quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Estudos genéticos poderão levar a novos tratamentos do autismo

O Transtorno do Espectro Autista (TEA), ou apenas autismo, é uma condição extremamente heterogênea tanto do ponto de vista clínico como etiológico. Assim, conhecer as causas genéticas e os mecanismos moleculares associados a ela é o caminho que pode levar ao desenvolvimento de terapias inovadoras e personalizadas. Temos tido avanços importantes. Na década de 1990, o conhecimento que tínhamos sobre causas genéticas do autismo vinham do exame de cariótipo, que detecta alterações cromossômicas numéricas e estruturais relativamente grandes (>5 milhões de pares de bases) presentes em apenas cerca de 3% dos casos de autismo; ou da identificação de genes associados a síndromes monogênicas raras com alta prevalência de autismo no quadro clínico, como a síndrome do cromossomo X frágil, a esclerose tuberosa e a síndrome de Rett.

A partir da metade dos anos 2000, com o desenvolvimento da metodologia de microarrays cromossômicos de alta resolução, tornou-se possível a identificação de anormalidades cromossômicas menores não observadas no cariótipo. Essas alterações causam duplicações ou supressões no código genético das células e podem envolver um ou vários genes e justificar o autismo em cerca de 10% dos casos. Mas foi com desenvolvimento das tecnologias de sequenciamento genético de nova geração de exoma e genoma inteiros, empregadas a partir do início da década de 2010, que a identificação de novos genes mutados associados ao autismo teve um crescimento exponencial.

Em conversa com a Dra. Andréa Sertié, pesquisadora do Einstein, ela me contou que o exame de exoma, por exemplo, pode detectar mutações pontuais na região codificadora dos genes, que são os exons. Cerca de outros 10% dos casos de autismo têm esse tipo de mutações deletérias em genes importantes para o desenvolvimento e funcionamento do nosso cérebro. Já a capacidade de sequenciar todo o genoma (genoma completo) com cobertura mais uniforme do que os exames precedentes, permite a detecção de todas as classes de mutação genética nas regiões codificantes e não codificantes dos genes. No entanto, esses são exames caros e, atualmente, são necessários mais estudos que permitam interpretar o significado de várias dessas mutações em relação ao autismo. Assim, podem não agregar muito em termos diagnósticos. Mas aquilo que os especialistas chamam de ‘variantes de significado incerto’ são campo fértil para pesquisas.

As metodologias genômicas já permitiram um salto no conhecimento de quais são os principais genes mutados associados ao autismo. Agora, a ciência busca entender quais são os mecanismos moleculares alterados, passo importante para pensar em tratamentos.

•        Pesquisas em andamento

No mundo todo, inclusive no Brasil, há estudos em andamento. No Einstein, por exemplo, esse é o foco das pesquisas básicas lideradas pela Dra. Andréa. O trabalho, de acordo com ela, envolve a utilização de células-tronco pluripotentes induzidas geradas a partir de células colhidas do sangue ou da polpa do dente de leite de pacientes com autismo portadores de mutações genéticas específicas ou sem causa identificada. Em laboratório, as células pluripotentes induzidas podem ser diferenciadas, por exemplo, em neurônios ou em astrócitos (células que dão sustentação aos neurônios) em culturas bidimensionais ou, ainda, em organoides cerebrais, estruturas tridimensionais mais complexas cultivadas em laboratório que imitam o desenvolvimento do cérebro humano, viabilizando os estudos.

Uma das pesquisas em andamento visa observar o efeito da falta ou do excesso de determinadas proteínas sobre os neurônios do organoide. Uma diferença no desenvolvimento de um organoide com gene mutado em relação a um normal pode indicar que, de alguma forma, aquilo contribui para o autismo. Outra pesquisa investiga a relação entre inflamações e o neurodesenvolvimento humano. O objetivo é verificar se determinadas citocinas inflamatórias (proteínas que atuam na resposta inflamatória) podem funcionar como um fator de risco ambiental para o desenvolvimento do autismo. Esse estudo é interessante em razão do fato de que influências ambientais podem ter um papel importante no autismo, sobretudo nos casos que não apresentam uma mutação patogênica de alto impacto e que são a maior parte (cerca de 75% dos casos). Acredita-se que a grande maioria dos pacientes com autismo tenha mutações de baixo efeito, mas em vários genes, que associadas a outros fatores ambientais de risco, como neuroinflamações, gerariam alterações importantes no neurodesenvolvimento.

Há também pesquisas em busca de tratamentos focados em grupos de genes específicos. Os tratamentos atuais aprovados para o autismo, à base de antipsicóticos, estão direcionados ao controle de comordidades (ansiedade, irritabilidade, surtos de agitação e agressividade, por exemplo), não alcançando sintomas centrais, como dificuldade de interação e comunicação. Pesquisadores estão agora focados em mudar esse cenário.

Uma das pesquisas internacionais promissoras em curso está investigando a eficácia e segurança da aplicação do fator de crescimento IGF-1 em pacientes com mutação no gene SHANK3, associado à síndrome de Phelan-McDermid. Já foi constatado que essa abordagem melhora defeitos nas conexões nervosas observados em estudos de laboratório com neurônios vindos de células pluripotentes induzidas de pacientes ou em estudos pré-clínicos com animais. O tratamento com IGF-1 também tem sido testado em pacientes com outras síndromes relacionadas com autismo (como síndrome do cromossomo X frágil e de Rett) ou com autismo sem mutações conhecidas. Existem também estudos avaliando o uso de inibidores da via mTOR em pacientes com mutações em genes que levam à hiperatividade dessa via (que controla a proliferação, crescimento e renovação das células), o que geraria um excesso de sinapses no cérebro.

Há ainda uma longa jornada para chegarmos a uma gama de terapias eficazes e que possam ser personalizadas, considerando as diferentes condições e alterações genéticas em cada indivíduo com TEA. No entanto, cada conhecimento gerado para compreender os mecanismos moleculares associados às suas causas vai pavimentando a estrada que nos levará a uma nova era no tratamento do autismo.

 

Fonte: Por Sidney Klajner, em Futuro da Saúde

 

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