Tratamento com
remédio para depressão pode ser um mito?
Um estudo que apontou que a depressão não é causada
por baixos níveis de serotonina, o "hormônio da felicidade",
tornou-se um dos artigos médicos mais comentados e compartilhados dos últimos
meses.
A
conclusão provocou uma onda de informações equivocadas sobre medicamentos
antidepressivos, muitos dos quais aumentam a quantidade de serotonina no
cérebro.
A
pesquisa, porém, não aponta que essas drogas não são eficazes ou não conseguem
ajudar os pacientes.
Por
outro lado, também provocou algumas perguntas genuínas sobre como as pessoas
tratam doenças mentais.
Depois
que a britânica Sarah teve seu primeiro grande problema psiquiátrico, aos 20 e poucos
anos, os médicos lhe disseram que a medicação prescrita era como "insulina
para diabéticos".
Para
eles, era algo essencial: disseram que o medicamento corrigiria um problema
químico em seu cérebro e precisaria ser usado por toda a vida.
Sua
mãe tinha diabetes tipo 1, então ela levou isso muito a sério.
Sarah
permaneceu usando as drogas, embora elas a fizessem se sentir pior.
Eventualmente, ela "ouvia vozes ameaçadoras" que pediam para ela se
matar. Ela também fez terapia eletroconvulsiva (ECT).
No
entanto, a alegação de que Sarah precisava da droga como um diabético precisa
de insulina não foi baseada em nenhuma evidência científica.
"Me
senti traída pelas pessoas em quem confiava", diz ela.
Sua
reação negativa às drogas foi extrema, mas o argumento de "desequilíbrio
químico" como causa da depressão não é algo incomum.
Muitos
psiquiatras disseram saber há muito tempo que os baixos níveis de serotonina
não são a principal causa da depressão. Portanto, o recente artigo não traria
nada de novo.
Porém,
a grande repercussão da pesquisa indica que ela foi uma novidade para muita
gente.
O
problema é que usar o artigo para argumentar que os antidepressivos não
funcionam é um salto impreciso.
E
os médicos temem que, na confusão, as pessoas possam parar de tomar a medicação
abruptamente e correr o risco de sérios efeitos de abstinência.
O
Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados (Nice), do Reino Unido,
diz que o uso desses medicamentos não deve ser interrompido de maneira brusca,
exceto em emergências médicas. Reduzir a dose lentamente pode minimizar os
sintomas de abstinência, diz o órgão.
·
O que a pesquisa mostrou?
Essa
última pesquisa analisou 17 estudos e descobriu que pacientes com depressão não
tinham níveis diferentes de serotonina em seus cérebros em comparação com
pessoas que não enfrentam o problema.
A
descoberta ajuda a descartar uma possível maneira pela qual as drogas podem
funcionar — corrigindo uma deficiência.
O
psiquiatra Michael Bloomfield, de Londres, faz uma comparação:
"Muitos
de nós sabemos que tomar paracetamol pode ser útil para dores de cabeça, mas
acho que ninguém acredita que as dores de cabeça são causadas por paracetamol
insuficiente no cérebro", ressalta.
·
Então, os antidepressivos funcionam?
A
pesquisa aponta que os antidepressivos funcionam apenas um pouco melhor do que
os placebos. Há debates entre os pesquisadores sobre o quão significativa é
essa diferença.
Dentro
dessa média está um grupo de pessoas que experimenta resultados muito melhores
com antidepressivos. O problema é que os médicos simplesmente não têm como
saber se seu paciente é uma dessas pessoas.
Algumas
pessoas que tomam antidepressivos dizem que as drogas ajudam bastante em uma
crise de saúde mental ou permitem um controle melhor dos sintomas da depressão
no dia a dia.
A
professora Linda Gask, do Royal College of Psychiatrists (entidade profissional
de psiquiatras no Reino Unido), afirma que os antidepressivos são "algo
que ajuda muita gente a se sentir melhor de maneira rápida", especialmente
em uma crise.
No
entanto, uma das autoras do artigo sobre a serotonina, a professora Joanna
Moncrieff, aponta que a maioria das pesquisas realizadas por empresas
farmacêuticas é de curto prazo. Então, segundo ela, pouco se sabe sobre o
desempenho dos pacientes após os primeiros meses de uso do medicamento.
"É
preciso analisar os resultados do tratamento e não manter o paciente usando o
remédio por mais tempo do que ele precisa, algo que muitas vezes não
acontece", diz Gask.
Embora
haja riscos em não tratar a depressão, algumas pessoas vão experimentar sérios
efeitos colaterais dos antidepressivos — os autores do estudo sobre serotonina
dizem que esses danos precisam ser comunicados com mais clareza pela indústria.
Os
efeitos podem incluir pensamentos e tentativas de suicídio, disfunção sexual,
entorpecimento emocional e insônia, de acordo com o Nice.
Há
alguns meses, os médicos do Reino Unido foram orientados a prescrever terapia,
exercícios e meditação para pacientes com depressão menos grave.
·
O que se falou sobre a pesquisa?
Reações
ao estudo sobre a relação entre serotonina e depressão diziam que a pesquisa
comprovou que a prescrição de antidepressivos foi "construída sobre um
mito".
Mas
isso não é verdade.
O
problema desse argumento é que o estudo não analisou o uso de antidepressivos.
A
serotonina desempenha um papel no humor, então ajustá-la pode fazer as pessoas
se sentirem mais felizes, pelo menos a curto prazo, mesmo que não tenham níveis
do hormônio anormalmente baixo. Também pode ajudar o cérebro a fazer novas
conexões.
Outros
afirmaram que a pesquisa mostra que a depressão nunca foi uma doença no cérebro
das pessoas, mas uma reação ao ambiente.
"Claro
que são os dois", diz Mark Horowitz, um dos autores do artigo. "Sua
genética afeta a sua sensibilidade e o estresse, por exemplo."
Mas
algumas pessoas podem ser melhor tratadas com "aconselhamento sobre
relacionamento, aconselhamento financeiro ou mudança de emprego" do que
com medicamentos.
No
entanto, Zoe, que mora no sudeste da Austrália e sofre de depressão e psicose severas,
diz que redefinir a depressão como um "angústia que desapareceria se
apenas consertarmos todos os problemas sociais" também é muito simplista.
Para
ela, esse conceito negligencia pessoas com problemas mais graves de doença
mental.
A
psicose é algo recorrente em sua família, mas seus episódios geralmente são
desencadeados por eventos estressantes.
Zoe
diz que encontrou medicamentos, incluindo antidepressivos, que mudaram sua
vida.
Para
ela, "vale a pena enfrentar os efeitos colaterais dos remédios", pois
eles evitam episódios graves.
E
isso é um consenso entre os especialistas que falaram com a BBC News: os
pacientes precisam ter mais informações para poder tomar a decisão que melhor
lhes convém.
Fonte:
BBC News
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