quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Fracasso da política de sanções: Ocidente interpretou mal a força da economia russa, notam analistas

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam por que a economia russa está prevista para crescer até 3,6% neste ano, enquanto países europeus estão estagnados ou à beira da recessão.

Em entrevista recente, o assessor especial da presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim, destacou que a economia da Rússia segue em expansão, mesmo diante do boicote dos EUA e da União Europeia (UE) ao gás russo, seguindo um caminho contrário ao de países europeus, que cresceram pouco ou estão à beira da recessão.

A observação de Amorim vai ao encontro de dados divulgados na semana passada pelo Serviço Federal da Estatística russo (Rosstat), que apontaram que a produção de gás da Rússia aumentou 9,4% em relação a 2023 e chegou a 470 bilhões de metros cúbicos entre janeiro e outubro.

"A Europa, coordenada com os EUA, boicota o gás russo. A economia dos países da Europa está caindo ou crescendo muito pouco, e a Rússia está crescendo", disse Amorim.

À Sputnik Brasil, especialistas analisam a resiliência da economia russa e explicam por que a política de sanções contra Moscou falhou.

Williams Gonçalves, professor titular de relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), afirma que as sanções ocidentais falharam porque EUA e seus aliados europeus "acreditaram nas suas próprias ideias, segundo as quais a Rússia é um país isolado, mas não é". Ele frisa que a Rússia é parte de uma ampla e importante articulação internacional.

"O sistema internacional mudou bastante. Formou-se uma nova coligação mundial extremamente importante, reunindo grandes países da periferia mais a Rússia. O BRICS é o ponto nodal dessa nova maioria. Portanto, o que aconteceu é que a Rússia ficou parcialmente privada dos seus mercados ocidentais, mas essa privação foi amplamente compensada por mercados como o indiano, o chinês e o africano", afirma.

Ele acrescenta que o papel do Sul Global foi fundamental para que as sanções ocidentais não obtivessem êxito. Segundo o professor, o Sul Global se articula cada vez mais fortemente e a última cúpula do BRICS, em Kazan, foi uma evidente demonstração disso.

"Uma conferência das mais importantes, onde se discutiram questões fundamentais, pertinentes ao funcionamento da ordem internacional. Portanto, essa ideia de que o Ocidente deve governar o mundo, e quem não faz parte do Ocidente deve simplesmente se submeter, está cada vez mais caduca, cada vez mais ultrapassada. O que se vê é uma ampla articulação internacional, que tem o Oriente como pedra angular. O triângulo Índia, China e Rússia é hoje fundamental para o funcionamento do sistema internacional."

Nathana Garcez Portugal, doutoranda em relações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas, afirma que a economia russa deve crescer entre 3% e 3,6% neste ano, segundo as projeções do banco central russo e do Fundo Monetário Internacional (FMI). O percentual é superior ao de outras economias, o que, segundo ela, mostra a resiliência da economia russa, embora para o próximo ano as projeções sejam menores, muito por conta da inflação.

"Mas, de um modo geral, a expectativa para esse ano é que, sim, a economia russa se mantenha saudável. Isso se dá por conta de diversos fatores. O primeiro é o caráter estratégico de um dos maiores setores econômicos russos, que é o setor energético, que foi pouco afetado pelas sanções ocidentais e, portanto, conseguiu manter-se em atividade com relativamente poucas restrições, devido à sua importância no caráter do mercado global", afirma.

Portugal aponta outro motivo para a resiliência econômica russa: a diversificação de parcerias. Ela afirma que após receber as sanções Moscou passou a estabelecer vínculos e dar prioridade a conexões econômicas com outras potências importantes no mercado global, incluindo Turquia, Índia, China e outros países do BRICS, "o que minimizou as suas perdas econômicas ao longo desse período de quase três anos de conflito".

"Algumas dessas parcerias estão dentro do setor de petróleo e gás natural, dentro do setor energético, no mercado energético global. A gente tem hoje alguns projetos e algumas parcerias que estão saindo do papel, inclusive para a criação e construção de oleodutos, gasodutos, como a Power of Siberia 1, que já está em funcionamento; temos o projeto da Power of Siberia 2, que deve entrar em funcionamento — ela sofreu algumas questões políticas neste ano, mas deve entrar em funcionamento, deve ter seu projeto finalizado […]. Então a gente tem uma série de projetos dentro do setor energético que tem possibilitado esse escoamento da produção russa, e é o que tem dado uma resiliência mesmo para a economia [russa]."

