quarta-feira, 29 de março de 2023

Mesmo sendo rara, por que 'falsa morte' continua ocorrendo

Recentemente, funcionários que trabalhavam no funeral de uma mulher de 82 anos de idade declarada morta em uma casa de repouso de Nova York, nos Estados Unidos, descobriram que, na verdade, ela estava viva.

O incidente ocorreu pouco depois de outro caso similar, no Estado americano de Iowa.

Uma mulher de 66 anos de idade com demência precoce foi declarada morta por uma enfermeira. Mais tarde, ela foi encontrada lutando para respirar, quando os funcionários do funeral abriram o saco plástico que guardava o corpo.

Felizmente, é algo muito raro. Mas causa profundo medo, o que pode explicar um antigo costume marítimo.

Quando um marinheiro morria e a lona que serve de mortalha era costurada, o último ponto era dado atravessando o nariz do falecido.

Eles consideravam que uma agulha atravessando o nariz seria um estímulo suficientemente forte para acordar qualquer marinheiro que porventura ainda estivesse vivo.

Felizmente, a confirmação da morte nos dias de hoje é muito menos cruel.

A ausência de batimentos cardíacos e sons de respiração por um certo período de tempo, a presença de pupilas fixas e dilatadas e falta de reação a qualquer estímulo devem indicar a morte de uma pessoa.

Todos os médicos aprendem como fazer isso e todos estão cientes das suas obrigações.

Mas, infelizmente, tem havido casos em que a morte foi confirmada com estes processos, mas o paciente exibiu sinais de vida posteriormente.

Ao longo dos anos, já vi isso acontecer. Um dia, no hospital, um colega declarou uma idosa como morta, mas, pouco tempo depois, ela começou a respirar novamente e seu pulso foi rapidamente restaurado.

Em outro incidente inesquecível, a equipe médica de emergência foi convocada desta forma: “parada cardíaca. Necrotério. Não é brincadeira!”

Uma mulher havia tomado uma overdose de barbitúricos receitados para tratamento de epilepsia. Ela havia sido examinada por um médico geral que certificou a sua morte.

Mas, ao chegar ao necrotério, uma das suas pernas foi vista se contorcendo. Seguiu-se um constrangimento torturante. E, se me lembro bem, ela se recuperou.

Falhas no procedimento adequado de confirmação da morte explicam alguns casos de pessoas declaradas mortas por engano.

Exames superficiais por profissionais distraídos podem facilmente fazer com que batimentos cardíacos não sejam ouvidos e respirações rasas e espaçadas não sejam identificadas.

Vale a pena ser cuidadoso. Mas alguns remédios que receitamos aos pacientes podem dificultar a tarefa.

·         Drogas, toxinas e água fria

Acredita-se que medicamentos sedantes protejam, de alguma forma, o cérebro contra lesões. Esta prática é adotada na anestesia em procedimentos cirúrgicos importantes, particularmente se for necessário suspender a circulação por algum tempo.

O que é menos útil e tem potencial de causar alarme são as overdoses de sedativos, que reduzem a capacidade de reação e debilitam a respiração e a circulação, gerando a impressão de morte enquanto protegem o cérebro da hipoxia (a falta de oxigênio). Posteriormente, quando a droga é liberada do corpo, a pessoa pode acordar.

O diazepam (nome comercial Valium) e o alprazolam (nome comercial Xanax) já fizeram pessoas serem declaradas mortas por engano.

Certas toxinas podem ter efeito similar. Os bokors, praticantes do vodu, aparentemente administravam pós às suas vítimas para fazer com que elas parecessem estar mortas. Esses pós supostamente continham pequenas doses de tetrodotoxina de baiacus para paralisar a vítima, que provavelmente era raptada antes do enterro e escravizada.

Poderiam os danos neurológicos do processo de “zumbificação” ser os responsáveis pela imagem popular dos zumbis?

A imersão em água fria também pode gerar a ilusão de morte devido ao seu efeito de reduzir os batimentos cardíacos. É bem documentada a sobrevivência após períodos consideráveis de tempo na água.

No atendimento de emergência, já se ensina há muito tempo que pacientes com hipotermia não são declarados mortos antes de serem aquecidos. Existem relatos de boa recuperação neurológica após imersão em água fria por até 70 minutos.

