sexta-feira, 31 de março de 2023

Os vikings estiveram na América há exatamente 1.000 anos

Um evento cósmico gravado em árvores milenares de todo o planeta permitiu datar com exatidão quando os vikings estiveram na América. Os pesquisadores não sabem quando chegaram nem quanto tempo permaneceram, mas os anéis da madeira de vários objetos mostram que os nórdicos se estabeleceram no que hoje é o norte do Canadá em 1021, há exatamente um milênio.

Para além das sagas islandesas, parte da história oral dos povos nórdicos, não há muitas referências à presença viking na América. A evidência mais consistente é o sítio arqueológico de L’Anse aux Meadows (Enseada das Águas-Vivas), localizado na ilha de Terra Nova, no extremo nordeste do Canadá. Nas escavações, realizadas na década de sessenta do século passado, foram encontradas evidências de que essas casas haviam sido erguidas pelos vikings. Uma dessas evidências é o corte angular e preciso nas madeiras, algo que só poderia ter sido feito com machados ou outras ferramentas de metal. E os habitantes originais da região desconheciam a metalurgia. Devido à tradição oral e ao estilo arquitetônico das edificações, os historiadores acreditam que L’Anse aux Meadows foi construída por volta do final do primeiro milênio. Mas até agora a data exata era desconhecida.

Aproveitando uma tempestade solar que atingiu a Terra no ano de 992, um grupo de cientistas conseguiu datar não quando os vikings chegaram à América, mas quando já estavam. A inovadora e original forma de sabê-lo é explicada por Michael Dee, pesquisador da Universidade de Groningen (Holanda) e diretor da pesquisa: “As árvores absorvem carbono da atmosfera e o incorporam em seus anéis durante seu crescimento”, diz este professor de cronologia por isótopos. Esta disciplina se apoia no fato de que vários elementos da tabela periódica variam sua composição atômica (isótopos) mediante radiação a uma taxa conhecida. “Parte desse carbono é radiocarbono”, diz Dee. E naquele ano os níveis dispararam.

Os detalhes da pesquisa foram publicados na última edição da revista Nature. “Existem registros de anéis em todo o mundo formados pela madeira de árvores milenares, ou preservadas em pântanos ou turfeira, sem que se saiba exatamente o ano de crescimento de cada anel”, explica Dee. Essa é a base de uma ciência conhecida como dendrocronologia, que usa os anéis como marcadores de tempo. Com isso não se conhece apenas a idade de uma árvore. Ao capturar as condições ambientais, os troncos podem contar histórias sobre glaciações passadas, erupções vulcânicas, quando os polos magnéticos se inverteram ou o que está acontecendo com a mudança climática. Recentemente, diz Dee, “foi descoberto nesses registros um pico na concentração de radiocarbonos no anel correspondente ao ano de 993″, ou seja, o ano seguinte à tempestade solar, cujos raios cósmicos teriam elevado a concentração de carbono 14 na atmosfera.

O que fizeram em seu Centro de Pesquisa de Isótopos foi analisar três pedaços de madeira cortada encontrados em L’Anse aux Meadows. Os três são de árvores diferentes (um pinheiro de Natal, um zimbro e um cipreste) e os três têm gravada a anomalia de 993. “Ao medir a concentração de radiocarbono nos anéis da madeira viking, encontramos esse mesmo pico e daí soubemos que esse anel é de 993. Só tivemos de contar até a borda da casca para determinar quando o último anel foi formado, ou seja, quando a árvore foi cortada. Aplicamos o mesmo método aos três diferentes pedaços de madeira de três árvores diferentes e todos devolveram a data de corte de 1021″, explica o cientista holandês.

O dendrocronologista Raúl Sánchez-Salguero, da Universidade Pablo de Olavide, lembra que coexistem na atmosfera vários isótopos de carbono (carbono 12, carbono 13, carbono 14). “As tempestades solares perturbam o magnetismo terrestre, modificando a composição atmosférica, perturbando a relação entre 12 e 14, por exemplo. Durante o processo de fotossíntese, as árvores capturam essas variações”, explica. “A do ano de 992, como a de 774, foi um evento cósmico brutal registrado pelas árvores de todo o planeta, daí a precisão da datação da madeira dos vikings”, acrescenta.

