Entenda o conflito
entre Lira e Pacheco por conta da tramitação de MPs no Legislativo
Segue
em alta no cenário político a disputa envolvendo os presidentes da Câmara dos
Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em torno
da tramitação de medidas provisórias (MPs) no Congresso Nacional. Ainda
sujeitas a um rito especial adotado durante a pandemia, tais matérias agora são
alvo de uma queda de braço que tem paralisado os trabalhos nas duas casas e
criado problema para ambos os lados e também para o governo Lula.
O
conflito teve início em fevereiro, quando Pacheco decidiu pelo retorno dos
trabalhos das comissões mistas que avaliam MPs, o que incomodou deputados que o
acusaram de tomar uma decisão unilateral. Antes de estourar a crise sanitária
decorrente da covid-19, o fluxo das MPs no Congresso envolvia, em primeiro
lugar, a avaliação do texto por um colegiado do tipo, formado sempre por 12
senadores e 12 deputados. Na sequência, após o aval do grupo, a medida era
analisada separadamente por cada casa legislativa, sendo a Câmara a primeira a
votar o texto. O modelo era atrelado também a uma regra específica: a relatoria
das MPs era obrigatoriamente revezada entre Câmara e Senado.
Ocorre
que o início da pandemia fez com que o Supremo Tribunal Federal (STF)
autorizasse um rito mais célere para o andamento dos trabalhos em torno das
MPs, anulando temporariamente a análise dos textos por parte de comissões
mistas e, portanto, permitindo que houvesse apreciação direta do plenário. O
formato foi uma saída encontrada pelo Legislativo para que a resposta às
demandas relacionadas à crise sanitária acompanhasse o ritmo das necessidades
do momento.
Foi
também uma forma de administrar com mais eficiência o trabalho virtual gerado
pela pandemia, que fez com que os quase 600 parlamentares do Congresso pudessem
votar os textos diretamente das suas bases estaduais. Na época, apenas os
líderes das bancadas e outros personagens mais diretamente ligados a cada agenda
do momento vinham a Brasília (DF) para acompanhar presencialmente as votações.
O
rito mais veloz de tramitação fez com que o presidente da Câmara ganhasse mais
poder pelo fato de ter passado a indicar todos os relatores de MPs, uma vez que
a Casa é sempre a porta de entrada das matérias. Lira também passou a ter maior
controle sobre o tempo de tramitação desse tipo de medida, que é enviada pelo
Poder Executivo ao Legislativo sempre com prazo de 120 dias para votação, sob
pena de invalidação caso não seja apreciada a tempo.
Por
ser a segunda casa a receber os textos, o Senado acabou ficando com menos tempo
para discutir as MPs e, por conta da pressão pela rápida aprovação, tornou-se
um mero carimbador das decisões tomadas pelos deputados. “Desde que o Lira
assumiu a presidência ele tem encaminhado, em média, MPs com um prazo razoável
de debates para o Senado, mas esses prazos dentro do Senado ficaram meio
atabalhoados. Os senadores passaram a dispor de menos tempo de análise do que a
Câmara, e isso, evidentemente, prejudica o bom caminhar, o bom trâmite de
deliberação das MPs”, observa o cientista político Leonel Cupertino.
·
Contexto
O
doutor em ciência política Leandro Gabiati aponta que o conflito entre Lira e
Pacheco tem um pano de fundo composto por diferentes elementos. Um deles seria
o que chama de “reposicionamento do Senado” após a vitória de Lula (PT) nas
urnas em outubro. O analista lembra que, durante a gestão Bolsonaro, o
presidente da Câmara se alçou a personagem mais influente da República.
Em
um país que tem tradição de Poder Executivo forte, Lira se tornou condutor de
algumas das principais decisões tomadas na política nacional nos últimos anos.
O cenário foi marcado não só pelo rito extraordinário adotado para as MPs na
pandemia, mas especialmente pela criação do chamado “orçamento secreto”,
política de distribuição de verbas públicas a parlamentares que ficou a cargo
do deputado alagoano, e não do chefe do Executivo, conforme ocorria antes no
país.
Gabiati
resgata ainda as mudanças político-institucionais que o Brasil viveu a partir
do contexto que gerou o impeachment de Dilma Rousseff (PT), ocorrido em 2016,
que acabaram por provocar um fortalecimento gradual do Legislativo ao longo da
história recente. Com a concentração do poder no presidente da Câmara, Pacheco estaria em busca de voltar a dividir o protagonismo
com Arthur Lira.
“Você
tinha [nos últimos anos] um Senado que, por conta do Bolsonaro, virou opositor.
