Mujica:
'Se você não tiver uma causa, a sociedade vai te enquadrar, e você vai passar a
vida pagando contas'
José "Pepe" Mujica aparece
por uma porta, com as costas curvadas e o passo lento, mas com o desejo intacto
de falar sobre suas paixões: a vida, a terra, a política...
Ele
completou 89 anos em 20 de maio.
Na
pequena sala, há uma luz fraca e estantes que se erguem do piso de cerâmica até
o teto de zinco, transbordando de livros e lembranças de uma trajetória
intensa.
O
homem que na década de 1960 se juntou aos guerrilheiros Tupamaros, que mais
tarde foi preso e sofreu tortura, que como presidente do Uruguai de 2010 a 2015
surpreendeu o mundo com seus discursos anticonsumo e
sua vida austera, e que sobrevive a um câncer de esôfago, está
sentado em uma poltrona.
"Tudo
aconteceu comigo", reflete Mujica em entrevista à BBC News Mundo, serviço
de notícias em espanhol da BBC.
"Tenho
que gritar: obrigado à vida."
Mujica
diz que contar com a presença da esposa, a ex-senadora Lucía Topolansky, que
conheceu quando era guerrilheira em 1971, é um "prêmio" na sua idade.
E
também fala do "prêmio" que representou para ele a eleição de seu
herdeiro político, Yamandú Orsi, como presidente do
Uruguai em 24 de novembro, após uma grande votação do seu grupo político, o
Movimento de Participação Popular (MPP).
A
BBC News Mundo conversou com Mujica em sua chácara na zona rural de Montevidéu,
onde paira no ar o aroma de jasmim, há caixas de milho e abóbora empilhadas,
galos cantando e cachorros latindo.
LEIA
A ENTREVISTA:
·
Como o senhor está se
sentindo?
José
Mujica - Um pouco cansado. Estou saindo de
um tratamento que não sei quando vai acabar. Fiz um tratamento contra o câncer
que disseram ser muito eficaz, que havia eliminado (o câncer), mas fiquei com
um buraco que precisa ser preenchido. E, como sou velho, quase chegando aos 90
anos, a reprodução celular é muito lenta. Por isso, não posso comer: como muito
pouco pela boca, coisas pastosas. E me alimento com uma injeção por uma sonda
pela manhã e outra à tarde. Vamos ver quando isso termina. Mas estou melhor do
que antes.
·
Há poucos dias, o
senhor disse que está "lutando com a morte". Quão difícil é essa luta
para alguém como o senhor, que já passou por quase tudo na vida?
Mujica - Sabe-se que a morte é inevitável. E talvez ela seja como
o sal da vida. Naturalmente, as chances de morrer se multiplicam com o passar
dos anos. E se colocarmos a doença em cima disso...
Ela
é uma senhora de quem não gostamos, e que não queremos, mas que inevitavelmente
vai chegar em algum momento. Portanto, temos que nos resignar.
Todos
os seres vivos são feitos para lutar pela vida: desde uma erva daninha, um sapo
e até nós. Chega-se à conclusão de que isso serve para dar sabor à vida, pois,
como dizia o velho Aristóteles: tudo o que a natureza faz é bem feito. Eu teria
que ser um crente fanático. Porque muitas vezes a morte estava rondando o leito
onde eu estava. E consegui chegar até hoje. E, apesar de todos os pesares,
fiquei anos preso, tudo aconteceu comigo, e depois me tornei presidente.
Então,
tenho que gritar: obrigado à vida. Mas você tenta viver um pouco mais, não é? E
bem, é isso que estou fazendo.
·
O senhor diria que
este é o momento mais difícil de todos pelos quais já passou?
Mujica - É provável que eu tenha vivido momentos mais difíceis,
mas não estava ciente disso.
Uma
vez levei um tiro em uma pista de boliche, mas era perto do Hospital Militar.
Me levaram rapidamente. E o cirurgião de plantão era um companheiro. Dá para
acreditar? Me deram qualquer sangue, o que tinham em mãos, porque eu havia
perdido muito sangue. E, no final, fui salvo.
·
O senhor perdeu o baço
aí...
Mujica - Perdi meu baço. Acho que deve ter sido o momento mais
dramático que vivi, mas não tinha consciência disso. Sei que me jogaram em
algo, e eu fazia discursos bárbaros para eles: "Não me deixem morrer, sou
um lutador social". Não tem nenhum sentido. Estava em choque.
