O dilema da
produção de orgânicos no Brasil
Maçãs
suculentas, goiabas e laranjas: são somente três dos 45 tipos de frutas que
Jairo de Souza Rios cultiva em suas terras no interior da Bahia. Sua fazenda de
3,6 hectares se assemelha a um pequeno paraíso para os amantes de frutas
orgânicas.
Mas,
para o pequeno produtor rural, sua produção se traduz em trabalho pesado e de
baixo rendimento, mesmo possuindo o certificado Fairtrade, que atesta um
comércio justo assegurando determinados padrões de produção que respeitam
normas sociais, ambientais e econômicas.
Há
13 anos, Rios possui o certificado que promete preços justos para agricultores
e uma cadeia produtiva completamente rastreada. "Ultimamente, o preço
deixou de ser justo", diz o agricultor, de 39 anos, que vive com sua
esposa Evelyn, com quem deseja ter filhos.
Segundo
Rios, sobra pouco dinheiro para viver. No entanto, para ele, a produção
orgânica é importante, mas quase não compensa devido ao preço pago pela laranja
orgânica, que é minimamente superior ao da fruta produzida de maneira
convencional.
• Cooperativa quer preços mais justos
Rios
e outros 79 agricultores fazem parte da Coopealnor, uma cooperativa de pequeno
porte. Eles plantam laranjas, que são processadas em suco concentrado na
cooperativa em parceria com a empresa Tropfruit. O produto é vendido, entre
outros, para a Europa através da Gepa, a maior organização europeia de comércio
alternativo.
Os
agricultores decidem se querem cultivar da maneira orgânica ou convencional. A
Gepa compra as duas variedades, pagando 2.315 dólares (cerca de R$ 11,9 mil
reais) por tonelada de suco de laranja concentrado convencional e 3.900 dólares
(cerca de R$ 20,1 mil reais) por tonelada de orgânico. O dinheiro é dividido
entre os produtores.
Os
agricultores orgânicos ganham mais dinheiro do que os convencionais, mas,
segundo Rios, essa diferença não compensa. "O que me custa 20 ou 30 dias
de trabalho como produtor orgânico, custaria menos do que um dia de trabalho
como produtor convencional", afirma. Ele possui um trator, mas, para a
produção orgânica, a maior parte do trabalho precisa ser feita com as mãos.
• Baixa produção orgânica
A
fazenda de Nelson Borges da Cruz fica a poucos minutos da propriedade de Rios.
O agricultor de 75 anos diz que não consegue viver com o que recebe pela venda
de laranjas orgânicas certificadas com o Fairtrade. "O dinheiro que eu
recebo dá apenas para manter a fazenda", afirma. Ele conta que necessita
da aposentadoria para sobreviver.
A
propriedade de Cruz tem 3,5 hectares, mas sua produção é bastante reduzida,
também pelo fato de ser uma fazenda antiga. O cultivo convencional poderia
ajudar a aumentar a colheita. Ele, porém, é um entusiasta da produção orgânica
e se recusa a usar pesticidas.
"Quando
ando pela minha plantação, não tenho medo de contaminação. Posso comer
laranjas, jacas e cocos", relata Cruz. "Ajudamos com nossas frutas a
deixar todo mundo mais saudável."
• Aumento de até 80% nos custos de produção
Não
muito longe das duas fazendas está a sede da cooperativa, onde milhares de
laranjas são selecionadas por pessoas e máquinas. O coordenador administrativo
Aldo Souza mantem contato direto com a Gepa, cuja sede fica em Wuppertal, na
Alemanha.
A
princípio, Souza se diz satisfeito com a certificação, mas passou a exigir que
a empresa Fairtrade pague um valor maior aos agricultores. "O preço mínimo
é baixo demais para nós, porque os custos de produção aumentaram. Com o preço
que recebemos hoje, a renda das nossas famílias diminuiu. Precisamos de uma
compensação para melhorar isso."
Com
a guerra na Ucrânia e a inflação, a taxa de câmbio do dólar caiu
significativamente. As despesas com as quais os agricultores devem arcar antes
da produção efetiva aumentaram em até 80%, relata Souza. Atualmente, os
agricultores com propriedades menores não conseguem se sustentar com os preços
pagos pelo Fairtrade.
Souza
conta que alguns agricultores tiveram que procurar outro trabalho para
conseguirem sobreviver. Ele conta ainda que há um êxodo rural entre as crianças
em razão das dificuldades de subsistência na região.
