terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Luís Felipe Miguel: O governo nas cordas

Parece consenso que o anúncio do pacote de medidas econômicas pelo ministro Fernando Haddad foi uma trapalhada. Os petistas tentam fazer alarde com o aumento da isenção do imposto de renda para R$ 5 mil, como se fosse uma medida revolucionária, mas a verdade é que não cola.

Foi uma pequena tentativa de dourar uma pílula muito amarga – e, além disso, o comando do Congresso já avisou que não vai fazer a medida passar assim tão fácil.

É um pequeno aceno a uma camada que Fernando Haddad chama de “classe média” – remediados que se viram no fio da navalha. A classe média propriamente dita foi excluída, já que a tabela vai reonerar quem recebe acima de R$ 7,5 mil. E os mais pobres perdem com a restrição ao abono salarial (maldade quase gratuita, com impacto fiscal insignificante), redução do salário mínimo e novas regras para o BPC.

O pequeno imposto a ser cobrado dos ricos, se (e esse é um grande “se”) a medida for aprovada no Congresso, é muito pouco para instaurar um regime de taxação progressiva.

O governo Lula rendeu-se à pressão do capital e caminha na direção do austericídio.

Ao reduzir o reajuste real do salário mínimo, reforça a superexploração da força de trabalho e a vulnerabilidade dos aposentados. Caso a regra anunciada por Fernando Haddad estivesse em vigor desde o primeiro mandato de Lula, o salário mínimo hoje estaria em volta de R$ 1 mil – uma perda de quase 30%.

E combater fraudes sempre é bem-vindo, mas as novas regras do BPC penalizam muitas famílias, aquelas que têm mais de uma pessoa em situação de dependência (idoso ou com deficiência).

Parece que a ideia de crescimento com estímulo ao mercado interno, um pilar da política econômica lulista, foi abandonada. Parece que o compromisso de combater a pobreza extrema foi desinflado.

Fernando Haddad e, por conseguinte, Lula abraçaram o fiscalismo e o discurso da redução do Estado, praticamente sem resistência.

A reação do “mercado” mostrou que ainda é pouco. Mas Fernando Haddad já se encontrou com os banqueiros e sinalizou que está disposto a ceder ainda mais.

A alta do dólar foi aquele combo gostoso: pressionar por mais cortes, desgastar um governo que não é considerado plenamente confiável e ainda ganhar na especulação.

Roberto Campos Neto, um bolsonarista desavergonhado, não fez nada para conter o câmbio. Triste foi ver Gabriel Galípolo, seu sucessor indicado por Lula, aplaudindo a inação do Banco Central.

Como o governo vai manter o discurso contra os juros altos com Gabriel Galípolo comandando o Banco Central? Vai ficar claro que é só teatrinho.

Não é só o ajuste. Lula sancionou sem vetos a lei que “disciplina” a farra das emendas parlamentares, aceitando, sem luta, o sequestro do orçamento público pela elite política predatória – logo, a imobilização de seu próprio governo.

Também não é capaz de dar um passo para emparedar o golpismo militar, mesmo em seu momento de maior fragilidade. Preferiu aproveitar a oportunidade para incluir no pacote a redução de alguns privilégios imorais do oficialato, julgando que agora a resistência fardada seria menor. Um recado claro: ajudem no “ajuste” e a gente deixa quieto o golpismo de vocês.

Vão dizer que “com esse Congresso não dá”, que “a correlação de forças é negativa”. Verdade. Mas cadê a lendária capacidade de articulação política de Lula? Cadê sua habilidade para encontrar brechas e construir consensos?

Vemos um governo nas cordas. O pior: sem qualquer ânimo para reagir e esboçar uma defesa de sua base social. Sua liderança está cindida entre um presidente envelhecido, que não está sabendo se posicionar diante de circunstâncias bem diversas daquelas de seus primeiros mandatos, e um ministro da Fazenda que se rendeu completamente à ortodoxia fiscalista.

Com o PT entre rendido e acuado e o PSOL boulista transformado em ala externa do PT, falta uma oposição à esquerda que pelo menos aumente o ônus da adoção de medidas antipovo.

Teria sido melhor eleger Simone Tebet. Pelo menos a gente tinha esperança de que a CUT buscasse alguma mobilização, em vez de se limitar a lançar uma nota anódina.

 

¨      Voo das borboletas…Por Antonio Machado

No fim de 2022, acompanhado do vice-presidente Geraldo Alckmin, de Fernando Haddad e Aloizio Mercadante, o presidente Lula ouviu de um interlocutor, numa reunião fechada e amistosa, uma sugestão: “Se o senhor não mudar a atual política econômica, o governo vai fracassar em seis a 12 meses”.

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Não fracassou, mas, quase 24 meses depois, ainda estar discutindo assuntos fiscais, tomando susto do mercado financeiro, e antecipar para a segunda metade do mandato a continuidade da dominância dos resultados orçamentários e do Tesouro Nacional, subestimando tudo que diga respeito à economia da oferta vis-à-vis o estímulo moto contínuo do consumo, é muito questionável falarmos de sucesso.

