PER-SUS:
financiamento é um dos desafios de nova fase de expansão anunciada pelo
Ministério da Saúde
A
radioterapia desempenha um papel fundamental no tratamento do câncer, ao lado
da quimioterapia e da cirurgia, com mais de 60% dos pacientes oncológicos
contando com essa modalidade em seu tratamento. Apesar de ser um direito
assegurado a todos os cidadãos brasileiros pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a
realidade é desafiadora: a escassez de equipamentos, os longos períodos de
espera para o início do tratamento e o subfinanciamento dos serviços ainda
representam barreiras significativas ao acesso a essa terapia essencial.
Segundo
a Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT), a cada ano, aproximadamente 73
mil pacientes que precisam de radioterapia não recebem o tratamento pelo SUS.
Esse cenário se torna ainda mais preocupante, considerando que cerca de 75% da
população brasileira depende integralmente da assistência do sistema público de
saúde.
Para
avançar no cuidado à saúde nessa área, o Ministério da Saúde lançou, em 2012, o
Plano de Expansão da Radioterapia no Sistema Único de Saúde (PER-SUS). A meta
inicial era instalar 100 máquinas novas em todo o país até o final de 2022. Até
julho deste ano, 92 soluções estavam previstas, com 61 concluídas e 28 em
execução. Agora, o Ministério da Saúde dá início a uma nova fase do PER-SUS,
com o objetivo de ampliar e qualificar o acesso ao tratamento do câncer no
Brasil. Por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), está prevista
a substituição de 56 equipamentos obsoletos de radioterapia em diversos
hospitais habilitados ao longo do território nacional. O programa tem previsão
de encerramento para a metade de 2025.
Especialistas
ouvidos pela reportagem alertam que, apesar da iniciativa refletir a
preocupação do Ministério em expandir o acesso ao tratamento ao câncer no país,
ainda persistem desafios que requerem maior atenção, entre eles, o
subfinanciamento. “Reconhecemos que é um programa positivo”, destaca Gustavo
Nader Marta, presidente da SBRT. “[No entanto], o principal ponto é que não se
tem uma ação estruturada para se garantir a sustentabilidade econômica da
radioterapia no país” que, de acordo com Marta, não se resolve somente com a
distribuição de equipamentos. Essa perspectiva, segundo ele, foi comunicada ao
Ministério da Saúde em diversas oportunidades.
A
falta de um olhar para a sustentabilidade econômica pode ser observada no
próprio valor projetado do ticket médio de reembolso por paciente, congelado há
mais de dez anos. O reembolso, que deveria ser suficiente para cobrir os custos
operacionais mínimos, não cobre nem 50% do custo total do tratamento de
radioterapia, segundo mostra o estudo Projeto RT2030, da SBRT.
Em
2012, o valor reembolsado era de US$ 1.567 por paciente, mas caiu para US$ 831
em 2022, representando uma redução de 43% ao longo de dez anos. Essa queda
ocorreu mesmo diante de uma inflação acumulada de 80% e uma desvalorização
cambial de 150%. Para atender à recomendação internacional de tratar 600
pacientes anualmente por acelerador linear, o valor ideal de reembolso deveria
ser de R$ 12,5 mil, enquanto o valor atual é de apenas R$5,5 mil.
• Plano de Expansão da
Radioterapia (PER-SUS)
“O
programa PER-SUS é importantíssimo para o país, na promoção de importantes
avanços, porém precisa ser mais ofensivo e garantir maior volume de recursos em
menor tempo para reduzir o tempo de início de tratamento e produzir melhores
desfechos”, afirma Marlene Oliveira, fundadora e presidente do Instituto Lado a
Lado pela Vida. Para ela, o PER-SUS deve garantir não apenas a aquisição de
novos equipamentos, mas também possibilitar a atualização dos já existentes,
aumentando a capacidade produtiva e aprimorando o tratamento do câncer com
maior precisão e eficácia.
Dados
do Câncer Brasil feito pelo Instituto Lado a Lado Pela Vida com informações do
Instituto Nacional do Câncer (Inca) e do Ministério da Saúde mostram que, do
total investido em tratamentos oncológicos no Brasil em 2023, apenas 14% foi
alocado para a radioterapia. O percentual cresceu em relação a 2017, quando a
radioterapia representava 10% do investimento total, mas é ainda pequeno em
comparação aos 2,7 bilhões de reais despendidos, em 2023, em quimioterapia no
país.
