terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Pastor que acusou escola de ‘ritual de magia’ em aula de cultura africana é alvo de ação do MP

O MPDFT (Ministério Público do Distrito Federal e Territórios) apresentou uma ação civil pública contra o deputado distrital Pastor Daniel de Castro (PP-DF), após o parlamentar compartilhar nas redes sociais um vídeo criticando uma aula de cultura africana de uma professora do CEL (Centro Educacional do Lago), em Brasília (DF), alegando que a docente promovia “rituais de magia em sala”.

Na publicação, feita em 23 de outubro, o deputado afirmou que a atitude da professora é um “absurdo” e acrescentou que as famílias dos estudantes estariam “pedindo socorro” em decorrência das ações da educadora. Castro pontuou que fez um pedido de investigação ao Ministério Público para que o caso fosse apurado “com urgência”.

“Recebi várias denúncias essa semana, de uma professora no CEL, do Lago Sul, que professa uma religião de matriz africana, levando para a sala de aula nome de entidades […] colocando folhas e fazendo as crianças citarem nomes de seus deuses”, apontou o parlamentar, acrescentando que encaminhou áudios e vídeos como prova ao MPDFT.

“Os pais estão assustados. As crianças estão chegando em casa desesperadas, chorando, porque a professora faz elas fazerem rituais de magia dentro da sala de aula. Não podemos aceitar isso”, declarou o deputado, acrescentando que a escola deveria lecionar ensinamentos de “matemática, física e português”.

Na gravação, Castro compartilhou as imagens da professora escrevendo o nome de entidades de religiões de matriz africana e músicas na lousa. Ainda, um outro vídeo mostra folhas espalhadas no chão ao redor da sala. De acordo com o MPDFT, as filmagens de alunos não foram autorizadas pela docente.

Segundo o órgão, as imagens foram captadas durante uma aula eletiva de História e cultura afro-brasileira e indígena, prevista pelo MEC (Ministério da Educação). O MPDFT informou que, em 9 de outubro, os pais de uma estudante foram até o CEL questionar a instituição sobre os supostos rituais feitos pela professora e concordaram que a docente iria falar com a aluna.

Conforme a entidade, a estudante faltou às aulas seguintes e retornou apenas no dia 22 de outubro, quando, durante uma apresentação de um trabalho, a professora permitiu que os alunos utilizassem o celular. Foi nessa aula em que as imagens compartilhadas pelo deputado foram captadas.

O MPDFT concluiu que Castro “disseminou e reforçou o falso estereótipo de que as religiões de matrizes africanas estão associadas a algo ‘ruim’, ‘mal’ e ‘perigoso’”. O órgão acrescentou que tal manifestação do parlamentar “incita o preconceito e a intolerância” contra a fé, além de contrariar o “direito à educação dos estudantes”.

A entidade pediu à Justiça que determinasse a retirada do vídeo do ar, o que foi negado, e exigiu que o pastor pague R$ 100 mil por dano moral coletivo. De acordo com o órgão, metade do montante será transferido ao Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal. Ainda, o MPDFT exigiu que Castro se retratasse publicamente e fizesse seis meses de cursos de letramento racial. O processo tramita no TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios).

<><> O que diz o deputado

Em contato com o site IstoÉ, o deputado Pastor Daniel de Castro declarou que até o momento não tomou ciência da ação movida pelo MPDFT e o vídeo publicado por ele está inserido no “âmbito de atuação parlamentar”.

“Reitero que, em todas as minhas manifestações, sempre defendi a laicidade do Estado, princípio fundamental da nossa Constituição. Acredito firmemente que a escola não é lugar para a prática de qualquer religião, sendo essa uma responsabilidade que cabe exclusivamente aos pais e às famílias”, pontuou o deputado, acrescentando que está protegido pela imunidade parlamentar.

Nas redes sociais, a escola divulgou uma nota como forma de repúdio ao vídeo publicado pelo deputado distrital.

 

•                        Professora é apedrejada por alunos após aulas sobre cultura afro

A professora Sueli Santana, 51 anos, denunciou ter sido apedrejada por alunos, além de ter sido vítima de ataques verbais, após dar uma aula sobre a cultura afro-brasileira em uma escola municipal rural de Camaçari, na Bahia. A educadora, que é candomblecista, foi chamada de “feiticeira” e “diabólica”.

O caso ocorreu na semana passada, mas repercutiu na terça-feira (26/11) e está sendo investigado pela Polícia Civil. Em nota, a Secretaria de Educação de Camaçari disse que recebeu a denúncia em 21 de novembro e que apura o caso. A pasta também destacou que repudia qualquer forma de discriminação, seja ela de gênero, seja de crença ou de cor. Não há informação se os alunos envolvidos foram afastados ou não.