Alguma dúvida o presidente teve ou não teria convidado André Lara Resende, que participou da equipe de transição e entregou algumas ideias, para ocupar o Ministério do Planejamento. Ele não aceitou por razões pessoais e Lula nomeou Simone Tebet, que queria a pasta do Bolsa Família, na verdade, mas foi vetada pelo PT.

Tebet virou extensão de Haddad, ministro da Fazenda, rompendo uma liturgia aplicada por Lula de 2003 a 2010. Para se informar sobre as possibilidades e poder arbitrar a decisão, ele tinha na pasta do Planejamento um ministro com visão menos ortodoxa que o titular da Fazenda. Na prática, tem sido ele mesmo o que Mantega foi para Palloci. E Tebet, no auge da preparação e repercussão danosa do pacote fiscal de Haddad, saiu a lançar um livro de memórias, “O voo das Borboletas”. Pouco foco, muita distração e visão embaçada.

O ponto central é que o Brasil é a última economia de consumo de massa ainda não realizada. A caminho de sê-la contam-se a China, que é “fabrica do mundo” mas reprime o consumo doméstico para ter excedentes exportáveis pesadamente subsidiados, Índia e Indonésia.

O jeito de pôr o Brasil nessa lista, havendo mais de 100 milhões de pessoas recebendo algum cheque do governo, entre beneficiários do INSS, Bolsa Família e servidores, representando R$ 1,6 trilhão, ou 15% do PIB, é criando empregos, seguido de um prazo longo, tipo dez anos, para desligar quem ganhar autonomia desses programas.

<><> O cabresto é manso

O que temos desde o desastre de um governo e meio de Dilma? Muita tentativa de encabrestar o gasto público. Como fazê-lo se a marca dos governos petistas é a pegada social? Atentem: foi isso também o que fizeram para reeleger Bolsonaro, ele que até então só tinha impropérios para o Bolsa Família. Foi assim que o Auxílio Brasil, codinome do BF, foi elevado de quase R$ 200 para R$ 600.

Não restou a Lula que anunciar que não só manteria, como o faria somar-se a mais um adicional de R$ 150 por criança de até 6 anos e R$ 50 para cada pessoa entre 7 e 17 anos, gestante ou lactante. O caso é que não parou por aí: anunciou o reajuste do salário mínimo pelo INPC de 12 meses mais a variação do PIB de dois anos antes, além da isenção do IR até R$ 5 mil de renda mensal.

Faltou cuidado nessas promessas. Desde Bolsonaro, os cadastros de programas sociais foram tratados como porta arrombada, algo ainda não resolvido pelas operações “pente fino” do atual governo. Certo e garantido é que a assessoria de campanha desconhecia ou não deu importância ao fato de que desde meados de 2019 entraram em todos os programas de transferência de renda 19 milhões de pessoas.

Com mais gente e mais renda transferida, não tinha como o teto de gasto, criado no governo Temer, não ruir. Mas também o “arcabouço” de Haddad criado para substituí-lo, prevendo um mínimo de variação da despesa entre 0,6% e 2,5% acima da receita do ano anterior, não para em pé. Ainda mais com a volta da vinculação do dinheiro para educação e saúde ao crescimento da receita líquida federal.

A pá de cal veio com o agigantamento das emendas parlamentares – quase do tamanho da verba dos investimentos inserida no orçamento.

<><> Inversão de prioridades

Em suma: assiste-se uma inversão de prioridades desde o governo Temer. Em vez de teto de gasto, congelado ao realizado em 2016 e corrigido pela inflação anual, deveria ter havido empenho para a reforma da previdência, que estava madura graças à diligência do então presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Foi aprovada em 2019.

Não é o gasto que precisa de trancas, é o escrutínio contínuo do que os governantes e parlamentares fazem com ele. É definir tanto a educação de qualidade, com viés tecnológico, quanto a geração de empregos como a variável principal da política econômica e social, operando os programas de renda como rede de última instância.

É entender que mais que dinheiro subsidiado a economia carece de projetos muito bem elaborados, como tem sido o caso de concessões, em especial de rodovias, para os quais não falta dinheiro privado nacional e estrangeiro. O chamado “project finance” era tímido ao tempo do PAC-1. Hoje, é o que faz deslanchar a infraestrutura no mundo – como de data centers, de energia limpa e de baterias.

Isso requer uma macroeconomia estável de juro e câmbio. No caso brasileiro, a compreensão de que estamos à mercê de um problema de disfuncionalidade da governança do Estado mais que de “gastança” – expressão preferida dos fiscalistas – teria ajudado o governo a deslanchar o investimento e depender menos dos auxílios de renda para tentar se manter competitivo no mercado do voto. Até agora a compreensão é pequena, embora ela exista na proximidade de Lula.

<><> Gatinho de especulador

O país está bem, desde que a política e a governança pública não atrapalhem e não confundam o bom e velho planejamento com o que a nova direita dos EUA critica como “fundamentalismo de mercado”. O protagonismo não é do governo X nem do partido Y. É coletivo.

