Gabriel
Brito: Donald Trump, o rio que tudo arrasta e a oligarquização definitiva das
democracias liberais
A
vitória de Donald Trump nas eleições dos EUA parece simbolizar a agonia de todo
um tempo histórico. Como há tempos não se via, dois presidentes
norte-americanos, ele mesmo incluído, não conseguiram faturar a reeleição,
quase um trâmite em momentos onde os arranjos político-institucionais
democráticos conseguiam operar com maior estabilidade e indicadores de
satisfação popular.
Sua
vitória revela um fiasco brutal do Partido Democrata, supostamente mais
progressista e inclusivo em sua governança. O mal estar da nossa civilização é
realidade incontornável, que não pode ser estancada por governos de direita ou
“menos de direita”, subjugados a lógica financista de um Capital que consagrou
a supremacia rentista por sobre a própria esfera da produção.
Essa
chave da atual economia política é imprescindível para se compreender a
ineficiência de governos de um e outro perfil, a ponto de uma direita
reacionária que falsifica descaradamente as razões da crise histórica conseguir
se vender como “antissistema”, quando não passa de uma âncora que entra no jogo
para fixar de vez as bases deste sistema.
Os
“consensos” de mercado fizeram das democracias liberais representativas meros
balcões de negócios dos grandes capitalistas que, em sua fase
rentístico-financeira, operam cada vez mais o Estado por dentro. Isso no Brasil
fica claro com a falsa autonomia do Banco Central e o avanço de um pacote
caricato de privatizações que incluem a gestão de semáforos ou de uma escola
pública de uma grande cidade.
Vale
tudo pra assaltar o cofre público. Como define Élida Graziano, a oligarquia
entrou numa fase de “extrativismo no Estado”, isto é, cava qualquer buraco na
administração pública a fim de tomar para si funções de Estado, que se
autoterceiriza e remunera grupos econômicos quaisquer para operar suas
atribuições. Em São Paulo, não há limites para tal embocadura
pseudo-administrativa. Agora, as escolas públicas podem ser gerenciadas por uma
gestora de capital agrário do Mato Grosso e são um ativo negociado em bolsa. Em
troca, os negociantes da esfera pública recebem generosos financiamentos de
campanhas eleitorais. Velhíssimo toma lá dá cá jamais estancado pela reforma
eleitoral que proibiu o financiamento empresarial de campanha.
Amplia-se
a uma escala exponencial a gestão neoliberal da vida. E como escancarou um
vídeo de um clássico “yuppie” da Faria Lima, com tom assustadoramente raivoso
direcionado a trabalhadores comuns de equipamentos públicos há décadas
subfinanciados, não há o menor pudor em disfarçar uma boa intenção. Antes,
alegavam que havia interesse em melhorar um determinado serviço e torná-lo mais
eficiente. Agora, não há sequer essa máscara e o deboche é abertamente encenado
em marteladas do governador cercado de negociantes, enquanto uma polícia
politizada por um oficial fascista que faz a limpa em sua hierarquia interna
solta os cachorros para cima dos corpos que terão sua rotina de trabalho
diretamente afetada pelas PPPs.
Ainda
no Brasil, as eleições municipais também registram um avanço dessa
oligarquização das democracias. O modelo de parlamentarismo não assumido
instalado pelo experimento plutocrático de Eduardo Cunha e Michel Temer segue a
frutificar. Afinal, para emendas parlamentares não tem essa de austeridade. E o
dinheiro que deveria ampliar e perenizar políticas de bem estar social se torna
manancial de neoclientelismo e neocoronelismo, a jorrar de mãos fisiológicas
que amarram a cena política das cidades brasileiras, com benefício endereçado a
grupos econômicos dominantes e seus melhores despachantes locais. Como se vê, o
freio ao financiamento privado de campanhas já foi burlado.
O
governo Lula é ponto fora da curva no meio deste processo linear de afastamento
dos governos (e seus orçamentos) das demandas reais da população e dos próprios
pactos constitucionais. Não à toa, mal acabou a eleição municipal e, diante dos
resultados favoráveis aos velhos donos do Brasil, inicia-se um cerco à metade
final de seu mandato. Que nesta segunda-feira a Folha de S. Paulo tenha
permitido a Bolsonaro escrever um artigo intitulado “Aceitem a democracia”, com
toda a desfaçatez que deus concedeu ao maior criminoso político da história do
país, é confissão definitiva de que a oligarquia brasileira rompeu com qualquer
noção trivial de democracia.
Dessa
forma, é interessante notar que o impacto da eleição de Trump na mídia
brasileira e seu falso cosmopolitismo pareceu bem menor do que em 2016. O
chamado liberalismo se adapta tranquilamente à fascistização do mundo, como
deixa claro o massacre de Israel em Gaza, abordado com toda a má fé possível
pelos grupos conservadores. Vale tudo para manter a estrutura dos privilégios
socioeconômicos de elites que herdaram o mundo fundado no colonialismo e na
escravidão.
