Em
2009, o Ministério lançou a Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse
ao Sistema Único de Saúde (ReniSUS) para estimular pesquisas e estudos.
Atualmente a lista conta com 71 plantas com potencial medicamentoso que já são
utilizadas popularmente e em programas municipais de saúde, mas que ainda não
possuem comprovação científica para uso terapêutico.
Segundo
Behrens, apesar de o Brasil ser o país que mais publica estudos sobre
fitoterapia, a maioria deles não avança para as etapas finais. “Temos muitas
pesquisas iniciais, mas para avançar é preciso fazer ensaios pré-clínicos, além
de ter boas práticas de laboratório que demandam muito dinheiro. O próprio
ensaio clínico é a etapa mais cara do processo. Então muitos pesquisadores, por
falta de recursos, não levam os estudos adiante”, explica a pesquisadora.
Outro
entrave da ciência sobre fitoterapia se refere à qualidade da matéria prima.
Para garantir a reprodutibilidade do fitoterápico, são necessários processos
específicos de cultivo das plantas e manutenção de ambientes adequados a fim de
evitar contaminações. De acordo com Luz, muitas vezes, as pesquisas precisam
que sejam criadas novas tecnologias para colheita ou manejo de plantas. “A
evidência científica exige que o medicamento sempre tenha a mesma resposta. Com
plantas isso pode ser variável, pois são muitos fatores envolvidos, então é
interessante buscar associar cada vez mais essas pesquisas com a indústria
farmacêutica que pode contribuir com as soluções tecnológicas”, destaca o
farmacêutico.
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Benefícios para indústria e sustentabilidade
A
ampliação do mercado da fitoterapia também pode trazer benefícios para outros
setores econômicos além da indústria farmacêutica. Por exemplo, o uso de
plantas medicinais tem se tornado cada vez mais comum na cosmetologia, com
aplicações que variam desde óleos essenciais até o desenvolvimento de produtos
como maquiagens, cremes e shampoos naturais. Outro setor impactado é o
agrícola, pois o aumento da demanda pelas plantas impulsiona a agricultura
familiar e arranjos produtivos locais.
A
produção de fitoterápicos também pode gerar impactos positivos no meio
ambiente. O cultivo de plantas medicinais favorece processos de restauração
ambiental com a diminuição do uso de agrotóxicos e também encoraja a
preservação das espécies e dos biomas. Nesse sentido, Behrens acredita que a
fitoterapia se encaixa nas diretrizes do Complexo Econômico Industrial da
Saúde, pois pode ampliar a cadeia produtiva nacional e a prestação de serviços
e, por isso, deve ser mais reconhecida. “Precisamos de mais apoio ao
desenvolvimento da nossa biodiversidade. As plantas passam por todos os
estágios do complexo produtivo, elas são matéria-prima, insumo e produto,
congregando diversos atores. Comércio, saúde e qualidade de vida são
desencadeados pela planta medicinal”, completa.
Fonte:
Futuro da Saúde
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