• Gepa deixará de comprar suco concentrado
A
DW entrou em contato com a Gepa para questionar a empresa sobre as alegações
dos agricultores. A organização diz que nada impede um reajuste dos preços, e
que isso será negociado juntamente com a cooperativa para a partir de 2024.
De
acordo a Gepa, não será mais adquirido o suco de laranja concentrado de
pequenos produtores em 2023. "Infelizmente, não poderemos comprar da
Coopealnor neste ano devido à uma queda nas vendas. O motivo é que, nos últimos
anos, devido à pandemia, não pudemos vender tanto suco e refrigerante. O suco
de laranja concentrado ainda está nos estoques", escreveu a empresa.
A
cooperativa disse à DW que já havia sido informada pela Gepa sobre a suspensão
da compra neste ano em 2022. Justamente por isso, o grupo saiu em busca de
novos compradores.
Nesse
meio tempo, os agricultores Nelson Borges da Cruz e Jairo de Souza Rios
continuarão lutando para sobreviver. Cruz sabe muito bem o deseja para o
futuro: "Quero produzir mais e ganhar mais dinheiro. Quero uma vida melhor
para mim e para minha família."
Produtores orgânicos da Alemanha estão no
limite
No
início de janeiro desta ano, a atenção da imprensa alemã se voltou para
Lützerath, um vilarejo no oeste da Alemanha que se tornou um ímã de ativistas
do clima e símbolo da luta por um futuro menos poluente. Além de figuras
conhecidas, como a ativista sueca Greta Thunberg, o agroprodutor orgânico Bernd
Schmitz também fez parte dos que protestavam contra a demolição do vilarejo
para extração mineral.
O
criador de gado alerta, porém, para uma questão que quase se perdeu no
acalorado debate sobre Lützerath: não se trata apenas dos esforços da Alemanha por
mais proteção climática, mas também da reviravolta agrícola no país. Ou seja,
não se preocupar apenas com o carvão abaixo do solo, mas também com o que está
na superfície.
"Como
pode ser que produzamos produtos sem sentido para os quais gastamos muita energia
e, ao mesmo tempo, a nossa base alimentar é esgotada? E como fazer quando nós,
como agricultores, somos obrigados a não emitir carbono, enquanto em Lützerath
milhões de toneladas de CO2 serão lançadas na atmosfera?"
• Cada vez mais agricultores desistem
Há
alguns anos, talvez apenas alguns agricultores na Alemanha fizessem tais
questionamentos, mas hoje a realidade é outra, e muitos estão no limite. A cada
dia, seis propriedades agrícolas encerram suas atividades na Alemanha,
principalmente por causa da explosão dos custos de produção. Atualmente, há 256
mil delas, mas a tendência é descendente. Para dar uma ideia: em 2005 havia
quase 400 mil fazendas na Alemanha.
A
administrada por Schmitz apareceu pela primeira vez em documentos oficiais em
1850, e já passa pela quinta geração da família. Ela é agora a menor da região,
todas as outras propriedades menores desistiram de produzir.
Questionado
sobre quantos anos mais iguais a 2022 seu negócio poderia aguentar, ele
desabafa: "Um ano. Gastei 50% a mais do que no ano anterior apenas com
combustível e eletricidade. Não podemos compensar isso no longo prazo. Minhas
filhas querem assumir a fazenda, mas temos que pensar se ela ainda tem futuro.”
E
ainda há a questão das mudanças climáticas. Devido à seca, Schmitz teve que
reduzir o número de vacas para 35: suas pastagens não forneciam mais comida
suficiente para todo o gado. Um círculo vicioso: sem chuva a grama não cresce,
e os rendimentos também caem com a diminuição no número de animais. "Nos
últimos anos, chegou a ficar sem chover durante três meses", conta
Schmitz.
• Falha na conversão para a agricultura
orgânica
Um
em cada oito produtores da Alemanha aposta na agricultura orgânica. Porém, os
atuais 35 mil agricultores orgânicos têm sido particularmente afetados pela
inflação recorde decorrente da invasão russa à Ucrânia. E em 2022, pela
primeira vez em sua história, o mercado de orgânicos sofreu uma queda no
faturamento. Segundo a Associação Alemã de Agricultores, no fim de outubro as
vendas caíram 4,1%.