Pérsio Glória de Paula, especialista do Núcleo de Avaliação da Conjuntura (NAC), da Escola de Guerra Naval (EGN), destaca que a Rússia construiu "uma fortaleza econômica" que tornou possível a Moscou resistir às sanções e ao congelamento de ativos por países ocidentais. Ele afirma que esse processo começou há dez anos, durante o imbróglio envolvendo a Crimeia, quando foram impostos os primeiros pacotes de sanções à Rússia.

"Antes disso, também já havia um movimento nessa direção, de construção de uma autonomia econômica russa, tanto no domínio da extração das matérias-primas como também no domínio de tecnologias, de desenvolvimento de novos tipos de materiais para garantir, de certa forma, uma autonomia geral."

Ele ressalta que esse processo tem influência das experiências históricas da União Soviética (URSS), que também enfrentou um cenário internacional diverso. Ademais, ele cita a diversificação e parcerias com países fora do eixo ocidental.

"Isso permitiu à Rússia ter um portfólio de parcerias comerciais, mas não só comerciais, também políticas, bastante diversificado. Então isso também aumentou bastante a projeção internacional russa, ao passo que colocou a Rússia em uma posição central nas relações econômicas internacionais", afirma.

De Paula afirma que também houve "uma clara má interpretação das capacidades econômicas russas por parte dos atores ocidentais".

"A gente viu no começo do conflito alguns prognósticos falando do colapso econômico iminente da Rússia, de que o país estaria sem chances de resistir às sanções ocidentais, de que a Rússia é uma grande estação de gás. Houve diversos comentários nesse sentido, mas que não levaram em consideração que a Rússia, além do gás, também produz trigo, produz fertilizantes, maquinário, além das outras indústrias, como a indústria bélica, e até mesmo indústrias estratégicas, como a espacial e a nuclear, em que a Rússia possui diversos acordos mundo afora."

Ele aponta ainda que muitos dos parceiros econômicos da Rússia são países do Sul Global que "não estão nem um pouco interessados em romper as relações com a Rússia ou aderir a esse regime de sanções".

<><> Crise na Europa é fruto da decisão política de apoiar EUA nas sanções

Gonçalves enfatiza que o declínio das economias europeias, sobretudo a da Alemanha, é resultado da decisão política tomada por países europeus de se submeterem à "orientação" e "obstinação" que os EUA têm de se manter como potência hegemônica, de governar o mundo, impondo seus valores e instituições para isso. Ele afirma que, no caso da Alemanha, a economia ia muito bem quando articulada com a economia russa. A Alemanha comprava gás russo relativamente barato e tinha na Rússia "um mercado importante para suas exportações".

Esse cenário mudou com a adesão da Alemanha ao que ele classifica como "loucura da Ucrânia", que foi a provocação que fizeram com a Rússia ao tentar integrar a Ucrânia à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

"Os próprios americanos explodiram os dutos de gás [Nord Stream], hoje isso não é mais segredo, todos sabem, os americanos admitem, os alemães não cobram isso. E os alemães e os demais europeus são obrigados hoje a comprar gás liquefeito transportado de navios norte-americanos para a Europa a um preço muitíssimo elevado, muito mais elevado do que aquele que compravam da Rússia", afirma Gonçalves.

Como resultado disso, acrescenta o especialista, o preço da energia subiu e a indústria alemã sofreu um baque muito grande, os custos de produção se elevaram demasiadamente, de modo que muitas empresas fecharam as portas e outras se transferiram para os EUA.

"Na Alemanha, há uma escandalosa desindustrialização que levou o país a uma crise econômica e, certamente, [o país] caminha para uma séria crise política. E isso é determinado não por uma lógica, por uma racionalidade econômica, mas pela lógica política de seguir acriticamente a posição dos EUA, mesmo violando os seus próprios interesses nacionais."

Portugal aponta que economias como do Reino Unido e da Alemanha devem ter um crescimento perto de zero neste ano, porque prescindiram de uma relação econômica até então relativamente estável e extremamente interessante, que era a parceria econômica no mercado energético com a Rússia, relativa ao gás natural e petróleo.

"E isso foi uma decisão geopolítica, não foi uma decisão pautada em benesses econômicas. Foi uma escolha de se distanciar da Rússia e apoiar o esforço de guerra ucraniano."

Ela afirma ainda que essas mesmas economias em crise paralelamente enfrentam o aumento da competição com a China, que vem ampliando a presença na Europa.