·
Que significado
encontrou na vida?
Mujica - É a diferença notória que tem com as outras formas de
vida. A vida humana, devido ao nosso desenvolvimento intelectual, nos permite
em parte escolher uma causa para viver: dar um sentido à vida. Esse é o prêmio
de ter consciência. Mas não necessariamente o exercitamos. Às vezes, sim — às
vezes, não.
O
que significa dar sentido à vida? É ter uma coisa principal que preencha os
capítulos e as preocupações da nossa existência. No meu caso, é o sonho de
lutar por um mundo um pouco melhor. É uma preocupação sociopolítica. Mas há
também a paixão dos cientistas, que passam 20 anos com uma molécula. Ou aqueles
que cultivam uma arte. Ter algo central como objetivo da nossa vida: muita
gente faz isso, mas nem todo mundo faz.
Qual
é o problema? Se você não definir um objetivo, uma causa, a sociedade de
mercado vai te enquadrar e você vai passar a vida inteira pagando contas. Em
outras palavras, você é funcional para a mecânica do mercado, e acaba
confundindo "ser" com "ter". Agora, se você tem uma causa,
isso é secundário, porque você vive pela causa.
·
O senhor vem pregando
contra o consumo há anos. Acha que é uma batalha perdida?
Mujica - Sim, por enquanto é uma semeadura intelectual.
A
maior parte das nossas sociedades está sujeita à autoexploração, porque o que
ganham tende a não chegar até elas, porque tudo é feito de tal forma que nunca
chegue até elas. E tem que conseguir mais, e trabalhar cada vez mais e mais,
porque gasta cada vez mais. E com o que você paga? Com o tempo da sua vida,
você gasta para produzir valor para poder pagar.
Quando
sou livre? Quando escapo da lei da necessidade. Se a necessidade me obriga a
gastar tempo para obter meios financeiros com os quais tenho que pagar pelo
consumo que tenho, não sou livre.
Sou
livre quando dedico tempo da minha vida ao que gosto e ao que quero. Sim,
porque é meu. É para isso que as pessoas têm menos tempo hoje em dia. Costuma-se
dizer: "Não quero que falte nada ao meu filho". Sim, mas idiota, você
faz falta, porque nunca tem tempo para seu filho.
·
Por onde passa a
solução?
Mujica - Pela sobriedade no modo de viver.
·
É algo individual, não
uma mudança de sistema?
Mujica - Não pode ser imposto. Por isso digo que a única coisa
que faço é semear.
Mas
há também uma razão global. Se todo o mundo subdesenvolvido chegar a consumir,
nem precisa ser como os ianques, apenas como os europeus, o planeta não
resiste. Precisamos de três planetas. Não sou eu que digo isso - não há como
viver em uma sociedade com tanto desperdício. Podemos viver tranquilamente, mas
se 8 bilhões de pessoas vão tomar banho em uma jacuzzi, precisamos de uma
Amazônia. Você percebe? Não é possível.
A
humanidade está desperdiçando uma quantidade absurda de coisas, e esse
desperdício acaba se voltando contra nossa espécie. É um círculo vicioso. Então,
a sobriedade e a prudência são vantajosas por vários motivos. Mas sei que estou
em uma época em que as pessoas não vão me entender, porque a cultura do nosso
tempo é uma conquista formidável do capitalismo. Criou-se uma cultura
subliminar em que todos nós temos que ser compradores compulsivos. Todos os
economistas do mundo estão sempre desesperados para que a economia cresça. Isso é
imposto, tudo o que digo é contrário a isso.
·
O senhor acha que vai
haver um ponto de ruptura?
Mujica - Vamos ter que pagar pelo que estamos fazendo. Não vou
estar vivo, mas não se pode fazer nada acima da Terra; a natureza nos cobra. E
ela começa a nos cobrar. A mudança climática não
é insignificante. Este provavelmente vai ser o ano mais quente para nós, para o
pequeno Uruguai.
·
A natureza continua a
te surpreender?
Mujica - A natureza nos deixa de
boca aberta quando a observamos. Estou extasiado, para ser sincero. Tem gente
no campo que diz: 'Que tristeza, que solidão'.
