quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Pedro Mattos: O pacote fiscal

O pacote de medidas fiscais anunciado por Fernando Haddad tem gerado reações de diversos setores. Aqueles que vocalizam os interesses das classes dominantes tem uma opinião bastante uníssona: os cortes são bem-vindos, mas insuficientes; já a isenção do Imposto de Renda para aqueles que ganham até 5 mil reais é rejeitada amplamente.

Entre os setores populares, contudo, há um debate acerca do pacote anunciado. Por um lado, há aqueles mais alinhados ao governo, que demonstram grande entusiasmo com a isenção do Imposto de Renda. O tom triunfalista, que oculta as medidas contrárias aos interesses dos trabalhadores, faz parecer vitória o que foi uma derrota. Por outro lado, há setores populares que denunciam o conjunto de medidas simplesmente como um pacote neoliberal. Nessa leitura, a isenção do Imposto de Renda e outras medidas justas inseridas no pacote seriam mera maquiagem para “enganar” o povo.

Entre esses dois polos, um de orientação plenamente subordinada ao governo e outro de oposicionismo sectário, propomos uma análise com mais nuances.

Em primeiro lugar, é necessário reconhecer que o anúncio dos cortes é uma derrota do governo. Tal medida é fruto da pressão dos setores neoliberais, que impôs um recuo na expansão dos gastos públicos, aspecto que tem determinado o crescimento econômico, o aumento da renda e a diminuição do desemprego.

Cabe destacar, contudo, que nesse recuo, o governo não entregou aos setores neoliberais aquilo que eles mais desejavam: a desvinculação dos gastos sociais. O BPC segue atrelado ao salário-mínimo, os pisos constitucionais da saúde e da educação foram mantidos e a valorização real do salário-mínimo foi bastante restringida, mas não ferida de morte.

Desde antes do governo Lula 3 afirmávamos que o modelo neoliberal havia sido aprofundado na ofensiva que logrou retomar a hegemonia política, primeiro por meio do golpe, e depois pela aliança com o neofascismo. Com isso, os mecanismos à disposição do governo para moderar o modelo, como feito nos governos petistas anteriores, seriam menos efetivos.

A pressão que os setores neoliberais exercem sobre o governo não se restringe à cena política. A combinação de maior abertura financeira e independência do Banco Central nos marcos da nossa economia, em que a inflação é altamente vinculada ao dólar, deu ao mercado um poder ainda maior de pressão econômica. Pelo mercado de câmbio, favorece a apreciação do dólar e pressiona a inflação; pelo mercado da dívida pública, pressiona pelo aumento dos juros e colhe os resultados com um Banco Central capturado pelo setor financeiro e alheio ao projeto político validado nas urnas.

O impacto disso é enorme. A maior inflação por si já é ruim para os trabalhadores. Soma-se a isso, ainda, o alto nível de endividamento e o comprometimento da renda com o pagamento de juros, que só aumentam. A pressão sobre o poder de compra do povo é pelos dois lados e isso ajuda a entender por que, mesmo com diminuição do desemprego e aumento da renda, o governo tem patinado na aprovação.

Somada à pressão política e midiática, essa pressão econômica, mais forte na atual fase do modelo neoliberal do que nos primeiros governos Lula, impôs o recuo por parte do governo. Soma-se a isso, ainda, o fato de que o próprio governo tem em seu interior setores neoliberais, dada a tática de frente ampla para o enfrentamento ao neofascismo. Por isso, além das pressões externas ao governo, há a pressão interna desses setores neoliberais, que ameaçam se deslocar novamente para uma aliança com o campo neofascista.

Em nota recente da Consulta Popular, afirma-se que, se necessário fosse o ajuste fiscal, que ele não fosse feito nas costas dos trabalhadores. Ou seja, apontava-se o objetivo de politizar o ajuste fiscal e o conflito distributivo no seio do orçamento público, de bloquear as medidas que penalizavam os trabalhadores e priorizar medidas que atingissem os mais ricos. E à sua maneira, Lula atuou nesse sentido.

Mais de uma vez afirmou que o mercado e os outros poderes também teriam de dar sua cota de sacrifício, que não poderia se concentrar apenas em direitos do povo trabalhador. Essa perspectiva de “distribuir” o custo do ajuste e claramente apontar que os mais ricos também devem contribuir se expressou no anúncio do pacote fiscal.