Os desmaios também podem enganar o médico na hora do exame. Durante os desmaios, ocorre a ativação do nervo vago (o nervo craniano mais longo do corpo), o que reduz os batimentos cardíacos e a pressão sanguínea.

Isso pode justificar um caso muito triste relatado em Honduras. Uma adolescente grávida foi declarada morta de susto ao ouvir um disparo na vizinhança, mas foi ouvida gritando dentro do túmulo um dia depois do funeral. É bem possível que ela tenha acordado depois de um desmaio prolongado.

Muitos casos deste tipo parecem ocorrer fora da Europa. As variações locais dos procedimentos de confirmação médica da morte podem ser a explicação. Talvez ocorram erros quando as pessoas têm menos possibilidade de pagar honorários médicos.

Seja qual for a causa, estes casos aparecem na imprensa porque são sensacionais e atraem a atenção do público, mas, na verdade, eles são muito raros.

 

Ø  O que a Ciência diz sobre o que sentimos no instante da morte

 

Ah, a vida! Você nasce, cresce, se apaixona por alguém (ou algo), talvez gere outras pessoas e, antes que perceba, é hora da próxima parte: a morte. O inevitável desaparecimento do nosso ser.

Há uma variedade enorme de formas pelas quais você pode morrer. As mais comuns são doença cardíaca ou câncer, mas saiba que cerca de 600 pessoas morrem a cada ano por asfixia erótica.

Independentemente de como acontecerá, é certo em algum momento você experimentará a morte clínica — quando a respiração e a circulação sanguínea param.

ara a maioria das pessoas, a morte não é completamente instantânea. Seja como for, a morte assusta e fascina.

Mas o que a Ciência moderna sabe sobre nossa experiência nestes momentos finais?

·         Qual é a sensação de morrer?

No último estágio da vida, quando a chegada da morte se aproxima e é esperada, é comum que as pessoas mostrem poucas reações e estejam em algum estado de entorpecimento. Por isso, geralmente imaginamos a experiência como um desaparecimento sonolento e inconsciente da vida.

Mas alguns experimentos mostram uma história muito diferente.

Em 2013, cientistas da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, mediram em laboratório a atividade cerebral de camundongos moribundos. E aconteceu algo interessante.

Depois que os camundongos sofreram parada cardíaca — e ficaram sem batimentos cardíacos ou respiração — seus cérebros mostraram um aumento na atividade geral, com níveis baixos de ondas gama que estavam mais sincronizadas em todo o cérebro do que nos estados normais de vigília.

É um tipo específico de atividade cerebral que foi associado à percepção consciente das pessoas em estudos anteriores.

O experimento desafia a noção de que o cérebro fica inativo durante a morte. Em outras palavras, os camundongos podem tido algum tipo de experiência enquanto estavam entre a morte clínica e a morte cerebral completa.

É possível que antes da inconsciência derradeira exista um período de maior consciência. Os cientistas se perguntaram: o que os camundongos experimentaram enquanto morriam? O mesmo poderia ser verdade para as pessoas?

·         Surpresas

Os seres humanos têm cérebros maiores e mais complexos do que os de camundongos, mas um experimento muito interessante realizado no Imperial College London, no Reino Unido, em 2018 lançou luz sobre como pode ser a morte em humanos.

A morte é psicodélica?

Os cientistas queriam investigar as semelhanças entre dois fenômenos muito diferentes.

Um deles são as experiências de quase morte (EQM) — as alucinações experimentadas por cerca de 20% das pessoas que foram ressuscitadas após a morte clínica.

O outro são as alucinações causadas pela dimetiltriptamina, a DMT, uma droga psicodélica que gera de forma confiável um amplo espectro de efeitos subjetivos nas funções do cérebro humano, incluindo percepção, afeto e cognição.

A DMT é encontrada em várias plantas, entre elas a ayahuasca, utilizada nos rituais de Santo Daime, mas também pode ser produzida em laboratório.

Os participantes do estudo receberam doses de DMT e, depois de voltarem à realidade, foi pedido que descrevessem suas experiências usando a lista de verificação comumente usada para avaliar experiências de quase morte. Os cientistas ficaram surpresos ao ver uma quantidade incrível de pontos em comum.