"A China vem ocupando mercados bastante relevantes na Europa, com destaque para o setor automobilístico, mas não apenas esse. Setores tecnológicos também estão sendo afetados por uma grande competitividade chinesa. Esses países estão vivendo um momento onde eles estão pagando mais pela sua energia, pagando além do que seria economicamente interessante para financiar um outro conflito [...]. E em outro aspecto econômico eles ainda estão lidando com uma grande competitividade chinesa dentro dos seus próprios mercados. Isso é possível perceber na queda dos lucros da Volkswagen na Alemanha, que tem gerado uma série de demissões e uma greve dos trabalhadores."

¨      Guerra comercial dos EUA com China se aproxima e comissário da UE propõe 'Europa em 1º lugar

O novo chefe da indústria da União Europeia (UE), Stéphane Séjourné, propôs usar a lógica de Trump, mas pondo a "Europa em primeiro lugar", visando o risco de o bloco acabar se prejudicando com uma possível guerra comercial entre China e EUA em função da política de tarifas anunciada pelo futuro presidente norte-americano.

Conforme Donald Trump se aproxima do dia de sua posse na Casa Branca, mais preocupado se torna o bloco europeu em função da possível implementação de tarifas prometida por Trump, que ameaça não apenas desestabilizar o comércio internacional, mas produzir efeitos colaterais intensos nas cadeias de produção.

De acordo com o Financial Times (FT), o vice-presidente da Comissão Europeia e comissário para a Prosperidade e Estratégia Industrial, Stéphane Séjourné, teme que a Europa se torne "uma vítima colateral de uma guerra comercial global".

Com o objetivo de tentar restaurar a competitividade industrial europeia, que tem sofrido duros baques desde a crise de 2008, a nova Comissão tem manifestado diferentes opiniões sobre como tentar mitigar o problema. Algumas vozes têm manifestado o desejo de aprofundar as relações com os EUA, em uma tentativa de barganhar um lugar privilegiado na lista de tarifas de Trump, enquanto outras, como Séjourné, têm pensado em reverter a lógica para proteger seu mercado doméstico.

"Acredito fundamentalmente que a Europa tem tudo a ganhar por estar aberta ao mundo", disse Séjourné, de acordo com a apuração. Mas "quando a China diz 'Made in China' [Feito na China] ou os EUA dizem 'America First' [América em Primeiro Lugar], devemos dizer: 'Made in Europe' [Feito na Europa] ou 'Europe First' [Europa em Primeiro Lugar]".

A preocupação do comissário é que, com o "fechamento" do mercado dos EUA, a Europa acabe se tornando um destino frágil para o escoamento da produção, que facilmente poderia minar sua capacidade produtiva.

"Não se trata de protecionismo, porque a Europa realmente não tem interesse em uma guerra comercial global", acrescentou a autoridade, afirmando que o crescimento é fruto do desenvolvimento estratégico das indústrias europeias.

Mas protecionismo tem sido uma palavra recorrente nas análises econômicas sobre o que o mundo pode experimentar já em janeiro de 2024 com a chegada de Trump à Casa Branca pela segunda vez. Indústrias tidas como "históricas" na Europa têm sofrido efeitos devastadores, quer seja pelos preços praticados pelo setor energético, quer seja pela "invasão" de produtos chineses que conseguem praticar preços mais baixos em função dos custos de produção e alta escala.

"Queremos dar vida a uma política industrial europeia e a uma doutrina econômica, que não tivemos até agora", disse Séjourné. Sua afirmação, no entanto, tem como pano de fundo uma série de esforços para contornar problemas com a indústria criativa europeia e as perdas de centenas de milhões em investimento.

¨      Especialista: tentativa de aproximação de Biden a Angola é 'sintomática' da visão dos EUA da África

Com menos de dois meses para deixar o cargo, Joe Biden está embarcando em sua viagem inaugural à África como presidente, viajando para Angola de 2 a 4 de dezembro. A Casa Branca diz que a visita é para reafirmar seu "compromisso de fortalecer nossas parcerias em toda a África". Mas os africanos não são ingênuos, diz um importante observador local.

"Esta é uma viagem histórica. Estamos animados com isso", disse um funcionário da Casa Branca em uma entrevista coletiva com jornalistas no domingo (1º), na véspera da viagem de Joe Biden a Angola.

"[A viagem] marca a primeira visita de um presidente dos EUA à África em quase uma década, desde 2015. E também, o mais importante, esta é a primeira visita de um presidente dos EUA em exercício a Angola", acrescentou o funcionário.