Isso, depois do fiasco do pacote de desaceleração de gasto que o governo diz representar uma economia de R$ 70 bilhões em dois anos e economistas como Mansueto Almeida, do BTG, estimam em não mais que R$ 46 bilhões, vai exigir menos pancadas no setor privado, um vício populista, e mais pragmatismo.

Por exemplo: parar de achar o Banco Central como algoz e não instância derradeira do que a macroeconomia produziu. Mas também considerar que um BC sem poder operar na curva de juros e no câmbio é gatinho de especulador.

Enfim, como diz o economista Fernando Montero, o pacote não dá os 70 bi anunciados, que não dão as metas e as metas não estabilizam a dívida. “Se a fé no arcabouço desse câmbio e juros comportados, a dinâmica fiscal teria meio caminho andado porque, à diferença do tempo da Dilma, a economia privada está um brinco. E déficit de confiança é mais sério porque temos juros de destruição em massa.”

Se pararem de improvisar e forem profissionais, pode dar certo.

 

¨      Por quê ninguém está falando da cobertura cambial? Por Mauro Patrão

Em 2006, o Brasil sofria com uma enxurrada de dólares e a desvalorização excessiva do dólar (valorização excessiva do real).

O governo editou uma medida provisória convertida na Lei 11371, flexibilizando a chamada cobertura cambial, que é a obrigação dos exportadores brasileiros em internalizar os dólares das suas vendas externas.

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Essa lei permitiu que o Conselho Monetário Nacional-CMN fixasse um percentual de 0 a 100% desses dólares que poderia permanecer no exterior sem serem internalizados.

Em 2006, esse percentual foi fixado em 30%.

Em 2008, ainda antes da crise internacional, o CMN aumentou a flexibilidade para 100%.

Essa lei poderia então ser usada neste momento, em que vivemos uma valorização excessiva do dólar (desvalorização excessiva do real), de modo a restaurar parcialmente a cobertura cambial, diminuindo sua flexibilidade para menos de 100%.

O problema é que em 2021 a dupla Campos Neto e Paulo Guedes propôs e o o congresso aprovou a Lei 14286, que simplesmente retirou o poder do CMN de fixar o grau de flexibilidade da cobertura cambial, de modo que a cobertura cambial foi completamente extinta.

Essa lei foi regulamentada pelo Banco Central no finalzinho de 2022, no apagar das luzes do governo Bolsonaro e sua não transição de poder.

Não seria o caso do governo propor ao congresso restituir ao CMN o poder de fixar o grau de cobertura cambial?

Já que recentemente exportamos cerca de 100 bilhões de dólares a mais do que importamos, restaurar parcialmente a cobertura cambial não seria uma boa maneira de normalizar o mercado de cambio e diminuir a especulação que estamos presenciando nos últimos tempos?

Aliar o grau de cobertura cambial às reservas internacionais e aos swaps cambiais seria uma maneira efetiva e sem custos de aumentar as ferramentas do governo para gerir a economia.

 

¨      Mais ricos terão de pagar apenas 2,7% de IR a mais sobre a renda

Dados do Imposto de Renda Pessoa Física apontam que, entre as 384 mil pessoas mais ricas do Brasil, os dois terços que terão de pagar mais imposto terão de desembolsar, em média, apenas 2,7% sobre a renda. 

O economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Sergio Wulff Gobetti, afirma que a diferença “é pouca para tanto barulho”. 

“O imposto a mais que milionários terão de pagar não é só muito pouco, como é menos do que pagariam se fosse aprovado o texto original do PL 2337, de 2021, que previa tributação de 15% dos dividendos junto com redução do IRPJ. A desproporção das reações entre 2 casos é gritante”, publicou Gobetti na rede social X.

Para o economista, os argumentos de que o aumento tributário tem “motivações comunistas revolucionárias” ou ainda que deve gerar fuga em massa dos milionários para outros países apenas por conta de uma taxação adicional de 2,7% para as rendas mais altas é motivo para rir. 

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Ao longo da semana, o economista explicou ainda aos que veem o comunismo por todo lado, que o imposto mínimo de 10% para quem ganha acima de R$ 600 mil é muito menos do que se paga nos Estados Unidos. 

Outra constatação é a de que a medida equilibra as contas do país. “Temos 26 milhões de declarantes com renda tributável de até 5K pagando em média R$480 p/ ano. Além disso, as pessoas que ganham entre 5 e 7K também terão desconto. Custo total: 25 bi”, afirma Gobetti.

“No outro extremo temos 300 mil pessoas com uma renda média de R$ 3 milhões que hoje pagam em média 7,3% de IR. Essa turma terá de pagar 2,7% a mais para chegar ao mínimo de 10%, o que proporcionará  (vejam só) uma receita de aproximadamente 24 bi. Bingo”, conclui.

 

Fonte: A Terra é Redonda/Jornal GGN

 

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