Bolsonaro volta ao
Brasil: os 4 fatores que influenciaram decisão de retornar
Após
quase quatro meses vivendo nos Estados Unidos, o ex-presidente Jair Bolsonaro
(PL) tem sua chegada prevista ao Brasil na manhã desta quinta-feira (30/03).
Ele
deve desembarcar no Aeroporto Internacional de Brasília e há a expectativa de
que participe de uma carreata pela cidade.
O
retorno de Bolsonaro era esperado há meses, desde que deixou o país sem passar
a faixa presidencial para seu sucessor, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT).
Bolsonaro
deixou o Brasil no dia 30 de dezembro, dois dias antes do fim de seu mandato
presidencial. Ele perdeu as eleições para Lula em uma disputa apertada no
segundo turno.
Em
um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), ele embarcou com assessores e a então
primeira-dama, Michelle Bolsonaro, para a Flórida. Inicialmente, ele ficou na
casa do lutador de artes marciais José Aldo.
Desde
então, ele tem participado de eventos conservadores nos Estados Unidos e, de
lá, vem criticando os primeiros passos do governo Lula.
Foi
de lá que ele postou um vídeo, depois apagado, em que questionava a vitória da
Lula nas urnas. O vídeo foi postado três dias depois da invasão da sede dos
Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro - o ato levou à prisão de
centenas de apoiadores bolsonaristas.
Também
foi de lá que ele se defendeu das acusações feitas por integrantes do governo
Lula de que sua gestão teria sido responsável pela crise humanitária do povo
indígena Yanomami.
E
também era dos Estados Unidos que ele vinha se defendendo das suspeitas de que
teria usado a estrutura da Presidência para reaver joias apreendidas pela
Receita Federal e que lhe haviam sido dadas de presente por autoridades da Arábia
Saudita avaliadas em R$ 16 milhões.
Ele
nega qualquer irregularidade em relação ao caso, revelado pelo jornal O Estado
de S. Paulo.
Aliados
do presidente, no entanto, avaliam que o retorno de Bolsonaro neste momento não
acontece totalmente por acaso.
Parlamentares
e fontes que pediram para não se identificar apontam que o cálculo de Bolsonaro
para o seu retorno ao Brasil atendeu a pelo menos quatro principais motivos.
Confira,
abaixo, os quatro principais fatores que influenciaram no cálculo de Bolsonaro
para retornar ao Brasil.
·
Desgaste político de Lula
Uma
fonte ouvida pela reportagem que acompanha de perto o retorno de Bolsonaro ao
país avalia que a volta do ex-presidente tem como pano de fundo uma percepção
de que, por vários fatores, Lula está em um momento de desgaste político
acentuado e atípico para um mandatário que acabou de assumir a presidência.
Os
episódios que melhor traduziriam esse desgaste aconteceram na semana passada. O
primeiro foi durante uma entrevista de Lula ao portal 247 em que ele usou um
palavrão para se referir ao que pensava sobre o ex-juiz e agora senador Sergio
Moro durante o período em que esteve preso na carceragem da Polícia Federal no
Paraná.
Em
seguida, após a Polícia Federal deflagrar uma operação contra membros do Primeiro
Comando da Capital (PCC) que teriam planejado matar Moro e outras autoridades,
Lula disse, disse, em uma entrevista, que acreditava que o plano seria uma
"armação" de Moro.
"Eu
acho que é mais uma armação do Moro. Quero ser cauteloso, é visível que é uma
armação do Moro. Vou pesquisar, vou saber", disse Lula.
A
declaração causou reação negativa e foi rebatida por seus adversários e por
Moro, que disse que Lula seria responsável por qualquer coisa que acontecesse à
sua família.
Além
do desgaste causado por suas declarações, Lula também enfrenta dificuldades
junto ao Congresso Nacional. Apesar de ter distribuído ministérios para
partidos do chamado Centrão, como o União Brasil, a percepção é de que seu
governo ainda não tem uma base sólida no Parlamento capaz de aprovar seus
projetos.
Essa
percepção havia ficado expressa em declarações do presidente da Câmara dos
Deputados, Arthur Lira (PP-AL) e do líder do União Brasil, deputado Elmar
Nascimento (BA), que disse, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, que
apesar de ter três ministérios, não seria conveniente ao partido entrar na base
do governo.
Nos
últimos dias, o governo tem estado sob alerta depois que Lira e o presidente do
Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), passaram a debater sobre o rito de tramitação
de medidas provisórias.
Lira
quer maior participação da Câmara nas comissões mistas que precisam ser criadas
para avaliar as medidas enviadas pelo Executivo.