"Juntos, os EUA e Angola estão trabalhando em conjunto para expandir oportunidades econômicas impactantes e de alto padrão e melhorar a paz e a segurança regionais", disse o funcionário, destacando o lugar de Angola na Estratégia dos EUA para a África Subsaariana, o documento de política de 2022 delineando os esforços de Washington para preservar a hegemonia do Ocidente na região, impedindo a China de "desafiar a ordem internacional baseada em regras" e impedindo a Rússia de usar "seus laços econômicos e de segurança" em países regionais para desafiar a narrativa dos EUA sobre a Ucrânia.

A viagem de Biden a Angola, que também incluirá uma breve parada em Cabo Verde, na costa da África Ocidental, é o segundo capítulo da apreciação de última hora de sua administração pela existência da África no ano que termina. Em maio, o presidente convidou o presidente queniano William Ruto a Washington para a primeira visita de Estado aos EUA de um líder africano em mais de uma década e meia para assinar um controverso pacto de segurança.

<><> Muito pouco, muito tarde?

"A visita de Biden é reconhecidamente destinada a combater a crescente influência da China no continente, mas não é preciso ser um cientista espacial para entender que é tarde demais para alguém enfraquecer, muito menos quebrar o vínculo entre China e África", disse o professor Alexis Habiyaremye, presidente de pesquisa em desenvolvimento industrial na Universidade de Joanesburgo, à Sputnik, comentando o verdadeiro propósito da viagem de Biden à região nos últimos momentos de sua presidência.

"Chegar em seu período de 'pato manco', enquanto ele também está fisicamente diminuído, é sintomático da interpretação errônea persistente dos EUA sobre o que é a África e qual é a relação entre China e África", enfatizou Habiyaremye.

"Biden espera convencer Angola e outros países africanos de que os EUA são um parceiro de investimento melhor do que China, Rússia ou Índia. No entanto, os africanos sabem por experiência própria que os investidores dos EUA não trazem nenhum benefício de desenvolvimento para o continente, já que seu objetivo principal é obter lucros a qualquer custo", disse o acadêmico.

No caso de Angola, os EUA podem estar tentando afastar o país da China em energia já que a China responde por quase três quartos das exportações de petróleo de Angola, de acordo com Habiyaremye.

"A Rússia é o principal concorrente em termos de segurança, e Angola ainda sofre com o trauma do apoio anterior dos EUA à sua desestabilização pelos rebeldes da UNITA", lembrou o acadêmico ao se referir à guerra por procuração da CIA contra Angola nos anos 1970-1980, que deixou até 800.000 mortos e grande parte do país em ruínas.

No final das contas, o mesmo tipo de abordagem neocolonialista à África pode ser esperado do sucessor de Biden, acredita Habiyaremye, lembrando o "desdém" que Donald Trump demonstrou em relação à África Subsaariana em seu primeiro mandato, incluindo seus comentários vis em 2018 rotulando as nações regionais como "países de m****".

"Sem nenhuma visão de longo prazo para cooperação, é improvável que Biden planeje estabelecer qualquer base, já que os EUA veem a África apenas como um espaço para confronto geopolítico. O objetivo principal é combater a China em vez de construir algo próprio", resumiu Habiyaremye.

¨      Scott Ritter apela a Trump a desistir de sanções após suas ameaças contra o BRICS

O ex-oficial de inteligência do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, Scott Ritter, apelou na rede social X ao presidente eleito dos EUA, Donald Trump, para desistir de medidas restritivas contra os países após as ameaças dele contra o BRICS.

"Se você quer levar o mundo de volta ao dólar, faça o dólar atrativo para o mundo. Pare com as sanções secundárias", respondeu Ritter.

Os EUA também devem devolver fundos confiscados aos países e dar a todos o acesso ao sistema de pagamentos SWIFT, disse ele.

"Faça o dólar acessível a todos. Caso contrário, ninguém vai querer usá-lo. E nenhuma de suas posições vai mudar opinião deles", concluiu Ritter.

No sábado (30), o presidente eleito Donald Trump disse que os membros da organização enfrentarão tarifas de 100% se não desistirem da ideia de criar uma nova moeda para substituir o dólar.

"Exigimos um compromisso desses países de que eles não criarão uma moeda BRICS, nem apoiarão nenhuma outra moeda para substituir o poderoso dólar americano, ou enfrentarão tarifas de 100% e dirão adeus às vendas para a maravilhosa economia dos EUA. Eles podem ir encontrar outro 'otário'! Não há chance de que o BRICS substitua o dólar americano no comércio internacional, nem qualquer país que tente dar adeus aos [Estados Unidos da] América", alertou Trump.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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