É
preciso ter olhos para enxergar. Todas as formas de vida que lutam, indo e
vindo, é uma coisa assustadora. Desde os pequenos vermes e as minhocas até os
pássaros e tudo o que está acontecendo ao redor.
·
Desde quando o senhor
tem essa admiração pela natureza?
Mujica - Talvez desde sempre, porque fui criado em uma chácara, e
aprendi a gostar dela e da terra. Hoje estou ferrado, mas todos os dias, se
posso, ando um pouco no trator, porque me encontro comigo mesmo.
Além
disso, quando estava na prisão, passei quase sete anos sem livros, em uma sala
menor do que esta. Me transferiam de quartel para quartel. Então, acabei
contraindo o vício da misantropia, de falar comigo mesmo. Isso era como uma
autodefesa, nas condições em que eu estava, para não perder o juízo. Mas isso
permaneceu comigo. Virou um hábito. Então, fico fazendo as coisas, pensando
constantemente e remoendo na minha cabeça. Você percebe? Isso transformou meu
jeito de ser. Tampouco posso escapar do que vivi. Como faço para sair disso
agora?
·
O senhor continua
lendo?
Mujica -Sim, continuo lendo e leio sobre tudo. Veja... (apontando
para o livro Nexus: Uma breve história das redes de informação, da
Idade da Pedra à inteligência artificial, do historiador israelense Yuval
Noah Harari).
·
Harari. O senhor
conversou com ele uma vez, não foi?
Mujica - Sim, conversei. Me abalou.
·
Por quê?
Mujica - Me lembro de ele me dizer: "Tenho medo de que a
humanidade não tenha tempo de limpar a bagunça que fez". Como preocupação
intelectual, é uma bomba-relógio. Lembro que ele encerrou a conversa com isso.
·
E o que o senhor acha?
Mujica - Tenho uma sensação parecida com a dele, e espero estar
errado.
·
O senhor não acredita
na capacidade do ser humano de se adaptar?
Mujica - Sim, acredito na capacidade, mas o fato é que é preciso
adaptar o meio ambiente. O medo é que a humanidade caminhe para uma espécie de
Holocausto ecológico. Não porque ela não saiba; ela sabe há mais de 30 anos o
que está acontecendo, e sabe o que precisa fazer.
Os
cientistas disseram isso em Kyoto há cerca de 32 anos, e não estavam errados:
os fenômenos adversos vão ser mais frequentes, mais profundos e maiores. É o
que está acontecendo.
De
repente, há uma grande seca... ou de repente caem 400 milímetros de chuva em um
curto espaço de tempo.
E
eles também disseram o que precisava ser feito. Portanto, não se trata de falta
de consciência. Não foi a ciência que falhou, foi a política que falhou, que
não levou em consideração o que a ciência estava indicando. O que vai
acontecer? Não sei. Mas quando você tem um mandatário como (Donald) Trump, que
nega as evidências, ou como (Javier) Milei e
assim por diante, você diz: socorro!
·
O senhor está
preocupado com a reeleição de Trump e com o fenômeno dos movimentos da direita
radical em todo o mundo?
Mujica - Sim, é claro. E especialmente esse negativismo. Uma
narrativa falsa contra o Estado foi gerada aqui, porque não é o Estado que está
falhando. O Estado é como uma caixa de ferramentas, não tem consciência. Quem
está falhando são os seres humanos que administram o Estado. Somos nós que não
temos a cultura e a alma necessária para conduzi-lo bem. Mas é legal dizer:
"Ah, não, o Estado não presta". Nós é que não prestamos para
administrá-lo!
·
Como a esquerda deve enfrentar
estes fenômenos?
Mujica - Eu teria que revisar muitas coisas. Essas coisas que
estou dizendo geralmente não são ditas pela esquerda. Ela defende o Estado com
fanatismo, o que equivale a dizer que o Estado é perfeito. Mentira, porque nós
não somos perfeitos. Para ser um profissional da área médica ou de engenharia,
é preciso passar vários anos na universidade, mas para ser um senador ou
deputado ninguém te pede nada. Somos um bando de burros, muitas vezes. Como
permitimos isso?
·
Mas a alternativa
seria impedir a ascensão de pessoas como você, que chegou ao poder sem passar
pela universidade...
Mujica - Claro! Estou falando sobre o que vivenciei. Mas não se
trata de ir para a universidade; tem que haver uma medida de experiência, para
ser comprovado, mais ou menos.