Embora os vikings tenham chegado à América quase 500 anos antes de Colombo, sua presença não foi muito além da enseada das águas-vivas, nem sequer no tempo. O pesquisador holandês resume: “Cientificamente não podemos dizer muito mais sobre o tempo que permaneceram. Passaram um ano ou várias vezes em estadias curtas. Ou talvez tenham permanecido um pouco mais, quem sabe uma década. Todas as evidências arqueológicas sugerem que sua estada foi relativamente curta”.

 

Ø  Ken Follett: “Os vikings eram como a máfia da Idade Média: violentos, ladrões e assassinos”

 

Retorno a Kingsbridge. Ken Follett volta ao mundo que começou a construir em Os Pilares da Terra com uma nova novela, a quarta, sobre a cidade e seu priorado. Neste caso, depois de duas sequências, nas quais avançou do século XII do primeiro livro até o XIV e o XVI de Mundo Sem Fim e Coluna de Fogo, respectivamente, retrocede ao final do século X em uma prequelaThe Evening and the Morning (“a noite e a manhã”, inédito no Brasil), que mostra as origens de um lugar que já faz parte do grande mapa universal das ficções literárias. No romance, três protagonistas principais, uma nobre normanda, Ragna, um construtor de navios, Edgar, e um monge, Aldred, rodeados por uma constelação de secundários, enfrentam um grande elenco de vilões tendo como sombrio pano de fundo a Alta Idade Média na Grã-Bretanha e a ameaça dos vikings. Como é habitual em Follet (Cardiff, 71 anos), muita emoção, muitos sentimentos, muito sexo e muitas páginas (930). A entrevista com o autor foi feita através de videoconferência.

Entre os quatro romances, de 1989 a 2020, Ken Follet já passou os últimos 30 anos na Idade Média; é o que costumava levar a construção de uma catedral. “É verdade”, ri Follet com seu habitual bom humor. “Na época não era muito. Pelo menos minha saga não durou tanto como a Sagrada Família; se não, eu já teria morrido”. De novo nos encontramos com uma Idade Média, neste caso a Alta Idade Média, ainda mais dura, em que não gostaríamos de ter vivido, para não falar do banho uma vez por ano, da escassez de livros e do quase nulo uso de roupa interior. “Sem dúvida, mas isso é parte de seu atrativo; sentimo-nos à vontade ao ler sobre gente que passa mal, que sofre sempre de fome e frio e padece terríveis violências, enquanto nós estamos comodamente instalados em um sofá, num cômodo aquecido, depois de jantar bem e com uma taça de conhaque na mão.”

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No romance assistimos a mortes brutais (o próprio Edgar, de resto ótima pessoa, amassa os miolos de um viking com a tocha deste), infanticídios, estupros, deflorações, doenças venéreas, execuções… Em uma passagem, um réu é castrado com um alicate e em seguida o verdugo o cega afundando os dedos em seus olhos. Troço impressionante, essa Alta Idade Média! “Era assim de selvagem, mas não devemos nos esquecer de que, à parte a nossa acomodada existência na Grã-Bretanha ou na Espanha, em algumas partes do mundo hoje continua sendo assim. A tortura continua existindo, como a mutilação e a crueldade contra crianças.”

Já a partir da capa, com um drakkar, sugere-se que se trata de um romance de vikings. Na verdade, estes são bastante secundários, estão em segundo plano, exceto pela incursão no princípio (com algumas mulheres guerreiras, aliás) e a batalha na praia, além da menção de passagem a Sven Barba-Bifurcada. “Sim, sua função no relato é ser uma ameaça constante. Eles assustavam muitíssimo, mas não estão em cena no romance frequentemente, só algumas vezes. Entretanto, todo mundo os teme. A verdade é que eu não queria escrever um livro excessivamente violento, desagradável, e se é dado um papel relevante aos vikings você não pode escapar dessa violência contínua. São um bom elemento, conferem um ponto de interesse, mas é um perigo que condicionem a narrativa. É melhor tê-los longe, à espreita.” Follet confessa que não tem particular interesse pelos vikings. “Vi a série Vikings, claro. As pessoas acham os vikings atraentes, mas eu discordo. Minha visão é diferente. Eram um povo de escravistas, assassinos e ladrões, parecem a máfia daquele tempo. Tem gente que acha a máfia atrativa, mas eu não.”