A União Brasileira das/dos Estudantes Secundaristas (Ubes) repudiu o episódio e prestou solidariedade à professora. "Episódios como esse são reflexo de uma sociedade que precisa urgentemente rever seus valores e nos fazem ter a certeza do caminho que as escolas precisam trilhar: valorizar a história como disciplina e combater a intolerância religiosa", citou.

"Defendemos uma educação que liberta e transforma. A escola, além de ensinar, deve formar cidadãos críticos e empáticos, capazes de construir um mundo mais justo e igualitário. É revoltante que, dentro de um ambiente escolar, a violência se manifeste de forma tão brutal. Precisamos fortalecer o papel da escola como um espaço de respeito e acolhimento", acrescentou a Ubes.

Cabe destacar que no Brasil, a educação antirracista é fundamentada pela Lei de nº 10.639, sancionada em 2003, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O mecanismo legal tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nas instituições escolares.

 

•                        Pastores falam sobre aumento de seguidores e perfil dos fiéis

Louvores fervorosos, pregações bíblicas e música fazem parte dos cultos evangélicos, religião que conta com cada vez mais fiéis no Brasil e que têm seu dia celebrado neste sábado (30). Segundo pesquisa Datafolha, divulgada em 2020, 31% da população brasileira é evangélica, e as mulheres representam 58% desse total.

Os dados do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022 sobre o número de evangélicos no país ainda não foram divulgados. Mas, na pesquisa de 2010, o crescimento da religião já era notado: o número de seguidores passou de 15,4% em 2000 para 22,2% dez anos depois.

Dos que se declaravam evangélicos, 60% eram de origem pentecostal, 18,5%, evangélicos de missão e 21,8 %, evangélicos não determinados.

📌 No Distrito Federal, o último levantamento da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD), divulgado em 2015, apontava 840.271 evangélicos (tradicionais e pentecostais). Isso equivale a 28% da população à época.

📌 De acordo com informações da Câmera Legislativa do Distrito Federal (CLDF), em 2023 uma pesquisa apurou que cerca de 33% da população de Brasília é evangélica, o que equivale a mais de um milhão de pessoas.

O aumento no número de igrejas, na participação em eventos e na representação política é percebido no dia a dia. Para tentar entender esse crescimento, o g1 conversou com os pastores Ricardo Espíndola, presidente da Batista Central e vice-presidente do Conselho de Pastores Evangélicos do DF (Copev-DF), e com o pastor Chlisman Toniazzo, líder da Arena Apostólica Church, um templo considerado inclusivo, por receber homossexuais.

<><> Quem são os pastores

•                        Ricardo Espíndola

Ricardo Espíndola tem 55 anos e foi consagrado pastor em 2000. Nascido em São Paulo, ele chegou em Brasília antes de completar um ano de idade.

Pastor Ricardo é neto do pastor Vilarindo Lima, um dos mais reconhecidos líderes da religião evangélica no DF e fundador da Igreja Batista Central que tem mais de 5 mil membros ativos.

•                        Chlisman Toniazzo

O pastor Chlisman Toniazzo, de 33 anos, cresceu em um lar evangélico e enfrentou a exclusão da comunidade religiosa que frequentava por ser homossexual. Em 2015, ele fundou a Arena Apostólica Church, considerada inclusiva.

<><> Leia as entrevistas

•                        O que o senhor acredita ter impulsionado o crescimento da comunidade evangélica no Distrito Federal nos últimos anos?

Pastor Ricardo Espíndola: O crescimento acompanha, primeiramente, o crescimento populacional do DF, e muito também pelo fato da facilidade de se implantar igrejas no seio das comunidades. As igrejas evangélicas estão muito perto das pessoas, nas suas ruas, comércios e bairros.

Pastor Chlisman Toniazzo: Acredito que o crescimento do público evangélico está ligado à necessidade humana de encontrar sentido e propósito na vida. A mensagem centrada em Cristo oferece alívio, paz e esperança, elementos fundamentais para enfrentar os desafios da existência. A fé evangélica é dinâmica e, em muitos aspectos, torna-se um suporte essencial para lidar com a realidade.

•                        E o que atrai as pessoas aos cultos?

Pastor Ricardo Espíndola: A pregação de um evangelho mais acolhedor nas dores sociais. Pessoas em crises emocionais, problemas de vícios e questões de relacionamento, além de crises financeiras, buscam socorro e proximidade de uma força que eles não tem e que só pode vir de Deus. As igrejas com louvores conversam com essas dores, e as palavras buscam trazer alívio através de um linguajar mais fluido e simples que atraem pessoas carentes de fé.