O Senado ocupou o segundo plano e, inclusive, Pacheco foi uma figura que
supostamente atrapalhava aquilo que o Bolsonaro [queria] e que o Lira aprovava
na Câmara. Agora, com o Lula, o Senado se reposiciona como um aliado importante
[do governo], e aí tem o Lira, que não quer nessa reacomodação perder status no
triângulo entre presidência, Câmara e Senado,” resume Gabiati.
·
Governo Lula
Se
é consenso entre especialistas a leitura de que o embaraço relacionado à
tramitação das MPs tem prejudicado as duas casas legislativas por conta do
travamento da pauta de votações no Congresso, também é praticamente unânime,
nos bastidores, a compreensão de que os ecos do conflito chegam ao governo
Lula, afetando os interesses da gestão no Legislativo. Em primeiro
lugar, a falta de harmonia entre as duas casas afeta a composição da base do
governo, que ainda não tem uma tropa organizada para atuar em seu favor.
Cupertino observa, nesse cenário, uma espécie de retroalimentação entre os dois
problemas.
“Eu
acho que essa disputa entre as duas casas funciona mais como um pano de fundo
de um problema que nasce do próprio governo: estamos às vésperas do centésimo
dia de gestão e, pelo menos do ponto de vista legislativo, o governo ainda não
começou. O que você tem é o Planalto editando MPs e fazendo relançamento de programas que são muito importantes e que são a marca
dos governos do PT, mas essas medidas sequer foram ainda colocadas em
apreciação, seja em comissão mista, seja nos plenários, porque o governo não tem ainda uma base bem definida”, analisa.
Em
segundo lugar, há uma lista de mais de 20 medidas provisórias pendentes de
votação na Câmara, sendo boa parte delas ainda da administração de Bolsonaro.
Como o regimento determina que as MPs devem ter prioridade na agenda de
votações do Congresso e o impasse entre Lira e Pacheco ainda não se resolveu, o
conflito acabou provocando uma espécie de congelamento da pauta. Na última
quinta (23), Lira anunciou para esta semana um esforço concentrado que prevê a
apreciação de 13 MPs até quinta (30). Quatro delas já foram votadas até o
momento.
Entre
as MPs do governo Lula que aguardam apreciação na fila, estão algumas das mais
importantes da atual gestão, como a MP 1.164/2023, que criou o Bolsa Família e
a MP 1154/2023, que remodelou a estrutura dos ministérios. “A paralisia
decisória nunca é conveniente para ninguém. Apesar do enfraquecimento da figura
do presidente da República nos últimos tempos no Brasil, o sistema adotado no
país continua sendo o presidencialismo, por isso acho que o governo não tem
como se eximir da responsabilidade de fazer com que esses atores se entendam,
até porque ele é o principal interessado no entendimento entre as casas”,
ressalta Gabiati.
Se,
por um lado, a administração do PT tem interesse em um trâmite mais célere das
MPs, por outro, Lula tem evitado publicamente o assunto por entender que a
gestão não pode comprometer a relação com nenhum dos mandatários do Congresso.
Apontado por alguns atores como omisso diante do conflito, o chefe do Executivo
tem feito alguns movimentos de tom mais discreto. No final da tarde de terça
(28), por exemplo, o assunto foi um dos pontos de pauta de uma reunião entre o
petista e Pacheco. Ao final do encontro, o presidente do Senado afirmou, em
nota pública, ter dito a Lula que estaria em “busca de um consenso”.
Na
mesa de negociações entre os presidentes das duas casas legislativas, figuram
algumas possibilidades. Uma delas seria a proposta feita por Lira de alteração
da composição das comissões mistas de MPs. O presidente da Câmara propôs a
votação de uma resolução que preveja um maior número de deputados do que de
senadores. A argumentação de Lira é de que, por ter um número maior de
parlamentares, a Câmara, que tem 513 membros enquanto o Senado tem 81,
mereceria uma representatividade mais ampla no colegiado. Do outro lado,
Pacheco e aliados ponderam que a comissão tem 12 membros de cada casa porque a
ideia seria de uma representação qualitativa das casas, e não quantitativa no
processo de avaliação de MPs.
Nos
bastidores do Congresso, corre a informação de que a proposta de Lira tem
poucas chances de prosperar. Enquanto o mundo político aguarda a resolução do
impasse, novas agendas de articulação estão previstas para ocorrer entre esta
quarta-feira (29) e quinta (30), o que tende a fazer com que as tratativas
vivam novos capítulos em relação ao tema.
“Não
há um amor natural entre Câmara e Senado, o que é perfeitamente natural. Acho
que Pacheco está correto em tentar restabelecer o rito constitucional da
tramitação das MPs. Agora, será que a ordem natural será de fato restabelecida
depois de uma queda de paradigmas tão sem precedentes na nossa história como
foi a pandemia? O fato é que a gente ainda não sabe. São as cenas dos próximos
capítulos”, afirma Leonel Cupertino.
