Luiz Marques: ‘Democratização como valor
universal’
Na Segunda Guerra
Mundial, a democracia foi apresentada como a guardiã das liberdades frente a
ofensiva autoritária do nazifascismo, o que a tornou um sonho de consumo para a
paz, bem como um álibi manipulado pelas “elites” por conveniência. Na América Latina,
as ditaduras civis-militares nos anos de chumbo torturavam nos porões e
acenavam uma volta à normalidade, pois não ousavam repudiar os predicados
democráticos. Por ora, o conluio jurídico-midiático-político arquiva a manu
militari. Os novos golpes estudam a função de cada talher na mesa, para
resguardar as aparências.
·
A célula de Ipanema
No célebre
ensaio A democracia como valor universal (1979), Carlos Nelson
Coutinho (1943-2012) intervém no PCB para denegar a ortodoxia do Comitê Central
e também o personalismo de Luís Carlos Prestes que, na Carta aos Comunistas,
acusava a linha partidária de reformista como se não o fosse com o Cavaleiro da
Esperança. O autor mescla Antonio Gramsci à insurgência do ABC paulista para
rebater a instrumentalização da democracia, opondo a questão democrática ao
transformismo. Teoricamente sublinha a ligação orgânica entre a demokratia e
o projeto de sociedade socialista.
Em Carlos
Nelson Coutinho e a renovação do marxismo no Brasil, Marcelo Braz
homenageia o ensaísta: “Postula uma associação entre a transição socialista e a
democracia, como ponto de partida e ponto de chegada”, embora andasse a reboque
do MDB. Somente depois de dez invernos, já nos estertores do velho Partidão, o insigne
intelectual da UFRJ abandona de vez a estratégia do partido-ônibus. Na data que
une a Queda do Muro de Berlim e o Consenso de Washington, enfim, a célula de
Ipanema filia-se ao PT na defesa de alianças com a hegemonia das classes
populares. A agenda política etapista se desmancha e enterra a “fase
democrático-burguesa”. Paciência tem limite.
Nos anos 1990, a
modernização dos Fernandos (Collor e Cardoso) apoia-se no lema thatcheriano: “o
povo não existe, o que existe são os indivíduos e as famílias”, o que desobriga
o Estado de formular políticas públicas. O voluntariado converte a condição dos
pobres, de credores, em carentes de uma generosidade. Começa a marcha da
desindustrialização, o desemprego cria um exército de reserva e a privataria
saqueia o patrimônio estatal. Com o caminho aberto, o neoliberalismo festeja o
“fim da história – a vitória da economia de mercado e da democracia liberal”;
os supostos tetos do possível.
Carlos Nelson Coutinho
admite que o título do libelo foi uma escolha ruim. Seria mais adequado
intitulá-lo “A democratização como valor universal”. Evitaria a pecha de
ilusionista por ignorar a análise concreta da realidade concreta. Se a
democracia transcende os horizontes de classe, a tese do esgotamento
capitalista espontâneo exagera na dose de otimismo. Erguer barreiras contrárias
às mobilizações antissistêmicas e aos eventos insurrecionais de massas, para
não provocar um putsch civil e/ou militar, é crer em Papai
Noel. Desejar mudanças profundas na sociedade, com a suposição de que elas não
serão notadas nem suscitarão uma contraofensiva, é uma imperdoável ingenuidade.
O habitus da tolerância não é a regra na trajetória do
patriarcado e do colonialismo, no Ocidente.
·
Equilíbrio de forças
Em priscas eras, se a
direita pisava com coturnos os direitos humanos, para a esquerda a democracia
tinha um caráter tático. A dimensão estratégica amadurece no contato com os
cadernos gramscianos. O polêmico ensaio auxilia oprimidos e explorados a assimilarem
o vetor da emancipação. Leandro Konder subscreve a reflexão do camarada de
utopias e chopes cremosos no boêmio bairro carioca: “A democracia não é um
caminho para o socialismo; é o caminho para o socialismo”, sintetiza.
Mas os desafios
aumentam no século XXI. O arco atual de alianças democrático-policlassista é
uma resposta em meio às adversidades. As contradições econômicas e
extraeconômicas assomam sem que os sindicatos, os partidos e os movimentos
avancem na conversão da palavra de ordem “vida, trabalho e dignidade” em uma
unidade de ação, para implantar as políticas redistributivas, conscientizar e
arregimentar os grupos vulneráveis. Eis o complicador no combate à extrema
direita e à mídia corporativa, que flerta com o demônio nas páginas amarelas da
cumplicidade e do ódio.