·
Nossa elite é o
Partido Republicano
Sempre
foi paradoxal o alinhamento da mídia fanática pela doutrina neoliberal ao
Partido Democrata, responsável histórico pelas políticas de bem estar social
que criaram as condições para a chamada Era de Ouro do pós-guerra. Por aqui,
seu programa sempre foi semelhante ao do Partido Republicano. A guerra pelo
orçamento de 2025 e sua agenda que visa destruir de vez qualquer Estado social
são exatamente o que Donald Trump faria se fosse presidente do Brasil.
De
modo que o artigo de Bolsonaro na Folha de S. Paulo, e o grito surdo de anistia
que toda a mídia comercial já concedeu aos numerosos crimes de seu governo – a
começar pelo genocídio da pandemia, que completa 3 anos sem indiciamentos de
uma covarde e sabotadora Advocacia Geral da União –, corroboram a tese de que a
elite brasileira está em franco processo de elaboração de uma ordem neoliberal
autoritária com fachada democrática.
Um
governo Temer permanente é o grande sonho. Uma ordem profundamente antissocial
e antiambiental, simbolizada na confluência de um modelo agrário-exportador
ecocida com o rentismo, cujos lucros são ampliados de forma artificial pelas
gestoras de capital, a partir de uma política de juros que faz do serviço da
dívida pública e das aplicações financeiras sem contrapartida social e
produtiva um fim em si mesmo. É o que explica a defesa destes setores de taxas
de juros indecentes, que deprimem qualquer desenvolvimento econômico na base da
pirâmide, às quais o empresariado dos ramos produtivos acaba por se submeter,
tanto por tibieza ideológica como também por ter sua poupança ali depositada.
“Não
tem dinheiro pra empresinha”, como diria Paulo Guedes, e só resta à economia
real andar de lado, sem perspectivas reais de redenção, submissa à lógica
monopolista de setores cuja manutenção de taxas de lucro rapidamente consome
qualquer aumento do salário mínimo, investimento público em áreas sociais e
índices de crescimento que não têm como superar os 2 ou 3%, exceto por meio de
uma intensificação da superexploração dos recursos humanos e naturais.
Assim,
resta ao brasileiro médio jornadas extenuantes de trabalho, complementadas pela
busca de renda complementar em atividades aleatórias, desde as ilícitas –
afinal, a economia do crime é potencializada pela financeirização – até as
insanidades simbolizadas em bets e jogos de azar que se tornaram vício
coletivo. O assassinato de empresário que deveria estar escoltado pela PM de
Tarcísio e Derrite no Aeroporto de Guarulhos simboliza o avanço do crime
organizado muito além dos velhos varejos de drogas em quebradas insalubres da
cidade grande.
Falando
nisso, curioso notar como o secretário de segurança que deflagrou a Operação
Verão sob alegação de “sufocar as fontes financeiras do crime organizado” passa
ao largo de qualquer crítica da mídia que agora topa publicar “colunas” do
maior delinquente político da história do país. Enquanto Ryans são assassinados
nos bairros periféricos, as fontes financeiras do crime organizado se mostram
mais robustas do que nunca. E o governador que inventou uma orientação de voto
do PCC em Guilherme Boulos tampouco é incomodado.
Com
Donald Trump no poder da potência central, parece fechar-se um cerco. Liberais
já não conseguem simular oposição ao político de perfil neofascista. Pelo
simples fato de que no final das contas defendem o mesmo modelo de gestão da
riqueza (que, nunca é demais lembrar, é socialmente produzida). Para seguir em
sua espoliação insaciável, o negacionismo científico será aliado, pois não é
mais possível respeitar normas ambientais, pactos de preservação, redução de
emissões e objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU.
·
O liberalismo se
entrega à barbárie
“Make
America Great Again é um movimento de iconoclastia contra o tipo de
internacionalistas benignos que ocuparam a Casa Branca por 70 anos. Esta
semana, a maioria dos eleitores o abraçou de olhos abertos. Nossa esperança é
que o Sr. Trump evite essas armadilhas, e reconhecemos que em seu primeiro
mandato ele fez isso”, analisou o primeiro Editorial de Economist após sua
vitória sobre Kamala Harris.
O
editorial é revelador da incapacidade de lidar com seu fenômeno entre os
círculos da elite econômica. Chama-se de benigna uma hegemonia imperialista que
entupiu o mundo de guerras e ditaduras e nos leva ao colapso civilizatório e
sobretudo ambiental. Além disso, coloca-se num pacote de “70 anos” um processo
histórico que claramente se divide em duas partes: a era da expansão das
democracias liberais a partir da agenda de investimentos públicos que firmaram
estados de bem estar social no pós-guerra e a “revolução neoliberal” dos anos
70-80, que passou a agir na direção inversa e solapou as bases deste mesmo bem
estar.
E
no final das contas o editorial da Economist dá um voto de confiança ao chamado
“Deep state”, isto é, às razões de Estado, fortes o bastante para conter
particularidades de um governante de turno e capazes de manter a lógica do
projeto capitalista em seu significado mais profundo. A exata fórmula que
enlouquece as bases sociais eleitoras do “fascismo antissistema”.