Pastor Chlisman Toniazzo: O papel social desempenhado pelas igrejas evangélicas é um fator significativo nesse crescimento. Em muitos casos, elas preenchem lacunas deixadas pelo estado, especialmente em áreas periféricas e negligenciadas pelo poder público. As igrejas cristãs, de forma geral, tornam-se espaços de cultura, socialização e cuidado, promovendo um mínimo de qualidade de vida que é tão necessário.

•                        Na sua opinião, o que mudou de quando começou até agora?

Pastor Ricardo Espíndola: Nesses últimos 25 anos, observamos um crescimento vertiginoso de igrejas independentes, que não são ligadas a nenhuma convenção ou denominação específica. Essa é uma grande mudança. Outra mudança é o alcance da população jovem através de novas dinâmicas de igrejas modernas.

•                        Como a igreja aborda questões de inclusão e diversidade dentro da comunidade evangélica?

Pastor Ricardo Espíndola: A igreja cristã, seja de qual confissão for, preza por princípios e valores biblicamente intocáveis. Dogmas e declarações são pétreas na igreja, no entanto, a prática da liturgia e as formas de culto têm se adaptado às mudanças, principalmente culturais com estilos musicais, performances teatrais e por assim vai.

Nas questões de inclusão e diversidade, Jesus disse: 'Vinde como estais'. Não cabe à igreja criar um ambiente refratário e expulsar pessoas. O abraço do Cristo vale para todos, como as escrituras mostraram, tanto os pobres como os discípulos, quanto os ricos como Zaqueu, e como a mulher adultera. A salvação é para todos mediante a graça e o amor de Deus.

Pastor Chlisman Toniazzo: A Arena Apostólica Church crê e proclama que o amor de Deus e a mensagem salvadora de Cristo são para todos que reconhecem Jesus como seu único e suficiente Salvador. Essa verdade independe da orientação sexual ou identidade de gênero das pessoas.

Na Arena, a comunidade LGBTQIA+ não apenas é bem-vinda para participar dos cultos e atividades, mas também tem a oportunidade de assumir posições de liderança, como o pastorado e outros ministérios. Além disso, celebramos o matrimônio de forma plena e acolhemos todos para desfrutar da comunhão cristã à luz da Palavra de Deus.

•                        Existe uma cooperação entre as diferentes denominações evangélicas? Como isso influencia o crescimento geral da comunidade?

Pastor Ricardo Espíndola: A cooperação se dá pela comunhão entre ministérios e órgãos representativos, como o Conselho de Pastores Evangélicos (Copev). Nessa comunhão há sinergia e, por consequência, crescimento. Hoje há poucas barreiras entre igrejas de confissão evangélica.

Pastor Chlisman Toniazzo: Acredito que, de modo geral, existe um alinhamento ideológico e político entre a grande maioria das denominações cristãs evangélicas do Distrito Federal. Embora nem todos esses alinhamentos sejam, necessariamente, positivos ou saudáveis, eles acabam servindo como um meio de fortalecimento institucional, permitindo que essas igrejas ampliem seu alcance e cresçam, sobretudo em número.

•                        Como a igreja lida com a crítica e a resistência de outros segmentos da sociedade em relação ao crescimento evangélico?

Pastor Ricardo Espíndola: Sempre haverá. Já fomos minoria. Perseguidos, criticados, e até mesmo condenados ao fogo do inferno. Porém, a maior resposta que damos, não é justificando erros que por ventura cometemos, como todos, mas mostrando o bem que fazemos à sociedade.

Uma igreja na rua sempre será melhor que um bar. O que dizer das nossas instituições de ensino, nossas casas de acolhimento a órfãos e idosos, e centros de recuperação de dependentes químicos? O bem que fazemos fala por nós.

Pastor Chlisman Toniazzo: Nossa comunidade de fé, em geral, enfrenta resistência por parte de denominações evangélicas mais tradicionais. No entanto, acredito que a melhor maneira de lidar com as críticas é praticar a autoanálise constante e manter o compromisso de ser a igreja que o mundo necessita: uma igreja fundamentada no amor e alinhada aos princípios do Evangelho.

•                        Quais são os principais desafios que as igrejas evangélicas inclusivas enfrentam?

Pastor Chlisman Toniazzo: Os desafios que enfrentamos são muitos, entre eles, as constantes perseguições e ameaças, especialmente nas redes sociais, simplesmente por pregarmos o amor incondicional de Deus e acolhermos a comunidade LGBTQIA+. Outro grande desafio é desconstruir a ideia equivocada de que a Bíblia condena a homossexualidade, algo que tem levado muitas pessoas LGBTQIA+ a sofrerem profunda angústia mental devido ao discurso religioso conservador.

 

Fonte: IstoÉ/Correio Braziliense/g1

 

 

 

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