terça-feira, 3 de dezembro de 2024

PER-SUS: financiamento é um dos desafios de nova fase de expansão anunciada pelo Ministério da Saúde

A radioterapia desempenha um papel fundamental no tratamento do câncer, ao lado da quimioterapia e da cirurgia, com mais de 60% dos pacientes oncológicos contando com essa modalidade em seu tratamento. Apesar de ser um direito assegurado a todos os cidadãos brasileiros pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a realidade é desafiadora: a escassez de equipamentos, os longos períodos de espera para o início do tratamento e o subfinanciamento dos serviços ainda representam barreiras significativas ao acesso a essa terapia essencial.

Segundo a Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT), a cada ano, aproximadamente 73 mil pacientes que precisam de radioterapia não recebem o tratamento pelo SUS. Esse cenário se torna ainda mais preocupante, considerando que cerca de 75% da população brasileira depende integralmente da assistência do sistema público de saúde.

Para avançar no cuidado à saúde nessa área, o Ministério da Saúde lançou, em 2012, o Plano de Expansão da Radioterapia no Sistema Único de Saúde (PER-SUS). A meta inicial era instalar 100 máquinas novas em todo o país até o final de 2022. Até julho deste ano, 92 soluções estavam previstas, com 61 concluídas e 28 em execução. Agora, o Ministério da Saúde dá início a uma nova fase do PER-SUS, com o objetivo de ampliar e qualificar o acesso ao tratamento do câncer no Brasil. Por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), está prevista a substituição de 56 equipamentos obsoletos de radioterapia em diversos hospitais habilitados ao longo do território nacional. O programa tem previsão de encerramento para a metade de 2025.

Especialistas ouvidos pela reportagem alertam que, apesar da iniciativa refletir a preocupação do Ministério em expandir o acesso ao tratamento ao câncer no país, ainda persistem desafios que requerem maior atenção, entre eles, o subfinanciamento. “Reconhecemos que é um programa positivo”, destaca Gustavo Nader Marta, presidente da SBRT. “[No entanto], o principal ponto é que não se tem uma ação estruturada para se garantir a sustentabilidade econômica da radioterapia no país” que, de acordo com Marta, não se resolve somente com a distribuição de equipamentos. Essa perspectiva, segundo ele, foi comunicada ao Ministério da Saúde em diversas oportunidades.

A falta de um olhar para a sustentabilidade econômica pode ser observada no próprio valor projetado do ticket médio de reembolso por paciente, congelado há mais de dez anos. O reembolso, que deveria ser suficiente para cobrir os custos operacionais mínimos, não cobre nem 50% do custo total do tratamento de radioterapia, segundo mostra o estudo Projeto RT2030, da SBRT.

Em 2012, o valor reembolsado era de US$ 1.567 por paciente, mas caiu para US$ 831 em 2022, representando uma redução de 43% ao longo de dez anos. Essa queda ocorreu mesmo diante de uma inflação acumulada de 80% e uma desvalorização cambial de 150%. Para atender à recomendação internacional de tratar 600 pacientes anualmente por acelerador linear, o valor ideal de reembolso deveria ser de R$ 12,5 mil, enquanto o valor atual é de apenas R$5,5 mil.

•                        Plano de Expansão da Radioterapia (PER-SUS)

“O programa PER-SUS é importantíssimo para o país, na promoção de importantes avanços, porém precisa ser mais ofensivo e garantir maior volume de recursos em menor tempo para reduzir o tempo de início de tratamento e produzir melhores desfechos”, afirma Marlene Oliveira, fundadora e presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida. Para ela, o PER-SUS deve garantir não apenas a aquisição de novos equipamentos, mas também possibilitar a atualização dos já existentes, aumentando a capacidade produtiva e aprimorando o tratamento do câncer com maior precisão e eficácia.

Dados do Câncer Brasil feito pelo Instituto Lado a Lado Pela Vida com informações do Instituto Nacional do Câncer (Inca) e do Ministério da Saúde mostram que, do total investido em tratamentos oncológicos no Brasil em 2023, apenas 14% foi alocado para a radioterapia. O percentual cresceu em relação a 2017, quando a radioterapia representava 10% do investimento total, mas é ainda pequeno em comparação aos 2,7 bilhões de reais despendidos, em 2023, em quimioterapia no país.

