Paulo
Capel Narvai: Não é a economia, estúpido
Nessa
“festa da faca” de cortar e cortar sempre mais, e mais fundo, não bastaria algo
como uns R$ 100 bilhões ou R$ 150 bilhões. Não bastaria, pois ao mercado nunca
basta
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“É
a economia, estúpido!”, a frase celebrizada nas eleições de 1992, que levou
Bill Clinton à presidência dos Estados Unidos, é frequentemente
descontextualizada e manipulada por analistas políticos, conforme o interesse
de quem debate as relações entre economia e política. A economia está sempre
subordinada à política, mas negacionistas de todos os matizes fingem ignorar
isso para atribuir à economia um protagonismo pseudopragmático, fundado na
lógica acaciana de que as despesas devem ser menores do que as receitas.
A
frase “É a economia, estúpido” voltou a frequentar o debate político na última
semana de novembro de 2024, quando o ministro da Fazenda Fernando Haddad anunciou um conjunto de medidas para enfrentar o déficit
das contas públicas e cumprir as regras do regime fiscal instituído pela Lei Complementar nº 200/2023,
conhecida como arcabouço fiscal.
As
medidas anunciadas pelo governo federal agora tramitarão no Congresso Nacional,
onde devem ser aprovadas até o final do ano, provavelmente com muitas mudanças.
Em
reunião na Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em São Paulo, o
ministro Fernando Haddad respondeu às críticas, que vieram de todo o espectro
político, sobre as medidas, já indicando o grau de dificuldades e também o tom
que o debate terá no Congresso Nacional. Não é o “gran finale” do esforço do
governo para o ajuste das contas públicas, disse Haddad, assegurando que não se
quer “vender fantasia” e que se as medidas anunciadas necessitarem de revisão
“vamos voltar para a mesa de discussão”, pois “a caixa de ferramentas é
infinita”.
A
finalidade do conjunto de medidas, que implica um corte no orçamento da União
da ordem de R$ 70 bilhões em dois anos, é cumprir as regras do arcabouço
fiscal. Serão cortados, segundo Fernando Haddad, R$ 30 bilhões em 2025 e R$ 40
bilhões em 2026. O conjunto implica mudanças no financiamento de políticas
públicas e nas despesas do governo federal, incluindo transferências para
Estados e Municípios, que se referem ao imposto de renda, salário mínimo, abono
salarial, previdência dos militares, supersalários, programas Bolsa Família,
Vale Gás, Pé-de-Meia, Proagro, Benefício de Prestação Continuada (BPC), emendas
parlamentares, isenções fiscais, salários de servidores públicos, concursos
públicos, programas Vale Gás e Pé-de-Meia, fundos constitucionais como o Fundeb
e o Fundo Constitucional do Distrito Federal, Lei Aldir Blanc, Desvinculação de
Receitas da União (DRU), a criação de despesa e o dever de execução (para
informações detalhadas sobre cada item, clique aqui).
As
palavras utilizadas na mídia corporativa e nas redes sociais para se referir ao
conjunto de medidas, dão a medida do uso ideológico que se faz das palavras.
Para a Agência Brasil, InfoMoney e O Globo, o governo anunciou
um “pacote fiscal”. O Estadão enfatizou
que se trata de um “pacote fiscal do governo”. A Veja viu
o conjunto como um “pacote fiscal de Haddad”. Para CartaCapital o conjunto corresponde a um “plano de ajuste fiscal”.
O UOL e
a Forbes se
referiram a “ajuste”, mas disseram que se trata de um “pacote fiscal”.
Seja
como for, “pacote fiscal” ou “plano de ajustes”, o anúncio do Executivo federal
trouxe certo alívio para setores vinculados aos sistemas públicos de educação e
saúde, que estavam temerosos com o possível fim dos pisos constitucionais
nessas áreas, o que poderia agravar ainda mais o conhecido padrão de
subfinanciamento que persistem há décadas. Temia-se também que parte dos R$ 70
bilhões comprometesse o orçamento da Seguridade Social, afetando aposentadorias
e pensões. Embora essas áreas tenham sido por enquanto preservadas, seguem as
preocupações sobre o rumo que o plano de ajustes terá no Congresso Nacional.
