terça-feira, 3 de dezembro de 2024

“Tramar contra o Estado de Direito é gravíssimo e merece medidas rígidas”, diz advogado Michel Saliba

Em entrevista ao programa Boa Noite 247, transmitido pela TV 247, o advogado Michel Saliba fez uma análise detalhada do relatório da Polícia Federal que investiga a tentativa de golpe de Estado associada ao ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados. Saliba defendeu ações firmes contra os envolvidos, criticou a impunidade histórica e avaliou os riscos políticos de medidas como a prisão preventiva de Bolsonaro. “Tramar contra o Estado de Direito é um dos delitos mais graves que temos”, afirmou.

O advogado traçou um panorama histórico sobre as raízes do autoritarismo no Brasil, apontando que setores saudosistas da ditadura militar sempre representaram cerca de 30% do eleitorado. Ele relacionou esse apoio ao fortalecimento de figuras como Jair Bolsonaro, especialmente após o desgaste político causado pela Operação Lava Jato. “A Lava Jato trabalhou para destruir a imagem não só de Lula e do PT, mas também de figuras como Marina Silva e Geraldo Alckmin, facilitando a ascensão de Bolsonaro”, observou.

<><> Planejamento de golpe e riscos de fuga

Sobre o conteúdo do relatório da Polícia Federal, Saliba destacou que a tentativa de golpe não foi um ato improvisado, mas sim uma trama planejada desde 2019, envolvendo militares e civis. Segundo ele, evidências como mensagens e documentos revelam que Bolsonaro estava ciente e diretamente envolvido no planejamento. “O relatório é assombroso. Ele traz provas contundentes de que havia um esquema para desacreditar as urnas e preparar um golpe ainda antes da posse de Lula”, explicou.

Quando questionado sobre a possibilidade de fuga dos investigados, incluindo o ex-presidente, Saliba foi categórico: “Apenas retirar os passaportes desses envolvidos não é suficiente. Há o risco real de fuga, inclusive para países como a Argentina, onde poderiam buscar asilo político.” Ele defendeu o uso de medidas cautelares como tornozeleiras eletrônicas para monitorar os suspeitos, especialmente aqueles com indícios mais robustos de envolvimento, como os generais Braga Netto e Augusto Heleno.

<><> Impacto político e cautela com Bolsonaro

Embora reconheça os crimes graves atribuídos a Bolsonaro, Saliba argumentou contra sua prisão preventiva, citando razões políticas. “Ele usaria a prisão como trunfo para se vitimizar e fortalecer sua base de apoio. É melhor expô-lo publicamente, mostrando sua culpa, até que seja condenado definitivamente”, ponderou. O advogado lembrou casos emblemáticos como o Mensalão e a prisão de Lula para reforçar a necessidade de prudência em decisões que envolvem figuras públicas de alta relevância política.

<><> Militares e sociedade civil sob suspeita

Saliba também chamou atenção para o papel das Forças Armadas e de setores da sociedade civil no apoio à tentativa de golpe. Segundo ele, há indícios de que empresários e fazendeiros do Centro-Oeste e do Sul do país financiaram mobilizações antidemocráticas, incluindo os atos de 8 de janeiro. “Esses setores sabiam que a trama estava em curso. A impunidade histórica de militares e civis que atentaram contra a democracia é a madrasta dessa repetição trágica que vivemos no Brasil”, afirmou.

<><> Oito de janeiro: “uma tentativa desesperada”

Para Saliba, os ataques de 8 de janeiro foram fruto do desespero após o fracasso de planos mais ambiciosos. Ele criticou a leniência de autoridades militares que, embora tenham rejeitado o golpe, não tomaram medidas legais contra os conspiradores. “O que ocorreu em janeiro não foi algo espontâneo. Havia cumplicidade de setores das forças de segurança, que preferiram assistir à barbárie em vez de agir.”

<><> Perspectivas para o futuro

O advogado concluiu sua análise com um tom cauteloso, afirmando que, mesmo com punições exemplares, o Brasil ainda enfrentará desafios para consolidar sua democracia. “Temos um número significativo de apoiadores da extrema direita, que continuarão presentes. A impunidade histórica e a falta de delimitação clara do papel dos militares na sociedade ainda são barreiras para o nosso avanço democrático”, avaliou.

