Zhou Qing:
O porto de Chancay
Os
Estados Unidos parecem ter grande preocupação com a crescente presença
econômica da China na América Latina. Pode-se afirmar até mesmo que quanto
maior o ritmo das relações econômicas e comerciais da China com a América
Latina e quanto maior a escala dos projetos da China na América Latina, maiores
as preocupações e a vigilância dos Estados Unidos. Nos últimos anos, um dos
principais focos de tal ofensiva diplomática americana tem sido com relação à
construção do porto de Chancay, no Peru.
Conforme
o jornal Washington Post e outros relatos da mídia, o governo de Joe Biden
expressou repetidamente “preocupações sobre o porto de Chancay” ao governo
peruano, porque “os Estados Unidos acreditam que o porto de Chancay fortalecerá
o controle da China sobre portos estratégicos na América do Sul e no Pacífico
Oriental”, e “os Estados Unidos estão preocupados de que o porto de Chancay
permita que a China controle ainda mais os recursos da América Latina e,
eventualmente, implante tropas perto do porto de Chancay”.
O
porto de Chancay está localizado a cerca de 80 quilômetros ao norte de Lima,
capital do Peru, voltado ao Oceano Pacífico. O gigantesco projeto, iniciado em
2021, está quase concluído, e deve ter suas operações experimentais já no final
de novembro deste ano. Seu impacto positivo para a indústria global de
transporte marítimo, sua contribuição para o Peru e outros países da América do
Sul e a promoção das relações da China com os países latino-americanos não
podem ser subestimados. E por incrível que pareça, também tendem a beneficiar
os Estados Unidos.
Em
primeiro lugar, espera-se que o Porto de Chancay se torne um importante centro
de transporte marítimo global. Alguns meios de comunicação internacionais
referem-se a ele como “o porto de Cingapura na América Latina” e “o porto de
entrada da Ásia na América do Sul”. Esses comentários não foram feitos por
acaso.
Muitos
especialistas em transporte marítimo internacional, geógrafos e economistas
acreditam que o porto de Chancay mudará o padrão existente de logística de
frete na América Latina com as vantagens relacionadas à economia de tempo,
grande rendimento e alto grau de modernização, otimizando os canais de comércio
de importação e exportação da América Latina para os mercados asiático e
global.
Assim,
fará com que as mercadorias do Peru e de outros países da região saiam da
América do Sul de forma mais rápida e conveniente. Pode-se ver, portanto, que
não é apenas a China que se beneficiará, mas também outros países asiáticos.
Em
segundo lugar, o Porto de Chancay é outro projeto de referência criado através
da Iniciativa do Cinturão e Rota na América Latina. As relações econômicas e
comerciais são a âncora e a pedra angular das relações China-América Latina.
Claramente, os interesses dos povos da América Latina são amplamente
complementares aos projetos vinculados à Iniciativa do Cinturão e Rota.
Antes
mesmo da conclusão do porto de Chancay, a Iniciativa do Cinturão e Rota já
havia se enraizado e florescido na América Latina e produzido resultados
frutíferos. Como resultado, o investimento e o comércio da China na América
Latina aumentaram significativamente nos últimos anos. Por exemplo, nesse ano,
o comércio entre a China e a América Latina está prestes a atingir a marca sem
precedentes de cerca de US$ 500 bilhões.
Não
há dúvida de que a abertura do porto de Chancay dará uma enorme contribuição
para a promoção do comércio entre a China e a América Latina, já que as
mercadorias de muitos países sul-americanos não terão que ser carregadas de
portos atlânticos mais distantes e depois desviadas pelo Canal do Panamá ou
outras rotas marítimas para o Pacífico, nem terão que ser transportados por
vias mais longas para outros portos do Pacífico. Essa conveniência é,
obviamente, um verdadeiro exemplo dos resultados das relações “ganha-ganha”.
Em
terceiro lugar, o porto de Chancay fortaleceu ainda mais as relações entre a
América do Sul e a Ásia. A localização geográfica do porto de Chancay determina
sua vantagem única em termos logísticos, voltando-se diretamente para o Oceano
Pacífico. Assim, o porto não só abre um novo canal entre a China e a América
Latina, mas também atende ao comércio de exportação de outros países
sul-americanos.