Não obstante, o campo
civilizatório imprime uma democratização nas relações sociais, políticas,
econômicas, culturais e institucionais. Basta citar a declaração sobre “a
defesa da democracia, pela construção de políticas públicas de interesse do
povo e a reinserção soberana do país no mundo, dentre outros avanços”. Ver a
Resolução do Diretório Nacional do PT (dezembro de 2023). Como enalteceu o
presidente Lula 3.0 no discurso de posse: “O Brasil quer a democracia para
sempre”.
A empreitada
reatualiza as ideias de um ícone do austro-marxismo sobre a junção das formas
direta e representativa da democracia, na “Viena Vermelha” do decênio 1920. “A
vantagem dos conselhos obreiros sobre o Parlamento é evidente: as ligações
entre eleitores e eleitos são mais estreitas pela fusão do poder legislativo e
o poder executivo”, frisa Max Adler, na antologia coletada por Ernest
Mandel, Control obrero, consejos obreros, autogestión. A
articulação da “democracia política”, fundada em interesses particulares, com a
“democracia social” baseada no interesse coletivo reflete o equilíbrio de
forças – enquanto durar. Não é um fim, per se, mas um momento da
luta de classes.
·
O espírito jacobino
A peculiaridade do
Orçamento Participativo porto-alegrense é haver transcorrido numa conjuntura
não revolucionária para acumular forças, na contramão do neoliberalismo. Uma
situação que se repete na institucionalização das Conferências Nacionais
oficializadas pelo governo federal hoje. O mecanismo bota num bico de sinuca o
clientelismo e o fisiologismo característicos do Congresso brasileiro. O
Orçamento Participativo celebra a forma de governo que dormitava (sem roncar)
na Constituição de 1988. Os prêmios internacionais das gestões petistas revelam
competência, criatividade, compromisso, visão de futuro e solidariedade na
decisão da coletividade organizada – o melhor técnico é o povo.
Existe vida além do
“presidencialismo” e do “parlamentarismo”: a “participação cidadã” para gerir
as receitas públicas com ética na política. Segundo Montesquieu, o melhor
regime é a República; difícil é achar republicanos para ampará-lo. A alteração
do modelo tradicional de governabilidade tem apologistas da res publica na
periferia, dispostos a acatar os interesses gerais dos trabalhadores. O grau de
escolaridade não é um empecilho, e sim a retração da soberania popular pela
tecnocracia.
A transparência no
Erário empodera os sujeitos que não têm oportunidade para exercer as funções
deliberativas, no teatro da política moderna. O Orçamento Participativo
condensa a dialética governantes / governados para: (a) atender o anseio
igualitário de acesso a equipamentos urbanos – escolas, postos de saúde,
saneamento, transporte, iluminação e; (b) democratizar o planejamento para
reduzir o caos e as iniquidades que acompanham a marcha do livre mercado. O
povo não é um simples adereço do governo, mas a sua alma. O espírito jacobin emana
da rebeldia contra todas as antigas injustiças.
La
participation citoyenne serve de
bússola-guia para a superação da gramática de dominação e subordinação e, em
simultâneo, a constituição do humanismo socialista. No neoconservadorismo, no
neoliberalismo e no neofascismo, traçar o próprio destino é um sopro em prol da
igualdade e da liberdade. Com Carlos Nelson Coutinho, o Brasil aprendeu que
democratizar é verbo no gerúndio. O processo de democratização em curso no país
é a chance de construir uma verdadeira nação. A façanha incide no animus da
resiliência do Sul global ao declinante imperialismo, para edificação de uma
ordem multipolar. Afinal, o “direito a ter direitos” possui uma dinâmica
internacionalista.
¨ ‘Estados nações - A ameaça do capital improdutivo’. Por Paulo
Kliass
Ao longo das últimas
décadas temos assistido a um movimento crescente de aprofundamento do processo
de internacionalização e de financeirização dos mais diferentes setores da
economia. Desde o início do capitalismo observa-se uma tendência histórica a mudanças
nas relações entre os antigos ramos, relativamente estanques, do capital
industrial e do capital bancário. Naquele período, as funções deste último
restringiam-se a ser um provedor recursos ao primeiro, por meio da coleta de
valores tomados por quem estivesse interessado em aplicar dinheiro poupado.