Em
relação ao avanço da nova fase do PER-SUS, o Ministério da Saúde informou, no
final de novembro, que 64 soluções de radioterapia haviam sido implementadas, e
26 obras estavam em execução, ampliando o atendimento em 25 estados e 76
municípios brasileiros. Concluído, o projeto permitirá pelo menos 18 mil novos
tratamentos oncológicos, segundo a nota do MS. O detalhamento das obras já
concluídas, assim como das que estão em andamento, pode ser acompanhado por
meio de documento, atualizado pelo MS.
A
substituição de equipamentos de radioterapia é importante porque essas máquinas
têm vida útil de cerca de 15 anos. Ainda assim, Gustavo Marta, da SBRT, comenta
que “é mais uma ação focada exclusivamente na substituição de parque, o que não
resolve o grande gargalo dessa sustentabilidade econômica”. Para ele, outro
ponto que merece atenção é a utilização de equipamentos doados pelo governo por
serviços que atendem pacientes fora da rede pública. Seria preciso, neste caso,
redirecionar esses recursos para que sejam utilizados exclusivamente pelo SUS,
diante dos gargalos significativos no atendimento.
Segundo
ele, a falta de um suporte econômico contínuo para a radioterapia pode
comprometer a qualidade dos serviços prestados, já que muitos estabelecimentos
são forçados a operar em turnos excessivos para se manterem.
Além
dos equipamentos, outra novidade do PER-SUS é a estruturação de uma parceria
público-privada na construção do novo campus do Instituto Nacional do Câncer
(Inca) e de dois novos Centros Especializados do Grupo Hospitalar Conceição
(GHC). Em nota, o Inca disse a parceria entre os dois entes “vai ampliar a
capacidade de investimento em novos aparelhos de saúde, bem como qualificar a
prestação do serviço, especialmente na construção e na operação de áreas não
assistenciais na saúde”.
Ainda
segundo o instituto, a concessão administrativa é adotada no Campus Inca,
focada na prestação de serviços compartilhados que operam de forma
interdependente para atender o usuário final. Conforme a concessão, a operação
dos serviços não assistenciais e a manutenção do complexo, chamados de Bata
Cinza, são delegados ao setor privado. Já os serviços relacionados à
assistência aos pacientes, conhecidos como Bata Branca, permanecem sob
responsabilidade do Inca.
Para
Helena Esteves, gerente de Advocacy do Instituto Oncoguia, a nova fase do
PER-SUS representa um esforço para melhorar a situação da radioterapia no
Brasil, com a expectativa de que as ações relacionadas ao diagnóstico precoce
comecem a apresentar resultados mais claros no próximo ano.
• Gargalos ainda
permanecem
Diversos
fatores afetam o tratamento de radioterapia no país, especialmente a regulação
na saúde, como comenta Esteves. “Os pacientes enfrentam longas esperas e,
muitas vezes, acabam se desencontrando no sistema de saúde”. Ela destaca a
desconexão entre os sistemas de regulação municipal e estadual como um fator
complicador, que dificulta o fluxo e a agilidade no atendimento. Além disso, os
chamados ‘vazios assistenciais’ obrigam muitos pacientes a viajarem longas
distâncias para encontrar centros com tratamento adequado, o que pode
significar deslocamentos diários ou até mudanças temporárias para cidades com
mais recursos.
Na
prática, há uma disparidade significativa no acesso ao tratamento entre as
diversas regiões do Brasil. As regiões Norte e Nordeste enfrentam um grande
déficit de equipamentos de radioterapia. Na Região Norte, por exemplo, o Estado
do Amapá recebeu seus primeiros equipamentos de radioterapia para tratamento de
pacientes com câncer somente neste ano, com um investimento de 16 milhões de
reais provenientes do Plano de Expansão da Radioterapia do Ministério da Saúde
(PER-SUS). Em Roraima, o Centro de Radioterapia ainda não foi inaugurado, e as
autoridades políticas já expressaram preocupação de que o PER-SUS, contratado
antes de 2015, pode resultar na entrega de um equipamento com uma década de
defasagem tecnológica. Por sua vez, em Rondônia, até recentemente, havia
equipamentos operando com cobalto que, em vez de tratar, causavam mais danos
aos pacientes, resultando em lesões e até óbitos. A desativação da máquina de
radioterapia ocorreu em 2019.
