Pedro
Mattos: O pacote fiscal
O
pacote de medidas fiscais anunciado por Fernando Haddad tem gerado reações de
diversos setores. Aqueles que vocalizam os interesses das classes dominantes
tem uma opinião bastante uníssona: os cortes são bem-vindos, mas insuficientes;
já a isenção do Imposto de Renda para aqueles que ganham até 5 mil reais é
rejeitada amplamente.
Entre
os setores populares, contudo, há um debate acerca do pacote anunciado. Por um
lado, há aqueles mais alinhados ao governo, que demonstram grande entusiasmo
com a isenção do Imposto de Renda. O tom triunfalista, que oculta as medidas
contrárias aos interesses dos trabalhadores, faz parecer vitória o que foi uma
derrota. Por outro lado, há setores populares que denunciam o conjunto de
medidas simplesmente como um pacote neoliberal. Nessa leitura, a isenção do
Imposto de Renda e outras medidas justas inseridas no pacote seriam mera
maquiagem para “enganar” o povo.
Entre
esses dois polos, um de orientação plenamente subordinada ao governo e outro de
oposicionismo sectário, propomos uma análise com mais nuances.
Em
primeiro lugar, é necessário reconhecer que o anúncio dos cortes é uma derrota
do governo. Tal medida é fruto da pressão dos setores neoliberais, que impôs um
recuo na expansão dos gastos públicos, aspecto que tem determinado o
crescimento econômico, o aumento da renda e a diminuição do desemprego.
Cabe
destacar, contudo, que nesse recuo, o governo não entregou aos setores
neoliberais aquilo que eles mais desejavam: a desvinculação dos gastos sociais.
O BPC segue atrelado ao salário-mínimo, os pisos constitucionais da saúde e da
educação foram mantidos e a valorização real do salário-mínimo foi bastante
restringida, mas não ferida de morte.
Desde
antes do governo Lula 3 afirmávamos que o modelo neoliberal havia sido
aprofundado na ofensiva que logrou retomar a hegemonia política, primeiro por
meio do golpe, e depois pela aliança com o neofascismo. Com isso, os mecanismos
à disposição do governo para moderar o modelo, como feito nos governos petistas
anteriores, seriam menos efetivos.
A
pressão que os setores neoliberais exercem sobre o governo não se restringe à
cena política. A combinação de maior abertura financeira e independência do
Banco Central nos marcos da nossa economia, em que a inflação é altamente
vinculada ao dólar, deu ao mercado um poder ainda maior de pressão econômica.
Pelo mercado de câmbio, favorece a apreciação do dólar e pressiona a inflação;
pelo mercado da dívida pública, pressiona pelo aumento dos juros e colhe os
resultados com um Banco Central capturado pelo setor financeiro e alheio ao
projeto político validado nas urnas.
O
impacto disso é enorme. A maior inflação por si já é ruim para os
trabalhadores. Soma-se a isso, ainda, o alto nível de endividamento e o
comprometimento da renda com o pagamento de juros, que só aumentam. A pressão
sobre o poder de compra do povo é pelos dois lados e isso ajuda a entender por
que, mesmo com diminuição do desemprego e aumento da renda, o governo tem
patinado na aprovação.
Somada
à pressão política e midiática, essa pressão econômica, mais forte na atual
fase do modelo neoliberal do que nos primeiros governos Lula, impôs o recuo por
parte do governo. Soma-se a isso, ainda, o fato de que o próprio governo tem em
seu interior setores neoliberais, dada a tática de frente ampla para o
enfrentamento ao neofascismo. Por isso, além das pressões externas ao governo,
há a pressão interna desses setores neoliberais, que ameaçam se deslocar
novamente para uma aliança com o campo neofascista.
Em
nota recente da Consulta Popular, afirma-se que, se necessário fosse o ajuste
fiscal, que ele não fosse feito nas costas dos trabalhadores. Ou seja,
apontava-se o objetivo de politizar o ajuste fiscal e o conflito distributivo
no seio do orçamento público, de bloquear as medidas que penalizavam os
trabalhadores e priorizar medidas que atingissem os mais ricos. E à sua
maneira, Lula atuou nesse sentido.
Mais
de uma vez afirmou que o mercado e os outros poderes também teriam de dar sua
cota de sacrifício, que não poderia se concentrar apenas em direitos do povo
trabalhador. Essa perspectiva de “distribuir” o custo do ajuste e claramente
apontar que os mais ricos também devem contribuir se expressou no anúncio do
pacote fiscal.