Vendas
de produtos orgânicos diminuem na AlemanhaFoto: picture-alliance/dpa
Até
2030, o governo federal quer elevar a participação da agricultura orgânica para
30% da produção nacional. Muitos especialistas consideram esse ambicioso plano
uma meta ilusória. Se por um lado há a mudança no comportamento do consumidor,
por outro se vê uma transformação lenta das áreas cultivadas e, por fim, a
falta de apoio político.
Bernd
Schmitz critica: "Se a sociedade quer uma mudança, então tem que haver
financiamento. Isso inclui também o ministro das Finanças, que barateia a
gasolina, mas ao mesmo tempo não fornece apoio financeiro adequado para o
bem-estar animal. Se isso não acontecer, não haverá uma conversão para a
agricultura orgânica.”
• Menos consumo de carne, porém mais
importações?
Também
há críticas aos acordos de livre comércio. Uma aliança da União Europeia com os
países do Mercosul pode ser firmada ainda em 2023, e uma nova tentativa do
Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento com os Estados
Unidos também parece possível com a guerra na Ucrânia.
Para
Schmitz, já basta o acordo Ceta, com o Canadá: "Queremos que se consuma
menos carne na Alemanha para proteger o clima e, ao mesmo tempo, ratificam um
tratado que permite a importação de 60 mil toneladas de carne bovina do
Canadá?"
O
agroprodutor também faz parte do movimento Wir Haben Es Satt (Estamos fartos),
que desde 2011 protesta por uma reviravolta ecológica no setor agrícola da
Alemanha. "Exigimos uma mudança na política agrícola que não apenas
recompense o crescimento, mas também a produção de qualidade", reforça
Bernd Schmitz.
As muitas maneiras de tornar a
agricultura mais verde
A
placa pendurada no portão promete "Batatas – saudáveis e deliciosas".
O slogan, ao qual caberia adicionar a palavra "rara", está alinhado à
filosofia de Cornel Lindemann-Berk de qualidade na frente da quantidade.
"Não temos chuva suficiente no verão. E como não queremos regá-las,
transformamos essa fraqueza numa força."
Os
rendimentos são 50% inferiores ao que poderiam ter sido, mas mesmo as
variedades raras como Bergerac ou Bamberg não são compostas por muita água.
Clientes de toda a região vão à loja da fazenda para comprar essas batatas
conhecidas por seu sabor rico e alto conteúdo mineral.
Quem
veio no verão passado também viu as faixas de flores coloridas à beira dos
campos de Lindemann-Berk. Suas misturas de brilhantes papoulas vermelhas,
escovinhas e margaridas selvagens atraíram ao local uma abundância de insetos.
"O número de espécies de plantas aumentou, e as de insetos
quadruplicaram", afirmou o agrônomo.
Os
cientistas começaram a documentar o crescimento das flores após realizar
plantios direcionados para insetos e pássaros. Aqui os animais podem encontrar
comida e néctar, como também um local seguro para se reproduzir.
Essa
empresa familiar na região da Renânia, na Alemanha, é uma das dez fazendas do
país que participam de um projeto para testar e implementar medidas de
conservação práticas e economicamente viáveis, paralelamente à agricultura
tradicional.
Ao
participar do projeto conhecido como Future Resources, Agriculture & Nature
Conservation (F.R.A.N.Z. – Recursos Futuros, Agricultura e Conservação da
Natureza), que se estende de 2017 a 2027, Lindemann-Berk está a caminho de se
tornar um agricultor orgânico.
"Como
parte deste projeto, não usamos adubo líquido nem produtos fitossanitários. Às
vezes a produção é zero, porque ervas daninhas como cardos e bardanas são
avassaladoras aqui." Para cada planta cultivada, cerca de 30 ervas e
gramíneas indesejadas também despontam da terra.
• Opção pela diversidade
Deste
modo, há anos Lindemann-Berk vem sofrendo perdas de cereais e de colza. Mas ao
assumir a fazenda Gut Neu-Hemmerich, três décadas atrás, ele converteu vários
prédios abandonados em apartamentos e escritórios, e assim não depende apenas
da agricultura para viver.
Ainda
assim, para ele ainda é importante plantar uma diversidade de grãos, e não
pratica monocultura, mas sim a rotação de culturas, como os fazendeiros faziam
séculos atrás. Variar o que se cultiva a cada ano ajuda a regenerar o solo, ao
mesmo tempo em que reduz doenças e pragas.