 

•                        Fatos muito graves e aposta no caos, avalia historiador sobre golpe

“Os fatos foram muito graves e não ficaram apenas no plano dos discursos e do tensionamento político contra a democracia, mas apostaram e trabalharam pelo caos social e pela volta da ditadura”. A avaliação sobre os fatos recentemente revelados pela Polícia Federal a respeito da tentativa de golpe contra a democracia do país é do historiador Marcos Napolitano, professor do curso de História da Universidade de São Paulo (USP), pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e especialista na república brasileira, com ênfase no período militar.

Para Napolitano, o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Polícia Federal fizeram o que deviam, “o que já é um avanço”, e agora é preciso aguardar a posição da Procuradoria Geral da República (PGR), que vai decidir se abre ou não inquérito para apurar as responsabilidades dos envolvidos na intentona golpista, urgida sob o governo do então presidente Jair Bolsonaro.

O historiador disse também que, uma das razões sobre o golpe não ter prosperado, foi a existência de mais consensos liberal-democráticos nas instituições políticas e jurídicas do que no passado. Mas, para ele, a principal razão para o fracasso golpista foi a falta de organização e de apoio institucional, principalmente por parte de setores liberais e da classe média, “que desta vez não embarcaram na aventura, ao contrário de 2016” – quando a presidenta Dilma Rousseff foi deposta pelo Congresso Nacional num controverso processo de impeachment.

“Os golpistas de 2022 tinham até um razoável apoio na sociedade, mas sem apoio institucional nas Forças Armadas, nos grupos políticos organizados (partidos, associações civis), na imprensa e no parlamento, golpes dificilmente prosperam. Mas isso não diminui a gravidade do crime cometido contra a democracia por lideranças civis e militares entre 2022 e início de 2023”, explicou Napolitano.

O pesquisador disse ainda que a recente tentativa de golpe é “um filho, ainda que indesejado, da crise política de 2015 e 2016 e do lavajatismo”. Conforme Napolitano, “as lideranças e simpatizantes da extrema direita se animaram com o golpe de 2016, que foi basicamente um golpe parlamentar com apoio social e jurídico”. Mas, para ele, “ficaram com a sensação de que aquele trabalho não foi bem feito, posto que Lula ainda podia voltar ao poder pela vida eleitoral”

Napolitano recordou que houve vários golpes de Estado entre 1950 e 1964, “alguns muito estapafúrdios e tresloucados”. “De tanto errar os golpistas aprenderam e se organizaram melhor para 1964”, comentou. Por isso, o pesquisador acredita que é preciso “ficar alerta, punir tentativas de golpes e não ficar no discurso otimista de que ‘nossas instituições são forte’ ou ‘a sociedade não aceita mais golpes de Estado”.

Para dar bases mais sólidas para a democracia brasileira e inibir novas intentonas golpistas, ele acredita que é preciso “fortalecer a crença na democracia e nas formas negociadas de resolução de conflito no dia a dia do cidadão comum de todas as classes e grupos sociais, nas escolas, igrejas, famílias e vizinhanças”. Mas, ressalta: “isso é muito difícil em um país extremamente desigual, violento e com uma cultura política autoritária resiliente entre os próprios atores institucionais, inclusive”.

Também, conforme Napolitano, é preciso que “as elites políticas de todas as ideologias saibam isolar aventureiros e golpistas que surgem de quando em quando dentro do próprio sistema político e que tenham seriedade para administrar o país de maneira minimamente decente e republicana”. E conclui: “E, por fim, punir os golpistas civis e militares de maneira exemplar e dentro dos marcos da lei”.

 

•                        "Por um triz, evitamos o golpe, por um triz derrotamos o 8 de janeiro. Não podemos continuar vivendo no limite", diz Genoino

José Genoino, ex-deputado federal e ex-presidente do PT, participou de uma entrevista na TV 247, conduzida por Dafne Ashton. O programa, intitulado Conversa de Política, trouxe uma análise aprofundada sobre os recentes áudios vazados que expõem planos golpistas ligados ao governo de Jair Bolsonaro. Genoino destacou que o Brasil passou por um risco iminente de mergulhar em uma ditadura militar, uma trama que, segundo ele, teve como base um projeto golpista articulado entre setores militares e civis.