Edgar é um artesão construtor de navios e, no começo do livro, achamos que acabará construindo um belo drakkar. “Bom, constrói uma pequena embarcação de estilo viking, mas Edgar não é um guerreiro, essa não é sua função. Ele constrói barcos e outras coisas, um canal, uma ponte, uma igreja. É um homem criativo, um construtor.” Este novo romance volta a demonstrar o interesse e a paixão de Ken Follet pelo artesanato, a engenharia e a bricolagem. Desde como se constrói um transbordador de rio a um arco de meio ponto, passando pela maneira como se falsifica moeda. “Acredito que construir foi sempre muito importante na história. Há um construtor neste livro como havia em Mundo Sem Fim e em Os Pilares da Terra… Os construtores me fascinam, construíram a Inglaterra, as casas, os canais, as pontes, as igrejas. Criar um país não é só coisas espirituais, há uma parte material, física.”

·         Ragna e Emma da Normandia

O novo romance mostra mulheres muito fortes, Ragna, sua mãe, a mãe de Edgar, a mãe do conde Wilf, Cwenburg, que se casa com dois homens ao mesmo tempo… “Ragna tem que lutar muito para ser poderosa e livre, isso não lhe vem automaticamente. A verdade é que a história apoia o tipo de personagens femininas que descrevo, a possibilidade de que uma mulher pudesse ser livre e poderosa nessa época. Claro que eram casos excepcionais, mas houve. Para Ragna, me baseei em parte na Emma da Normandia (987-1052), que como ela chegou à Inglaterra para se casar. No caso com o rei Etelredo e depois com seu sucessor, Canuto, o viking dinamarquês que conquistou o reino. Mais tarde reinou o filho que teve com Etelredo, Eduardo, o Confessor. Emma esteve no centro político da Inglaterra durante décadas. E demonstra que era possível uma personagem como a minha Ragna. Isso me deu confiança. Na história sempre houve mulheres e homens que se rebelaram contra o papel que pareciam condenados a ter, são os mais interessantes.”

Há muito sexo em The Evening and the Morning, com algumas cenas realmente tórridas. “Há sexo em meus relatos porque a tensão emocional exige uma resolução física. É como em Anna Karenina, em que o conflito interno se resolve com ela atirando-se às vias do trem. Ou em Rebeca, com Manderley sucumbindo ao fogo. Quando duas pessoas estão apaixonadas, uma cena de sexo é a resolução natural dessa tensão emocional. É importante para o leitor: quando ao longo de centenas de páginas eles se conectaram com essa história de amor, querem desfrutar de sua consumação. São razões realmente literárias.” Bom, mas além desse sexo amoroso há outro de perfil bem diferente, incluída a felação em um bispo. “Há mil anos o sexo era usado igual agora, como forma de perseguição e tortura, e os homens o empregavam também como hoje, como expressão de poder. Há alguns anos entrevistei uma série de detetives especialistas em crimes sexuais e todos concordaram que o estupro não tem a ver com sexo, e sim com poder.”

Se os vikings aparecem muito em segundo plano, o medo da virada do milênio simplesmente não entra. É estranho em se tratando de um romance ambientado em torno do ano 1000. “É verdade, havia gente que achava que chegaria o fim do mundo nessa data, e ignorei. Era um terror falso, evidentemente, e fazê-lo aparecer significava introduzir um elemento decepcionante na novela, gerar expectativas de algo que não ia acontecer.”

O romance mostra com exatidão que a Igreja demorou a estender seu controle sobre a sociedade. Vemos como nessa época o casamento estava fora da sua jurisdição. “A Igreja ainda era fraca, sua influência era sobretudo moral, a introdução do cristianismo na Inglaterra foi muito lenta. Nessa época os vikings ainda eram pagãos.” A dicotomia moral está muito exacerbada em The Evening and the Morning, com mocinhos muito bons e vilões muito malvados. “Acredito que haja gente boa e gente má. Costumam ser vistos matizes, sobretudo por parte da crítica literária, e se diz que todos temos uma parte boa e má. Eu não penso assim. Na vida real há gente muito má, e também gente muito boa. Eu gosto que nos meus romances o grande malvado seja desprezível, e o mocinho seja adorável. São decisões literárias. Em todo caso, nos meus romances os mocinhos e vilões funcionam muito bem”. Follet prefere os vilões? “É muito mais fácil criar um malvado, eles me divertem mais. Os bonzinhos podem ser um pouco chatos.”