Entre as medidas do pacote fiscal, são três as que afetam mais diretamente os trabalhadores: teto para a valorização real do salário-mínimo; redução dos beneficiados pelo abono salarial; maior controle na oferta de programas sociais, em especial no BPC para pessoas com deficiência. Outras três justas medidas se relacionam com o legislativo e a burocracia estatal: restrições sobre as emendas parlamentares; combate aos supersalários da elite do funcionalismo público; reforma da previdência dos militares.

O governo, portanto, recuou, mas não entregou o que era mais estratégico e ainda conseguiu algum grau de politização do ajuste. E no que tange a esse último aspecto, o mais importante foi o anúncio da isenção do Imposto de Renda para os que recebem até 5 mil reais. Essa medida, que a priori não tem o objetivo de contribuir para a sustentabilidade fiscal, foi anunciada junto do pacote de cortes de despesas. E o projeto de reforma tributária da renda que contempla tal medida foi apresentado ao congresso junto dos que incluem os cortes. Essa movimentação, não visa apenas “enganar” o povo, como acreditam alguns.

Essa anúncio se insere justamente na politização do conflito distributivo no orçamento público. Tal medida busca impor a “cota de sacrifício” (como diz o Lula) dos mais ricos em meio ao ajuste e isso foi amplamente anunciado pelo governo. Uma vez que os trabalhadores serão os mais penalizados pelos cortes, é justo que uma contrapartida, às custas dos mais ricos seja implementada. Essa foi a forma encontrada de inserir os mais ricos no ajuste fiscal.

Assim, o governo contrabandeou no debate do ajuste fiscal uma medida popular e com potencial para transformar a arrecadação do governo, que pode inclusive abrir mais espaço fiscal para futuras políticas. Com isso, desviou o rumo do debate dos cortes para a isenção e colocou os setores neoliberais numa posição complexa. Se a medida não for aprovada, representará um ônus para os setores neoliberais e neofascistas.

Se for aprovada, aumentará a renda de cerca de 26 milhões de pessoas, que serão beneficiadas pela isenção. E que além de tudo se concentram numa faixa de renda (2 a 5 salários-mínimos) que é hoje disputada pelo campo neofascista. Além de tudo, a redução de impostos é uma bandeira agitada à exaustão pelos setores neoliberais e neofascistas, obviamente com o objetivo de favorecer os mais ricos. Como se posicionarão frente à uma redução de impostos localizada nos setores populares e às custas dos mais ricos?

Em suma, o pacote anunciado foi um recuo do governo e não uma vitória, como alguns fazem crer. Mas nesse recuo, o governo evitou entregar aos que o pressionavam o objetivo estratégico que perseguiam: a desvinculação do BPC em relação ao salário-mínimo e o fim dos pisos constitucionais da saúde e da educação. Tais objetivos, que visam o desmonte do caráter social da Constituição de 1988, são bandeiras históricas do campo neoliberal e mais um passo no aprofundamento do modelo.

Além de não entregar as desvinculações, o governo contribuiu para a politização do tema e posicionou uma armadilha para os setores neoliberais com a proposta de isenção do Imposto de Renda.

Aqueles que denunciam o que foi feito como mero pacote neoliberal com uma medida mirabolante de isenção do Imposto de Renda para enganar o povo não conseguem ver além das medidas em si. Subestimam os limites dados pelo modelo neoliberal (cuja superação não é objetivo do governo e mesmo da frente neodesenvolvimentista) e os limites do próprio governo (baseado na aliança com setores neoliberais para fazer frente ao neofascismo). Mas principalmente, parecem subestimar a política.

 

¨      A progressividade tributária que Lula quer foi responsável pelo período de prosperidade da classe média dos EUA. Por Paulo Henrique Arantes

 

“O mercado” e a mídia por ele cooptada surtaram com a proposta do governo de isentar do Imposto de Renda quem recebe salário de até 5 mil reais e taxar, em percentuais relativamente baixos, quem ganha mais de 50 mil mensais. É inacreditável a reação dessa gente frente a um projeto tão justo e simples. As justificativas para a posturas contrárias são aulas de contorcionismo retórico.

Imposto progressivo é desde sempre bem-vindo em países desiguais. Tecnicamente, é fácil de implantar - as dificuldades, enormes, são políticas. Thomas Piketty, que conhece o riscado como ninguém, nos dá bons exemplos históricos de progressividade tributária no recente “Natureza, Cultura e Desigualdades – Uma Perspectiva Comparativa e Histórica” (Civilização Brasileira, 2023).