Uns
e outros jogam no mesmo time e o cerco se fecha. O avanço oligárquico por sobre
os sistemas políticos e seus mecanismos de distribuição de renda e criação de
políticas efetivadoras da democracia no chão social veio para ficar. Os
governos progressistas dispõem de migalhas cada vez mais inexpressivas para
mitigar as brutais desigualdades, relações de submissão e exploração social,
trabalhista e ecológica.
Donald
Trump levará as sociedades ao ápice de suas polarizações. Todas as classes
dominantes da zona de influência dos EUA serão arrastadas pela correnteza de
seu movimento político neoliberal autoritário. Afinal, sua agenda visa cortar
impostos para os ultrarricos, avançar nas privatizações, a exemplo do já
mercantil modelo de saúde norte-americano, e desregulações de setores
econômicos oligopolizados. Suas promessas de protecionismo e reindustrialização
local são irrealizáveis do ponto de vista produtivo, de modo que qualquer
política de contentamento do público interno deverá se lastrear no aumento da
dívida pública do país e provavelmente em quebras do teto orçamentário, esta
longa tradição da “maior democracia do mundo” que seus admiradores brasileiros
esquecem de informar ao nosso público e só pode se manter minimamente estável
mediante manutenção da globalização dolarizada, por sua vez inibidora da
prometida retomada da indústria nacional. Com a ascensão da China e sua
influência econômica avassaladora, com novos fluxos de negócios e relações de
troca, tal globalização dolarizada está sob ameaça e sua manutenção exigiria
mecanismos de coerção desestabilizadores e belicistas.
No
restante do mundo ocidental onde este modelo político representativo foi
aplicado, o quadro depressivo é o mesmo. Austeridades infinitas para o povo,
que se afundará em jornadas de trabalho do século 19, concessões
multimilionárias às oligarquias locais e suas representações financistas,
privatização do que resta de Estado e experimentos autoritários na gestão da
insatisfação social.
Que
se perceba que tais polarizações são mais velhas do que parecem. Trata-se da
versão contemporânea da disputa entre Capital e Trabalho. A boa e velha luta de
classes. Que no momento só está sendo jogada por um dos lados. Quem viver,
verá.
¨
Efeito Trump: Canadá
planeja ampliar investimento em segurança de suas fronteiras
O
governo do Canadá vai ampliar o investimento na segurança das fronteiras depois
de o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, ter ameaçado impor uma tarifa de
25% caso o tráfico de drogas e a entrada irregular de pessoas na fronteira
entre os dois países seja controlada, informou a mídia local.
Segundo
a reportagem, o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, reuniu-se
recentemente com os governadores de cada província do país para chegar a um
acordo sobre uma resposta unificada à ameaça de Trump.
"Acreditamos
que há uma circunstância em que podemos fazer investimentos adicionais para
garantir aos canadenses que todas as medidas necessárias estão em vigor e
continuarão a estar", disse o ministro canadense de Segurança Pública,
Dominic LeBlanc, após a reunião.
A
fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá é a mais longa do mundo, com quase
9 mil quilômetros por terra e água, e a segurança no local é escassa, com
poucos muros ou cercas.
Embora
as principais passagens de fronteira rodoviárias tenham pontos de controle, a
fronteira é, em grande parte, controlada por patrulhas móveis, o que a torna
vulnerável ao tráfico de imigrantes, drogas e armas.
Os
líderes provinciais do Canadá, por sua vez, criticaram o que consideram ser o
fracasso do governo de Ottawa ao priorizar a segurança das fronteiras.
O
primeiro-ministro de Ontário, Doug Ford, disse esperar uma reunião com Trudeau.
Que seja "o início de uma abordagem mais proativa por parte do governo
federal" e que mostre que "leva a sério a segurança de nossa
fronteira, ou corre o risco do impacto econômico das tarifas de Trump".
O
número de imigrantes detidos ao tentar atravessar do Canadá para os EUA
aumentou de 27.180 em 2021 para 198.929 em 2024 — um aumento de quase 600% —,
apontam dados da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos (CBP, na
sigla em inglês).
Cerca
de 8,5 mil funcionários da Agência de Serviços de Fronteiras do Canadá
monitoram o lado canadense da fronteira, onde atravessam todos os dias quase
US$ 3,6 bilhões canadenses (R$ 15,5 bilhões) em bens e serviços e quase 400 mil
pessoas. O sindicato do órgão, no entanto, afirma serem necessários mais 2 a 3
mil agentes trabalhando na fronteira.
"Há
anos que o sindicato denuncia a falta de pessoal na fronteira", disse o
presidente da União das Alfândegas e da Imigração (CIU, na sigla em inglês),
Mark Weber, ao Financial Times.
As
autoridades canadenses admitem que traficantes mexicanos transferiram suas
operações para o norte, à medida que os Estados Unidos reforçaram os seus
controles na fronteira sul.
No
entanto, os números da proteção fronteiriça dos EUA mostram que os agentes
apreenderam uma média de apenas 800 gramas de fentanil por mês na fronteira com
o Canadá entre janeiro de 2022 e outubro de 2024, em comparação com cerca de
821 quilos de fentanil por mês na fronteira com o México durante o mesmo
período.
Fonte:
Correio da Cidadania/Sputnik Brasil
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