·
A questão é quem
mede...
Mujica - Acredito que a democracia, institucionalmente, está meio
em crise porque o sistema representativo não pode representar as complexidades
da sociedade atual.
Porque
o desenvolvimento tecnológico e científico está tornando os diferentes setores
cada vez mais complexos. E não é possível resumi-los em um Parlamento, em uma
equipe de governo.
Há
um sentimento no mundo inteiro, e nos países de democracia representativa, de
uma desvalorização da democracia. Se agarram à democracia, e não se agarram aos
pontos fracos e em como podemos superá-los. A democracia é o melhor sistema que
inventamos até agora, mas é uma porcaria, porque nos promete legalmente algo
que está longe de ser concretizado.
Somos
iguais perante a lei, sim, mas não somos iguais perante a vida: há alguns que
são mais iguais. Apesar de tudo isso, precisamos defender a democracia, porque
até agora é o melhor que conseguimos alcançar; como disse (Winston) Churchill,
"a melhor porcaria". Como hipótese, vejo que no futuro diferentes
governos vão ter de coexistir na sociedade, com um governo central, que não diz
o que eles devem fazer, mas impede o que não devem fazer.
As
questões de saúde vão ter um governo, as questões de educação vão ter outro.
Porque são necessárias pessoas especializadas em diferentes setores, e não é
possível resumir tudo em um único organismo. Pelo menos, é o que indicam os
gigantes transnacionais, que são verdadeiras equipes de gestão. É uma hipótese,
posso estar errado. Vimos isso na pandemia.
Tínhamos
o governo e formamos uma equipe de especialistas para nos assessorar. E, na
realidade, esses caras deveriam estar no comando, não o governo e nós, porque
não entendíamos absolutamente nada do que estava acontecendo.
·
O que significa para o
senhor ser de esquerda no mundo de hoje?
Mujica - É simples, você vê isso na história do Uruguai.
Nos
últimos 40 anos de democracia, os salários não chegaram a aumentar 13% nos 25
anos em que os partidos conservadores governaram. E nos 15 anos em que a Frente
Ampla governou, aumentaram 87%. A diferença está na distribuição. Não é
radical, não é uma mudança histórica, é uma mudança de distribuição.
·
O senhor comentou isso
no dia da eleição, e alguém respondeu que a Frente governou durante um período
de boom das matérias-primas que permitiu um enorme impulso
para a economia...
Mujica - Sim, isso foi verdade de 2005 a 2009, mas depois eclodiu
a crise europeia. As coisas começaram a mudar. No entanto, os salários
aumentaram.
·
Quando começamos esta
conversa, o senhor disse que teria que ser crente. A doença que superou fez com
que o senhor olhasse para a religião de uma maneira diferente?
Mujica - Não, eu respeito as religiões até morrer.
Porque de 60 a 65% da humanidade acredita em algo, e quem sou eu para ignorar
essa realidade?
Minha
explicação: é o amor pela vida, não podemos aceitar a morte e temos que
inventar um além e tudo mais. Precisamos disso para viver. Acredito que a vida
é a aventura das moléculas, que não há nada para trás nem pela frente. O
inferno e o paraíso é o que estamos vivendo. Mas essa é a minha maneira de
pensar, não é a da maioria. E tenho que respeitar a maioria.
·
É reconfortante estar
ao lado da sua companheira de vida, Lucía, nesta fase?
Mujica - Ah, é um prêmio. Se não fosse por Lucía, estaria sem
nada.
·
Por quê?
Mujica - Porque Lucía é muito mais que uma companheira. Ela
cuidou de mim, me bancou e muito mais. Sou um velho meio insuportável, e tenho
consciência disso. Na melhor das hipóteses, sou meio irascível.
Não
somos iguais, homens e mulheres, felizmente. Temos uma dependência da
feminilidade. E o amor na juventude é uma coisa. Mas, na minha idade, o amor é
um doce hábito, é a maneira de evitar a solidão. Recebi um prêmio, porque tenho
quase 90 anos e ela tem cerca de 80, e somos autossuficientes. E juntos. Isso
não é comum no mundo de hoje.