Como
parte de outras experiências para o projeto F.R.A.N.Z., Lindemann-Berk plantou
juntos milho e feijão verde. O feijão cresce sobre pés de milho e impede que a
luz chegue ao solo, reduzindo assim significativamente o crescimento de ervas
daninhas. Como o feijão é rico em proteínas e o milho contém amido, a mistura
também pode ser usada para alimentar o gado.
Também
foram introduzidas nos campos as chamadas "janelas de cotovias" –
faixas retangulares em forma de janelas nas plantações, permitindo que a
população de aves, fortemente dizimada, procrie tranquilamente no solo entre a
densa plantação de cereais.
Ele
só utiliza fertilizantes e pesticidas em caso de emergência, e mesmo assim em
doses homeopáticas. "Fertilizante demais pode até causar a multiplicação
de ervas daninhas indesejáveis. Nós calculamos as necessidades há mais de 40
anos. Usando amostras do solo, examinamos a quantidade de nutrientes no local e
calculamos exatamente quanto fertilizante precisamos usar para obter um bom
rendimento. Só então compramos o que precisamos."
Lindemann-Berk
também prefere usar fertilizante orgânico feito com esterco. "É importado
da Holanda, pois quase não há gado aqui nas proximidades", explica. Sua
fazenda fornece grãos para o gado holandês, "então, por que não pegar de
volta o estrume do animal?", pergunta, matreiro.
Os
organismos do solo digerem o valioso fertilizante líquido e excretam minerais
como nitrogênio, que as plantas absorvem pelas raízes. Essa mistura líquida
para proteção de culturas pode ser aplicada a plantas problemáticas usando uma
seringa com navegação por satélite e controle digital, uma medida
particularmente eficaz após o pôr do sol.
Com
a ajuda de sua própria estação meteorológica, dos dados coletados do solo e do
serviço meteorológico, Lindemann-Berk pode fazer previsões para calcular o
risco de ataque de fungos. Usando bactérias lácticas, ele conseguiu reduzir
drasticamente o uso de fungicidas químicos. Mesmo assim, os pesticidas só devem
ser usados se a planta não for capaz de se autoajudar.
Depois
que a colheita é concluída, ele coleta novamente amostras do solo. "Até
agora, as medições não mostraram resíduos de glifosato e seus produtos de
decomposição dentro do grão", frisa.
Ele
aponta para uma prateleira atrás dele, cheia de pastas, e explica que deve
manter seus registros guardados por cinco anos. Embora os regulamentos sobre
fertilizantes estejam sendo endurecidos há muitos anos – fazendo muitos
fazendeiros desistirem da agricultura –, os impactos positivos não aparecerão
nas águas subterrâneas antes de 30 anos.
• Sabor e saúde ou beleza
As
fazendas orgânicas só podem tratar suas plantas com preparados de cobre, que
estimulam o crescimento e previnem contra fungos. Embora seja um metal pesado,
os seres humanos precisam de cobre em pequenas doses, para ajudar na formação
do sangue e apoiar o funcionamento do sistema nervoso.
"Fazemos
tudo o que podemos para ser ecologicamente corretos, e fazemos o que as
fazendas orgânicas fazem tão bem", afirma Lindemann-Berk. "Porque
ninguém quer prejudicar o meio ambiente. Os agronegócios estão trabalhando nos
mesmos lugares há séculos."
A
prática sustentável é uma prioridade aqui. Mas para ser certificado como uma
fazenda orgânica, ele precisaria arrancar as ervas daninhas à mão – como
séculos atrás – e revolver regularmente o solo ao redor das plantas, para
arrancar as raízes de ervas e gramíneas indesejadas.
"Ninguém
quer fazer esse trabalho, nem mesmo os jovens estagiários", comenta. E,
assim, o trabalho é deixado às máquinas, em tempos de agricultura industrial na
Alemanha.
Lindemann-Berk
dá a suas plantas muito espaço para crescer, o que lhes permite absorver
nutrientes suficientes do solo e, por sua vez, resulta em terra bem arejada,
menos suscetível a doenças fungais. Ele também pede aos clientes que prestam
atenção excessiva à aparência de suas frutas e legumes para reconsiderarem suas
prioridades.
"Se
forneço a meus clientes maçãs dos pomares, saborosas e não tratadas, sempre
haverá reclamações sobre algumas marcas nas frutas.". A quem quer produtos
que sejam ao mesmo tempo orgânicos e impecáveis, o agricultar alerta: "São
duas coisas que não combinam."
Fonte:
Deutsche Welle
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