No entanto, a evolução
do próprio capitalismo levou a um processo de integração destes dois ramos em
torno daquilo que passou a ser denominado como capital financeiro. O economista
alemão Rudolf Hilferding escreveu ainda em 1910 uma obra que se tornou um
clássico a respeito do assunto. Em seu O capital financeiro estão esboçados os
traços da tendência à articulação mais integrada entre os interesses dos bancos
e das indústrias, caminhando para uma estratégia de quase fusão dos mesmos sob
a nova forma de organização do capital.
Passado mais de um
século, a mundialização e o aprofundamento da hegemonia da dimensão financeira
do capital apontaram para novos desafios da ampliação do espaço de sua
acumulação em escala global e para novos modelos de configuração da nova ordem
da financeirização. Isso tem significado uma elevação da autonomia da esfera do
financismo em relação aos movimentos da chamada economia real. Tal descolamento
do capital improdutivo em relação à dinâmica da produção material de bens
configura um dos elementos que reforçam a instabilidade estrutural do sistema e
contribui para a eclosão mais frequente de crises.
A evolução acelerada
mais recente rumo à internacionalização e à financeirização promoveram mudanças
importantes na distribuição do volume de capital pelo mundo afora. Além disso,
deu-se também um movimento de ampliação do estoque de capital financeiro em
particular. O Banco Internacional de Compensações (BIS) deveria operar como uma
espécie de “banco central dos bancos centrais”, mas suas atribuições ficaram
muito aquém de tais intenções iniciais. Tal restrição se deu por razões ligadas
à necessária preservação de autonomia dos países membros na definição de
políticas nas áreas monetária, financeira e creditícia. Mas também pela pressão
exercida pelos interesses do financismo contra toda e qualquer tentativa de
normatização e regulamentação do sistema.
De toda a forma,
apesar de tal insuficiência estrutural, o órgão conta com um potente sistema de
estatísticas e informações a respeito do universo financeiro mundial. O
levantamento do total de aplicações financeiras na modalidade de derivativos
reflete um incontrolável volume de recursos que pode circular pelas diferentes
praças de operações. Trata-se de inversão em títulos que guardam pouca ou quase
nenhuma vinculação com o lado real da economia. São “papéis” (denominação
bastante distinta do avanço tecnológico ocorrido no mundo digital) que apontam
para uma natureza fortemente especulativa e que não contam com nenhum tipo de
resguardo de medidas regulatórias.
De acordo com os
boletins estatísticos do BIS, em dezembro de 2023 haveria um estoque total de
US$ 667 trilhões aplicados em tais títulos espalhados pelo mundo. Para se ter
uma ideia de comparação, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima o valor
do PIB global para o mesmo período, em US$ 110 tri. Assim, a economia mundial
contaria com uma alavancagem financeira equivalente a seis vezes o valor da
base material da economia real do conjunto dos países do planeta. É importante
registrar, além disso, que estas estatísticas não contabilizam toda a enorme
quantidade de capital que opera no submundo das práticas ilegais, a exemplo do
tráfico de armas, drogas e minerais valiosos.
Ao longo das duas
últimas décadas teria ocorrido um aumento relativo da participação dos
derivativos no PIB mundial. Segundo as mesmas agências multilaterais, as
aplicações especulativas foram de US$ 190 tri em 2003, ao passo que a
estimativa do produto global aponta para US$ 40 tri. Ou seja, há 20 anos atrás
a alavancagem era menor: equivalente a 4,5 vezes.
A existência de tal
quantidade de capitais com possibilidade de migração sem controle nem
antecipação prudencial coloca o conjunto das economias do globo a descoberto,
com elevado risco de exposição. Uma informação também relevante a respeito da
volatilidade desse estoque de dinheiro refere-se ao prazo de maturidade dos
títulos. Ainda de acordo com o BIS, mais de 75% dos derivativos têm vencimento
inferior a um ano. Ou seja, mais de US$ 500 tri podem flutuar pelos mercados
financeiros globais em menos de 12 meses. Esta característica reforça o
elemento de especulação e eleva a incerteza quanto aos modelos de previsão de
comportamento dos detentores de tal tipo de riqueza financeirizada.