“Prioritariamente
é necessário ação mais ofensiva por parte da União e dos Estados em suas
responsabilidades de oferta de integralidade de assistência aos pacientes”,
defende Marlene Oliveira, do Instituto Lado a Lado pela Vida. Para ela, já se
conhece quais são os vazios assistenciais no território brasileiro. “A
necessidade de upgrade nos equipamentos é sabida, porém, requer investimento, e
se houver interesse por parte dos entes em realizar os investimentos
necessários, esses serão supridos”, reflete.
Como
desafios ainda constam a ineficiência na regulação dos serviços de saúde e a
escassez de profissionais na área. Os entraves na regulação, segundo Esteves,
do Oncoguia, podem levar pacientes a serem encaminhados para hospitais
distantes, aumentando as dificuldades de acesso ao tratamento. Neste sentido,
seria necessário adotar soluções que aprimorem a regulação e distribuição dos
serviços de saúde.
Também
há também escassez de profissionais, segundo ressalta Oliveira: “Os serviços de
alta complexidade possuem déficits de profissionais especializados, físicos,
técnicos e radioterapeutas, muitos deles escassos no país”, diz. Segundo os
dados da Demografia Médica do Brasil de 2023, o país conta com apenas 1.014
médicos especialistas em radioterapia.
• Avanços no tratamento
No
Brasil, as unidades de saúde classificadas como Unidades de Alta Complexidade
em Oncologia (UNACON) ou Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACON)
devem fornecer assistência geral e especializada, assegurando uma abordagem
integral ao paciente com câncer. A presidente do Instituto Lado a Lado Pela
Vida destaca que ambas as unidades dependem do Ministério da Saúde para a
oferta de equipamentos de radioterapia, devido ao alto custo envolvido. “A
participação dos Estados e Municípios é mínima em investimento para a ampliação
dos serviços de radioterapia ou, ainda, a melhoria dos equipamentos com a
realização de upgrades, o que evidencia um grande problema para que os serviços
possam responder à demanda existente”, afirma Oliveira.
Dados
do Câncer Brasil indicam que, entre as 346 unidades habilitadas em alta
complexidade em oncologia, apenas 183 dispõem de equipamentos de radioterapia.
Conforme a presidente do instituto, isso evidencia não apenas a carência de
serviços de alta complexidade no país, mas também a falta de integralidade na
assistência em radioterapia nas unidades existentes. Na Região Nordeste, são
apenas 30 serviços de radioterapia disponíveis, um número extremamente reduzido
diante da demanda dos pacientes oncológicos.
Segundo
números divulgados pelo MS, em 2023, o SUS registrou um aumento de 9% nos
tratamentos oncológicos para câncer de mama em relação ao ano anterior. Só
entre janeiro e julho de 2024, foram contabilizados 21.811 tratamentos. Esse
crescimento, segundo Gustavo Marta, da SBRT, pode ser atribuído à melhoria dos
protocolos de tratamento da radioterapia, não apenas a novos equipamentos.
Conforme explicou, antes os pacientes precisavam de 25 aplicações de
radioterapia, o que resultava em cinco semanas de tratamento. “A adoção de
esquemas mais curtos (como 15 ou cinco aplicações) está melhorando a eficiência
e a capacidade de atendimento”, diz.
O
cenário de atendimento de pacientes de câncer pode se tornar ainda mais
desafiador nos próximos anos. Há previsão de um aumento de 50% na incidência de
câncer no país, o que resultará em um incremento de 35% nas indicações de
radioterapia. O presidente da SBRT alerta: “Essa situação é alarmante, pois
muitos pacientes já estão na fila aguardando tratamento”.
Para
avançar neste contexto, Helena Esteves destaca ainda a importância da
regulamentação da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer no âmbito
do SUS e a necessidade de um sistema de navegação para os pacientes, que ainda
é uma novidade no Brasil. “O sucesso desse sistema depende de um trabalho
conjunto entre a sociedade civil e o governo”, diz.
Fonte:
Futuro da Saúde
Nenhum comentário:
Postar um comentário