Entre
as medidas do pacote fiscal, são três as que afetam mais diretamente os
trabalhadores: teto para a valorização real do salário-mínimo; redução dos
beneficiados pelo abono salarial; maior controle na oferta de programas
sociais, em especial no BPC para pessoas com deficiência. Outras três justas
medidas se relacionam com o legislativo e a burocracia estatal: restrições
sobre as emendas parlamentares; combate aos supersalários da elite do
funcionalismo público; reforma da previdência dos militares.
O
governo, portanto, recuou, mas não entregou o que era mais estratégico e ainda
conseguiu algum grau de politização do ajuste. E no que tange a esse último
aspecto, o mais importante foi o anúncio da isenção do Imposto de Renda para os
que recebem até 5 mil reais. Essa medida, que a priori não tem o objetivo de
contribuir para a sustentabilidade fiscal, foi anunciada junto do pacote de
cortes de despesas. E o projeto de reforma tributária da renda que contempla
tal medida foi apresentado ao congresso junto dos que incluem os cortes. Essa
movimentação, não visa apenas “enganar” o povo, como acreditam alguns.
Essa
anúncio se insere justamente na politização do conflito distributivo no
orçamento público. Tal medida busca impor a “cota de sacrifício” (como diz o
Lula) dos mais ricos em meio ao ajuste e isso foi amplamente anunciado pelo
governo. Uma vez que os trabalhadores serão os mais penalizados pelos cortes, é
justo que uma contrapartida, às custas dos mais ricos seja implementada. Essa
foi a forma encontrada de inserir os mais ricos no ajuste fiscal.
Assim,
o governo contrabandeou no debate do ajuste fiscal uma medida popular e com
potencial para transformar a arrecadação do governo, que pode inclusive abrir
mais espaço fiscal para futuras políticas. Com isso, desviou o rumo do debate
dos cortes para a isenção e colocou os setores neoliberais numa posição
complexa. Se a medida não for aprovada, representará um ônus para os setores
neoliberais e neofascistas.
Se
for aprovada, aumentará a renda de cerca de 26 milhões de pessoas, que serão
beneficiadas pela isenção. E que além de tudo se concentram numa faixa de renda
(2 a 5 salários-mínimos) que é hoje disputada pelo campo neofascista. Além de
tudo, a redução de impostos é uma bandeira agitada à exaustão pelos setores
neoliberais e neofascistas, obviamente com o objetivo de favorecer os mais
ricos. Como se posicionarão frente à uma redução de impostos localizada nos
setores populares e às custas dos mais ricos?
Em
suma, o pacote anunciado foi um recuo do governo e não uma vitória, como alguns
fazem crer. Mas nesse recuo, o governo evitou entregar aos que o pressionavam o
objetivo estratégico que perseguiam: a desvinculação do BPC em relação ao
salário-mínimo e o fim dos pisos constitucionais da saúde e da educação. Tais
objetivos, que visam o desmonte do caráter social da Constituição de 1988, são
bandeiras históricas do campo neoliberal e mais um passo no aprofundamento do
modelo.
Além
de não entregar as desvinculações, o governo contribuiu para a politização do
tema e posicionou uma armadilha para os setores neoliberais com a proposta de
isenção do Imposto de Renda.
Aqueles
que denunciam o que foi feito como mero pacote neoliberal com uma medida
mirabolante de isenção do Imposto de Renda para enganar o povo não conseguem
ver além das medidas em si. Subestimam os limites dados pelo modelo neoliberal
(cuja superação não é objetivo do governo e mesmo da frente
neodesenvolvimentista) e os limites do próprio governo (baseado na aliança com
setores neoliberais para fazer frente ao neofascismo). Mas principalmente,
parecem subestimar a política.
¨
A progressividade
tributária que Lula quer foi responsável pelo período de prosperidade da classe
média dos EUA. Por Paulo Henrique Arantes
“O
mercado” e a mídia por ele cooptada surtaram com a proposta do governo de
isentar do Imposto de Renda quem recebe salário de até 5 mil reais e taxar, em
percentuais relativamente baixos, quem ganha mais de 50 mil mensais. É
inacreditável a reação dessa gente frente a um projeto tão justo e simples. As
justificativas para a posturas contrárias são aulas de contorcionismo retórico.
Imposto
progressivo é desde sempre bem-vindo em países desiguais. Tecnicamente, é fácil
de implantar - as dificuldades, enormes, são políticas. Thomas Piketty, que
conhece o riscado como ninguém, nos dá bons exemplos históricos de
progressividade tributária no recente “Natureza, Cultura e Desigualdades – Uma
Perspectiva Comparativa e Histórica” (Civilização Brasileira, 2023).