A partir do fim do Século XIX e início do Século XX, os Estados Unidos começaram a se preocupar com uma tal desigualdade, revendo o imposto sobre a renda. Um fenômeno começou a ganhar corpo na década de 1920 e ganhou força com a eleição de Roosevelt, em 1932. Escreve Piketty: “Entre 1932 e 1980, durante meio século, a alíquota superior de tributação nos Estados Unidos, em média, seria de 80%, chegando a 91% no governo de Roosevelt. No entanto, essas alíquotas dizem respeito tão somente ao imposto federal sobre a renda, ao qual se acrescentavam os impostos estaduais que, dependendo do caso, chegavam a 5%, 10% ou 15%”.

Essa taxação aparentemente enlouquecida destruiu o capitalismo americano, certo? Errado, absolutamente errado. Causou, isto sim, os 50 anos de maior prosperidade dos Estados Unidos e de sua maior predominância internacional, apesar da polarização geopolítica com a União Soviética. Por quê? Explica Piketty: “Simplesmente porque as diferenças entre rendas de 1 a 50 salários mínimos, ou de 1 a 100, não servem para grande coisa. Não estou dizendo que mais vale uma igualdade total; talvez sejam necessárias diferenças de 1 a 5 ou de 1 a 10. Tendo em vista a base de dados de que disponho, acredito que uma diferença de 1 a 5 seria ótima. Mas nada justifica diferenças de 1 a 50 ou de 1 a 100”.

A progressividade nascida com Roosevelt perdurou até Reagan, para quem os Estados Unidos estavam se tornando “comunistas”. Sob a batuta do canastrão, a maior alíquota sobre a renda nos Estados Unidos caiu para 28%. “A reforma fiscal de 1986 é a própria definição do reaganismo”, destaca Piketty.

A virada fiscal de 180 graus perpetrada por Reagan atiçou o espírito animal do empreendedor americano e os EUA bombaram, certo? Errado. A partir de Reagan, até 2020, o crescimento naquele país reduziu-se à metade. “Ainda que o sistema de financiamento dos partidos políticos e das mídias não seja alheio a essa constatação, essa fase político-ideológica permanece em vigor”. Seria a velha teimosia? Não. Corporações e pessoas (poucas) lucram com a desigualdade reaganiana.

A verdade é que o imposto progressivo foi responsável pelo período de maior prosperidade da classe média americana – de 1914 a 1980 – e de maior aproximação dos Estados Unidos do seu sonho hollywoodiano de nação, que nada tem a ver com o país imaginado por Donald Trump. Mais Piketty: “Não era admissível taxar o 1% mais rico para financiar o Estado social. Todavia, a fim de que o restante da população aceitasse que uma parte recente das riquezas fosse coletivizada para financiar a educação e saúde, foi preciso que as classes médias e populares tivessem a certeza de que os mais ricos pagariam no mínimo tanto quanto elas. Sob esse ponto de vista, o aumento do poder do imposto progressivo foi um fator decisivo para a construção de um novo contrato fiscal, tornando aceitável essa tributação crescente”.

Hoje, com destaque máximo para o Brasil, as classes médias e populares têm a nítida impressão de que os mais ricos morrem de rir na hora de pagar imposto, apesar de publicamente reclamarem bastante. O governo brasileiro está tentando mudar essa injusta realidade.

 

•                        Secretário-executivo da Fazenda nega enfraquecimento de Haddad após anúncio de ajuste fiscal: 'nunca esteve tão forte'

O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, disse nesta segunda-feira que a forma como o pacote fiscal foi discutido, fechado e anunciado pelo governo assegurou unidade em torno das medidas e evidenciou a força do ministro Fernando Haddad e da equipe econômica.

"O ministro Haddad, e a nossa equipe da Fazenda, nunca esteve tão forte, essa é a minha percepção", afirmou Durigan em evento do banco XP. "Tanto que o que o presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) quis fazer quando chamou os ministros para mesa foi proteger o Haddad."

Os comentários de Durigan vêm após o governo ter anunciado na semana passada um conjunto de medidas para a contenção de gastos, acompanhado de proposta para elevar a faixa de isenção do Imposto de Renda, mesmo após Haddad ter posto em dúvida o encaminhamento do tema este ano.

O pacote, anunciado após semanas de expectativa, veio com a promessa de economia de 327 bilhões de reais em seis anos, mas ainda assim frustrou o mercado e levantou preocupações quanto a um possível enfraquecimento político de Haddad.