Aqui
não tem trabalhadora doméstica, não tem Maria, não tem ninguém. Aqui somos dois
idosos que se viram e convivem. Mas tenho consciência de que devo grande parte
da minha vida hoje a ela. Porque ela não é companheira; é enfermeira, é tudo.
·
O que significa esta
vitória de Orsi, a quem o senhor impulsionou na carreira política?
Mujica - Para mim, pessoalmente, é um prêmio. Meus últimos 40
anos de militância estão resumidos nisso. E surge na reta final, quando estou
fora da competição. É um prêmio, se preferir, um prêmio de consolação, porque
está chegando ao fim da partida. Mas, ainda assim, um prêmio. Sempre achei que
o melhor líder não é aquele que faz mais; é aquele que deixa um grupo que o
supera com vantagem.
Passei
a vida toda tentando promover e dar a eles oportunidades, porque tenho
consciência de que as causas sociais e políticas são mais longas do que nossa
vida.
E
que a única maneira de terem uma certa validade é assimilando pessoas novas
para levantar as velhas bandeiras e readaptá-las às conjunturas em que vivem.
·
O que o senhor vai
fazer agora? Já pensou no papel que vai desempenhar no governo de Orsi?
Mujica - Não, meu papel é dar a ele alguns conselhos.
Outro
dia, ele veio bater um papo, e contei a ele um conselho que Alejandro
Atchugarry (falecido ex-senador e ex-ministro do Partido Colorado), de quem
éramos muito amigos, havia me dado. Ele me pega em uma pista de boliche e me
diz: "Olha, Pepe, agora que você se tornou presidente, não vai assinar
nenhum documento que não tenha sido revisado por um bom advogado".
·
Foi esse o conselho?
Alguém poderia pensar que foi algo filosófico...
Mujica - Não, não, foi muito específico. Porque na Presidência
você tem centenas de papéis para assinar. A maior parte é bobagem, mas você não
tem tempo para ler; você assina como um autômato. Podem colocar uma casca de
banana pra você escorregar. E também disse a ele: "Consulte e converse com
todos, mas certifique-se de que tenham votos mesmo, para que você não fique
preso ao aparato de liderança de pessoas que não têm nem sequer o voto do
papagaio. Como estamos em um regime representativo, ouça as pessoas que
realmente têm votos, sejam elas amigas ou adversárias".
·
O senhor falou do
"prêmio" pela votação no Uruguai. Mas a nível internacional você teve
muitos reconhecimentos. Qual você diria que é o seu legado, e como acha que vai
entrar para a história?
Mujica - Primeiro, a história não existe. O que existe é um pouco
de historieta. Porque as formigas vivem há muito mais tempo do que os seres
humanos, e vão continuar vivendo quando os humanos não estiverem mais vivos. Por
isso, a história é relativa. É uma convenção humana, mas diante do jogo
infinito da natureza, não é nada.
Em
segundo lugar, meu legado não é nada, os companheiros que continuam lutando.
Depois
sei que sou um velho meio maluco, porque filosoficamente sou um estoico pelo
meu modo de vida e pelos valores que defendo. E isso não cabe no mundo de hoje,
sou consciente disso.
Algumas
pessoas me dizem: "você é marxista". Não, o estoicismo é mais antigo
que o cristianismo, dá um tempo. É uma corrente antiga de filosofia, uma
concepção de vida. É por isso que vivo com sobriedade. E, como fui presidente,
eles vêm aqui, veem esta casinha e me admiram. Mas não me seguem de maneira
alguma.
·
Não seguem seus
hábitos...
Mujica - Claro que não. Então, eles me admiram. Dizem: 'Ele é
coerente'. Mas não faço isso pelo mundo; faço isso por mim. É a minha forma de
defender a liberdade. Não quero perder tempo pagando parcelas. Então, tudo isso
vai ficar a cargo da organização política a que pertenço. Quando eu morrer,
tudo permanece, e eles fazem o que quiserem. Tchau, acabou.
·
Olhando para trás, há
algo importante que gostaria de ter feito diferente?
Mujica - Ah, sim, um monte de coisas. É inconcebível que no
Uruguai existam pessoas que tenham dificuldade para comer. E eu também tenho
responsabilidade nisso. Poderia e deveria ter feito mais. É um país produtor de
alimentos, somos meia dúzia de gatos pingados, não faz sentido. Sim, haveria
coisas a serem feitas.
Fonte:
BBC News Mundo
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