Pacheco,
no entanto, resiste à proposta de Lira. O impasse, porém, pode acabar afetando
o governo, uma vez que as medidas provisórias enviadas pelo Executivo têm
validade de até 120 dias. Se não forem convertidas em lei antes disso, elas
perdem a vigência.
"A
volta de Bolsonaro acontece em um momento em que o governo está batendo cabeça
o tempo inteiro. Lula vem dando declarações desastrosas e isso tem aumentado o
desgaste dele", disse o deputado federal Marco Feliciano (PL-SP), um dos
principais aliados de Bolsonaro.
"O
presidente (Bolsonaro) é intutelável e faz as coisas que saem da cabeça dele,
mas, com certeza, ele volta num momento de desgaste muito grande do Lula. Tanto
pelas declarações quanto pela falta de articulação política", disse o
também deputado federal Capitão Augusto (PL-SP).
·
Economia em marcha lenta
Um
outro ponto destacado por aliados de Bolsonaro ao analisar o que levou o
ex-presidente a retornar agora é o cenário econômico do país.
Quase
três meses depois de assumir a Presidência da República, Lula ainda não
conseguiu colher seus primeiros resultados positivos na área econômica.
Uma
das principais e mais imediatas batalhas travadas por Lula nessa área tem sido
a queda da taxa de juros básica da economia, definida pelo Banco Central e que
tem como objetivo controlar o avanço da inflação.
Desde
o início do mandato, Lula e seus aliados mais próximos, como a deputada federal
e presidente nacional do PT Gleisi Hoffmann (PR), têm feito críticas abertas ao
presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, por conta do atual patamar da
taxa de juros, que é de 13,75% ao ano, considerada uma das mais altas do mundo.
A
crítica é de que as taxas nesse patamar desestimulam investimento privado,
dificultando a geração de empregos e o crescimento do PIB.
E
o crescimento do PIB é uma das principais metas de Lula. Segundo o último
boletim Focus, elaborado pelo Banco Central, a previsão é de que a economia
brasileira deva crescer em torno de 0,88% em 2023.
Em
reunião com ministros no dia 10 de março, Lula enfatizou que quer o empenho de
sua equipe para acelerar o andamento de obras e projetos que gerem empregos.
"A
gente não pode aceitar a ideia de que o PIB não vai crescer porque alguém disse
que o PIB não vai crescer... Nós vamos dizer que o PIB vai crescer porque nós
vamos gerar emprego e vamos gerar emprego com as pequenas coisas", disse
Lula durante a reunião.
A
expectativa de que a taxa pudesse cair após uma campanha de críticas do
governo, porém, se desfez na semana passada depois que o Conselho de Política
Monetária (Copom) manteve a taxa de juros no mesmo patamar em que estava.
A
ata da reunião ainda menciona a necessidade de o governo apresentar um novo
conjunto de regras fiscais que norteiam como a atual gestão vai cuidar das
contas públicas.
O
chamado "arcabouço fiscal" vem sendo desenhado pela equipe do
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e deveria ter sido apresentado em março,
mas Lula acabou adiando o anúncio às vésperas de sua viagem para a China.
A
viagem, no entanto, acabou não ocorrendo porque Lula foi diagnosticado com uma
pneumonia. Agentes do mercado avaliam que o anúncio de um novo arcabouço fiscal
que seja crível e transparente pode abrir caminho para a redução na taxa de
juros.
Uma
fonte que acompanha de perto o retorno de Bolsonaro citou a fragilidade da
agenda econômica de Lula como um dos elementos que influenciaram na escolha do
ex-presidente sobre o momento do seu retorno.
Segundo
ele, faltando pouco mais de uma semana para a marca de 100 dias de mandato,
Lula teria pouco a mostrar nessa área.
Para
o deputado federal Capitão Augusto (PL-SP), um dos principais aliados de Bolsonaro
na Câmara dos Deputados, a economia é um dos principais pontos fracos desse
início de governo de Lula e a chegada de Bolsonaro neste momento, colocaria
ainda mais pressão sobre o novo governo.
"A
economia está em marcha lenta. Lula está com dificuldade em fazer a máquina
andar e já estamos chegando a 100 dias de governo e ele não tem quase nada para
apresentar. Bolsonaro, por outro lado, tem um mandato para ser comparado",
disse o parlamentar.
·
Oposição ainda sem liderança
Um
dos fatores que, segundo aliados, também influenciou na escolha do momento de
retorno de Bolsonaro é o fato de que, desde sua partida, a direita conservadora
no país não teria encontrado nenhum outro substituto para liderar a oposição ao
governo Lula.