Durante o programa, Genoino apontou a gravidade das revelações trazidas pelos áudios divulgados, que mostram uma tentativa estruturada de rompimento da ordem democrática. "Essa trama golpista faz parte de um projeto que tinha nas Forças Armadas sua principal sustentação", afirmou, ressaltando que havia uma clara divisão entre militares golpistas, omissos e aqueles que preferiram "pagar para ver". Ele reforçou que a transição política e democrática do Brasil deixou intocados os mecanismos de tutela militar, perpetuando um risco à estabilidade democrática.

<><> Reforma e punição: os desafios internos

A questão militar foi o ponto central da entrevista. Genoino argumentou que o Brasil precisa enfrentar de forma decisiva a autonomia das Forças Armadas, que, desde a redemocratização, têm mantido uma posição de tutela sobre os demais poderes. "Se não discutirmos a reforma institucional e enfrentarmos a tutela militar, continuaremos vulneráveis a aventuras autoritárias", afirmou.

Ele citou episódios recentes, como os acampamentos em frente aos quartéis e o vandalismo dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, como exemplos da impunidade e da falta de controle sobre as forças militares. "As hidras golpistas estão germinando dentro de um ambiente favorável de omissão e conivência", alertou.

Genoino também criticou a atuação do governo e do ministro da Defesa, José Múcio, que minimizou as responsabilidades individuais e institucionais de militares envolvidos em atos golpistas. "Não dá para reduzir isso a CPFs e CNPJs. É preciso reformar a instituição e punir os envolvidos", reforçou.

<><> O papel da sociedade civil e do judiciário

Outro ponto abordado foi a importância da mobilização popular para pressionar por justiça e mudanças estruturais. Ele relembrou o grito "Sem Anistia", entoado pela população durante a posse do presidente Lula, como um símbolo da luta contra a impunidade. "Devemos transformar esse grito em uma agenda de 2024 e 2025", disse.

Genoino elogiou o trabalho do ministro do STF Alexandre de Moraes, responsável por conduzir as investigações sobre os envolvidos na tentativa de golpe. Contudo, ele alertou para o risco de que forças conservadoras tentem enfraquecer ou deslegitimar as ações do Judiciário. "Há um movimento sutil para diminuir o alcance das punições e salvar figuras-chave do projeto golpista", afirmou.

<><> "Por um triz": o impacto das revelações

A retirada do sigilo sobre documentos e áudios relacionados às tentativas de golpe trouxe novos elementos para a análise da crise política. Genoino destacou que o fracasso da intentona golpista deve servir como um alerta para o Brasil. "Por um triz, evitamos o golpe, por um triz ganhamos a eleição, por um triz derrotamos o 8 de janeiro. Não podemos continuar vivendo no limite", concluiu.

O ex-deputado enfatizou que, além das reformas institucionais, é fundamental aprofundar o debate sobre a democracia, mobilizar a sociedade e enfrentar a herança autoritária que persiste nas estruturas do Estado. "Não se trata apenas de entender o passado, mas de mudar o futuro", finalizou.

 

•                        A história completa do golpe não será contada tão cedo. Por Ricardo Noblat

À medida que avança a investigação sobre a tentativa de golpe para abolir com violência o Estado Democrático de Direito, cresce a suspeita de que ainda conhecemos muito pouco o que de fato aconteceu ou poderia ter acontecido. A Polícia Federal deve guardar parte do que descobriu para revelar só mais adiante.

Entre as 884 páginas do relatório da Polícia Federal recém-divulgado, há uma mensagem que é mais do que assustadora. Assinada pelo coronel Reginaldo Vieira de Abreu, que servia no Palácio do Planalto, ela diz que havia um racha no Alto Comando do Exército quanto a aderir ou não à proposta de um golpe.

O Alto Comando do Exército é formado por 16 generais de quatro estrelas. Na mensagem em áudio de Vieira de Abreu, que atuava como chefe de gabinete do general Mário Fernandes, à época secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência, ele informava a um dos seus superiores não identificado:

– Cinco [dos 16 generais] não querem [o golpe], três querem muito e os outros [estão na] zona de conforto. Infelizmente. A lição que a gente deu para a esquerda é que o Alto Comando tem que acabar.

Ele não deu o nome dos três generais que queriam muito o golpe, nem explicou o que queria dizer ao se referir a zona de conforto. Com certeza, um dos três generais era Estevam Theophilo, que no final de 2022 reuniu-se com Bolsonaro e se pôs à disposição da trama golpista, segundo o tenente-coronel Mauro Cid.