Ø
Projeto
na Câmara sobre fake news não interfere em julgamento do STF, dizem ministros
Os
ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal),
defenderam que a análise do projeto de lei das fake news na Câmara dos
Deputados não irá interferir no julgamento da corte que trata do tema.
As
afirmações foram feitas nesta quarta-feira (29), após dois dias de audiência
pública no STF para discutir a regulação das redes sociais e de plataformas da
internet na corte.
Toffoli
citou que, no Parlamento, a não decisão é uma decisão, mas que no Judiciário
não há essa opção. O PL das Fake News foi aprovado em junho de 2020 no Senado
e, desde então, aguarda análise na Câmara.
"Eles
[parlamentares] têm o direito de não querer decidir. Nós aqui no Judiciário não
temos esse direito. Temos que decidir porque temos vidas, pessoas e partes que
estão requerendo seus direitos ou seus pretensos direitos, e temos que julgar e
decidir", disse.
Já
Fux declarou que os tempos da política e da Justiça são diferentes e que esta
deve respeitar a ordem cronológica dos processos.
"Eventualmente,
se o Parlamento regular a matéria, nós vamos enfrentá-la já também à luz do
direito novo", afirmou.
As
audiências trataram da responsabilidade de provedores de redes sociais e de
ferramentas de internet pelo conteúdo gerado pelos usuários, o que pode
resultar na flexibilização do Marco Civil da Internet, principal lei que regula
o tema no Brasil.
As
convocações foram motivadas por duas ações de repercussão geral (que incidem em
casos similares), de relatoria dos dois ministros, que serão julgadas no
Supremo.
Os
ministros informaram que ainda não há data marcada para essas ações entrarem na
pauta do Supremo. Porém, afirmaram que até integrantes do Parlamento já se
manifestaram sobre a importância deste julgamento para balizar a legislação.
Toffoli
disse que a audiência foi importante para trazer ao tribunal as várias visões
da sociedade civil, dos operadores e das parte do processo sobre o tema.
Segundo
ele, a partir disso, os ministros poderão, diante dos princípios
constitucionais, analisar os limites, defeitos ou os vícios que devem ser
aprimorados na legislação brasileira, de acordo com a Constituição da
República.
"Isso
será feito de acordo com a proteção da privacidade, da intimidade e da honra de
todos aqueles que atuam na internet, ou que são vítimas de alguns meios de
acusações", afirmou.
Ele
também disse que há uma campanha de ódio contra a democracia e as instituições
no Brasil e no mundo, e que deve ser discutido o que é crime e abuso.
Fux
defendeu ser importante ter uma tutela sobre o tema e que os ministros puderam
ouvir várias versões sobre a responsabilização dessas violações.
"Tudo
isso será exposto no meu voto e no do ministro Dias Toffoli, e certamente o
plenário terá a oportunidade de ouvir alguns amigos da corte que aqui estiveram
para ter uma visão plural do problema e chegarmos a uma solução uniforme",
declarou.
Na
terça-feira (28), Google e Facebook negaram omissão no combate a conteúdos
ilegais e de desinformação e na remoção de publicações que violam as políticas
das plataformas.
As
manifestações foram feitas após ministros do Supremo e do governo federal
voltarem a defender a regulação das redes sociais e de plataformas da internet.
Toffoli
destacou que a autorregulação das plataformas também é bem-vinda, assim como
existe na área da publicidade. Ele disse que isso poderia evitar várias
discussões que chegam ao Poder Judiciário, que cuidaria apenas das exceções.
"Hoje
temos o problema da judicialização predatória, incessante, que abarrota os
tribunais. Então a autorregulação é um bom filtro nesse particular",
acrescentou Fux.
O
relator do projeto de lei das fake news, deputado Orlando Silva (PC do B-SP)
mencionou, no último dia 13, a necessidade de incluir na nova legislação de
internet um órgão regulatório que atue paralelamente à autorregulação das
plataformas, no que é conhecido como autorregulação regulada ou corregulação.
Com
isso, as empresas estariam encarregadas de desenhar suas políticas e regras e
aplicá-las, mas estariam sujeitas à supervisão de um órgão regulatório.
No
texto atual do PL (projeto de lei) 2630, conhecido como PL das Fake News, não
há órgão regulatório, e o governo resistia em propor a criação dessa instância
temendo que pudesse ser tachada de um "ministério da verdade" e
dificultasse a aprovação das propostas.
No
entanto, o ministro da Justiça, Flávio Dino, admitiu a necessidade de criar na
legislação uma agência reguladora para fiscalizar o cumprimento das novas
regras.
Fonte:
Brasil de Fato/FolhaPress
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