“Esse jogo foi ganho no primeiro tempo”, ouvi de um militante da área da saúde,
que completou: “O problema agora é ver se conseguimos impedir a virada do
placar no segundo tempo”, referindo-se ao Congresso Nacional, sob hegemonia
neoliberal.
Em
artigo (“Saúde: rumos da transição”) no
site A Terra é Redonda escrevi, ainda antes da posse de Lula na
presidência da República, que “este não será um governo ultraliberal, mas será
um governo neoliberal” e que, em minha constatação, não havia nenhuma novidade
e nem se tratava de uma “acusação a Lula ou algo assim”, pois o governo que se
estava organizando à época e que buscava sua viabilidade política, havia
começado “bem antes das eleições de outubro, lá atrás, quando se firmou a
aliança política que resultaria na frente ‘Juntos Pelo Brasil’.
Ali
se decidiu, tacitamente, que o governo não seria ultraliberal, mas neoliberal,
pois esta era uma exigência derivada da viabilidade política daquela aliança, e
condição reconhecida pelas organizações partidárias que a constituíram, de que
o programa da Frente, necessário para a derrota político-eleitoral da
extrema-direita, aninhada no governo de Bolsonaro, não poderia ir além do
neoliberalismo. Enfatizei que “o programa socialista, sonhado por setores do PT
e por aliados como o PSOL e outros, ficaria para outra conjuntura política, em
outro período histórico”. Agora, não seria possível.
Ponderei
que “a aliança costurada por Lula, Alckmin e lideranças políticas próximas a
ambos foi celebrada amplamente” e que o “resultado eleitoral revelou o acerto
da decisão do início do ano” e que, dali em diante, seria “preciso governar com
todos que ‘estão no barco’.” Concluí reiterando: “ultraliberal não, neoliberal.
O problema para Lula será manter essa vírgula exatamente na posição em que se
encontra, pois não lhe faltarão pressões para alterar a frase para
‘ultraliberal, não neoliberal’, conforme recados que ‘o mercado’ não cessa de
lhe enviar. A ver o que a história nos dirá da posição da vírgula, embora até
as pedras saibam que a vida não é gramática, mas, frequentemente, dramática”.
Agora,
com o “pacote fiscal”, o mercado tomou dramaticamente a ofensiva. Não lhe basta
que seja neoliberal. O mercado quer o governo ultraliberal.
Lula
cederá? O que fazer?
“É
a economia, estúpido!” – dirão alguns leitores.
Ouso
responder que não, que não é a economia, mas a política.
Vejamos:
as primeiras conversas sobre o “ajuste” falavam em acabar com os pisos
constitucionais da educação e saúde. Nada de tocar na tabela do imposto de
renda, previdência dos militares, supersalários, emendas parlamentares,
isenções fiscais, dentre outros itens. A “economia” seria da ordem de uns R$ 25
a 30 bilhões.
Para
“acalmar o mercado”, o próprio governo passou a falar em algo em torno de “uns
R$ 40 bilhões”.
Mas
o “mercado” seguiu “nervoso” e “aumentou a altura do sarrafo” para R$ 50
bilhões.
O
governo reagiu e ampliou o elenco de itens a serem contemplados no plano de
ajustes. Para compensar, incluiu a tabela do imposto de renda (com a isenção
para rendas inferiores a R$ 5 mil, uma promessa de campanha de Lula) e, para
atender às pressões de movimentos sociais e que vinham também da própria
Esplanada dos Ministérios, blindou os pisos constitucionais de saúde e educação
e a previdência social. Muitas vezes se ouviu ecoar a voz de Lula de que
“despesas com saúde e educação pública não são gastos, mas investimentos”.
Enfim, propôs o corte que chegou à cifra de R$ 70 bilhões.
Mas
nem bem o anúncio ganhou o noticiário, a mídia corporativa já repercutiu a
“insatisfação do mercado”, dando voz e protagonismo a “especialistas”, em geral
porta-vozes de fundos de investimentos, ou “professores de economia” daqui e
dali. De modo praticamente unânime, todos pedem cortes nos fundos que financiam
a educação pública, o SUS e a previdência.
“O
mercado é um animal voraz”, diria, com razão, Delfim Netto, o insuspeito
superministro da ditadura civil-militar. Mas o mercado, que sempre quer mais,
não está na cena política apenas por razões econômicas. Está também, por razões
políticas e ideológicas.
Não
é a economia, estúpido, sou tentado a dizer.