Muitos
produtos de países sul-americanos poderão entrar no mercado chinês e nos
mercados de outros países asiáticos mais rapidamente no futuro, dando assim uma
importante contribuição para promover ainda mais o comércio bilateral entre a
América Latina e os países asiáticos. Portanto, o porto de Chancay é, sem
dúvida, outra grande decorrência do sucesso da Iniciativa do Cinturão e Rota na
América Latina. Espera-se, assim, que o Peru e outros países sul-americanos
vejam um aumento significativo nas exportações não só para a China, mas também
para o Japão, Coreia do Sul e os países ASEAN.
Em
quarto lugar, é crucial notar que o porto de Chancay também é benéfico para os
Estados Unidos. A América Latina está, logicamente, muito próxima dos Estados
Unidos. Essa realidade é determinada por condições geográficas e fatores
geopolíticos, e muito dificilmente se alterará nos próximos anos. A lacuna
entre o desenvolvimento dos países da América Latina e os Estados Unidos é
grande, e poucas soluções são buscadas para preenchê-la, o que acaba tornando
os Estados Unidos um destino de imigração cobiçado por muitos
latino-americanos, em dificuldades nas vidas cotidianas de seus países.
Mas
os Estados Unidos não querem abrir suas portas para os latinos. Uma das
disputas atuais entre os dois partidos nos Estados Unidos na corrida
presidencial foi sobre a imigração latino-americana. Para derrotar seu oponente
na opinião pública, Donald Trump fabricou uma série de inverdades sobre
imigrantes latino-americanos, com duas “fake news” até mesmo acusando os
imigrantes de roubar e comer animais de estimação.
Além
disso, a cocaína e vários outros tipos de drogas que entram no mercado dos
Estados Unidos vindos da região andina, a maior base de produção de drogas do
mundo, têm sido utilizadas como um elemento central das narrativas de
demonização dos imigrantes, gerando ainda maiores atritos nas relações entre os
Estados Unidos e os países latino-americanos de tempos em tempos.
Desnecessário
dizer que os problemas de longa data entre os Estados Unidos e a América
Latina, como a imigração ilegal e o contrabando de drogas, estão diretamente
relacionados aos problemas do subdesenvolvimento, e suas decorrentes taxas de
desemprego e miséria na América Latina. A presença econômica da China na
América Latina oferece muitas oportunidades para os países da região acelerarem
o desenvolvimento econômico.
Muitos
estudos do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento e da CEPAL
mostraram que, sem as relações econômicas e comerciais entre a China e a
América Latina, as economias latino-americanas perderiam muitos pontos
percentuais em sua taxa de crescimento.
A
cooperação econômica e comercial entre a China e a América Latina permitiu que
nas últimas décadas resultados positivos fossem alcançados no que tange ao
crescimento econômico e redução da pobreza, revertendo em parte os padrões de
estagnação das décadas de 1980 e 1990. Uma América Latina mais próspera é, sem
dúvidas, boa não só para os países da região, com o padrão de vida de seus
povos melhorando, mas também para os americanos que tanto demonizam os efeitos
das mazelas do subdesenvolvimento dos países vizinhos, que levam ao
espraiamento dos fenômenos da imigração ilegal e do contrabando de drogas.
Afinal,
dilemas tais como os existentes na fronteira entre os Estados Unidos e o México
apenas podem ser definitivamente resolvidos mediante medidas estruturais que
envolvam o crescimento econômico, a geração de empregos, a distribuição de
renda e a redução das assimetrias e dificuldades que afligem de distintas
formas os países da região.
Nesse
sentido, os Estados Unidos não devem se preocupar com a presença econômica da
China na América Latina. Pelo contrário, devem se somar aos chineses e
latino-americanos para amplificar o volume das relações “ganha-ganha”, a partir
das quais ganharão a América Latina, a China, os Estados Unidos e todos aqueles
comprometidos com a construção de uma ordem global baseada em cooperação, paz e
desenvolvimento.
Fonte:
A Terra é Redonda
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