A
partir do fim do Século XIX e início do Século XX, os Estados Unidos começaram
a se preocupar com uma tal desigualdade, revendo o imposto sobre a renda. Um
fenômeno começou a ganhar corpo na década de 1920 e ganhou força com a eleição
de Roosevelt, em 1932. Escreve Piketty: “Entre 1932 e 1980, durante meio
século, a alíquota superior de tributação nos Estados Unidos, em média, seria
de 80%, chegando a 91% no governo de Roosevelt. No entanto, essas alíquotas
dizem respeito tão somente ao imposto federal sobre a renda, ao qual se
acrescentavam os impostos estaduais que, dependendo do caso, chegavam a 5%, 10%
ou 15%”.
Essa
taxação aparentemente enlouquecida destruiu o capitalismo americano, certo?
Errado, absolutamente errado. Causou, isto sim, os 50 anos de maior
prosperidade dos Estados Unidos e de sua maior predominância internacional,
apesar da polarização geopolítica com a União Soviética. Por quê? Explica
Piketty: “Simplesmente porque as diferenças entre rendas de 1 a 50 salários
mínimos, ou de 1 a 100, não servem para grande coisa. Não estou dizendo que
mais vale uma igualdade total; talvez sejam necessárias diferenças de 1 a 5 ou
de 1 a 10. Tendo em vista a base de dados de que disponho, acredito que uma
diferença de 1 a 5 seria ótima. Mas nada justifica diferenças de 1 a 50 ou de 1
a 100”.
A
progressividade nascida com Roosevelt perdurou até Reagan, para quem os Estados
Unidos estavam se tornando “comunistas”. Sob a batuta do canastrão, a maior
alíquota sobre a renda nos Estados Unidos caiu para 28%. “A reforma fiscal de
1986 é a própria definição do reaganismo”, destaca Piketty.
A
virada fiscal de 180 graus perpetrada por Reagan atiçou o espírito animal do
empreendedor americano e os EUA bombaram, certo? Errado. A partir de Reagan,
até 2020, o crescimento naquele país reduziu-se à metade. “Ainda que o sistema
de financiamento dos partidos políticos e das mídias não seja alheio a essa
constatação, essa fase político-ideológica permanece em vigor”. Seria a velha
teimosia? Não. Corporações e pessoas (poucas) lucram com a desigualdade
reaganiana.
A
verdade é que o imposto progressivo foi responsável pelo período de maior
prosperidade da classe média americana – de 1914 a 1980 – e de maior
aproximação dos Estados Unidos do seu sonho hollywoodiano de nação, que nada
tem a ver com o país imaginado por Donald Trump. Mais Piketty: “Não era
admissível taxar o 1% mais rico para financiar o Estado social. Todavia, a fim
de que o restante da população aceitasse que uma parte recente das riquezas
fosse coletivizada para financiar a educação e saúde, foi preciso que as
classes médias e populares tivessem a certeza de que os mais ricos pagariam no
mínimo tanto quanto elas. Sob esse ponto de vista, o aumento do poder do
imposto progressivo foi um fator decisivo para a construção de um novo contrato
fiscal, tornando aceitável essa tributação crescente”.
Hoje,
com destaque máximo para o Brasil, as classes médias e populares têm a nítida
impressão de que os mais ricos morrem de rir na hora de pagar imposto, apesar
de publicamente reclamarem bastante. O governo brasileiro está tentando mudar
essa injusta realidade.
• Secretário-executivo da
Fazenda nega enfraquecimento de Haddad após anúncio de ajuste fiscal: 'nunca
esteve tão forte'
O
secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, disse nesta
segunda-feira que a forma como o pacote fiscal foi discutido, fechado e
anunciado pelo governo assegurou unidade em torno das medidas e evidenciou a
força do ministro Fernando Haddad e da equipe econômica.
"O
ministro Haddad, e a nossa equipe da Fazenda, nunca esteve tão forte, essa é a
minha percepção", afirmou Durigan em evento do banco XP. "Tanto que o
que o presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) quis fazer quando chamou os
ministros para mesa foi proteger o Haddad."
Os
comentários de Durigan vêm após o governo ter anunciado na semana passada um
conjunto de medidas para a contenção de gastos, acompanhado de proposta para
elevar a faixa de isenção do Imposto de Renda, mesmo após Haddad ter posto em
dúvida o encaminhamento do tema este ano.
O
pacote, anunciado após semanas de expectativa, veio com a promessa de economia
de 327 bilhões de reais em seis anos, mas ainda assim frustrou o mercado e
levantou preocupações quanto a um possível enfraquecimento político de Haddad.