Em The Evening and the Morning, Ken Follet faz uma arqueologia de sua própria criação, descrevendo as origens de Kingsbridge na aldeia de Dreng’s Ferry. “Foi muito bonito, sim, comecei com Os Pilares da Terra e fui para trás me perguntando que aconteceu 200 anos antes. Eu me diverti muito. Interessa-me especialmente como chegou a prosperidade, como esse lugar pequeno se transformou com o tempo em uma cidade próspera. Esse processo me parece algo fundamental. Passamos fome e frio na maior parte da nossa história, e ver de onde saiu a riqueza de que desfrutamos, saber de onde vem, para mim é apaixonante.”

Seria este livro uma despedida da Idade Média? “Não é um adeus definitivo, talvez um até logo. Não neste momento, mas, sim, mais adiante é muito possível que retorne. Certamente haverá outro romance, e se passará em Kingsbridge.” Muitos leitores que apreciaram O Buraco da AgulhaA Chave de RebeccaVoo Final e Jackdaws gostariam que Follet voltasse à Segunda Guerra Mundial. “É uma possibilidade, mas atualmente tem muita gente fazendo thrillers ambientados nessa época, está muito na moda. Na verdade, não acredito que volte, embora, quem sabe, se encontrar uma boa história…”

Falando em A Chave de Rebecca (1980), pergunto a Follet se não se surpreendeu ao ver que após seu romance saía O Paciente Inglês (1992), de Michael Ondaatje, sobre uma história com tantos pontos de contato, embora Follet tenha deixado passar o conde Almásy. “Vi que a inspiração era a mesma e quando deram um prêmio a Ondaatje e nos vimos, eu lhe disse: ‘Você percebe que O Paciente Inglês se baseia na mesma história de espionagem?’. Respondeu-me que sim. Os dois romances têm muito a ver, embora um seja um thriller, e o outro um romance literário em que na verdade nada acontece: o protagonista está o tempo todo na cama.”

Follet reconhece que O Paciente Inglês “era bastante bom, com uma atmosfera potente, embora não seja o meu tipo de romance, não tenha muito argumento”. Do filme diz que gostou. “Vi com Frederick Forsyth, e ao acabar ele tinha dormido.”

·         “As medidas contra a Covid já eram usadas na Peste Negra”

Ken Follet, que descreveu a Peste Negra, tem alguma chave para a pandemia atual? “Surpreendeu-me quantas medidas que usamos agora contra a covid-19 foram empregadas contra as pragas no século XIV. As freiras que cuidavam dos doentes desenvolveram as máscaras de linho para se protegerem e lavavam as mãos com frequência, quando então não se tinha muita higiene. O próprio conceito de quarentena é inventado com a Peste Negra, que aliás não desapareceu – ela retornou para continuar afligindo a humanidade. Nós a tivemos em Londres no tempo de Shakespeare; as pessoas partiam para o campo quando havia surtos. Suponho que a covid-19 evoluiria como outras doenças, embora esperemos que não seja igual e tenhamos uma solução permanente.”

Acha que a pandemia pode ser um antídoto contra o Brexit? “Não, não funciona assim. Não acho que a luta contra o vírus tenha nos unido na Europa, pelo contrário: é cada um na sua. Não acredito que o Brexit se freie, não vejo esse efeito. Vamos continuar, e em 30 anos nossos filhos voltarão a bater na porta da Europa para que lhes deixem voltar a entrar, e então lhes dirão que não.”

Quanto a Notre Dame, mostra-se confiante de que “com a Olimpíada de 2024 já se possa celebrar missa normalmente na catedral”, embora a restauração total leve mais tempo. “O principal era consolidá-la e reforçá-la para que depois do incêndio não caísse. Essa fase já está feita.”

 

Fonte: El País

 

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