Estudos genéticos poderão levar a novos
tratamentos do autismo
O Transtorno do
Espectro Autista (TEA), ou apenas autismo, é uma condição extremamente
heterogênea tanto do ponto de vista clínico como etiológico. Assim, conhecer as
causas genéticas e os mecanismos moleculares associados a ela é o caminho que
pode levar ao desenvolvimento de terapias inovadoras e personalizadas. Temos
tido avanços importantes. Na década de 1990, o conhecimento que tínhamos sobre
causas genéticas do autismo vinham do exame de cariótipo, que detecta
alterações cromossômicas numéricas e estruturais relativamente grandes (>5
milhões de pares de bases) presentes em apenas cerca de 3% dos casos de
autismo; ou da identificação de genes associados a síndromes monogênicas raras
com alta prevalência de autismo no quadro clínico, como a síndrome do
cromossomo X frágil, a esclerose tuberosa e a síndrome de Rett.
A partir da metade dos
anos 2000, com o desenvolvimento da metodologia de microarrays cromossômicos de
alta resolução, tornou-se possível a identificação de anormalidades
cromossômicas menores não observadas no cariótipo. Essas alterações causam
duplicações ou supressões no código genético das células e podem envolver um ou
vários genes e justificar o autismo em cerca de 10% dos casos. Mas foi com
desenvolvimento das tecnologias de sequenciamento genético de nova geração de
exoma e genoma inteiros, empregadas a partir do início da década de 2010, que a
identificação de novos genes mutados associados ao autismo teve um crescimento
exponencial.
Em conversa com a Dra.
Andréa Sertié, pesquisadora do Einstein, ela me contou que o exame de exoma,
por exemplo, pode detectar mutações pontuais na região codificadora dos genes,
que são os exons. Cerca de outros 10% dos casos de autismo têm esse tipo de
mutações deletérias em genes importantes para o desenvolvimento e funcionamento
do nosso cérebro. Já a capacidade de sequenciar todo o genoma (genoma completo)
com cobertura mais uniforme do que os exames precedentes, permite a detecção de
todas as classes de mutação genética nas regiões codificantes e não
codificantes dos genes. No entanto, esses são exames caros e, atualmente, são
necessários mais estudos que permitam interpretar o significado de várias
dessas mutações em relação ao autismo. Assim, podem não agregar muito em termos
diagnósticos. Mas aquilo que os especialistas chamam de ‘variantes de
significado incerto’ são campo fértil para pesquisas.
As metodologias
genômicas já permitiram um salto no conhecimento de quais são os principais
genes mutados associados ao autismo. Agora, a ciência busca entender quais são
os mecanismos moleculares alterados, passo importante para pensar em
tratamentos.
• Pesquisas em andamento
No mundo todo,
inclusive no Brasil, há estudos em andamento. No Einstein, por exemplo, esse é
o foco das pesquisas básicas lideradas pela Dra. Andréa. O trabalho, de acordo
com ela, envolve a utilização de células-tronco pluripotentes induzidas geradas
a partir de células colhidas do sangue ou da polpa do dente de leite de
pacientes com autismo portadores de mutações genéticas específicas ou sem causa
identificada. Em laboratório, as células pluripotentes induzidas podem ser
diferenciadas, por exemplo, em neurônios ou em astrócitos (células que dão
sustentação aos neurônios) em culturas bidimensionais ou, ainda, em organoides
cerebrais, estruturas tridimensionais mais complexas cultivadas em laboratório
que imitam o desenvolvimento do cérebro humano, viabilizando os estudos.
Uma das pesquisas em
andamento visa observar o efeito da falta ou do excesso de determinadas
proteínas sobre os neurônios do organoide. Uma diferença no desenvolvimento de
um organoide com gene mutado em relação a um normal pode indicar que, de alguma
forma, aquilo contribui para o autismo. Outra pesquisa investiga a relação
entre inflamações e o neurodesenvolvimento humano. O objetivo é verificar se
determinadas citocinas inflamatórias (proteínas que atuam na resposta
inflamatória) podem funcionar como um fator de risco ambiental para o
desenvolvimento do autismo. Esse estudo é interessante em razão do fato de que
influências ambientais podem ter um papel importante no autismo, sobretudo nos
casos que não apresentam uma mutação patogênica de alto impacto e que são a
maior parte (cerca de 75% dos casos). Acredita-se que a grande maioria dos
pacientes com autismo tenha mutações de baixo efeito, mas em vários genes, que
associadas a outros fatores ambientais de risco, como neuroinflamações,
gerariam alterações importantes no neurodesenvolvimento.
Há também pesquisas em
busca de tratamentos focados em grupos de genes específicos. Os tratamentos
atuais aprovados para o autismo, à base de antipsicóticos, estão direcionados
ao controle de comordidades (ansiedade, irritabilidade, surtos de agitação e agressividade,
por exemplo), não alcançando sintomas centrais, como dificuldade de interação e
comunicação. Pesquisadores estão agora focados em mudar esse cenário.
Uma das pesquisas
internacionais promissoras em curso está investigando a eficácia e segurança da
aplicação do fator de crescimento IGF-1 em pacientes com mutação no gene
SHANK3, associado à síndrome de Phelan-McDermid. Já foi constatado que essa
abordagem melhora defeitos nas conexões nervosas observados em estudos de
laboratório com neurônios vindos de células pluripotentes induzidas de
pacientes ou em estudos pré-clínicos com animais. O tratamento com IGF-1 também
tem sido testado em pacientes com outras síndromes relacionadas com autismo
(como síndrome do cromossomo X frágil e de Rett) ou com autismo sem mutações
conhecidas. Existem também estudos avaliando o uso de inibidores da via mTOR em
pacientes com mutações em genes que levam à hiperatividade dessa via (que
controla a proliferação, crescimento e renovação das células), o que geraria um
excesso de sinapses no cérebro.
Há ainda uma longa
jornada para chegarmos a uma gama de terapias eficazes e que possam ser
personalizadas, considerando as diferentes condições e alterações genéticas em
cada indivíduo com TEA. No entanto, cada conhecimento gerado para compreender
os mecanismos moleculares associados às suas causas vai pavimentando a estrada
que nos levará a uma nova era no tratamento do autismo.
Fonte: Por Sidney
Klajner, em Futuro da Saúde
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