É a
política, pois o que está em disputa também nesse episódio é o rumo que o
Estado brasileiro deve tomar, e sobretudo nessas áreas que remetem ao sistema
de seguridade social previsto na Constituição de 1988 e na área de educação. É,
portanto, o tipo de Estado que a Constituição Federal de 1988 delineou que
segue sendo atacado ainda agora – como, aliás, vem ocorrendo desde que Ulysses
Guimarães anunciou a “Constituição Cidadã”, em outubro de 1988. Desde então “o
mercado” anuncia, diariamente, insistentemente, que aquele conjunto de direitos
nas áreas de previdência pública, assistência social, saúde e educação “não
cabe no orçamento”.
Mas
não parece haver qualquer problema no Orçamento da União, para o pagamento pelo
governo, das despesas, incluindo juros estratosféricos, da dívida pública.
Bancos e fundos de investimentos – ou seja, os que vivem de rendas do capital,
mas não produzem um litro de leite – nunca reclamam, pois o “seu quinhão” está,
sempre, garantido.
Para
o “mercado”, porém, não se trata apenas de “economia”, de garantir o “seu
quinhão”. É também, e sobretudo, político e ideológico.
O
mercado quer que “tudo isso”, nas áreas de previdência pública, assistência
social, saúde e educação, que “não cabe no orçamento”, seja transformado em
mercadoria a ser comercializada pelo mercado.
O
mercado não quer um Estado para assegurar o exercício dos direitos à educação,
à saúde, à seguridade social, mas um Estado que defina as “regras do jogo” para
a livre comercialização dos “produtos” saúde, educação e previdência privada. O
mercado finge não entender de direitos, mas apenas de “produtos”.
Por
isso, o mercado que cortar, estrangular, desfinanciar, deixar à míngua, todas
as políticas públicas nessas áreas.
É
disso que se trata. Esta é, para o mercado, uma “frente de lutas” de
importância crucial. Mais importante até mesmo do que se o governo de Lula lhes
oferecesse nessa “festa da faca” de cortar, e cortar e cortar sempre mais e
mais fundo, algo como uns R$ 100 bilhões ou R$ 150 bilhões. Não bastaria, pois
nunca basta.
Não
é a economia, estúpido, é o tipo de Estado.
Ninguém
se iluda. É essa batalha, sobre o tipo de Estado e o destino das seções que
tratam dos direitos de cidadania, a batalha que se travará no Congresso
Nacional até o final de dezembro.
¨
Gleisi Hoffmann sobre
alta do dólar: elite é egoísta e não se importa em prejudicar o Brasil para
tentar atingir Lula
Neste
sábado (30). a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, criticou o que
chamou de “resistência das elites brasileiras” às medidas de ajuste fiscal
anunciadas pelo governo Lula.
Em
referência à reação do mercado com a alta do dólar que chegou a uma contração
de R$ 6.
“Impressionante
a resistência das elites brasileiras em apoiar a desoneração de IR [Imposto de
Renda] de quem ganha até R$ 5 mil", destacou a deputada.
"Dizem
que o mercado está chiando e aumentando o dólar por isso. Mentira, mercado
chiaria de qualquer jeito, sobre qualquer programa, plano que apresentássemos,
a menos que o plano fosse o deles, corte total em cima de programas sociais e
dos mais pobres. Mas aí não faria sentido nosso governo”, acrescentou.
Para
a parlamentar, “essa gente é tão egoísta que não se importa em prejudicar o
Brasil para tentar atingir politicamente o governo de Lula”.
¨
Correia: 'centrão e
bolsonaristas têm urgência para cortar dos mais pobres'
O
deputado federal Rogério Correia (PT-MG) afirmou que o Centrão está se
mobilizando contra a população mais pobre. "Para cortar dos pobres o
centrão e bolsonaristas tem urgência, mas quando se fala em fazer justiça no
Imposto de Renda, a direita se une e vai defender milionários. Proposta de Lula
é isentar de IR quem ganha até 5 mil reais e cobrar dos muito ricos que nada
pagam de dividendos", escreveu .
De
acordo com o governo, o pacote fiscal anunciado esta semana vai gerar uma
economia de R$ 72 bilhões em 2025 e 2026, e de até R$ 327 bilhões em cinco
anos. O projeto alcança pelo menos 6 pontos - salário mínimo, aposentadoria de
militares, Benefício de Prestação Continuada (BPC), Abono salarial, Bolsa
Família, supersalários de servidores e emendas parlamentares.