Em relação ao avanço da nova fase do PER-SUS, o Ministério da Saúde informou, no final de novembro, que 64 soluções de radioterapia haviam sido implementadas, e 26 obras estavam em execução, ampliando o atendimento em 25 estados e 76 municípios brasileiros. Concluído, o projeto permitirá pelo menos 18 mil novos tratamentos oncológicos, segundo a nota do MS. O detalhamento das obras já concluídas, assim como das que estão em andamento, pode ser acompanhado por meio de documento, atualizado pelo MS.

A substituição de equipamentos de radioterapia é importante porque essas máquinas têm vida útil de cerca de 15 anos. Ainda assim, Gustavo Marta, da SBRT, comenta que “é mais uma ação focada exclusivamente na substituição de parque, o que não resolve o grande gargalo dessa sustentabilidade econômica”. Para ele, outro ponto que merece atenção é a utilização de equipamentos doados pelo governo por serviços que atendem pacientes fora da rede pública. Seria preciso, neste caso, redirecionar esses recursos para que sejam utilizados exclusivamente pelo SUS, diante dos gargalos significativos no atendimento.

Segundo ele, a falta de um suporte econômico contínuo para a radioterapia pode comprometer a qualidade dos serviços prestados, já que muitos estabelecimentos são forçados a operar em turnos excessivos para se manterem.

Além dos equipamentos, outra novidade do PER-SUS é a estruturação de uma parceria público-privada na construção do novo campus do Instituto Nacional do Câncer (Inca) e de dois novos Centros Especializados do Grupo Hospitalar Conceição (GHC). Em nota, o Inca disse a parceria entre os dois entes “vai ampliar a capacidade de investimento em novos aparelhos de saúde, bem como qualificar a prestação do serviço, especialmente na construção e na operação de áreas não assistenciais na saúde”.

Ainda segundo o instituto, a concessão administrativa é adotada no Campus Inca, focada na prestação de serviços compartilhados que operam de forma interdependente para atender o usuário final. Conforme a concessão, a operação dos serviços não assistenciais e a manutenção do complexo, chamados de Bata Cinza, são delegados ao setor privado. Já os serviços relacionados à assistência aos pacientes, conhecidos como Bata Branca, permanecem sob responsabilidade do Inca.

Para Helena Esteves, gerente de Advocacy do Instituto Oncoguia, a nova fase do PER-SUS representa um esforço para melhorar a situação da radioterapia no Brasil, com a expectativa de que as ações relacionadas ao diagnóstico precoce comecem a apresentar resultados mais claros no próximo ano.

•                        Gargalos ainda permanecem

Diversos fatores afetam o tratamento de radioterapia no país, especialmente a regulação na saúde, como comenta Esteves. “Os pacientes enfrentam longas esperas e, muitas vezes, acabam se desencontrando no sistema de saúde”. Ela destaca a desconexão entre os sistemas de regulação municipal e estadual como um fator complicador, que dificulta o fluxo e a agilidade no atendimento. Além disso, os chamados ‘vazios assistenciais’ obrigam muitos pacientes a viajarem longas distâncias para encontrar centros com tratamento adequado, o que pode significar deslocamentos diários ou até mudanças temporárias para cidades com mais recursos.

Na prática, há uma disparidade significativa no acesso ao tratamento entre as diversas regiões do Brasil. As regiões Norte e Nordeste enfrentam um grande déficit de equipamentos de radioterapia. Na Região Norte, por exemplo, o Estado do Amapá recebeu seus primeiros equipamentos de radioterapia para tratamento de pacientes com câncer somente neste ano, com um investimento de 16 milhões de reais provenientes do Plano de Expansão da Radioterapia do Ministério da Saúde (PER-SUS). Em Roraima, o Centro de Radioterapia ainda não foi inaugurado, e as autoridades políticas já expressaram preocupação de que o PER-SUS, contratado antes de 2015, pode resultar na entrega de um equipamento com uma década de defasagem tecnológica. Por sua vez, em Rondônia, até recentemente, havia equipamentos operando com cobalto que, em vez de tratar, causavam mais danos aos pacientes, resultando em lesões e até óbitos. A desativação da máquina de radioterapia ocorreu em 2019.