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É mais do que razoável supor que os cinco generais contrários ao golpe saibam o nome dos seus outros dois colegas golpistas não citados nem por Vieira de Abreu nem por Mauro Cid. Eles também devem saber o significado da expressão “zona de conforto”. Seria o equivalente a “em cima do muro” para ver no que tudo daria?

Não contem com a ajuda dos generais legalistas para que se vá mais longe do que a Polícia Federal já foi – e nem mesmo com o empenho da Polícia Federal para desvendar o que possa causar maiores embaraços às Forças Armadas. Fala-se nos quarteis e fora deles que tudo foi longe demais e que é melhor parar por aqui.

Há uma linha vermelha invisível traçada no chão que os investigadores do golpe não devem ultrapassar em hipótese alguma; se ultrapassarem, a casa vai balançar.

 

•                        Governo Bolsonaro pagou viagens para indiciado pela PF mostrar suposta fragilidade da urna eletrônica, aponta inquérito do golpe

As investigações da Polícia Federal sobre o inquérito do plano golpista apontaram que, em 2021, no governo Jair Bolsonaro (PL), o Ministério da Ciência e Tecnologia pagou duas viagens de urgência para o engenheiro Carlos Rocha, com o objetivo de mostrar suposta falta de segurança do sistema eleitoral brasileiro contra fraudes. Dinheiro público – R$ 7,7 mil – foi usado para que Rocha viajasse a Brasília (DF) se encontrar com o então titular do ministério e atual senador Marcos Pontes (PL-SP) em duas datas: 23 de julho e 30 e julho de 2021.

A PF indiciou o engenheiro, o político da extrema-direita e mais 35 pessoas na investigação da trama golpista. O valor de quase R$ 8 mil foi para custear a viagem do engenheiro. Presidido por Valdemar Costa Neto, o PL contratou Carlos Rocha por R$ 1 milhão para fazer um relatório que apontou, sem provas, indícios de fraudes nas urnas eletrônicas no 2º turno da eleição de 2022.

As investigações apontaram que o plano golpista envolvia o assassinato do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.

Após o indiciamento da PF, a Procuradoria-Geral da República está analisando as investigações. Caso opte pela denúncia, o caso será julgados em órgãos de terceiro instância jurídica como o STF.

 

•                        “Não cabe aos criminosos golpistas escolher quem os julgará”, escrevem juristas

Em artigo assinado neste domingo (1) na Folha de S.Paulo, Pedro Serrano, advogado, doutor em direito do Estado e professor de direito constitucional e de teoria do direito (PUC-SP) e Fernando Hideo Lacerda, doutor em direito e professor da Escola Paulista de Direito refutam a tese defendida pelo editorial do jornal intitulado "Suspeitas graves exigem tanto rigor como equilíbrio" de afastar o ministro Alexandre de Moraes da relatoria dos processos sobre a intentona golpista da extrema direita liderada por Jair Bolsonaro.

Os dois juristas afirmam que o editorial da Folha defende “uma compreensão equivocada do princípio do juiz natural em face da própria natureza dos crimes em apuração.”

“O atentado contra o ministro Moraes não foi um ataque à sua pessoa, mas à figura institucional que desempenhava papel central no funcionamento do Estado democrático de Direito enquanto presidente do Tribunal Superior Eleitoral durante as eleições e relator do inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal. Afastá-lo da relatoria seria conceder aos investigados o poder de manipular a jurisdição, violando o princípio constitucional do juiz natural”, escrevem.

“Admitir tal afastamento equivaleria a permitir que criminosos escolham seus julgadores. Essa possibilidade criaria um precedente que ameaça a independência do Judiciário e fragiliza a democracia. A questão é ainda mais relevante no contexto atual, em que se apura uma clara tentativa de ruptura institucional”, enfatizam.

“As investigações da Polícia Federal revelaram que o atentado contra o ministro Alexandre de Moraes foi uma etapa de um plano estruturado e coordenado, com múltiplos núcleos de atuação, para subverter a ordem democrática e dar um golpe de Estado, que tinha por objetivo final impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e manter Bolsonaro no poder.”

 

Fonte: Brasil 247/Metrópoles

 

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