No
caso do salário mínimo, o reajuste acontece pela soma de 2 índices - o Índice
Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) em 12 meses até novembro, como prevê a
Constituição, o valor está estimado em 4,66% pelo governo. O outro é o índice
de aumento real do Produto Interno Bruto (PIB) dos dois anos anteriores. No
caso de 2025, vale o PIB de 2023 , que aumentou 2,9%.
Conforme
o pacote fiscal, o salário mínimo passaria a ter um aumento real, acima da
inflação, com base no PIB de dois anos. Esse aumento com base no PIB fica
limitado a 2,5% ao ano.
As
mudanças na aposentadoria dos militares terão impacto de R$ 2 bilhões ao ano.
familiares perdem o direito à pensão de militares expulsos. Será fixada em 3,5%
da remuneração a contribuição dos militares para o Fundo de Saúde até janeiro
de 2026. Atualmente, os membros do Exército contribuem com 3,5% do soldo. Os da
Aeronáutica e da Marinha pagam um valor menor, mas agora ficarão padronizados.
O
pacote cria progressivamente uma idade mínima para a transferência para a
reserva remunerada (aposentadoria). Os militares se aposentam com base no tempo
de serviço, que estabelece como período mínimo 35 anos de atuação. Ao contrário
de outros servidores públicos, os militares não têm idade mínima para se
aposentar e, por consequência, militares podem ir para a reserva muito cedo.
O
projeto extingue a transferência de pensão militar. Após a morte de militares,
a pensão pode ser transferida para parentes mais afastados. O governo quer a
transferência limitada apenas para cônjuges e dependentes menores de idade. O
pacote prevê o fim da "morte ficta". Atualmente, militares condenados
e excluídos das Forças Armadas são declarados mortos (mesmo estando vivos) e
seus familiares passam a receber uma pensão integral. A proposta prevê que a
família do militar receba apenas o auxílio-reclusão, que todo familiar de preso
com contribuição para a previdência tem direito.
Pelo
projeto fiscal, o Abono Salarial vai ser pago apenas a quem recebe até R$
2.640. O governo quer diminuir o número de pessoas que têm direito ao abono
salarial. Pelas normas atuais, os trabalhadores que recebem, em média, até dois
salários mínimos mensais (R$ 2.824, pelo valor atual) têm direito por ano.
O
governo também quer mais rigor nas regras para o Benefício de Prestação
Continuada. Beneficiários do BPC ganham um salário mínimo, atualmente em R$
1.412. A Fazenda estima economia de R$ 12 bilhões com a medida até 2030. A
medida deve atingir 1,2 milhão de pessoas.
Para
ter direito ao BPC, é necessário estar cadastrado no CadÚnico (Cadastro Único
para Programas Sociais do governo federal). Nas regras atuais, o BPC vale para
idosos com idade igual ou superior a 65 anos, ou à pessoa com deficiência de
qualquer idade. Nos dois casos, é preciso comprovar renda para receber o
benefício. A renda deve ser de até um quarto do salário mínimo.
No
caso do Bolsa Família haverá inscrição ou atualização de unipessoais deve ser
feita em domicílio obrigatoriamente. Cadastros desatualizados há 24 meses serão
refeitos. O programa terá biometria obrigatória para inscrição e atualização
cadastral.
A
equipe econômica também quer diminuir o pagamento de valores que extrapolam o
teto do funcionalismo. O valor máximo é de R$ 44.008,52 mensais. Em 2021, a
Câmara dos Deputados aprovou um projeto que regulamenta o fim dos chamados
"supersalários". Segundo o relator do projeto na Câmara, Rubens Bueno
(Cidadania-PR), a proposta pode gerar economia de R$ 3 bilhões a R$ 10 bilhões
aos cofres públicos por ano. O texto retornou ao Senado, onde aguarda
definição.
Pela
proposta do governo, o valor global das emendas parlamentares não poderá subir
mais do que 2,5% acima da inflação (limite do arcabouço fiscal) e 50% das
emendas das comissões passarão a ir obrigatoriamente para a saúde pública.
Fonte:
A Terra é Redonda/Brasil 247
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