Durigan reiterou que a reforma do IR só será discutida em 2025 e que é "inegociável" que a ampliação da faixa de isenção seja condicionada a medidas de compensação.

O secretário também argumentou que a discussão prévia prolongada em torno das medidas na Esplanada garantiu unidade e legitimidade às iniciativas de corte de gastos, o que poupará tempo no processo de discussão e aprovação no Congresso.

Ele reforçou que a prioridade é aprovar as medidas de contenção de despesas ainda este ano e acrescentou que as conversas já estão muito "azeitadas" no Congresso.

Durigan destacou ainda a iniciativa de impor um teto de 2,5% para o reajuste real do salário mínimo como um "gesto maior" do presidente Lula, já que a medida limita a política de valorização do salário mínimo conforme o ritmo de crescimento do PIB, que vigora hoje. Durigan disse que foi "muito difícil" mostrar para Lula que a iniciativa valeria a pena e que ele próprio não esperava que a mudança vingaria.

"O presidente tomou a decisão porque entendeu que vale a pena tirar o pé da valorização do salário mínimo por uma economia mais forte, por uma economia com menos inflação, por uma economia com as despesas dentro da banda do arcabouço", disse Durigan.

"Ele compreendeu isso, com o ministro do Trabalho do lado dele", disse Durigan, em referência ao ministro Luiz Marinho, que chegou a ameaçar pedir demissão caso medidas relacionadas a sua pasta fossem propostas sem que ele fosse consultado.

•                        Gleisi: “verdadeiro boicote ao país não é isentar do IR, mas sim falsear a realidade e alimentar a especulação”

A deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, saiu em defesa do governo federal e de sua proposta de isentar do Imposto de Renda (IR) trabalhadores que ganham até 5 mil reais mensais. A medida, alvo de críticas de setores do mercado financeiro e da imprensa comercial, foi classificada como um avanço que promove justiça social e neutralidade fiscal.

Em declaração incisiva, Gleisi rebateu os comentários do economista Marcos Lisboa, publicados pela Folha de S.Paulo, que apontou falta de compromisso do governo Lula com o equilíbrio fiscal e sugeriu que investidores estariam "desistindo do Brasil".

<><> Dados que desmontam narrativas

A parlamentar destacou dados econômicos que contradizem as críticas ao governo:

“Se os investidores estivessem desistindo do Brasil, como disse Marcos Lisboa à Folha, o país não teria sido o segundo maior destino global de investimento externo direto este ano (U$ 34 bi só no primeiro trimestre), a Bolsa de São Paulo não teria batido seu recorde histórico de 136 mil pontos apenas três meses atrás e o PIB não estaria crescendo mais do que o dobro do que os ridículos 1,5% previstos na pesquisa Focus de janeiro.”

Gleisi também frisou o compromisso fiscal da gestão Lula, ressaltando que o déficit primário caiu 9,1% nos primeiros oito meses de 2024 e que a política econômica tem gerado resultados concretos, como o crescimento do emprego, dos salários e da renda.

<><> Críticas ao Banco Central e à mídia

Para a deputada, os avanços econômicos poderiam ser ainda mais expressivos se o Banco Central reduzisse a taxa de juros, atualmente a maior do mundo em termos reais. Além disso, ela apontou a atuação de “especialistas” e setores da mídia como responsáveis por distorcer os fatos econômicos para atender interesses financeiros.

“O verdadeiro boicote ao país, professor Lisboa, não é isentar do IR quem ganha menos, cobrando mais de quem ganha muito e paga pouco, com neutralidade fiscal que qualquer um pode compreender. Boicote é falsear a realidade, mentir e alimentar a especulação com o câmbio e os juros, como fazem os ‘especialistas’ na mídia.”

<><> Justiça fiscal e compromisso social

Gleisi defendeu a política de isenção do IR como uma medida que alivia a carga tributária sobre os mais pobres e reforça o compromisso do governo com o país:

“Lula está certo e tem compromisso com o país, não com os interesses da Faria Lima.”

A proposta de isenção para quem ganha até 5 mil reais é parte de uma série de medidas tributárias que buscam redistribuir a carga de forma mais justa, cobrando mais de quem tem maior capacidade contributiva. Segundo o governo, a iniciativa será acompanhada de ajustes para garantir neutralidade fiscal e sustentabilidade econômica.

 

Fonte: A Terra é Redonda/Reuters/Brasil 247

 

Nenhum comentário: