EMPRESÁRIOS DO
AGRONEGÓCIO QUE FORAM À CHINA DEVEM 32 MILHÕES DE REAIS AO IBAMA
O
grupo de empresários do agronegócio brasileiro que foi à China na semana
passada incluiu representantes de empresas que devem mais de 32 milhões de
reais em multas ambientais ao Ibama. A comitiva, organizada pelo Ministério da
Agricultura e Pecuária, acompanharia compromissos do presidente Lula, que
acabou não viajando por causa de uma pneumonia.
A
principal devedora é a JBS, maior processadora de proteína animal do mundo: a
empresa tem 37 multas pendentes, num total de 26,7 milhões de reais. A Suzano,
que atua no setor de celulose, aparece com uma infração no valor de 5 milhões
de reais. O levantamento usou dados da Receita Federal e do Ibama e foi feito
pelo estúdio de inteligência de dados Lagom Data, por encomenda do Observatório
do Clima, uma coalizão de ONGs da área ambiental.
A
comitiva de empresários foi montada pelo ministro da Agricultura, Carlos
Fávaro, a pedido de Lula, conforme noticiou O Globo. A lista original incluía
102 representantes de vários setores do agronegócio, mas alguns deles
desistiram da viagem ao saber que o presidente não poderia ir. O objetivo da
comitiva era facilitar oportunidades de negócios entre empresários brasileiros
e chineses. Cada um bancou as próprias despesas com a viagem.
A inclusão de infratores ambientais na
comitiva de empresários levanta dúvidas sobre o comprometimento do governo Lula
com a luta contra o desmatamento. O presidente se elegeu e tomou posse com a
promessa de fazer do combate à mudança do clima uma prioridade de governo e um
tema transversal de suas políticas públicas. A piauí quis saber do Ministério
da Agricultura se a presença de empresas infratoras não contradiz o discurso do
governo, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.
A
comitiva montada pelo ministério incluiu gigantes do agronegócio. A JBS viajou
com oito representantes, entre eles os irmãos Joesley e Wesley Batista, sócios
do grupo. A empresa responde por 83% do valor das multas contabilizadas no
levantamento. A maior parte dos 26,7 milhões de reais em infrações corresponde
a multas que a empresa recebeu em março de 2017, quando o Ibama deflagrou a
Operação Carne Fria. Essas multas estão em fase de recurso e, portanto, ainda
não foram pagas. Na época, a JBS foi acusada de comprar gado de áreas
desmatadas ilegalmente. Reportagem da piauí mostrou que a empresa comprou mais
de 21 mil cabeças de gado criadas em áreas griladas e desmatadas no Pará entre
2018 e 2021 – prática adotada também por
outros cinco dos dez maiores frigoríficos do país.
“A
gente quer saber quando é que a JBS, em vez de ir para a China com multas
ambientais na bagagem, vai apresentar seu sistema de rastreamento ambiental
finalizado e entregar a certeza de que não contribui para o desmatamento”,
disse à piauí o ambientalista Marcio Astrini, secretário executivo do
Observatório do Clima. Procurada pela reportagem, a JBS afirmou que as multas
em questão foram suspensas – mas não é o que consta no banco de dados do Ibama.
A
China é o maior parceiro comercial do Brasil, tendo importado o equivalente a
quase 90 bilhões de dólares em bens brasileiros no ano passado, de acordo com o
Itamaraty. No cenário da diplomacia climática global, trata-se do país que mais
emite gases do efeito estufa, mas é também o líder no crescimento das energias
limpas.
O
assessor especial da Presidência e ex-chanceler Celso Amorim havia sinalizado
que a agenda climática seria um tema central da viagem à China, que incluía uma
reunião de Lula com o presidente chinês, Xi Jinping. Havia a expectativa de
que, durante a visita, fosse anunciado o lançamento de um satélite desenvolvido
pelos dois países para monitorar com melhor resolução o desmatamento da
Amazônia. Especulava-se também sobre uma possível declaração conjunta dos dois
países sobre a crise climática.
“Tudo
o que a gente gostaria da China hoje é que ela ajudasse a colocar regras para
empresas que desrespeitam o meio ambiente e estão ligadas ao desmatamento da
Amazônia, como é o caso da JBS”, disse Astrini, do Observatório do Clima. O
ambientalista defende que, a exemplo do que fez a União Europeia, o país
asiático adote medidas que impeçam suas empresas de importar commodities
associadas à destruição de florestas. “Uma legislação como essa na China
causaria um efeito muito positivo de pressão para que a iniciativa privada
atuasse sobre a questão do desmatamento.”
A
Suzano aparece em segundo lugar no ranking de multas elaborado pela Lagom Data.
A empresa deve 5 milhões de reais por uma infração registrada em Caravelas, no
Sul da Bahia, em setembro de 2022. Em nota enviada à piauí, a Suzano alegou que
a acusação do Ibama é improcedente e disse já ter apresentado sua defesa para a
autoridade ambiental. “A companhia reforça que está operando estritamente
dentro da legalidade e aguarda a avaliação da defesa apresentada”, diz a nota.
No
levantamento, aparece ainda a Ecoplan Engenharia, que foi representada na
comitiva brasileira por seu CEO, Júlio Fortini de Souza. A empresa deve 289 mil
reais ao Ibama por uma infração relativa à fauna em Canapi (AL), na região do
Vale do Rio São Francisco. A Cooperativa Central Aurora, que levou um de seus
gerentes à China, deve 9,9 mil reais por uma multa aplicada em São Gabriel do
Oeste (MS). Já a Marfrig Global Foods, representada na comitiva por seu diretor
comercial, deve 9 mil reais por uma infração em Mineiros (GO). A Marfrig alegou
em nota que a multa em questão foi arquivada pelo Ibama, e que “segue forte no
propósito de tornar sua cadeia de valor livre de desmatamento”. No entanto, a
infração ainda aparece como pendente na base de dados. Procuradas pela piauí,
as demais empresas não se pronunciaram. O espaço segue aberto para
manifestações.