Por outro lado, esse
movimento de financeirização também provocou o surgimento de grandes grupos
empresariais que se especializaram na chamada “gestão de ativos”. Trata-se de
conglomerados financeiros que promovem a aplicação de somas espantosas de recursos
pelo mundo afora. Ainda que seja, em grande parte, a gestão de recursos de
terceiros, as operações desenvolvidas por tais fundos contam com razoável grau
de autonomia quanto à tomada de decisões. Os 10 maiores de tal universo são
responsáveis por ativos que totalizam US$ 48 tri, ao passo a soma do patrimônio
dos 20 maiores atinge US$ 66 tri. Para termos algum padrão de comparação, o PIB
dos Estados Unidos é de U$$ 27 tri e o do Brasil atinge US$ 2,3 tri.
Junto com a
impressionante ascensão das grandes corporações globais vinculadas à atividade
digital e à exploração comercial de dados e conhecimento, esse movimento de
financeirização redefine a paisagem das aplicações do capital no mundo
contemporâneo. O ranqueamento das maiores empresas internacionais deixou de
apresentar os grupos produtores de bens materiais, como ocorria no passado com
automóveis, eletroeletrônicos e outros produtos industriais.
Um dos maiores
desafios do mundo atual encontra-se justamente na necessidade de se promover
uma regulação e uma regulamentação das atividades financeiras e das chamadas
“big techs”. Tendo em vista o avançado grau de internacionalização das
transações econômicas, toda e qualquer medida deve contar com supervisão dos
organismos internacionais e com mecanismos de pressão sobre os Estados
nacionais para que os mesmos se comprometam com tais procedimentos prudenciais
e de controle.
• Banqueiros ganharam R$ 835 bilhões em
2023 com os “juros absurdos” do Banco Central, denuncia Pimenta
O ministro da
Reconstrução do Rio Grande do Sul, Paulo Pimenta (PT), voltou a criticar nesta
quarta-feira (31) a política de juros implementada pelo presidente do Banco
Central, Roberto Campos Neto. Pimenta criticou os gastos do país com os juros
da dívida pública, que chegaram a R$835 bilhões em 2023.
O ministro classificou
os juros como “absurdos” e afirmou que o valor, que poderia ter sido investido
em políticas públicas em benefício dos brasileiros, foi parar no “cofre dos
banqueiros”. “Quem lucra com os juros absurdos do Brasil? 835 bilhões de reais
que poderiam ter sido investidos no crescimento do país foram parar nos cofres
dos banqueiros no último ano”, criticou.
Na opinião de Pimenta,
a manutenção dos juros em um patamar elevado vai na contramão dos indicadores
econômicos, que mostram a inflação controlada e o crescimento da economia.
“Mesmo com a inflação controlada e com o PIB crescendo acima das expectativas,
o BC insiste em manter o Brasil com o segundo maior juro real do mundo. O
orçamento público pertence ao povo e é inaceitável que o dinheiro de hospitais
e escolas vá parar nas mãos dos especuladores”, disse.
• Gleisi celebra geração de empregos no
Brasil e diz: 'agora falta só o Banco Central parar de sabotar o país'
Presidente do PT, a
deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) celebrou em postagem no X, antigo
Twitter, nesta quarta-feira (31) os resultados positivos do Brasil no mercado
de trabalho. O Brasil teve em junho de 2024 um saldo de 201,7 mil postos de
trabalho com carteira assinada, resultado de 2 milhões de admissões e 1,8
milhão de desligamentos. No acumulado do ano, já são 1,3 milhão de postos
formais e, nos últimos 12 meses, o total de vagas chega a 1,7 milhão. O saldo
de junho superou 2023, quando foram gerados 157.198.
Já a taxa de
desemprego recuou para 6,9% no trimestre encerrado em junho e está um ponto
percentual abaixo da observada no trimestre até março (7,9%). Esta é a taxa de
desocupação mais baixa para um trimestre móvel encerrado em junho desde 2014.
Na postagem, Gleisi
cobrou que diante de tantos resultados positivos na economia, o Banco Central
reduza a taxa de juros, Selic, que impede um desenvolvimento ainda mais forte
do país. "Notícia boa para o povo! O Brasil fechou o mês de junho com 201.705
novos empregos formais, um crescimento de 29,6% em relação ao mesmo período do
ano passado. Só nos primeiros 6 meses de 2024 foram mais de 1,3 milhão de novas
vagas criadas. O governo Lula está empenhado em gerar emprego, renda, acesso e
oportunidade para os brasileiros e brasileiras. Agora falta só o Banco Central
se ligar e retomar o processo de redução de juros e parar de sabotar a economia
e o desenvolvimento do país".
Fonte: A Terra é
Redonda/Outras Palavras/Brasil 247
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