“Prioritariamente é necessário ação mais ofensiva por parte da União e dos Estados em suas responsabilidades de oferta de integralidade de assistência aos pacientes”, defende Marlene Oliveira, do Instituto Lado a Lado pela Vida. Para ela, já se conhece quais são os vazios assistenciais no território brasileiro. “A necessidade de upgrade nos equipamentos é sabida, porém, requer investimento, e se houver interesse por parte dos entes em realizar os investimentos necessários, esses serão supridos”, reflete.

Como desafios ainda constam a ineficiência na regulação dos serviços de saúde e a escassez de profissionais na área. Os entraves na regulação, segundo Esteves, do Oncoguia, podem levar pacientes a serem encaminhados para hospitais distantes, aumentando as dificuldades de acesso ao tratamento. Neste sentido, seria necessário adotar soluções que aprimorem a regulação e distribuição dos serviços de saúde.

Também há também escassez de profissionais, segundo ressalta Oliveira: “Os serviços de alta complexidade possuem déficits de profissionais especializados, físicos, técnicos e radioterapeutas, muitos deles escassos no país”, diz. Segundo os dados da Demografia Médica do Brasil de 2023, o país conta com apenas 1.014 médicos especialistas em radioterapia.

•                        Avanços no tratamento

No Brasil, as unidades de saúde classificadas como Unidades de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON) ou Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACON) devem fornecer assistência geral e especializada, assegurando uma abordagem integral ao paciente com câncer. A presidente do Instituto Lado a Lado Pela Vida destaca que ambas as unidades dependem do Ministério da Saúde para a oferta de equipamentos de radioterapia, devido ao alto custo envolvido. “A participação dos Estados e Municípios é mínima em investimento para a ampliação dos serviços de radioterapia ou, ainda, a melhoria dos equipamentos com a realização de upgrades, o que evidencia um grande problema para que os serviços possam responder à demanda existente”, afirma Oliveira.

Dados do Câncer Brasil indicam que, entre as 346 unidades habilitadas em alta complexidade em oncologia, apenas 183 dispõem de equipamentos de radioterapia. Conforme a presidente do instituto, isso evidencia não apenas a carência de serviços de alta complexidade no país, mas também a falta de integralidade na assistência em radioterapia nas unidades existentes. Na Região Nordeste, são apenas 30 serviços de radioterapia disponíveis, um número extremamente reduzido diante da demanda dos pacientes oncológicos.

Segundo números divulgados pelo MS, em 2023, o SUS registrou um aumento de 9% nos tratamentos oncológicos para câncer de mama em relação ao ano anterior. Só entre janeiro e julho de 2024, foram contabilizados 21.811 tratamentos. Esse crescimento, segundo Gustavo Marta, da SBRT, pode ser atribuído à melhoria dos protocolos de tratamento da radioterapia, não apenas a novos equipamentos. Conforme explicou, antes os pacientes precisavam de 25 aplicações de radioterapia, o que resultava em cinco semanas de tratamento. “A adoção de esquemas mais curtos (como 15 ou cinco aplicações) está melhorando a eficiência e a capacidade de atendimento”, diz.

O cenário de atendimento de pacientes de câncer pode se tornar ainda mais desafiador nos próximos anos. Há previsão de um aumento de 50% na incidência de câncer no país, o que resultará em um incremento de 35% nas indicações de radioterapia. O presidente da SBRT alerta: “Essa situação é alarmante, pois muitos pacientes já estão na fila aguardando tratamento”.

Para avançar neste contexto, Helena Esteves destaca ainda a importância da regulamentação da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer no âmbito do SUS e a necessidade de um sistema de navegação para os pacientes, que ainda é uma novidade no Brasil. “O sucesso desse sistema depende de um trabalho conjunto entre a sociedade civil e o governo”, diz.

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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