Durigan
reiterou que a reforma do IR só será discutida em 2025 e que é
"inegociável" que a ampliação da faixa de isenção seja condicionada a
medidas de compensação.
O
secretário também argumentou que a discussão prévia prolongada em torno das
medidas na Esplanada garantiu unidade e legitimidade às iniciativas de corte de
gastos, o que poupará tempo no processo de discussão e aprovação no Congresso.
Ele
reforçou que a prioridade é aprovar as medidas de contenção de despesas ainda
este ano e acrescentou que as conversas já estão muito "azeitadas" no
Congresso.
Durigan
destacou ainda a iniciativa de impor um teto de 2,5% para o reajuste real do
salário mínimo como um "gesto maior" do presidente Lula, já que a
medida limita a política de valorização do salário mínimo conforme o ritmo de
crescimento do PIB, que vigora hoje. Durigan disse que foi "muito
difícil" mostrar para Lula que a iniciativa valeria a pena e que ele
próprio não esperava que a mudança vingaria.
"O
presidente tomou a decisão porque entendeu que vale a pena tirar o pé da
valorização do salário mínimo por uma economia mais forte, por uma economia com
menos inflação, por uma economia com as despesas dentro da banda do
arcabouço", disse Durigan.
"Ele
compreendeu isso, com o ministro do Trabalho do lado dele", disse Durigan,
em referência ao ministro Luiz Marinho, que chegou a ameaçar pedir demissão
caso medidas relacionadas a sua pasta fossem propostas sem que ele fosse
consultado.
• Gleisi: “verdadeiro
boicote ao país não é isentar do IR, mas sim falsear a realidade e alimentar a
especulação”
A
deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente nacional do Partido dos
Trabalhadores, saiu em defesa do governo federal e de sua proposta de isentar
do Imposto de Renda (IR) trabalhadores que ganham até 5 mil reais mensais. A
medida, alvo de críticas de setores do mercado financeiro e da imprensa
comercial, foi classificada como um avanço que promove justiça social e
neutralidade fiscal.
Em
declaração incisiva, Gleisi rebateu os comentários do economista Marcos Lisboa,
publicados pela Folha de S.Paulo, que apontou falta de compromisso do governo
Lula com o equilíbrio fiscal e sugeriu que investidores estariam
"desistindo do Brasil".
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Dados que desmontam narrativas
A
parlamentar destacou dados econômicos que contradizem as críticas ao governo:
“Se
os investidores estivessem desistindo do Brasil, como disse Marcos Lisboa à
Folha, o país não teria sido o segundo maior destino global de investimento
externo direto este ano (U$ 34 bi só no primeiro trimestre), a Bolsa de São
Paulo não teria batido seu recorde histórico de 136 mil pontos apenas três
meses atrás e o PIB não estaria crescendo mais do que o dobro do que os
ridículos 1,5% previstos na pesquisa Focus de janeiro.”
Gleisi
também frisou o compromisso fiscal da gestão Lula, ressaltando que o déficit
primário caiu 9,1% nos primeiros oito meses de 2024 e que a política econômica
tem gerado resultados concretos, como o crescimento do emprego, dos salários e
da renda.
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Críticas ao Banco Central e à mídia
Para
a deputada, os avanços econômicos poderiam ser ainda mais expressivos se o
Banco Central reduzisse a taxa de juros, atualmente a maior do mundo em termos
reais. Além disso, ela apontou a atuação de “especialistas” e setores da mídia
como responsáveis por distorcer os fatos econômicos para atender interesses
financeiros.
“O
verdadeiro boicote ao país, professor Lisboa, não é isentar do IR quem ganha
menos, cobrando mais de quem ganha muito e paga pouco, com neutralidade fiscal
que qualquer um pode compreender. Boicote é falsear a realidade, mentir e
alimentar a especulação com o câmbio e os juros, como fazem os ‘especialistas’
na mídia.”
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Justiça fiscal e compromisso social
Gleisi
defendeu a política de isenção do IR como uma medida que alivia a carga
tributária sobre os mais pobres e reforça o compromisso do governo com o país:
“Lula
está certo e tem compromisso com o país, não com os interesses da Faria Lima.”
A
proposta de isenção para quem ganha até 5 mil reais é parte de uma série de
medidas tributárias que buscam redistribuir a carga de forma mais justa,
cobrando mais de quem tem maior capacidade contributiva. Segundo o governo, a
iniciativa será acompanhada de ajustes para garantir neutralidade fiscal e
sustentabilidade econômica.
Fonte:
A Terra é Redonda/Reuters/Brasil 247
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