A
permanência de Bolsonaro nos EUA também vinha incomodando ex-aliados de seu
governo com o presidente do Partido Republicanos, ligado à Igreja Universal do
Reino de Deus, o deputado federal Marcos Pereira.
Em
entrevista ao jornal Folha de S.Paulo no início deste mês, ele disse que Bolsonaro
não seria uma liderança da oposição.
"Acho
que não, porque se fosse líder da oposição, ele teria de estar fazendo oposição
aqui no Brasil. Ele é um turista nos Estados Unidos", disse.
Alguns
dos principais nomes da direita no Parlamento ainda não teriam conseguido se
transformar em protagonistas da oposição ao governo Lula.
Entre
eles está o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), que foi o mais votado do
Brasil em 2023, com 1,4 milhão de votos.
No
Dia Internacional da Mulher, ele protagonizou um episódio polêmico ao usar uma
peruca e fazer um pronunciamento com frases interpretadas como ofensivas à
comunidade LGBTQIA+.
O
outro nome da oposição que recuperou alguma notoriedade nos últimos dias foi o
de Moro, especialmente depois das falas de Lula sobre ele.
Apesar
disso, aliados de Bolsonaro entendem que nenhuma dessas lideranças teria, hoje,
condições de organizar a oposição ao governo Lula.
"A
ala conservadora da direita ainda vê o Bolsonaro como a principal liderança do
país nesse campo. Ninguém surgiu nesse tempo em que ele esteve fora e assumiu
esse posto", disse o deputado Marco Feliciano.
"Não
tem outra liderança hoje em dia. Assim como o Lula é a principal liderança da
esquerda, o Bolsonaro é a principal liderança na direita. Novas lideranças não
surgem do dia pra noite", afirmou o deputado Capitão Augusto.
·
Bolsonaros como cabos eleitorais
O
outro fator apontado como determinante para o retorno de Bolsonaro ao Brasil é
um plano do presidente nacional do PL, Valdemar da Costa Neto, para usar o ex-presidente
e sua mulher, Michelle Bolsonaro, como cabos eleitorais durante as eleições
municipais de 2024.
No
PL, Bolsonaro deverá ocupar o cargo de presidente de honra do partido, com
direito a um salário estimado em até R$ 40 mil. Michelle Bolsonaro também
exercerá atividades no partido. Ela é a presidente do PL Mulher e terá um
salário estimado em R$ 33,7 mil.
A
meta de Valdemar é que o partido conquiste pelo menos 1 mil prefeituras em todo
o país no ano que vem. A ideia é quase triplicar o número de cidades comandadas
pelo partido na comparação com as últimas eleições.
Em
2020, a legenda, quando ainda não tinha Bolsonaro como filiado, o PL ficou em
sexto lugar em número de prefeituras conquistadas, com 345.
Naquele
ano, o partido que obteve o maior número de prefeituras havia sido o MDB, com
784.
"Bolsonaro
teve 58 milhões de votos em 2022. Ele é nosso maior cabo eleitoral no país. O
plano do Valdemar (da Costa Neto) é a gente aumentar e muito o nosso número de
prefeituras. Metade do Brasil apoia o Bolsonaro. É um capital eleitoral muito
grande", disse Marco Feliciano.
"O
presidente do partido quer aumentar o número de filiações e de candidaturas.
Com Bolsonaro viajando pelo Brasil, a gente vai se transformar no maior partido
do país em número de filiados, uma vez que já somos o maior partido em número
de deputados", disse Capitão Augusto.
Em
2022, o PL, ancorado no bolsonarismo, elegeu a maior bancada da Câmara dos
Deputados: 99 parlamentares. No senado, o PL tem a segunda maior bancada, com
13 senadores, atrás apenas do PSD, com 15.
Para
o cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Cláudio
Couto, os fatores que influenciaram no cálculo de Bolsonaro para voltar ao
Brasil fazem sentido.
"De
fato, tudo isso são fragilidades do governo Lula e que favorecem o
Bolsonaro", disse Couto.
O
professor disse, porém, que nem tudo será fácil para Bolsonaro em seu retorno.
"O
problema dele é que vários esqueletos no armário estão aparecendo, o que torna
a situação dele bem difícil", avaliou Couto.
Para
o professor, a volta de Bolsonaro pode tornar a vida de Lula no governo mais
difícil.
"Acho
que o Lula não tem nada a ganhar com ele aqui, a não ser que a situação
judicial do Bolsonaro piore. Por exemplo, com uma prisão ou uma busca e
apreensão. Isso inverte o sinal. Se nada disso ocorrer, o Bolsonaro circulando
por aqui é ruim para o Lula", disse.
Fonte:BBC
News Brasil
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