O
levantamento da Lagom Data usou como ponto de partida a lista completa de CNPJs
das empresas que participaram da comitiva organizada pelo Ministério da
Agricultura, e levou em conta também todas as participações societárias das
pessoas enviadas por essas empresas. As informações foram então cruzadas com os
bancos de dados públicos de multas ambientais publicados pelo Ibama. Foram
excluídas do levantamento as multas quitadas, baixadas, canceladas ou com
exigibilidade suspensa; os valores incluídos se referem a autos notificados ou
em fase de recurso, que ainda não foram quitados ou cancelados. A base não
detalha o histórico das infrações. Os dados foram coletados em 16 de março e
checados novamente no dia 27.
Família que ataca Guarani Kaiowá no MS
explora madeira na Amazônia
O
Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a organização indígena Aty Guasu
denunciaram na última terça-feira, 27 de março, mais um ataque ilegal à
comunidade Kurupi/Santiago Kuê, localizada em Naviraí (MS). Sob escolta da
Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, funcionários da Fazenda Balneário do
Tejuí avançaram com tratores sobre a comunidade, destruindo barracos e
instrumentos sagrados da retomada. Duas semanas antes, no dia 16 de março,
indígenas registraram, em vídeo, um helicóptero sobrevoando a comunidade
enquanto pistoleiros atiravam sobre as casas.
A
disputa pelo tekohá – o “espaço vital” na cosmologia Guarani – se estende desde
2014, quando o proprietário do imóvel, o fazendeiro Miguel Alexandre, impetrou
uma ação de reintegração de posse contra os indígenas. Ele e o irmão Pedro,
falecido em 2019, eram donos da cerealista Irmãos Alexandre e possuem, juntos,
nove fazendas em Naviraí, totalizando 1.214 hectares.
Mas
os negócios da família vão muito além da região do conflito. A 1.800 km dali,
em Juína (MT), próximo à divisa com Rondônia, o filho de Pedro, Joaquim Augusto
Alexandre, é dono da Fazenda Água Boa, com 4.772 hectares, e da serraria JMC
Madeiras. Em dezembro de 2022, ele se tornou alvo de um inquérito civil movido
pelo Ministério Público do Mato Grosso (MPMT) para apurar um desmatamento
ocorrido no imóvel.
Segundo
dados levantados junto à Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema-MT),
entre julho a dezembro de 2022 foram desmatados cerca de 258 hectares de
floresta amazônica, entre degradação e corte raso. A ação judicial busca
identificar se foram cumpridas as condicionantes da Autorização para Exploração
Florestal (Autex) nº 3591/2022, que liberou a atividade madeireira em até 1.623
hectares do imóvel, com validade até julho de 2023.
FAMÍLIA
PROMOVE ATAQUES A INDÍGENAS DESDE 2014
Em
2005, cerca de 13 famílias Guarani Kaiowá ocuparam uma área próxima à rodovia
BR-163, nas imediações do município de Naviraí (MS). O intuito era retomar
parte de seu território tradicional, do qual foram deslocados entre as décadas
de 1950 e 1970, pela pressão de fazendeiros. Tinha início ali a longa (e
violenta) jornada da comunidade Kurupi/Santiago Kuê para garantir seu direito
ao tekohá.
Em
um dos episódios mais graves, em outubro de 2014, pistoleiros tentaram
sequestrar Ivo Martins, um ancião cadeirante, reconhecido como um dos líderes
da comunidade. Segundo denúncia do Cimi, o fazendeiro Miguel Alexandre,
proprietário da Fazenda Balneário do Tejuí, teria participado diretamente da
ação: ele dirigia a caminhonete que transportava os homens armados.
As
pressões contra a comunidade voltaram a crescer a partir de 2022, após a
fazenda ter sido arrendada para o produtor de algodão Valdecir Lunas Santos,
coautor junto com Miguel Alexandre em uma nova ação de reintegração de posse
contra os indígenas, atualmente em tramitação na 1ª Vara Federal de Naviraí.
No
mês de junho, a Polícia Militar de Mato Grosso do Sul iniciou uma série de
operações violentas na região – quase sempre sem determinação judicial e com
uso de força desproporcional. No dia 24, uma ação contra a retomada Guapoy, no
município vizinho de Amambai, resultou no assassinato do indígena Vitor
Fernandes, de 42 anos. Ao todo, oito Guarani Kaiowá, incluindo dois jovens,
ficaram feridos. O episódio ficou conhecido como “Massacre de Guapoy”.
De
Olho nos Ruralistas revelou, em reportagem, que o proprietário da fazenda onde
ocorreu o crime era o empresário Waldir Cândido Torelli, dono de um frigorífico
no Paraguai e amigo do ex-presidente Horacio Cartes: “Saiba quem é o dono da
fazenda onde Guarani Kaiowá foi assassinado, no Mato Grosso do Sul“. No mesmo
dia, a comunidade Kurupi/Santiago Kuê foi também atacada pela força policial.
Essa
área em disputa faz parte da Terra Indígena Dourados-Amambaipeguá II, que
aguarda desde 2011 a conclusão do estudo de demarcação. Diante do acirramento
da violência, o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União
e a Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul expediram hoje (29/3)
uma nota pública recomendando a finalização do processo demarcatório.
Fonte:
Revista Piauí/De Olho nos Ruralistas
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