Ambas as experiências de EQM e DMT incluíram sensações como "transcendência de tempo e espaço" e "unidade com objetos e pessoas próximas".

A experiência de quase morte revelou-se surpreendentemente parecida com a de um poderoso alucinógeno.

·         Um final psicodélico?

Quando consideramos a morte, pensamos nela como um processo sinistro e tedioso. Mas e se esse processo for mais próximo a uma experiência psicodélica?

Perguntamos a Chris Timmermann, que liderou a pesquisa no Imperial College London, o que esse experimento nos diz sobre a morte.

"Acho que a principal lição da pesquisa é que podemos encontrar a morte na vida e nas experiências de vida", disse ele.

"O que sabemos agora é que parece haver um aumento na atividade elétrica [cerebral]. Essas ondas gama parecem ser muito pronunciadas e podem ser responsáveis ​​por experiências de quase morte."

"Também existem regiões específicas no cérebro, como o que chamamos de lobos temporais — áreas que lidam com memória, sono e até aprendizado — que também podem estar relacionadas a essas experiências. De certa forma, nossos cérebros estão simulando uma forma de realidade."

Cerca de 20% das pessoas que foram declaradas clinicamente mortas mas sobreviveram relatam EQMs. Será que todos que sobreviveram tiveram a experiência mas poucos se lembram dela ou será que essas experiências só ocorrem com alguns?

"É grande a possibilidade de que haja falta de memória devido a diferentes motivos. Em nossa experiência com o DMT psicodélico, vimos que, quando damos altas doses, há uma parte da experiência que também é esquecida", explicou Timmermann.

"O que eu acho que acontece é que a experiência é tão nova que é difícil de descrever. Quando uma experiência transcende a capacidade de ser descrita com linguagem, temos dificuldade em lembrá-la. Mas também pode ser que algumas pessoas simplesmente não as experimentem."

Há outras pesquisas que podem ajudar nossa compreensão da morte?

"É muito interessante o que está acontecendo nos dias de hoje com exames cerebrais e como podemos descobrir o que está acontecendo no cérebro", diz ele.

"Para isso, é possível que, em algum momento, nossas técnicas de imagem cerebral se tornem tão avançadas que possamos ler a mente das pessoas para chegar perto de entender quais são os mecanismos cerebrais que sustentam essas experiências extraordinárias e incomuns."

·         Otimismo

A Ciência da morte ainda é um terreno obscuro e distante — mas o que já sabemos dá motivos para otimismo.

Por exemplo, sabemos que pessoas que tiveram experiências de quase morte frequentemente relatam sentimentos de calma e serenidade, com redução do estresse associado à morte.

Também sabemos que as EQMs são predominantemente descritas como livres de dor, o que significa que a consciência aumentada que podemos experimentar após a morte também pode ser indolor.

A pesquisa também mostra que as pessoas tendem a perder seus sentidos em uma ordem específica. Primeiro, fome e sede, depois fala e visão.

A audição e o toque parecem durar mais, o que significa que muitas pessoas podem ouvir e sentir os entes queridos em seus momentos finais, mesmo quando parecem inconscientes.

E um exame de ressonância magnética recente de um paciente com epilepsia à beira da morte mostrou atividade relacionada à memória e sonhos, levando à especulação de que pode até haver alguma verdade na frase "você vê a vida passar diante de seus olhos".

Finalmente, sabemos por esses experimentos que a experiência da morte pode envolver uma consciência elevada, possivelmente alucinatória. Uma última viagem psicodélica antes do nada derradeiro.

"Em uma sociedade como a nossa, onde tendemos a negar a morte e tentar varrê-la para debaixo do tapete, acho que essa é uma das grandes lições que a pesquisa psicodélica pode nos dar: como incorporá-la em nossas vidas", concluiu Timmermann.

Em última análise, todos nós vamos morrer. Mas esses experimentos mostraram que a transição entre a vida e a morte pode ser muito mais emocional e até psicodélica do que poderíamos esperar.

Somos programados como animais para temer nossa morte, mas entender a morte mais profundamente nos ajuda a relaxar um pouco.

Esses últimos momentos podem não ser assustadores. Eles são apenas parte de uma viagem inevitável para um destino desconhecido, provavelmente indolor e potencialmente psicodélico.

 

Fonte: Por Stephen Hughes para The Conversation/BBC Reel

 

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